Black Tangled Heart escrita por Morgana Black


Capítulo 3
Golden Years




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Capítulo 2 – Golden Years ¹


Não me convenceu, Harry.
Estou de volta ao país e bem escondido. Quero que me mantenha informado de tudo que estiver acontecendo em Hogwarts. Não use Edwiges, troque de corujas e não se preocupe comigo, cuide-se. Não se esqueça do que lhe disse sobre a cicatriz.
Sirius



Como sempre, Edwiges aguardou lealmente a resposta que deveria levar para Harry. A coruja piou baixinho, satisfeita, quando Sirius acariciou sua plumagem branca, ao prender o sucinto bilhete que acabara de escrever.

O excesso de zelo de Harry para com ele, Sirius, era comovente. Toda aquela preocupação para que ele permanecesse seguro lhe dava uma sensação boa de ser realmente querido. Contudo, o momento exigia que Sirius permanecesse alerta a qualquer sinal, a qualquer indício do aparecimento de Voldemort ou seus comensais. Não podia se dar ao luxo de ficar sob a “proteção” de um adolescente de quatorze anos.

Sirius ficou sabendo, nesse meio tempo, que Alastor Moody havia sido contratado como professor de Defesa Contra as Artes das Trevas em Hogwarts.

Dumbledore não tiraria o ex-auror da aposentadoria à toa.

Mas por enquanto, Sirius não podia fazer muita coisa. Harry certamente estava sendo bem cuidado, Dumbledore estava atento a tudo o que estava acontecendo.

Edwiges piou novamente, impaciente, e com um meio sorriso Sirius abriu a pequena clarabóia do sótão, ao que a coruja abriu as asas e levantou vôo. Era o local mais seguro da casa, ao menos era o que o bruxo considerava. Sem contar que ali ele poderia ter uma certa privacidade, mas sem perturbar a rotina da família Tonks.

Fazia pouco mais de dez dias que ali chegara, mas era notável a mudança que se operara nele: os cabelos estavam curtos novamente, o rosto barbeado e menos emaciado, usando vestes limpas e alimentando-se devidamente.

Ele redescobrira o quanto era prazeroso tomar um bom banho quente, ou o aroma leve e reconfortante de usar roupas limpas, o toque macio dos cobertores que o protegiam do frio da noite.

E era extremamente única aquela sensação de se sentir um “alguém” outra vez, de não ser aquele ser que sobrevivia através de sua obstinação e loucura.

Sirius estava se reencontrando em seu mais íntimo, voltando a se conhecer, desenterrando emoções que ele julgara estarem adormecidas.


***

Caro Sirius,
Você me disse para mantê-lo informado do que está acontecendo em Hogwarts, então aqui vai: não sei se você já sabe, mas vão realizar um Torneio Tribruxo este ano e, na noite de sábado, fui escolhido para ser o quarto campeão. Não sei quem pôs o meu nome no Cálice de Fogo, mas não fui eu. O outro campeão de Hogwarts é Cedrico Diggory da Lufa-Lufa.
Espero que você esteja OK, e Bicuço também.
Harry



***

O sótão estava um pouco diferente do que ela se recordava: as caixas com antigos pertences estavam organizadas num canto do aposento, deixando um espaço livre o suficiente para acomodar uma antiga cama de armar e uma poltrona que Andrômeda transfigurara, podendo passar como nova com tranqüilidade.

Não era o quarto de hóspedes ideal, contudo Sirius parecia confortável ali. Ou quem sabe a sua aparência era o que lhe desse aquela impressão de bem-estar, pois ele já não se parecia com a pessoa que ali chegara algumas semanas antes.

Era a primeira vez que se encontrava totalmente a sós na presença de Sirius. Tonks não era uma pessoa tímida, tampouco reservada; mas ela se sentia vagamente intimidada por ele. Ou talvez fosse ainda a surpresa por tê-lo ali, uma situação mais que inusitada.

