A Mansão Subterrânea escrita por Justine


Capítulo 6
A face bonita do monstro




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/274212/chapter/6

Luísa havia caído em uma cova escura e muito funda. A garota não entendia o que estava acontecendo: parecia que estava em outro mundo! Ela andou durante algumas horas, até encontrar uma mansão magnífica. Almejando encontrar água, comida e um lugar para descansar, ela bateu na porta, mas ninguém atendeu. Ao girar a maçaneta, a porta abriu-se e ela conseguiu entrar. Para sua surpresa, o interior da mansão era digno de uma cena de fime de terror: era suja e escura, as cortinas das janelas rasgadas e retalhos pretos pendiam do teto. Mesmo assustada, ela entrou num corredor que ficava um pouco mais a frente. Foi quando uma jovem de belos cabelos loiros, trêmula e machucada, vestindo roupas que pareciam ter sido brutalmente rasgadas, apareceu e, lançando-se de joelhos em sua frente, começou a soltar os gritos mais desesperados que Luísa já escutara, enquanto chorava convulsivamente:

- Ajude-me! Ajude-me!

A garota estava de cabeça baixa e Luísa não conseguiu ver seu rosto. Então ignorou-a e adentrou o corredor escuro. Parou ao ver uma porta entreaberta a sua direita. Olhou para o cômodo atrás dela e viu dois garotos acorrentados, aparentando fraqueza física. Circulando em volta deles, como um tubarão ronda sua presa antes do ataque estava ele, o sequestrador!

No início do corredor, a garota loira ainda gritava, como uma condenada:

- Ajude-me!

A respiração ofegante de Luísa denunciava o quão horrível foi o seu pesadelo. Devagar, desenconstou-se do ombro de Lúcia. Ela e os meninos cochilavam desconfortavelmente. Uma das lanternas estavam acesas; as outras três estavam reunidas e apagadas no chão.

- Vamos deixar apenas uma das lanternas acesas - disse Pedro, antes de todos pegarem no sono - Depois a trocamos por outra e assim vamos revesando, sim?

A ideia do garoto havia sido mesmo brilhante.

Luísa esfregou os olhos. Gostaria de acreditar que tudo o que estava acontecendo naquele momento era tão irreal quanto o sonho que acabara de ter. Queria acreditar que dali a alguns minutos acordaria no quarto de hóspedes da fazenda e iria até o banheiro na ponta dos pés para não acordar Lúcia que dormia na cama ao lado, trocaria de roupa e depois iria até a varanda, desejaria um bom dia a seu Augusto, brincaria com os filhotes de pastor, contaria a Pedro sobre um sonho maluco que tivera, onde eles iam até uma serra e caíam nas garras de um sequestrador que os mantinham num buraco sob ameaças horríveis e Pedro ia rir, ia rir muito e depois disso, ela ia brigar com Roberto por causa de qualquer bobagem. 

Mas infelizmente aquilo era muito real. 

Tão real quanto a dor que sentia no corpo devido a queda, e quanto ao cheiro horrível que ela e seus amigos sentiram desde o princípio e quanto aquele imenso lençol verde e encardido que ocultava algo volumoso, mas nem ela, nem Lúcia ou os meninos tiveram a curiosidade de olhar.

Mesmo cansada, Luísa apanhou sua lanterna no chão e embrenhou-se na bifurcação, até parar no mesmo lugar onde havia caído com Pedro e Lúcia. Sentiu-se aliviada por estar ali, pois o local onde tinha de ficar a obrigava manter o corpo curvado. Esticou bem o corpo e depois apontou o facho da lanterna para a cratera de onde havia caído. Não estava sob o olhar frio e louco de seu sequestrador. Poderia tentar uma fuga que talvez fosse possível se ela ou seus amigos tivessem uma corda. Mas analisando bem, Luísa constatou que a corda era o menor problema naquele momento: o sequestrador havia colocado uma pedra em cima do buraco. A garota ensaiou um choro e curvando-se, entrou na bifurcação.

Lúcia, Pedro e Roberto haviam acabado de acordar. Ao ver Luísa chegando, suspiraram aliviados. Tudo podia acontecer agora.

- Onde estava? - quis saber Pedro.

- No lugar onde começou a trajédia - disse ela, sentando-se.

- Alguma novidade? - perguntou Lúcia, e nem ela mesma entendeu o porquê de sua pergunta.

- Se você chamar uma pedra em cima de um buraco de novidade...

