Guardiã do Rei escrita por Miss America


Capítulo 17
Sorriso Frio


Notas iniciais do capítulo

Fiquei impressionada com vocês, tava com medo de alguém me dizer "nossa, como você é violenta blablabla"
Vocês são demais :)



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O dia estava ensolarado como nunca antes. No Acampamento, todos os dias eram ensolarados, mas este era especial. A terra estava florida e havia cheiro de rosas no ar. As plantas estavam viçosas e as sementes vingaram. Todos sabiam que aquele era o modo de Deméter avisar que estava presente no aniversário da filha.

Laura corria alegre pelos campos. Enquanto Natalie arrumava as mesas para a pequena festa que fariam em sua homenagem, Annabeth explicava para as meninas de Afrodite como costurar e bordar o vestido de doze anos da aniversariante.

Eram poucos semideuses. Há muito tempo eles não formavam um número grande. Sr D dissera qualquer coisa sobre os deuses evitarem o nascimento de mais crianças para que elas não fossem mortas pelo sistema inglês, mas Annabeth achava tudo muito suspeito... e perigoso. Havia indícios que a Batalha se aproximava, e, se faltavam semideuses, faltavam esperanças de vencer o Senhor do Tempo outra vez.

Mas aquele dia era diferente. Ela não pensaria nisso. Ninguém pensaria. Era um momento de alegrar-se, exatamente como dissera Natalie. A menina era irmã de Laura, tanto por parte divina como mortal. Deméter se apaixonara duas vezes pelo mesmo homem, e quando nasceu a segunda filha, que tinha uma pequena deficiência no rosto, o pai enlouqueceu devido às dificuldades da menina e se suicidou.

Natalie era apaixonada pela irmã mais nova. Tinham três anos de diferença entre si, e por isso Natalie agia como uma protetora de Laura. Era ela quem se lembrava do aniversário da pequena e insistia para que o Acampamento celebrasse a data. Laura não falava por causa de sua boca malformada, mas ainda assim sorria e se divertia fazendo nascer todo tipo de planta do solo com os poderes herdados da mãe.

Annabeth levava nos braços várias frutas para decorar a mesa, quando encontrou uma coruja fitando-a de cima de um pinheiro. Corujas eram comuns no Acampamento, mas aquela era diferente. Vez ou outra Atena aparecia sob a forma da ave, e era isso o que pensava Annabeth dessa vez. Mas agora a coruja tinha olhos vazios, fixos nos olhos da menina, como se tentasse se comunicar com ela. Então, Annabeth soube.

Largou as frutas ao chão, e todas rolaram para longe, mas ninguém notou. Annabeth já estivera ali. Ela já tinha vivido aquele momento antes. Estava ali de novo, e sabia o que aconteceria depois. Olhou em volta. Não encontrou Laura. Ela não poderia permitir. Não poderia.

Annabeth segurou-se às saias de seu vestido e correndo, embrenhou-se no bosque do Acampamento, que se unia com a floresta. Era a entrada mais frágil e também a saída menos disfarçada para o esconderijo dos semideuses. Era por ali que Laura havia entrado, seguindo uma corça saltitante.

Alguns metros adiante, depois de correr por alguns minutos, encontrou o animal. Era belo e possuía uma áurea brilhante. Annabeth encantou-se por ele, mas balançou a cabeça e o hipnotismo se desfez. Atrás de uma árvore próxima estava Laura, e seus olhos pareciam refletir o brilho da corça. O animal percebeu a presença da menina e correu. Laura o seguiu, cada vez mais distante do Acampamento.

Annabeth gritou tentando chamar a pequena Laura. Não havia som saindo de sua garganta. Agarrou uma pedra e tentou acertar o animal, mas a pedra o atravessou como se fosse um fantasma. Pensou em correr e avisar os outros, avisar Natalie, mas sabia em seu íntimo que era tarde. Laura corria feliz, corria feliz pela última vez em sua vida.

Annabeth chorava compulsivamente e cobria os lábios com as mãos. Sentir-se impotente diante da morte era terrível, mas agora não havia como alterar os fatos. Eles já tinham ocorrido, e ela apenas assistia como aconteceram.

