A Canção De Hohen escrita por MrMartins


Capítulo 7
Primeira Viagem - Parte II




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— Um assassino? — Karl repetiu.

— Não achei que aquele barulho fosse mesmo um animal, mas um assassino? — ele falou. — Não esperava que nos descobrissem tão rápido.

— E o que vamos fazer agora? ­— Hilde perguntou.

— A primeira coisa é sair daqui. Aquele assassino podia ser só um batedor. Não podemos nos arriscar ficando parados.

— Mas sair à noite não é uma boa ideia também.

— Não, não é. Mas é nossa única escolha.

— Isso ainda não resolve o problema maior — Karl falou. — O assassino provavelmente já sabe para onde estamos indo e isso compromete todo o plano. Vamos ter que mudar a nossa rota.

— Isso não faria a gente levar mais tempo até a capital? — Hart perguntou.

— Provavelmente. Mas é melhor que arriscar sermos atacados.

— Nós podemos cuidar de alguns assassinos.

— Talvez até possamos — falou Vance. — Mas e Vossa Majestade? Enquanto estivéssemos ocupados, eles poderiam atacá-la.

— Não enquanto eu estiver por perto ­— Hilde disse.

— Não quero te ofender, senhorita, mas você viu o que aquela criatura fez conosco. Se outra daquelas aparecesse, o que você poderia fazer?

— Por que uma Sombra apareceria?

— Não sei. Mas é uma possibilidade que temos de levar em conta. Não podemos agir sem considerar tudo que pode dar errado.

— Qual sua sugestão, Coronel? — Ellienne perguntou.

— Não podemos passar por Loftein. Os arredores são abertos demais, poderíamos ser atacados em qualquer ponto do caminho. Acredito que o melhor seja nos dirigirmos a Auenbach.

— Mas não tem trens em Auenbach — disse Hart.

— Não. Mas de lá poderíamos seguir mais seguramente até Hilfen e de lá para a capital.

— Em quanto tempo isso atrasará nossa viagem? — Ellienne perguntou.

— Uma semana, na melhor das hipóteses.

— E na pior?

— Um mês.

— Arriscado — Karl falou. — Se a princesa ficar longe do trono por tempo demais usarão isso para voltar a opinião pública contra ela e tentar colocar Loren no trono.

— Mas uma princesa morta não é útil para nada. Só vamos demorar tanto se algo sair terrivelmente errado, o que acho difícil acontecer. Porém a decisão cabe à Vossa Majestade, embora eu peça que leve em conta sua segurança.

Ellienne fechou-se por trás de uma expressão pensativa, olhos fechados, braços cruzados. Minutos e minutos se passaram até que Ellienne reapareceu.

— Faremos como Sir Herman sugeriu — ela disse. — Mas partiremos algumas horas antes do amanhecer. Embora possa estar colocando-nos em risco agindo assim, não creio ser inteligente partirmos em plena noite.

— Como desejar, Vossa Majestade.

Hart não conseguia dormir. Sua mente revirava-se repetindo a luta contra o assassino. Ele acreditava ter se saído bem, sido inteligente. Não duvidava de nada disso, porém, mesmo assim, o inimigo havia escapado. Fora lento demais? Não, não era isso. Fora rápido, mas a velocidade e agilidade do inimigo eram sobre-humanas. A cada salto ele parecia se fundir com as sombras e então reaparecer como se houvesse sido transportado. Seria o caso? Não, teletransporte era algo acima mesmo do melhor dos assassinos. Tinha de ser outra coisa. Mas o quê? O que poderia explicar aquilo? Por mais que pensasse, Hart não chegava a conclusão alguma. Seu corpo cansado começou a ceder.

Primeiro monstros capazes de mudar de forma e agora aquilo. O que viria a seguir?

Ainda estava escuro quando a viagem foi retomada. O grupo movia-se quão rápido conseguiam pelas trilhas, atravessando os bosques, colinas, rios e lagos por dias, parando e descansando apenas o mínimo necessário, mantendo a marcha mais rápida que conseguiam. Por toda a viagem, Hart observava Ellienne, seguindo adiante sem jamais reclamar, vestido negro balançando lentamente, a Princesa fora do Tempo, fora do Mundo.