Os outros três jovens se entreolharam, pasmados. Luísa só podia estar brincando!

- Que horas são, Peu? - perguntou ela.

O rapaz consultou seu caro relógio analógico.

- Faltam cinco minutos para seis horas. Logo, logo vovô dará por nossa falta.

- Como será que ele vai descobrir que não estamos na fazenda?

Pedro franziu o cenho.

- Não sei. Primeiro ele deve perceber que as horas estão passando e que nós ainda não saímos dos quartos. Aí ele vai abrir a porta do meu quarto e ver que nem eu nem Rober estamos lá. Aí ele pensará que nós fomos dar uma volta pela fazenda e perguntará ao capataz ou aos cavalariços se pedimos para selar os cavalos. Eles dirão que não e ele concluirá que fomos à pé. Só que ele verá que não vamos aparecer para tomar café e, já alarmado baterá na porta do quarto onde você e Lúcia estão dormindo e vocês não responderão. Aí ele vai abrir a porta devagarinho e verá que vocês também não estão lá. Talvez depois disso ele peça ao capataz e aos vaqueiros para darem uma busca pela fazenda e redondezas. Mas eles não nos encontrarão. Então meu avô vai querer por a polícia no meio, chamará nossos pais e... É isso.

- Nossa! Que dor de cabeça vamos dar para seu Augusto! - disse Lúcia.

- Seus pais até que são bem compreensíveis. - disse Luísa - Meu pai talvez mantenha a calma, mas conhcendo minha mãe como conheço... Ela vai fazer um escândalo!

- Minha mãe tentará ficar calma para dar forças ao meu avô. - ponderou Pedro.

- Meus avós ficarão na fazenda até nos encontrarem. Eu duvido que meus pais venham para o Brasil só porque seu filho está desaparecido.

- Êêêê Rober! - exclamou Pedro - Também não é assim!

- Você acha que não, meu caro Peu, mas para o casal Tavares nada importa desde que seus negócios estejam indo bem. Mas quer saber? Nem ligo!

Lúcia pôs rapidamente outro assunto no meio, pois pela cara de Luísa, ela já estava prestes a arrumar confusão com Roberto, devido as últimas coisas que dissera.

- Quando vamos sair daqui?

- Não é quando, Lu. É será. - disse Pedro.

- Ah, que é isso, Peu? - falou Luísa, dando um tapinha no joelho do amigo - Ânimo, tudo vai se resolver.

- Ah, sei lá, Luí. Quer dizer... Há algumas horas atrás estávamos todos conversando lá no topo da serra e agora estamos aqui, refém de um louco que eu não sei se quer nos matar de asfixia ou de fome!

- E este cheiro horrível que não passa... - disse Lúcia, tapando o nariz.

- E esta lona verde que esconde alguma coisa, que nenhum de nós ainda fomos olhar o que é... - comletou Pedro.

- Será que devíamos erguer a lona e ver o que é? - sugeriu Luísa.

- Não sei não, mas algo me diz que devemos deixá-la aí. - disse Roberto.

Luísa revirou os olhos.

- E desde quando você tem intuição, Roberto?

- LUÍSA! - gritou Lúcia, tão energica que fez Luísa estremecer - Pare de prourar confusão com Roberto! Tudo o que não precisamos é de brigas agora! Presta atenção: eu não quero ver você procurar confusão com mais ninguém, está entendido?

Luísa assentiu, calada.

Lúcia mal terminou de falar, quando o maníaco surgiu da bifurcação. Com um sorriso maldoso nos lábios e um brilho louco nos olhos, dirigiu-se aos meninos sem esconder o revólver que guardava no bolso.

- Bom dia, crianças? Dormiram bem?

Pedro não suportava o modo que ele falava. Seu desejo era avançar nele e travar uma verdadeira luta corporal. Se não fosse o que ele tinha no bolso...

- O que quer com a gente? - perguntou ele trêmulo, suando aterrorizado.

O maníaco porém não respondeu. Apenas aproximou seu rosto dos meninos, como se estivesse examinando-os um a um.

- Bom... Por enquanto nada... Vocês não estão prontos, ainda... Mas em breve vou querer. Aproveite os momentos restantes!

E saiu gargalhando, deixando todos assustados.

Todos, exceto Luísa.

Após ver o sequestrador embrenhar-se na bifurcação, ela ergueu-se com sua mochilinha rosa que a acompanhara desde o início da aventura.