Tonks ainda o observou por alguns poucos segundos, antes de sentir que era igualmente observada. Não com hostilidade, Sirius apenas estava surpreso por ver a garota parada no umbral da porta, as mãos nos bolsos do casaco, parecendo tão avoada com o seu ar juvenil.

-Beleza? – Ela cumprimentou, ao que ele respondeu com um breve aceno.

Mais alguns longos e intermináveis segundos de silêncio, em que ela continuou observando o aposento e, vez ou outra, lançando olhadelas falsamente desinteressadas para Sirius. Até que a curiosidade falou mais alto e ela não conseguiu reprimir as palavras:

-Sabe, é meio absurdo pensar em tudo o que você nos contou. – Tonks mordeu o lábio inferior, aproximando-se. – Digo, toda a armação do Pettigrew, a traição dele, sua prisão sem julgamento... é tudo tão...

-Fantasioso? – Sirius arqueou as sobrancelhas, parecendo indolente.

-Não, eu ia dizer que é injusto. – Fez uma pequena pausa, tempo suficiente para tomar fôlego. –Como era a sua vida lá, em Azkaban? – A jovem piscou algumas vezes, até se dar conta de que já havia falado aquilo que vinha lhe martelando a mente desde que Sirius chegara à casa de seus pais. –Com os dementadores e tudo. Como era?

Sirius ergueu o rosto e encarou a jovem. As íris cinzentas pareciam ter escurecido um tanto mais, o olhar vago perdendo-se no labirinto tortuoso das lembranças.

-Você já estava muito próximo de um dementador, Tonks? – A voz soou mais baixa e rouca do que ele gostaria, mas era como se a simples menção daquelas criaturas fosse capaz de trazer aquela atmosfera de frio e desesperança.

-Claro que sim, durante o meu treinamento para auror. – E então um arrepio incômodo desceu sua espinha. – Visitar Azkaban fazia parte do nosso preparo. Se bem que nós nunca ficávamos muito tempo lá dentro, não era saudável.

O bruxo pigarreou algumas vezes, acomodando-se melhor na poltrona onde estava sentado. Fez um gesto para Tonks, que se sentou na beirada da cama, atenta e silenciosa como uma criança prestes a ouvir uma história nova.

-Uma coisa é você estar na presença de um dementador com a sua varinha, lúcido, dono de sua razão e de seus poderes, mesmo que isso te deixe mais enfraquecido. Outra coisa é você se ver enterrado vivo no meio deles, sem varinha, sem esperanças, acusado de um crime que não cometeu, embora eu tivesse a intenção de matar o maldito Pettigrew. – Sirius inclinou-se para frente, parecendo sombrio. – Imagine como é viver, ou melhor, sobreviver, tendo apenas as suas piores lembranças, tudo aquilo que você deseja esquecer. Porque você sabe que os dementadores sugam todas as melhores memórias, alimentam-se do que há de mais importante e precioso em você, até que você fique tão mau e desumano quanto eles.

Tonks arregalou levemente os olhos, mas não foi capaz de dizer nenhuma palavra. Não havia o que dizer; Sirius não buscava consolo. Ele só desejava acabar com toda a culpa que sentia e vingar-se de quem causou aquela tragédia.

-No fundo, eu havia aceitado ser preso em Azkaban. Não resisti quando o Esquadrão de Execução das Leis da Magia me pegou. Não havia como provar a minha inocência sem incriminar outras pessoas.

-Como assim?

-A animagia. Eu poderia alegar que eu, James e Pettigrew éramos animagos ilegais, que Pettigrew conseguiu escapar usando os seus poderes. – Sirius disse pausadamente. Mas entrar no assunto da animagia era um terreno perigoso. Tonks poderia ficar curiosa acerca do motivo que levou ele e os outros a se tornarem animagos. E isso acabaria implicando Remus, os marotos e outros assuntos que só diziam respeito a eles. – Mas no fundo acabou sendo útil manter os meus poderes em segredo. Ficando na minha forma animaga, um cachorro, eu conseguia me manter mais lúcido e isso facilitou a minha fuga.

