Kacie olha espantada para o homem à sua frente, os olhos arregalados ante a surpresa. Se, à primeira vista, ficara perplexa com o fato do homem parecer a personificação de um deus, agora, sua surpresa se deve as suas palavras, que não fora capaz de compreender. Sua perplexidade é tanta que solta a espada sem nem ao menos se dar conta, percebendo o que fez apenas quando escuta o barulho da arma quando esta cai de encontro a terra.

― Não compreendo... – sãos as únicas palavras que Kacie consegue proferir.

Ao ouvir as palavras de Kacie, um sorriso puro estampa os lábios de Eddard, enquanto ele estende sua mão direita para a dama a sua frente.

― Venha comigo, minha princesa da luz. – fala Eddard.

― Por que me chama de princesa da luz? – pergunta Kacie, dando alguns passos para trás e se mantendo distante do desconhecido.

― Porque você é a luz que veio para salvar o nosso mundo, minha princesa da Luz. Estou esperando vinte longos anos pelo momento de finalmente poder conhece-la.

― Quem é você...?

― No momento certo, terei o imenso prazer de te responder, minha princesa.

― Não compreendo...

― Sei que não. Mas, minha bela, estrela do meu mundo, eu não tenho tempo para lhe explicar... Tandara não tem tento tempo, o apocalipse está cada vez mais próximo, assim como o inevitável choque entre a luz e as trevas.

Kacie não consegue compreender as enigmáticas palavras proferidas por Eddard, que parecem um verdadeiro enigma para ela. Por um lado, quer se distanciar o mais rápido possível deste completo estranho e voltar para sua casa, para seus pais, e procurar uma maneira de encontrar a espada de seus sonhos. Mas, por outro, uma força que não consegue compreender a prende ali, junto de Eddard, e, por mais que queira, não consegue se afastar dele... Quer ouvir mais...

― Por que me diz todas essas coisas que não consigo compreender? – pergunta Kacie, ainda com alguma esperança de obter uma resposta.

― Porque elas precisam ser ditas. – responde Eddard sem deixar de sorrir. – E eu garanto que no momento certo, você entenderá cada uma dessas minhas palavras, minha querida.

― Se eu fosse sensata, estaria agora bem longe daqui, há quilômetros de distância de você.

― Estaria mesmo?

― Sim, eu estaria!

― Não, minha bela e doce princesa da luz. Sinto em dizer, mas você não estaria! Pois há muito tempo seu destino está ligado ao meu. Há milhares de anos, o nosso encontro foi predestinado pelos deuses.

As palavras de Eddard causam cada vez mais confusão em Kacie, que se sente cada vez mais confusa e com a estranha sensação de não saber o que fazer. Por um lado, quer desesperadamente sair da presença deste homem, e, por outro, se sente impelida a continuar ali e descobrir tudo o que ele tem a dizer a ela.

Eddard, por outro lado, não deixa de sorrir para Kacie, um sorriso puro e paciente, apesar de, no momento, tempo ser a última coisa que tenham.

― Eu gostaria de poder te entender, melhor, Eddard... – confessa Kacie, com a voz incerta – Porque eu meu coração, eu sinto que você não é uma pessoa má... Mas, ao mesmo tempo, sinto vindo de você uma energia poderosa que nunca senti antes... Você é humano, Eddard?

Ao ouvir as palavras de sua bela princesa da luz, Eddard não consegue deixar de sorrir. A garota é mais esperta do que ele julgara, e, isso é muito bom, irá ajuda-la, quando o momento dela ter de lidar com todas as verdades de sua vida chegar.

― No momento, certo, prometo lhe contar toda a verdade a meu respeito, minha doce Kacie, pois agora não há tempo para isso. Preciso que você me acompanhe.

― Por que eu iria a algum lugar com você? – questiona Kacie colocando as mãos em sua cintura em um sinal autoritário – Até onde eu sei, não concordei em ir a lugar algum! Você continua sendo um completo estranho para mim! Um estranho e misterioso.

― Mas, mesmo assim, eu sei que em seu coração, é seu desejo me acompanhar.

As palavras de Eddard desarmam Kacie e, por alguns minutos, a morena fica sem saber o que dizer.

― Eu quero, mas... Para onde nós vamos? – questiona a morena com um pouco de incerteza em sua voz.

― Vamos de encontro a seu destino, minha princesa da luz.

E, dizendo estas palavras, Eddard estende sua mão para Kacie, chamando-a com um sorriso caloroso que não deixa dúvidas do que ele quer.

Ver o sorriso calmo e complacente de Eddard faz com que todas as incertezas sumam do coração de Kacie. Ela então se abaixa e, com a mão esquerda, pega a espada que deixou cair no chão para que, com a mão direita possa segurar a mão que o loiro de cabelos cacheados estendeu para ela.

