A Canção De Hohen escrita por MrMartins


Capítulo 6
Primeira Viagem - Parte I




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Hart foi acordado pouco antes do amanhecer. Restavam no acampamento improvisado apenas uma dúzia ou pouco mais de pessoas, todas marcadas pela batalha que ocorrera na noite anterior, cansados e distantes. Não, era errado dizer que todos pareciam cansados. Havia uma pessoa entre todas ali que mal parecia ter escapado da morte.

Ellienne. Mesmo tendo dormido tão pouco, mesmo tendo passado tão perto da morte, sua aparência permanecia inabalavelmente perfeita, ofensivamente limpa e arrumada. Antes que pudesse pensar em dizer algo, Hart teve seus pensamentos cortados pela voz de Vance.

— Muito bem, homens — ele começou. — O ataque da noite passada foi um grande golpe. Perdemos muitos bons soldados ali e tivemos nossa operação severamente comprometida. Entretanto, graças ao exemplar esforço do soldado Jovichstein e das senhoritas Haugar e Scohenberd, a Princesa escapou ilesa. Ainda não sabemos o que era aquela criatura que nos atacou, muito menos quem a mandou contra nós, porém de uma coisa estamos certos: alguém nos traiu e entregou nossa operação a um inimigo. Isso poderia ter posto fim em todos os nossos esforços, porém não foi o que aconteceu. E mais, agora o inimigo não tem como saber do nosso estado e isso nos dá uma importante vantagem. Baseando-se nisso, a Princesa traçou um plano que considero ser nossa melhor opção. Por favor, Princesa.

Vance recuou um passo e Ellienne tomou a frente.

— Tentarei ser breve — ela falou. — Devido às consideráveis baixas sofridas durante o último ataque, nos vemos numa situação muito pouco confortável. Nossa atual capacidade de combate está severamente reduzida, de modo que podemos não suportar outro ataque. Para lidarmos com tal desafio, proponho um plano de ação que nos ganhará tempo e ampliará as chances de chegarmos à capital no período de cinco dias. O esquema em que pensei baseia-se numa estratégia simples, porém altamente eficaz como já provado diversas vezes em nossa história. Nos separaremos em dois grupos que partirão com certa diferença de tempo para a capital. Um deles prosseguirá por estradas alternativas e caminhos menos conhecidos, levando junto a si uma carruagem onde estará uma impostora. O outro grupo seguirá por entre a serra até Loftein e, uma vez lá, irá seguir disfarçado num trem até a capital, provavelmente chegando lá com um dia de antecedência em relação ao primeiro grupo. Eu estarei junto a esse.

Não houve manifestações contra ou a favor do plano. Hart, por sua vez, achava a ideia boa o bastante para funcionar. Sua única preocupação quanto ao plano era o grupo a que ele seria designado. Se o perguntassem, ele escolheria sem hesitar o grupo que seguiria com a verdadeira Princesa. Mas não o perguntariam. Ele sabia que não. Mas, como não deve surpreender, foi decidido que junto a Vance, Karl e Emma, ele iria fazer parte do grupo que guardaria a princesa. Hilde deveria seguir com o outro grupo servindo no papel de impostora.

Durante o resto daquele dia, foram feitos os preparativos para a partida e, por volta da meia-noite, o primeiro grupo iniciou sua viagem. Algumas horas após, ainda antes do amanhecer, foi a vez da companhia que levava a Princesa partir.

O grupo então partiu por entre a floresta. A serra íngreme dificultava a subida, desacelerando e cansando os viajantes, de modo que, ao cair da noite, eles ainda não haviam atingido o topo. Vance foi à frente em busca de abrigo, encontrando uma caverna que serviu de pousada ao grupo naquela noite. Pela manhã, a viagem foi retomada e, por volta da metade do dia eles cruzavam o topo da serra e davam início à descida.

Enquanto passava por uma área de floresta densa, o grupo ouviu um barulho ao seu redor, um tipo de rosnar agudo e ressoante. Vance comandou a parada e todos os viajantes puseram-se em alerta.

— O que acha que foi? — Hart perguntou-o.

— Com sorte nada demais — Vance respondeu. — Vou verificar. Fiquem aqui e cuidem da Princesa.

Vance se afastou com a mão pousada na espada, rapidamente desaparecendo entre as árvores. Silêncio pairou, irrompido apenas pelo vento. Hart apertava a espada em sua mão, se segurando para não seguir Vance. O silêncio se prolongava e prolongava. Karl e Hart trocaram olhares preocupados. O vento parou de soprar e a floresta foi tomada pela completa mudez.

E então se ouviram passos e Vance ressurgiu, embainhando sua espada e olhando ao redor.

­­­— O que era? ­— Karl perguntou.

— Não sei — Vance disse. ­— Não tinha nada lá. Seja lá o que fez aquele barulho fugiu antes que eu aparecesse.

— Acha que era algo com que deveríamos preocupar-nos? — Ellienne perguntou.

— Acho que deveríamos nos preocupar com qualquer coisa. Mas provavelmente era só algum animal. Provavelmente. Vamos em frente. Se possível, gostaria que chegássemos a terreno plano antes do amanhecer.