-Faz sentido. – Tonks tamborilava os dedos no colchão, um pé inquieto batendo no assoalho. – Como cachorro, você não era tão humano quanto antes e os dementadores não podiam te fazer tão mal.

-Exatamente. – Sirius abriu um sorriso diante da perspicácia da garota. Ela era mais atenta do que se podia supor. – Eu consegui me preservar naqueles anos todos, planejando a minha fuga e o que eu faria após isso. Não era algo bom, era um pensamento obsessivo. Então os dementadores não podiam tirar aquilo de mim.

-Nymphadora, chame o Sirius para jantar!

Como se houvesse despertado de um transe, Tonks sacudiu a cabeça, sentindo que uma onda morna percorria o seu corpo novamente, afastando aquela sombra gélida que pairava sobre eles.


***


Tonks mantinha Sirius informado acerca de tudo o que estivesse relacionado ao Ministério da Magia. Embora a própria não tivesse essa consciência, lhe dava um frêmito de excitação pensar que agia de forma tão subversiva. A sensação de perigo mexia com uma parte quase incontrolável da auror.

Mas aquilo era um segredo que ela não ousava trazer à luz do dia.

Tornara-se até mesmo... interessante, a busca por Sirius Black. Ver todos os esforços que os seus colegas faziam para encontrá-lo tinha um quê de divertido: Dawlish estufava o peito com arrogância e exclamava para quem quisesse ouvir que ele iria achar Black, mesmo que fosse no covil dos Comensais da Morte. E Tonks não conseguia conter o sorrisinho petulante diante daquilo tudo.

Mas ao mesmo tempo em que aquilo lhe rendia boas risadas, era cada vez mais revoltante ver o quanto o Ministério era cego, obtuso. Tacanho – no sentido mais pejorativo.

Contudo, Tonks não conseguia se sentir totalmente à vontade na presença de Sirius. Mesmo a auror morando em Londres, era comum que ela visitasse os pais com freqüência, mas agora, essas visitas a deixavam cada vez mais ansiosa: não é todo mundo que tem um foragido escondido em casa.

E havia mais outra coisa, mais outro pequeno segredo que a auror tentava dissimular: o olhar de Sirius tinha algo que fazia com que arrepios incômodos lhe percorressem a espinha e a deixassem alvoroçada.

Era o tal olhar tempestuoso, tão cheio de coisas que Tonks não era capaz de compreender, mas que ela viria a conhecer algumas de suas várias nuances.


***


Harry,
Não posso dizer tudo que gostaria em uma carta, é arriscado demais se a coruja for interceptada - precisamos conversar cara a cara. Você pode dar um jeito de estar junto à lareira na Torre da Grfinória à uma hora da manhã, no dia 22 de novembro?
Sei melhor do que ninguém que você é capaz de se cuidar e, enquanto estiver perto de Dumbledore e Moody, acho que ninguém conseguirá lhe fazer mal. Porém, parece que alguém está tendo algum sucesso. Inscrever você nesse torneio deve ter sido muito arriscado, principalmente debaixo do nariz de Dumbledore.
Fique vigilante, Harry. Continuo querendo saber de tudo que acontecer de anormal. Mande uma resposta sobre o dia 22 de novembro o mais cedo que puder.
Sirius



***


A resposta de Harry não tardou a chegar, confirmando a conversa através da lareira na sala comunal da grifinória.

Sirius sentia-se de mãos e pés atados, podendo agir só a distância e sem fazer nada de concreto pelo afilhado. A notícia de que alguém inscrevera Harry no Torneio Tribruxo o fazia perder noites em claro, tentando encontrar alguma solução ou pista que o fizesse desvendar aquele emaranhado de coisas confusas. Sirius dava voltas e voltas, conjeturando as mil possibilidades de que poderia se valer para resolver aquela situação. Tudo em vão.