*****

Em sua casa, Marie está andando em círculos por seu quarto, tão angustiada que sente como se seu coração estivesse saindo por sua boca, tamanha a sua aflição. Não consegue deixar de se preocupar com Kacie, e com sua demora, pois nunca antes ela demorou tanto em suas saídas.

E, para completar sua aflição, há meses vem sonhando com um homem de beleza inumana, que lhe diz constantemente que o momento de um reencontro que será decisivo para o destino de Tandara se aproxima cada vez mais.

E, mesmo que não queira admitir, em seu coração sabe exatamente a que o homem que aparece todas as noites está se referindo. Um encontro que mudará para sempre o destino de Tandara...

Um encontro que, desde o momento em que encontrou um bebê em um rio, vinte anos atrás, soube que aconteceria...

Foram os deuses que lhe deram Kacie... Ou melhor, lhe deram a missão de cria-la e escondê-la do usurpador e da Legião Maligna de Perrin, até que ela estivesse pronta... E, ao longo destes vinte anos, acabou fazendo mais do que isso... Acabou se afeiçoando a princesa de seu mundo como se ela realmente fosse sua filha... E, por vezes, sempre se esquece de quem ela realmente é...

De repente, e, tirando-a completamente de seus pensamentos, Jon entra no quarto, e percebe o rosto preocupado de sua esposa.

― Qual o problema, querida? – pergunta o homem.

― Estou preocupada com Kacie. – responde Marie, com a voz um pouco triste.

― Marie, você sabe tão bem quanto eu que o momento da grande verdade ser revelada se aproxima cada vez mais. – fala Jon, se aproximando e abraçando sua esposa em um gesto de ternura – Você sabe tão bem quanto eu que ela nunca foi nossa, meu amor.

― Eu sei, mas...

― Mas?

Marie não consegue colocar em palavras todos os sentimentos que tomam conta de seu coração. Sempre soube quem Kacie é realmente, mas, isso não impediu de se afeiçoar a menina e amá-la como se ela realmente fosse sua filha biológica. Muito pelo contrário, sem que conseguisse controlar, acabou amando a menina a cada dia, ao longo destes vinte anos e, por conta deste amor, tem medo de que algo ruim possa acontecer a ela... Pode não ter dado à luz a Kacie, mas a ama como uma mãe deve amar uma filha...

― É complicado... – é tudo o que Marie consegue responder.

― Sei que é, Marie. – responde Jon, com compreensão em sua voz – Mas, querida, sinto o mesmo que você com relação a Kacie. Amo esta menina como se ela realmente fosse minha filha biológica, e você sabe disso, mas, nossos momentos com ela estão no fim. Você sabe que a força de resistência enfim conseguiu dar liberdade ao rei Samir e a rainha Madelaine. E, eles já sabem que a princesa Elie está viva, tanto, que os esforços de toda a força de resistência são agora para encontrar a verdadeira herdeira do trono de Tandara, para que a luta pela retomada da Família Real Ampere ao poder possa acontecer. Além disso, tenho tido sonhos, todas em noites, em que um homem de cabelos loiros e cacheados sempre conversa comigo, me dizendo que o momento da verdade ser revelada se aproxima cada vez mais. E você sabe tão bem o que isso significa, minha esposa.

― Sei, e como sei...

Jon se afasta de Marie e vai até o baú que tem em seu quarto, tira tudo o que tem dentro dele até o mesmo estar vazio. Sorri. Como suspeitava, sabia que sua velha espada de combate não estaria ali, onde sempre a guardou.

― Eu sabia. – diz o homem sem conseguir deixar de sorrir.

― O que é que você sabia?

― Minha antiga espada de combate não está aqui, o que significa que Kacie anda praticando com ela as escondidas.

― Mas ela não pode! Mulheres não devem praticar a arte da espada! Isso é coisa de guerreiro! E guerreiros são todos homens!

― E, vejo que mais uma vez você se esqueceu, Marie! De que Kacie não existe, que é apenas um disfarce, e que a paixão desta garota por uma espada faz parte de quem ela realmente é! Ela nunca foi nossa, Marie...! Nunca...! E, todos estes sinais que estamos recebendo significam que está na hora de Kacie saber quem realmente ela é!

*****

Madelaine está sozinha na casa dos pais de Sabina, que está servindo como base para eles, desde que foram resgatados das masmorras do Palácio Real de Tandara, três meses atrás. Samir e Lamar estão em algum lugar, como sempre, discutindo segredos que só são conhecidos pelos dois, enquanto Nadja, Oliver e Sabina estão, separadamente, organizados com a força de resistência na difícil busca por sua filha Elie, que Lamar acredita ser a única esperança de salvação para seu mundo.