Ela correu e correu, seguindo a trança caramelo de Laura açoitar o ar. A menina era rápida, e Annabeth sentia como se suas pernas estivessem pesadas. O mundo parecia afunilar-se e escurecer, e então tudo se clareou de repente.

Uma clareira aberta no centro da floresta fez Annabeth parar. Um zunido percorreu em seu ouvido, aterrorizando-a por completo. Em uma fração de segundos, uma flecha atravessou o corpo pequeno e frágil de Laura, derrubando-a no chão.

Seus olhos permaneceram abertos, fitando o sol claro que iluminava seu corpo morto.

A cena mudou. Annabeth estava no centro do pátio de julgamento real, e ela via o Rei Paul e Dern Castellan, seu ministro de defesa e intendente pessoal. Olhava com ódio para frente, e Annabeth soube quem era o alvo.

Amarrada a um tronco, estava a pequena Laura, já morta, com uma pele branca que era quase transparente. Seu ferimento estava seco, mas o vestido rosa era agora vermelho de sangue. O Rei Paul não reagiu. Não demonstrou odiar a menina, mas também não evitou que a fogueira fosse acesa. Ele simplesmente abandonou seu trono e seguiu em direção ao castelo.

Ela ouvia falar que o rei negava-se a presenciar coisas que não queria ver. Ele apenas fechava os olhos e deixava que os outros governassem por si.

Ela viu Luke, sem expressão, ao lado do pai. Sua espada de dois gumes pendia de seu cinto, como uma ameaça constante. Pelo menos a flecha fora misericordiosa, pensou ela. Annabeth buscou com os olhos pelo príncipe, e o encontrou em cima dos telhados, tendo seu rosto iluminado pela fogueira já acesa e alta. Ele era impotente. Como ela.

A coruja de olhos vazios e tenebrosos sobrevoou o rapaz. Annabeth a encarou, sussurrando “mãe, por quê?”.

A coruja bateu as asas furiosamente em alerta, e Annabeth virou-se rapidamente para trás. A espada de Luke pousava sobre ela, sozinha, sem ninguém a manejar. Antes que Annabeth pensasse com clareza, a espada desceu e cravou-se em seu estômago.

.

.

Annabeth acordou subitamente, contraindo o abdômen como se a dor fosse real. Estava totalmente coberta pelos edredons quentes, e quando colocou a cabeça para fora, o sol das onze horas atravessou as janelas e fizeram seus olhos arderem.

Rachel estava em pé e olhava para fora pelos vitrais. Parecia abatida. Quando Annabeth sentou-se na cama, ela ouviu e se virou para a menina.

– Bom dia – seu sorriso característico era agora triste. – Conseguiu dormir?

– Sim – mentiu Annabeth. Ela estava exausta.

Rachel aproximou-se devagar e se sentou na beirada da cama.

– Desculpe-me pelo choque – ela falou, tentando deixar o assunto leve com um sorriso um pouco maior. – Você a conhecia?

Annabeth vinha mentindo há dias que viera do antigo condado de Lortland. Mas a presença de Natalie quase comprometera seu disfarce.

– Sim – ela sussurrou. – Era uma amiga. Mas nunca poderia imaginar que...

– Que ela era uma semideusa – completou Rachel. – Triste modo de descobrir a verdade. Acho que não suportaria algo assim.

Annabeth engoliu em seco. Detestava ser tão falsa.

– É muito difícil – ela argumentou, sentindo as bochechas corarem, mas Rachel pareceu não notar.

– Imaginei. Por isso deixei que dormisse. Perdeu apenas algumas notícias.

Então Annabeth se lembrou de Perseus.

– E o príncipe? – perguntou, com o coração na mão.

Rachel suspirou.

– Sacerdote Bernard agora cuida do rei e do príncipe – ela brincou. – Percy teve um choque maior que o meu ontem. Falava coisas sem sentido – Rachel lembrou. Annabeth presenciou a loucura repentina do príncipe, e isso lhe custou o sono: - Fritz lhe deu uma bênção, e então Bernard fez o menino beber leite de papoula, já que não se aquietava. Está dormindo desde ontem. Sally está desesperada.