Enfim se aproximavam do destino. Do alto das colinas, ao longe, entre os vales e o grande rio Elli, brilhando sob o luar, a cidade de muralhas brancas erguendo-se entre dominante verde das árvores, as casas de azuis e vermelhos telhados estendendo-se em direção às colinas, escalando os sopés, as grandes mansões de pedras brancas erguidas ao céu, a cidade de antigos ares coroada pelo venerável castelo de Stutsvar, suas torres encrustadas de sinos, suas bandeiras dançando ao ritmo do vento silencioso, e ao longe, até onde ia a visão, as florestas tracejadas por estradas e vilas, mar sem fim de árvores. Auenbach, maior das cidades no Ducado de Kiegre, anciã entre anciãs, cantada em poemas e baladas, lar de heróis e reis.

Hart, sozinho, a fitava calado. Nunca antes havia visto a cidade, porém dela muito ouvira. Vance nascera lá, em meio aos mitos da nação. Crescera desde cedo como soldado e ainda aos vinte anos, numa batalha que ninguém acreditava ser possível sua vitória, matou o gigantesco lobo Fängorn. Todos conheciam a história, todos a ouviam nas festas pelas vozes dos cancioneiros, todos a liam nos poemas e romances. Auenbach, a cidade de onde viera o maior herói vivo. E ali estava Hart, prestes a adentrá-la pela primeira vez e em companhia de tal homem que nascido entre mitos parecia deles parte.

Seus pensamentos se voltaram ao passado, ao dia em que, ainda criança, o viu pela primeira vez. Estava ao lado daquele homem e do Rei na sacada do Paço Real. Milhares de pessoas reunidas na praça de Kin Hilfen, seus olhos atentos àquele pequeno espaço onde os três mais importantes homens de todo o reino estavam, e ainda assim apenas viam Vance, sua armadura branca reluzindo heroicamente, as cicatrizes em sua face relembrando cada batalha, cada vitória, cada ato heroico daquele que ainda vivo constava no rol das lendas. E entre os milhares de rostos indiscerníveis, o pequeno garoto. Seus olhos brilhantes presos à figura poderosa do coronel, sua mente implorando por apenas um olhar retribuído, por um segundo apenas, um mínimo instante que pudesse gravar e amar e tornar para sempre seu, tesouro entre tesouros, maior que todos e mais importante. Mas entre tantos rostos, como poderia ter sido notado? O rosto se virando contra ele, a capa, ainda então do azul dos mortais, lentamente se afastando, os rostos ao redor se afastando, o garoto solitário.

Os passos leves na grama então afastaram as memórias.

— É uma vista linda, não concorda? — disse Ellienne, parando ao lado de Hart.

A princesa não mais trajava seu longo vestido negro, mas um modelo mais simples, de um tecido azul de céu iluminado pelos fios de Sol dos longos cabelos de Ellienne. Hart falhou em tentar manter longe delas seus olhos e sua face e seu olhar revelavam o que sentia o coração palpitante. Ellienne sorriu um sorriso leve e limpo, sorriso que bastou para acalmar, ainda que um pouco, o jovem soldado. A princesa voltou seu olhar à cidade distante, acompanhando-a Hart.

— Gáris é uma terra maravilhosa, porém havia me esquecido de quão bela é Hohen — disse a princesa. — Senti falta de minha terra natal.

— Sei o que quer dizer — Hart falou sorrindo. — Não consigo ver a mim mesmo vivendo em outro lugar, longe dessa terra, desse céu, longe do frio do inverno.

— Não me parece o tipo que gosta do frio, Senhor Wagner. Há em você algo que parece arder.

— Talvez seja por isso que eu gosto do frio, das planícies brancas. Eu costumava passar o dia inteiro brincando na neve quando era garoto. Minha mãe ia comigo até um bosque perto de casa colher frutinhas e quando a gente voltava ela fazia uma torta com elas. Eram tempos bem bobos.

— Não posso concordar. Não há nada de bobo nesses tempos. Colher frutos em bosques, correr por colinas e pastos, conversar com parentes e amigos. É para que as pessoas possam fazer tais coisas que aqueles como nós lutam. Pelo sonho de um dia ver um mundo onde todos possam viver suas vidas sem jamais temerem ver serem mortos aqueles a quem amam.

Hart sorriu em silêncio. Era um belo ideal, um sonho brilhante no coração de uma rainha. Ele queria poder sentir-se assim, desejar tão belo desejo. Porém não conseguia. Apenas um objetivo ocupava seu coração. Desde aquele dia, tão distante, tão presente.

Um único desejo guiando toda sua vida.


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Notas finais do capítulo

Provavelmente vou colocar os Gewen no próximo capítulo. O que são os Gewen? Alienígenas-mercenários-ciborgues de outra dimensão. hihihihi