Em seu íntimo, não quer isso... Não quer que sua filha corra qualquer risco de vida... Quer ela segura, apenas isso... Não lhe agrada a ideia de imaginar Elie segurando uma espada e lutando contra a Legião Maligna de Perrin... Durante vinte longos anos, viveu na pele toda a força e todo o poder desta legião, e, não quer que sua filha passe por isso...

Quer encontrá-la... Abraçá-la... Quer poder imaginar como é o rosto de sua filha... Pois não faz ideia de como o seja... Perdeu sua filha quando ela era apenas uma bebezinha... E viveu vinte longos e torturantes anos achando que ela estava morta... Mas agora... É diferente... Descobriu que os deuses pouparam a vida de sua filha... E que agora aquele bebê, de que se lembra tão bem é uma mulher...

E, sua vida corre perigo, porque a Legião Maligna de Perrin sabe de sua existência e quer a todo custo acabar com sua vida, pois ela é maior ameaça ao legado de usurpação que eles conquistaram...

― Elie... – sussurra a rainha.

Em um apelo mudo, silencioso e desesperado, a verdadeira rainha de Tandara coloca seus joelhos no chão, fecha seus olhos repletos de lágrimas que não consegue derramar e leva suas mãos aos céus, em uma prece não apenas de mulher e rainha, mas também de mãe.

“Deuses, protejam minha filha Elie... Mantenham ela a salvo e não permitam que Hannes a encontre e a mate... Eu imploro...!”

A rainha continua ajoelhada com suas preces silenciosas... Com seu coração chorando lágrimas de sangue por sua filha perdida... O medo e a incerteza sendo expostos em cada palavra que seus pensamentos são capazes de expressar...

Mas então, de um momento para o outro, toda esta incerteza vai sendo, aos poucos, substituída por um sentimento caloroso e uma vontade imensa de não estar ali... Seu coração começa a lhe apontar uma direção... Um rumo que deve seguir...

― Sei onde devo ir... – sussurra a verdadeira rainha de Tandara.

Madelaine então tira seus joelhos do chão e se levanta, vai até o pequeno quarto que está dividindo com Samir, abre um baú e tira dele uma capa, cobrindo-se com ela. Se vai sair, não pode se dar ao luxo de ser reconhecida por algum dos homens da Legião Maligna de Perrin.

E, com este pensamento em mente, a verdadeira rainha deixa a pequena casa, indo em direção ao local que seu coração lhe diz que deve estar.

*****

Samir e Lamar estão no topo de uma colina que somente os dois conhecem, o lugar que julgam mais apropriado para conversarem, pois é desconhecido por todos, especialmente pela Legião Maligna de Perrin, que está espalhada pelos quatro cantos de Tandara, de olho em tudo e em todos.

Os olhos azuis de Samir são pura preocupação, fato este que não passa despercebido pelo velho e sábio mago Lamar.

― Sou capaz de entender perfeitamente bem o motivo de sua preocupação, meu amigo. – fala o mago mais poderoso de Tandara.

― Sei que sim. – responde o verdadeiro rei de Tandara – Mas, eu imagino que este não seja o verdadeiro motivo pelo qual você me chamou aqui, Lamar.

― Não.

― Como eu já suspeitava. O que você tem para me dizer?

― Eddard está neste mundo!

Ouvir as palavras de Lamar faz com que a surpresa e o susto estampem a face de Samir, e, por um momento, o rei que teve seu trono usurpado fica sem saber o que dizer. Se o que Lamar diz for verdade, e, ele tem certeza de que é, as coisas estão caminhando para o seu final em uma velocidade muito maior do que ele havia imaginado.

― Não vou perguntar se você tem certeza, pois eu o conheço há tempo suficiente para saber que o que você diz é a mais pura verdade.

Lamar concorda com um sinal afirmativo de cabeça.

― Eu senti a presença dele há alguns dias. – continua o mago – No início, era uma presença bastante fraca que tentava se esconder. Mas, não tem muito tempo, esta presença se manifestou, e então eu tive certeza de que era ele, Eddard. E, se ele já se manifestou, isto só pode significar uma coisa...

― O Apocalipse está chegando!

― Agora o que me intriga, é, se Eddard está em nosso mundo, porque não se apresentou a você, meu rei?

― Porque ele deve estar com Elie. Esta é a única explicação que existe. Eddard não aparecerá para mim, porque o objetivo dele deve ser Elie.