Annabeth se alegrou por não ter perdido Perseus de vista, mas obrigou-se a fazer a pergunta que mais tinha medo.

– E... quanto a... ordem de a-assassinato? – ela gaguejou.

– Esse é o grande problema do conselho agora – Rachel respondeu. – Metade afirma que Percy não estava em juízo perfeito para mandar, e a outra diz que sua ordem já deveria ter sido cumprida há muito tempo, já que semideuses apenas servem para matar – Rachel tinha olheiras sob os olhos, e falava sem ânimo. – Como ninguém chega a um acordo, o ministro Castellan pôs tropas para além das muralhas da cidade em busca de semideuses que podem estar rondando o castelo.

Annabeth lembrou-se do olhar do ministro em seu sonho, e um arrepio a percorreu.

– Serão mortos? – pediu ela.

– A ordem era somente para prender – Rachel contou. – Mas todos conhecem a fama de Dern Castellan. Sem dúvida, se alguém for encontrado, não chegará vivo nem aos portões.

Rachel parecia tensa.

– E... o que pensa? – perguntou Annabeth. Rachel refletiu por alguns segundos antes de responder.

– Luke foi... cruel. Confesso que... senti nojo dele – ela disse, mas em tom confidencial. Então, mudou o jeito de falar: - Annabeth, por favor, passe o dia comigo? Ainda estou um pouco assustada, e não quero sair do quarto. Está tudo muito estranho pelo castelo, e Percy parece que só irá acordar amanhã – seus olhos eram infantis.

– É claro – Annabeth surpreendeu-se com o pedido. – Sou sua dama de companhia, é meu dever.

E ambas passaram o dia conversando para tentar evitar o silêncio. Quando ele era inevitável, as lembranças da tragédia do dia anterior pareciam inundar o gigante quarto de Rachel com uma atmosfera pesada. Annabeth lembrava-se do príncipe assustado e da expressão vingativa de Natalie. Tentava se concentrar no significado de seu sonho, mas não tinha forças para pensar na pequena Laura caída na clareira.

Torcia internamente sem cessar para que nenhum semideus fosse encontrado.

Laura. Natalie. Filhas de Deméter. Deméter! Annabeth lembrou-se de reconhecê-la. Estava entre as visitas reais ao baile do príncipe. Se ela estava ali... mais algum deus estaria?

Com esse pensamento em mente, ofereceu-se para ir buscar queijos e leite fresco em determinado momento da tarde. Até chegar realmente na cozinha, patrulhou todo o castelo em busca de reconhecer outro deus. No Acampamento, ouviam falar que os deuses passeavam pelo reino e também por outras partes do mundo em formas humanas. Com a poderosa Névoa, confundiam a mente dos mortais e viviam entre eles.

Mas... por que haveriam deuses no castelo? Annabeth lembrou-se de Ártemis confessando que sabia quem era o herói. Mas nenhum deus importou-se em avisar o Acampamento, e eles não possuíam mais o Oráculo. Algum deus olimpiano poderia querer algo de Percy?

Annabeth mantinha todos estes pensamentos ávidos em sua mente, quando deparou-se com Luke vindo na direção contrária do corredor. Como sempre, sua espada pendia da cintura, e agora Annabeth sabia que ela era poderosa. Mas só havia um modo de Luke ter contato com bronze celestial.

Ele vinha andando muito sério e quase não notou Annabeth. Alguns metros antes, ele a viu e sorriu, erguendo as sobrancelhas.

– Boa tarde, senhorita Chase – ele cumprimentou alegre. – Não a vejo desde ontem. Como vai?

Annabeth engoliu a sensação de pavor e tentou parecer ao máximo natural.

– Estou me recuperando. E o príncipe?

Luke encolheu os ombros.

– Dormindo, sob efeito do leite de papoula. Ainda dizia estar se afogando, e sentia dores fortes de cabeça. Não dormia. Foi necessário apagá-lo por algumas horas. O sacerdote disse-me que acordará amanhã, renovado – ele parecia tão normal. – E a senhorita Dare?

