Black Tangled Heart escrita por Morgana Black


Capítulo 4
Numb




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Capítulo 3 – Numb¹

“Unable, so lost
I can’t find my way
Been seaching, but I have never seen
A turning, a turning from deceit
Cos' the chlid rose light
Try to reveal what I could feel
I can't understand myself anymore
Cause I still feeling lonely
Feeling so unholy”¹



Os últimos meses haviam sido de uma falsa tranqüilidade para Sirius, até o momento em que decidiu que já havia se preservado por tempo demais. Mesmo sob os protestos inflamados de Andrômeda, Sirius decidiu que já era hora de partir e sua decisão não poderia ser mais acertada: as coisas haviam atingido proporções catastróficas, segundo as últimas cartas de Harry.

-Cuide-se. – Andrômeda murmurou, os olhos extremamente brilhantes de lágrimas que ela teimosamente insistia em não derramar, enquanto abraçava o primo. – Prometa que vai se cuidar, que não vai fazer nenhuma besteira.

-Andie, por favor... – Ted pediu, tocando gentilmente o ombro da esposa.

-Encare isso como um “até breve”, Andie. – Sirius sorriu, passando a mão pelos cabelos longos e brilhantes da mulher, para depois se afastar do abraço dela; então acrescentou: – Eu nunca vou saber como agradecer tudo o que vocês fizeram por mim.

-Você sabe que não foi sacrifício nenhum, Sirius. – Ted afirmou apertando a mão de Sirius. – Era o mínimo que poderíamos ter feito por você.

Sirius até havia cogitado a possibilidade de esperar Tonks aparecer para se despedir dela, mas ele não queria esperar mais. O momento exigia isso dele.

-Tonks... quando vocês falarem com ela... bem, agradeçam a ela também. Por tudo. Vou sentir falta das nossas conversas, da sua tagarelice. – E sorriu novamente, beijando o rosto da prima. – Não se preocupe, ficarei bem.


***


Voldemort estava de volta.

Não era mais uma suspeita, era a confirmação e concretização do que rondava a vida de todos há algum tempo. Sirius ouvira o relato de Harry, contando tudo o que acontecera no momento em que entrara no labirinto, as armadilhas que encontrara, até o instante em que ele e Diggory tocaram a taça tribruxo e foram transportados para o cemitério onde Voldemort viria a renascer, ajudado pelo maldito Rabicho.

Sirius sabia que tempos sombrios estavam aproximando-se, que o breve período de “calmaria” somente antecedia uma tormenta talvez tão violenta quanto aquela que se abatera sobre eles há alguns anos.

-... agora tenho trabalho para cada um de vocês. A atitude de Fudge, embora não seja inesperada, muda tudo, Sirius. Preciso que você comece imediatamente. Alerte Remus Lupin, Arabella Figg, Mundungus Fletcher, a turma antiga. Fique escondido com Lupin por enquanto, entrarei em contato com você lá.

A Ordem da Fênix, enfim, estava renascendo das cinzas.


***


“Tempos tempestuosos se aproximam: as nossas suspeitas se confirmaram.
Em breve entrarei em contato com você, precisamos conversar. Espero que a melhor executora do Rictusempra esteja bem.
Atenciosamente
Snuffles.”


Tonks lera e relera o sucinto bilhete, que chegara havia poucos minutos, várias vezes. Não reconheceu logo de início aquela caligrafia, mas um detalhe peculiar fez um pequeno sorriso surgir, sem que ela se desse conta: Snuffles.

Certa noite, quando Sirius ainda estava escondido na casa de seus pais, ela comentara algo a respeito de um cachorro que achara na vizinhança, quando tinha por volta dos oito anos de idade – sendo que este não tinha realmente um dono, mas era cuidado por todos na região – e dera a ele aquele mesmo nome, porque estando próximo de sua casa, Tonks achara que o cachorro era dela e merecia um nome. Porque tudo merecia um nome; e um nome que fosse, no mínimo, legal e descolado.

A auror não pôde deixar de achar aquela uma forma adorável – levando-se em consideração o jeito de Sirius, que ela sempre julgara tão diferente e misterioso – de se identificar para ela.


***


Não tão silenciosamente quanto gostaria, Tonks surgira no descampado próximo a uma vilazinha nos arredores de Kent. A metamorfomaga girou sobre os calcanhares, esquadrinhando com o olhar o lugar onde aparatara, mas não havia nenhum sinal hostil, nada que indicasse que aquilo pudesse ser uma armadilha.

O sorriso veio espontâneo e fácil quando viu o cão negro aproximar-se dela, parecendo feliz e despreocupado como qualquer cão vagabundo.

-Hey, Snuffles – Ela sorriu novamente, ajoelhando-se no chão poeirento e esticando a mão para afagar a cabeça do animago. – como você está?