Outra vez o grupo retomou sua viagem, seguindo rapidamente, descendo pela serra até chegarem a uma estrada. Eles seguiram por mais algumas horas até pararem em meio a uma clareira onde levantaram acampamento. Enquanto Karl preparava a comida e Vance e Ellienne revisavam os planos de viagem, Hart se afastou para o meio da floresta.

Longe de todos, com um movimento, ele sacou sua espada. Rápido muito rápido.

Ainda assim, isso não fora o bastante para permitir que ele fizesse qualquer coisa contra a Sombra Caçadora. Ele golpeou uma árvore. A lâmina cravou na madeira e ali ficou parada. Fora força o bastante para matar qualquer pessoa.

Ainda assim, Hart não esboçou expressão que não desapontamento.

Ele puxou a espada e golpeou outra vez. E outra vez. E outra vez. E outra vez, e outra vez, e outra vez e outra vez e outra vez outra vez outra vez outra vez de novo de novo de novo de novo de novo de novo de novo golpe golpe golpe golpe golpe golpe golpe nada adiantava, nada bastava, por mais que tentasse, nada bastava.

Silêncio.

Hart caiu no chão, exausto, agarrando-se desajeitadamente à espada fincada na árvore. Respiração pesada, suado, cansado. A espada mal havia chegado à metade do trono.

Lampejos da luta contra a Sombra Caçadora, de sua força arrasadora, de sua velocidade desumana, de seu rugido mortal vieram á tona em sua cabeça.

Ela era mais poderosa do que qualquer coisa que Hart havia visto. Mais poderosa que grande parte dos humanos poderia sonhar ser. E ainda assim, poderia ser derrotada. Outros já haviam derrotado criaturas assim. Vance havia. Karl havia. Hilde e Emma haviam. Aquele homem havia.

Aquele homem.

Ele já havia feito isso antes e se ele estivesse lá, teria vencido. Ele sempre vencia. Hart nunca esquecia isso. Ninguém jamais permitia que esquecesse. Quando o olhavam, apenas viam o reflexo d’ele.

Hart se forçou a ficar de pé, com as duas mãos arrancou a espada cravada na árvore e verificou o fio. Não havia sofrido. Ele estava prestes a embainhar a arma quando ouviu passos acompanhando um rosnar agudo. O mesmo som de antes. A criatura, fosse o que fosse, havia os seguido até ali.

O soldado ergueu a guarda, atento, calado, tentando ao máximo ouvir qualquer coisa. Na noite mal iluminada, ele apenas discernia sombras e formas incoerentes. O barulho se repetiu. Não era um rosnado, pois era muito agudo. Era como o vento passando por entre algo. Mais passos e mais daquele som. Estava se aproximando devagar, cautelosamente, analisando e se preparando para atacar. Não era um animal. Os passos cresceram, o barulho ficou mais agudo, mais estridente, mais rápido. O barulho acelerava, os passos se aproximavam. Estava perto, muito perto, poderia atacar quando quisesse.

Por que não o fazia?

Silêncio.

Silêncio.

Silêncio.

Um passo. Um reflexo metálico.

Hart saltou para trás e baixou sua espada. Faíscas saltaram quando o aço da adaga bateu contra o aço da espada.

Um assassino.

Três zumbidos. Três adagas sorriram e alçaram voo, duas se prendendo a uma árvore, uma voando de volta, rebatida por Hart. Passo pesado. A luz de duas lâminas subiu alto e então desceu qual falcão caçador, mergulhando contra a presa, errando e caindo no chão. Uma, duas, três, quatro, cinco, seis adagas voaram em seis ângulos diferentes. Hart recuou e rebateu, girou e saltou.

Silêncio.

O assassino ainda estava lá.

Mas onde?

Ele se movia rápido, silencioso, entre as árvores. Hart sabia que tinha de contra-atacar. Era questão de tempo até que uma daquelas adagas o atingisse. O inimigo tinha que cair antes disso.

Mas como encontrá-lo?

Reflexo.

Hart recuou, evitando por pouco uma faca. Quando seu pé tocou o chão, outra veio em direção a sua garganta. Um salto para o lado e uma pancada. Havia batido numa árvore. Três luzes. O soldado rolou e escapou, levantando poeira.

Subitamente, um sorriso explodiu em Hart.

Ele se levantou e arrastou a espada no chão, levantando uma nuvem de pó. Uma adaga cruzou a poeira, deixando um rastro rápido. Hart o seguiu, correu e saltou. Lá estava o assassino, negro e sombrio, sério e terrível. Um golpe rápido.

Um salto para trás.

Os dois combatentes caíram de pé, frente a frente, armas a pronto. Hart pôde ver seu inimigo, trajado num manto preto, rosto coberto por uma máscara da mesma cor. O assassino lhe parecia menor que si próprio.

Nenhum movimento. Olhares cruzados mediam, esperavam, analisavam, calculavam.

Um salto para trás.

Duas adagas voaram, Hart avançou rebatendo, outra faca surgiu, ele pulou para o lado. Perdeu o foco por um instante. Quando procurou novamente seu oponente, nada encontrou.

O assassino havia fugido.


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