– Está um pouco assustada ainda – Annabeth respondeu. – Mas está bem.

Silêncio. Annabeth analisava Luke, tentando encontrar algo nele que o denunciasse. Ele estava muito tranquilo para alguém que assassinou uma pessoa um dia antes, mas talvez já estivesse acostumado.

O sorriso animado de Luke tornou-se malicioso.

– Você conhecia Natalie – ele disse, mas não era uma pergunta.

– Amigas – falou abruptamente Annabeth, o que era uma meia verdade. – Éramos de Lortland.

Luke aproximou-se a passos lentos.

– Sempre ouvimos histórias sobre um lugar especial onde se refugiavam semideuses – ele contou, como quem não quer nada.

Annabeth tentou parecer surpresa.

– Interessante senhor.

Os olhos azuis dele eram frios e fitaram Annabeth por alguns segundos.

– Sabe, Chase, não gosto de semideuses. Nenhum tipo. E agradeço a quem quer que reja o universo pelo fato de não ser um deles.

– Entendo – Annabeth era vaga, tentando instigá-lo a falar mais.

Ele apoiou a mão sobre o punho da espada.

– Talvez tenha se apiedado de sua amiga – ele falou, frio – mas, vou avisá-la, senhorita. Aquela menina quase matou o próximo rei. O único. Ela era uma assassina.

– E você matou uma garota – Annabeth irritou-se. – Assassino – ela deu de ombros, falando de forma inocente.

O cenho de Luke franziu-se lentamente.

– O que fiz foi cumprir leis, senhorita – sua voz era grave. – Sempre as cumprirei, pois são justas. Peço que não demonstre tanta afeição por esses seres, ou será dada como traidora de seu rei. E eu gosto de cumprir a lei – ele sugeriu, e seu sorriso retornou. – Mas... você é bonita demais para morrer. Principalmente por execução.

Ele deu um passo à frente, e Annabeth mantinha a guarda alta. Ele ergueu a mão e afastou uma mecha do cabelo loiro do rosto dela de forma delicada. Deixou a mão ali, fazendo a bochecha de Annabeth avermelhar-se.

– Posso protegê-la, se assim desejar – ele disse, a voz baixa como um sussurro.

Annabeth ficou sem reação, mas não enfraqueceu.

– Eu agradeço – ela engoliu em seco, e quando tentou se afastar, Luke segurou seu pulso esquerdo com força.

– Vamos conversar melhor sobre isso – ele sugeriu. – Não há ninguém nos corredores hoje.

Agora Annabeth se via sem chance de escape. A mão de Luke pousou em seu pescoço, e sua pele se arrepiou. Quando já estava preparada para chutá-lo entre as pernas, alguém pigarreou.

– Senhor Castellan – falou a voz sempre hesitante e tímida de Caleb.

Luke soltou Annabeth e se virou para o rapaz atrás de si.

– Volte depois – Luke disse com uma fria cortesia.

– É-é urgente, s-senhor – o menino tremia. Agora Annabeth sabia por que Caleb estava sempre por perto. Além de ser o criado com as melhores feições, era o mais fácil de ser dominado.

Luke bufou com ódio.

– Certo – ele falou de forma grosseira. – Mas, se abrir essa maldita boca sobre alguma coisa que viu aqui, arranco pessoalmente sua língua e faço você engolir – ele ameaçou.

Caleb assentiu ansioso e se afastou. Quando Luke se virou de volta para Annabeth, ela já estava distante. A menina tremia dos pés à cabeça e, ao olhar para trás para certificar-se que Luke não a seguia, o menino sorriu para ela. Mas seu sorriso já não era inocente.


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Notas finais do capítulo

Bem... o cap ia ser postado na frase "eu gosto de cumprir as leis", mas achei que a Annie tava sofrendo pouco demais xD
Espero que ninguém fique O.o "Luke você é safadjenho demás" porque isso é/era comum na época.
E também porque o Luke não vai servir aos meus propósitos iniciais, então estou tornando ele "dumal" em outros pontos.
Tchau, gente :D