Só lhe restava sorver cada mínima notícia que Tonks pudesse trazer ou que ele conseguisse obter através dos jornais – o que não era muita coisa, visto que O Profeta Diário só publicava aquilo que era conveniente ao governo.

Mas, finalmente, o dia 22 de novembro chegara e Sirius estava ansioso para falar com o afilhado.

Era uma inconseqüência ultrapassar todos os limites da cautela. Se alguém o pegasse na rede de Flú haveria problemas não só para Harry, mas também para a família de Andrômeda, que o acolhera sem maiores problemas.

A casa dos Tonks estava silenciosa, Ted e Andrômeda já haviam se recolhido e Nymphadora estava em Londres, como de costume. Sirius desceu cautelosamente até a sala de estar, orientando-se através da posição dos móveis dispostos ali. Acendeu apenas uma pequena lamparina que ficava próximo à lareira e encontrou o recipiente contendo pó de flú.

-Sala comunal da grifinória. Hogwarts! – O bruxo disse com clareza, assim que atirara as cinzas nas chamas da lareira, que rugiram ao atingirem o característico tom verde-esmeralda.

Assim que sua cabeça “surgira” na tão conhecida sala comunal da grifinória, viu a expressão de surpresa do afilhado, que já o aguardava ali. Sirius permitiu-se sentir um pouco de alívio e alegria naquele momento: era como se o tempo não tivesse passado e ele tivesse James de volta, e os dois estariam preparando mais um plano mirabolante contra algum sonserino desavisado.

-Sirius, como é que você vai indo? – O garoto agachou-se em frente à lareira, um sorriso de pura alegria que chegava a alcançar os olhos verdes.

-Eu não sou importante, como vai você? - perguntou Sirius sério. Novamente, aquele estranho sentimento de afeto e cuidado guiou os seus atos. A preocupação com aquele garoto que já era tão forte e bravo era maior que tudo.

Harry respirou fundo e começou a falar. Todas as ansiedades e medos acerca do Torneio Tribruxo, o aborrecimento por Ron não falar mais com ele, as conversas e cochichos a respeito dele... tudo aquilo que o afligia o garoto pôs para fora, falando sem parar.

Sirius apenas ouvia, deixando que Harry falasse a vontade, a expressão em seu rosto ficando cada vez mais sombria.

Tudo aquilo que Harry lhe contava só fazia aumentar as suas suspeitas: saber que Karkaroff, um ex-comensal da morte, rondava Hogwarts, mesmo sendo diretor da Durmstrang, não era nada animador. Sirius tinha boas razões para desconfiar do bruxo e de suas intenções. Colocar Harry no Torneio Tribruxo era uma oportunidade perfeita para atacá-lo e fazer parecer um acidente. Não, com certeza havia muita coisa por detrás desse “imprevisto”. E Dumbledore certamente já havia notado todos os sinais, não podia ser pura e simplesmente paranóia.

-Então... que é que você está me dizendo? - perguntou o garoto hesitante, quando Sirius expôs sua teoria. - Karkaroff vai tentar me matar? Mas... por quê?

Sirius hesitou.

-Tenho ouvido coisas muito estranhas - disse pausadamente. -Os Comensais da Morte parecem andar um pouco mais ativos do que o normal ultimamente. Mostraram-se publicamente na Copa Mundial de Quadribol, não foi? Alguém projetou a Marca Negra no céu... e, além disso, você ouviu falar na bruxa do Ministério da Magia que está desaparecida?

-Berta Jorkins?

-Exatamente... ela desapareceu na Albânia, e sem dúvida foi lá que diziam ter visto Voldemort pela última vez... e ela saberia que ia haver um Torneio Tribruxo, não é?

-É, mas... não é muito provável que ela tivesse dado de cara com Voldemort, ou é?