Ao ouvir as palavras de Samir, Lamar começa a pensar nas antigas lendas de seu mundo. Muitas das quais só são conhecidas por ele e por Samir. E no mesmo instante consegue compreender exatamente bem tudo o que seu único e verdadeiro rei quer dizer.

O mago mais poderoso que Tandara já conheceu fecha seus olhos, a fim de tentar sentir a presença de Eddard, que sabe perfeitamente bem que está neste mundo. Mas, para sua frustração, não consegue sentir a presença daquele que procura.

― Nada. – fala o mago – Por mais que eu tente, não consigo sentir a presença de Eddard.

― Isto é porque Eddard não será encontrado, a menos é claro que ele queira ser encontrado. – diz Samir de forma um pouco enigmática.

― E ao que tudo indica, ele não quer ser encontrado...

*****

No palácio Real de Tandara, Raffi anda por seu quarto de um lado para o outro totalmente irritado consigo mesmo. Nunca fora um homem de se preocupar com os outros, uma de suas principais qualidades sempre fora o seu egoísmo, só consegue pensar em si mesmo, em ser o mais forte e no mundo que irá governar depois de seu pai.

Mas, desde que sua bela dama surgiu em sua vida, se pega pensando nela com mais frequência do que gostaria de pensar. Seus pensamentos são completamente dominados por ela, e, depois da pequena discussão que tiveram, acabou se sentindo mal, como nunca antes havia se sentido e sua vida.

Em toda sua vida, nunca pensou que se importaria com alguém, mas, se importa com Kacie, e quer vê-la novamente para deixar bem claro que quer ela a seu lado para sempre, talvez até como sua rainha, quando vier a se tornar rei.

Sim, no futuro, quando se tornar o único rei de Tandara, Kacie irá se tornar a sua rainha! E, depois, ela conceberá o seu filho, que será o próximo rei de Tandara depois dele. E assim a linhagem da Legião Maligna de Perrin seguirá adiante!

De repente, a porta do seu quarto se abre a Valence entra sem que Raffi ao menos se dê conta.

― O que quer, mãe? – pergunta o príncipe usurpador.

― Saber quem é ela! – responde a falsa rainha de Tandara.

― Saber o que? – Raffi olha confuso para sua mãe.

― Quem ela é, Raffi! – continua a rainha usurpadora – A dama que faz você ficar tão emburrado e com esta cara de poucos amigos!

― E por que é que você acha que tem uma dama no meio?

― Porque sou sua mãe. Te conheço melhor do que você imagina. Há meses venho notando seu estranho comportamento, Raffi. Toda a Legião Maligna de Perrin preocupada em encontrar a princesa que está viva, e que é uma clara ameaça para nosso futuro e você é o único que parece não estar se importando com isso.

― Não é que não me importe, ao contrário, tudo o que quero é matar essa princesa com minhas próprias mãos.

― Mas no momento sua dama é mais importante.

― Não exatamente. Mas ela me atrai, confesso. E, depois que eu matar pessoalmente a filha de Samir e Madelaine, farei de minha dama a minha rainha!

*****

Kacie continua seguindo Eddard por uma floresta, em que ele, mesmo apressado, vai afastando os galhos das árvores para que ela possa passar sem maiores problemas. Por todo o caminho, o loiro de cabelos cacheados não diz uma palavra, apenas sorri para ela e, o olhar determinado dele só faz aumentar em Kacie a vontade se segui-lo e descobrir para onde ele a está levando.

Após muita caminhada no mais absoluto silêncio, a floresta finalmente chega ao fim e os dois chegam a uma aldeia completamente destruída. As poucas casas consumidas pelo fogo, não restando mais nada delas. Plantações destruídas... Um pequeno lado totalmente seco... Árvores mortas...

Tal visão faz com que, por um momento, Kacie sinta seu coração parar de bater em seu peito...! Ante uma visão tão cruel. Em toda a sua vida, é a primeira vez que ela vê algo assim.

― O que significa isso...? – ela pergunta.

― Isso é o que acontece com aqueles que se colocam contra a Legião Maligna de Perrin.

― Foram eles que causaram toda esta destruição?

― Sim.

Kacie tem muitas perguntas para fazer, mas, ela vê alguém se aproximando, e sabe instintivamente que as perguntas têm que ficar para depois. Aos poucos, a pessoa vem se aproximando cada vez mais até parar em frente aos dois.

E, para a surpresa de Kacie, a mulher que está a sua frente é a mesma de seus sonhos... De uma beleza encantadora, com longos e sedosos cabelos negros, muito parecidos com os seus e os olhos... Para o total espanto de Kacie, os olhos da mulher são idênticos aos seus...

Eddard se ajoelha diante da mulher.

― Minha rainha... – diz o loiro com a voz serena.