- Ei! Luísa!

Ela virou-se para olhar para uma Lúcia de cenho franzido.

- O que pensa que está fazendo?

- Shhhh!!! - fez Luísa de cara amarrada e entrou na bifurcação, com sua lanterna em punho.

Ao terminar a trilha estreita, ela pode vê-lo desamarrando uma corda cuja uma das pontas estavam presas a algo pontiagudo que parecia prender-se com facilidade ao chão. Parecia que ele tinha olhos nas costas, porque disse?

- Qual é? Vai ficar aí me espreitando ou vai falar alguma coisa?

Luísa a princípio ficou estática. Esperava uma ameaça ou até mesmo que ele não falasse nada. Mas ele estava lhe pedindo para falar algo?

Ela saiu da entrada da bifurcação, onde se estreitava contra a parede e aproximou-se do rapaz.

- Você não vai dizer nem ao menos o seu nome?

Ele riu.

- Que espécie de pessoa você é para quere saber o nome da pessoa que te mantém presa, perguntando isso a ela mesma?

- Vai ver porque não tenho tanto medo de você. Pelo menos não tanto quanto você gostaria que eu tivesse.

- Ou tanto quanto seus amigos têm.

- Por que não nos liberta. Não vamos contar nada a ninguém!

- Você é tranquila demais.

Luísa o observou por algum tempo. Ele realmente parecia com Roberto, apesar de ter olhos cinzentos, ser mais alto  e aparentar ser quatro anos mais velho. Mas Luísa achava que o amigo não conseguia ser tão quanto ele. Das duas vezes que o viu, ele usava sempre camiseta, bermuda, meias e tênis brancos, mas muito sujos. Seus amigos evitavam seus olhos; mas Luísa, ao mergulhar naquele olhar acinzentado, viu através daquele brilho alucinado, a figura de alguém mentalmente atormentado e até mesmo medroso.

Ele, por sua vez, sentiu um certo respeito por ela. Ele sempre causou medo, mas ela conseguia encará-lo e dirigir-se a ele como se não fosse um monstro. A mediu com um olhar rápido, de cima a baixo. Ela tinha os seus encantos. Umedeceu os lábios para sair do transe rapidamente.

- Tá bom então. Pode me chamar de Sérgio.

- É este seu verdadeiro nome?

Ele soltou uma risadinha cínica.

- Não.

E dizendo isso, lançou a corda para cima. O objeto pontiagudo preso a ela parecia ter se segurado na superfície ele deu início a uma rápida escalada. Ao chegar lá em cima, fez rolar uma grande pedra para a boca da cova. Dentro dela, Luísa acendeu a lanterna novamente e voltou para os amigos. Ao chegar lá, todos estavam visivelmente preocupados.

- Luísa! - exclamou Lúcia, suspirando aliviada e a abraçando - Nós achamos que ele tinha feito mal a você.

- Tive tanto medo de não te ver de novo! - desabafou Peu, e eles se abraçaram.

- Tenho que contar o que aconteceu lá a vocês.

- Sente-se e nos conte. - disse ele, abraçando-a pelo ombro.

Luísa falou sobre a conversa que tivera com Sérgio, mas ao terminar, seus amigos a encaravam abismados. Roberto, que permanecera calado desde a saída dela, foi o primeiro a falar:

- Se não a conhecesse diria que está caidinha por ele.

- Não seja idiota, Roberto! Como me apaixonaria por alguém que está tentando me matar?

- Ah, é? E o que foi esta troca de olhares que você descreveu? - quis saber Pedro.

- Gente, vocês estão entendendo tudo errado!

- Como assim, entender errado, Luísa? - perguntou Lúcia, exasperada - Você foi atrás dele e quando volta, fala que paquerou ele? E ainda vem com este papo de criatura frágil e abalada psicologicamente? Faça-me o favor! Você enlouqueceu? Ou somos nós que estamos errados e não queremos ver o lado bonito do monstro?

- Eu não estou interessada nele. Eu não flertei com ele. Eu não estou tentando convencer vocês de que no fundo, no fundo ele é bom. Eu queria apenas contar algo que poderia ser útil, mas vocês não estão a fim de me entender.

Cada palavra de Luísa soava como uma mistura de raiva e decepção e quando ela terminou de falar, foi recolher-se próximo a lona verde, por mais fétido que estivesse o lugar.

Passou o dia todo sem falar com os amigo e eles também não quiseram caso com ela.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!