-Ouça, eu conheci Berta Jorkins - disse Sirius sério. - Esteve em Hogwarts no meu tempo, alguns anos mais adiantada do que seu pai e eu. E era uma idiota. Muito bisbilhoteira, mas completamente desmiolada. Não é uma boa combinação, Harry. Eu diria que ela poderia ser facilmente atraída para uma arapuca.

-Então... então Voldemort poderia ter descoberto tudo sobre o torneio? É isso que você quer dizer? Você acha que Karkaroff poderia estar aqui por ordem dele?

-Não sei - disse Sirius lentamente. - Não sei... Karkaroff não me parece o tipo que voltaria para Voldemort a não ser que soubesse que o lorde teria poder suficiente para protegê-lo. Mas quem pôs o seu nome no Cálice de Fogo fez isso de caso pensado, e não posso deixar de achar que o torneio seria uma boa ocasião para atacar você e fazer parecer que foi um acidente.

-Até onde posso ver, parece um plano muito bom - disse Harry desolado. - Só precisam sentar-se e esperar que os dragões façam o serviço por eles.

-Certo... esses dragões - disse Sirius, falando agora muito rapidamente. - Tem um jeito, Harry. Não ceda à tentação de usar um Feitiço Estuporante, os dragões são fortes, e têm demasiado poder mágico para serem nocauteados por um único feitiço. É preciso meia dúzia de bruxos para dominar um dragão...

-É, eu sei, acabei de ver - disse Harry

-Mas você pode dar conta sozinho - disse Sirius. - Tem um jeito e só precisa de um feitiço simples. Basta...

Mas Harry ergueu a mão para silenciá-lo, uma expressão de surpresa e ansiedade em seu rosto.

-Vá! - sibilou Sirius. - Vá! Tem alguém chegando!

E antes de ver se alguém havia realmente chegado ou não, Sirius desapareceu da lareira da sala comunal da grifinória, respirando rapidamente, o coração aos pulos. Olhou ao redor, mas a casa permanecia silenciosa. Estivera tão absorto na conversa com Harry que mal se dera conta de todo o resto.

Sentou-se na poltrona mais próxima, passando a mão pelos cabelos escuros e soltando um suspiro de frustração. Sentia-se tão inútil, queria fazer tão mais pelo afilhado... Sirius odiava ter que permanecer tão quieto. Ele precisava de ação, fazer algo, mexer-se.


***


-Bom dia, Sirius! – Andrômeda cumprimentou o primo, que acabara de entrar na pequena cozinha da casa, secando as mãos no avental que usava. – Dormiu bem?

-Não tão bem quanto gostaria, mas também não foi tão ruim. – O bruxo deu de ombros, sentando-se à mesa.

-Hmm... – A mulher abriu um sorrisinho perspicaz e puxou uma cadeira, sentando-se defronte Sirius. – Suponho que arrombar a casa de bruxos seja realmente estafante.

Sirius praguejou contra si mesmo, maldizendo a sua falta de cuidado e a sua imprudência.

-Ahh, Andrômeda, me desculpe, mas...

-Hey, eu não estou te dando uma bronca. - A mulher arqueou as sobrancelhas, sorrindo de maneira divertida. – Afinal, quem sou eu para lhe dar um sermão? Além do mais, eu sei o quanto você tem estado preocupado com o garoto, o teu afilhado.

Sirius não melhorou a expressão de aborrecimento, o que evidentemente aumentou o seu ar soturno.

-Você chegou a ouvir a nossa conversa, Andie?

-Não, é claro que não. Quando ouvi um barulho de passos em casa – eu tenho o sono leve desde que tive Nymphadora, ela nunca permitiu que eu dormisse uma noite inteira sem pausas – me levantei para ver o que era. É uma neurose minha, eu sei, mas desde a guerra tenho uma cisma de que vão invadir a minha casa, por causa dessa bobagem de “traição do sangue”. – a mulher resmungou algo que lembrou Bellatrix, cruzando os braços. – Mas quando cheguei à sala e vi você na lareira, só tive tempo de ouvir aquilo e voltei para o meu quarto. Seu segredo está a salvo comigo. – concluiu com uma piscadela.

Sirius relaxou um pouco mais a postura e inclinou-se para frente, apoiando as mãos na mesa, de modo que ficasse mais próximo da mulher.

-Tudo o que Tonks nos contou sobre o desaparecimento de Berta Jorkins e as notícias que saem n’O Profeta Diário... Andie, nada tem acontecido por acaso. Voldemort – nesse momento Andrômeda crispou os lábios involuntariamente, reprimindo um arrepio – está agindo, eu tenho quase certeza.

-Sim, eu sei tudo isso, mas Você-Sabe-Quem não vai dar as caras agora, não enquanto não tiver todos os malditos comensais de volta. Não me importo que você use a lareira ou a nossa coruja, você tem toda a liberdade na minha casa, mas por favor, não faça nenhuma besteira. Não vá querer bancar o herói. Pelo o que Nymphadora nos contou, o Ministério só tem se preocupado em procurar você, ninguém quer acreditar que aquele maldito esteja lá fora, esperando uma oportunidade de atacar. Por isso, Sirius, tome cuidado.

-É o Harry, Andrômeda. – Sirius levantou-se, andando em círculos na pequena cozinha. – Eu simplesmente não consigo ficar longe e não fazer nada por ele. Você entende o que é isso, não é?

-Claro que sim. – A mulher também levantou, tocando suavemente o ombro do primo, os olhos escuros cravados nos cinzentos dele. – Mas Alastor Moody está em Hogwarts, ele é um auror competente, meio neurótico, é verdade, mas ainda assim um dos melhores que existem. Ele ensinou muito à Nymphadora quando ela entrou no Quartel dos Aurores, tenho certeza que ele fará o mesmo por Harry Potter.

Sirius abriu a boca para retrucar, mas Andrômeda lançou um olhar firme a ele, forçando-o a se sentar.

-Ted saiu para alimentar o hipogrifo, acredito que você deveria fazer o mesmo. Você precisa se alimentar, recuperar suas forças, para quando tudo se resolver e não precisar ficar trancado na casa da sua prima chata.

O bruxo balançou a cabeça, inconformado, aceitando a sugestão da prima. Mas apenas por enquanto, porque algo lhe dizia que mudanças estavam chegando.


***

-Você devia sorrir mais.

A sentença havia sido clara e direta. Sem rodeios. Bem no estilo “Tonks” de ser.

-Como?

-É verdade. O garoto Potter se saiu super bem na tarefa com os dragões - comentaram isso por dias n’O Profeta Diário -, Olho-Tonto está em Hogwarts, com certeza mancando atrás do garoto e rosnando “Vigilância Constante” o tempo inteiro, sem contar o próprio Dumbledore, que nunca deixou nada de mal acontecer na escola. Tenta relaxar um pouco. – Tonks fingiu um ar mandão, cruzando os braços e largando-se na poltrona que ficava ao lado da cama de Sirius. – Ou vou ser obrigada a tomar medidas drásticas.

-Como o quê, por exemplo? – Sirius desdenhou, também cruzando os braços.

-Na minha época em Hogwarts, o meu Rictusempra era bem famoso, sabe.

Sirius não conseguiu evitar o sorriso e Tonks ficou satisfeita em notar que aquilo trazia uma mudança significativa à expressão do rosto dele.

-Merlin é sábio. – Sirius balançou a cabeça, ainda sorrindo.

-Posso saber a razão?

-Por você não ser da geração dos Marotos. Não daria certo.

-Hum... – A metamorfomaga levantou-se e começou a circular no pouco espaço livre do sótão, uma alegria estranha por ter conseguido fazer Sirius sorrir.

Sem querer encará-lo, começou a fuçar nas antigas caixas que estavam empilhadas no canto do sótão, como se procurasse algo ainda mais importante e valioso que alguma relíquia de Merlin.

-Eu não consigo entender como a minha mãe consegue manter o sótão tão organizado. – Tonks levitou uma caixa até o chão, sentando-se no tapete envelhecido, pouco ligando para a sua postura. – Vou sugerir que ela entre pro Ministério, quem sabe aquilo lá não fica um pouco mais organizado, não é?

-Andrômeda não iria suportar toda a burocracia e regras do Ministério. – Sirius disse, enfiando as mãos nos bolsos. – Ela sempre foi a minha transgressora favorita justamente por não ligar para os princípios dos outros.

-Ahhh, então ela era o seu modelo de comportamento? – Tonks arregalou os olhos, dando uma risadinha. – Bom saber isso.

E então continuou mexendo nas caixas, até que encontrasse um gramofone antiqüíssimo que jazia esquecido há vários anos. Os olhos da metamorfomaga brilharam de deleite e, parecendo tão empolgada quanto uma criança, ela continuou a procurar sabe-se lá Merlin o que, sob o olhar atento de Sirius. Então puxou uma caixa para perto de si e abrindo-a, encontrou uma antiga coleção de discos, que ela nem sabia ao certo de quem era: talvez aquele fosse o legado dos Tonks.

Com todo o cuidado possível, tirou um dos vinis da caixa e colocou-o no aparelho que, mesmo sem estar ligado à eletricidade, começou a tocar magicamente – uma das especialidades de Ted Tonks.

-Quem eram os Marotos? – Como se o assunto anterior não tivesse sido interrompido, Tonks retomou-o distraidamente.

-Era como nos intitulávamos na época da escola. – Sirius respondeu. – Os nossos “feitos” também eram bem famosos na época. E ter uma concorrente como você não seria bom para nós.

A jovem fechou os olhos, quando o som da agulha arranhando o vinil e que precede a música em si encheu o pequeno aposento:


Don't let me hear you say life's taking you nowhere, angel
Come get up my baby



A metamorfomaga abriu um sorriso que fazia surgir uma pequena covinha na sua bochecha esquerda e que quase alcançava os olhos negros e brilhantes.


Look at that sky, life's begun
Nights are warm and the days are young
Come get up my baby



-Música trouxa? – Sirius perguntou, ao que a jovem assentiu em resposta.

-Essa é uma das vantagens de ser mestiça: tem-se o melhor dos dois lados. Papai adora música trouxa até hoje e não se conforma porque eu gosto d’As Esquisitonas.

-Lily também gostava de música trouxa. Adorava, na verdade. – O bruxo calou-se por um momento, mas acabou concluindo que falar daquilo não era dolorido.

Nem tudo os dementadores haviam conseguido arrancar dele. Ainda havia uma pequena chama que teimava em queimar dentro de seu peito; talvez ele próprio insistisse em sobreviver, quando tudo parecia conspirar para que o contrário acontecesse.

E todo aquele traço de normalidade, a neve caindo lá fora, o ar aconchegante daquela casa, conversar com Tonks sobre o que acontecia no mundo mágico ou sobre nada em específico... era como se ele resgatasse algo do seu próprio eu que ficara escondido em algum lugar do passado.

Aquilo mostrou que havia outras coisas agora, coisas que valiam a pena e que precisavam ser preservadas. Não importando como.


I'll stick with you baby for a thousand years
Nothing's gonna touch you in these golden years


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Notas finais do capítulo

¹ Golden Years, de David Bowie – Além de ser a música título do capítulo, eu utilizei alguns trechos dela na última cena do capítulo. A música (que é a minha favorita do Bowie, btw) faz parte da trilha sonora do filme “Coração de Cavaleiro” (um dos meus filmes favoritos também) e é tocada naquela cena do baile, quando o protagonista inventa aquela dança porque não sabe dançar – eu amo aquela cena. *-*

E eu gosto de imaginar a Tonks curtindo música trouxa (vide a fic I Wanna Rock), penso até em montar um fanmix dela...rs. E eu acho David Bowie, o “camaleão”, a cara da nossa fofa metamorfomaga.



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