O cão latiu e inclinou levemente a cabeça, aceitando aquele carinho. A forma poderia até ser a de um animal, mas Tonks sentiu aquele olhar - que já era tão conhecido seu – lhe dar aquela impressão de ser transparente; ou de que estava presa em um redemoinho de sensações estranhas e arrepios. Como se através daquele olhar, ela fosse capaz de enxergar nele muito mais do que poderia ser revelado em mil conversas, também.

Snuffles latiu novamente, afastando-se da jovem. Circulou algumas vezes ao redor dela, como se a analisasse, então se pôs a caminho, vez ou outra olhando para trás, para ter a certeza de que Tonks estava seguindo-o. Caminharam por alguns minutos, a metamorfomaga tentando reprimir as várias perguntas que se formavam em sua mente inquieta, curiosa quanto àquele inusitado e estranho encontro.

Somente quando avistaram um pequeno chalé de aparência descuidada, Tonks notou o quanto o animago parecia ansioso para que chegassem logo, porque assim que se aproximaram da construção, ele sumira das vistas dela, fazendo-a vencer o pouco espaço com passos rápidos.

-Snuffles? – Ela sussurrou, a mão indo em direção ao bolso traseiro da calça, onde sua varinha estava escondida, tentando enxergar algo na sala mal iluminada. – Sirius?

E no lugar onde estivera o enorme cão negro, havia somente o primo mais querido de sua mãe, o homem com quem ela convivera tão pouco, mas que já se tornara tão importante pra ela. Tonks não conseguiu não demonstrar certo choque: Sirius parecia tão maltratado quanto naquela noite em que aparecera subitamente no jardim dos Tonks - os orbes cinzentos cheios de preocupação, uma centelha nova brilhando em seu olhar tempestuoso.

-Sirius! – Ela sorriu, aproximando-se do primo e abraçando-o. Havia tanto que queria lhe dizer e perguntar, as coisas andavam tão confusas ultimamente. – Como você está? O que tem acontecido? Eu fiquei tão preocupada quando soube que você havia ido embora, e ainda foi sem se despedir de mim... E então?

Sirius, inevitavelmente, acabou sorrindo. Um sorriso cheio de carinho e... bem, era realmente saudade o que ele sentia, porque havia se habituado, naquele pouco tempo em que foi hóspede dos Tonks, com as conversas com a metamorfomaga e seu espírito constantemente agitado e alegre, com aquela frágil certeza de que ele não era um fracasso total. Somente agora, quando tudo ao seu redor pareciam sombras e amargura e um frio quase tão intenso quanto o de Azkaban, é que havia se dado conta do quanto sentia falta dela, das cores dela, daquele tênue fio que sustentara a sua sanidade e o fizera se desprender daquela sua obsessão por breves e preciosos momentos.

-Eu estou bem, Tonks, não se preocupe. – Sirius intensificou o abraço, o braço deslizando suavemente pelas costas dela, permitindo-se sentir aquela proximidade por brevíssimos segundos antes de se afastar dela. – Teremos tempo pra conversar sobre mim, mas agora eu tenho outro assunto para tratar com você.

-Que lugar é esse?

-É a casa de um amigo, Dumbledore pediu que eu ficasse escondido com ele por um tempo. Remus não está no momento, mas não há problemas em conversarmos aqui.

-Dumbledore?! O que aconteceu? – Ela se acomodou na única poltrona que havia no que parecia ser a sala de estar, enquanto Sirius permanecia em pé, os braços cruzados. – Alguma coisa com o garoto Potter? Eu soube o que aconteceu no Torneio Tribruxo, conhecia os Diggory de vista, mas ninguém me explicou direito o que houve.

-É exatamente esse o motivo por que te chamei aqui. – Sirius passou a mão nos cabelos desalinhados, muito sério. – Não houve acidente algum com o filho dos Diggory, o rapaz foi assassinado por Voldemort... – E conforme contava tudo o que acontecera nos últimos dias, foi uma Tonks diferente para Sirius que ouvira aquele relato: não a garota de ar juvenil e despreocupado, com quem conversara algumas vezes na casa de Andrômeda; mas a auror treinada, que buscava compreender o quão grave a situação estava se tornando. – Portanto, nós estamos reativando a Ordem da Fênix, precisamos fazer algo agora, enquanto Voldemort não reuniu as suas forças completamente. Podemos contar com você?

Tonks nem precisou pensar muito antes de concordar enfaticamente e bombardear Sirius com mil perguntas sobre o que eles fariam a seguir.


***


Sirius achou que tudo fosse ser como antes. Sentia-se vivo e lúcido como nunca, pronto para a luta. Quando Dumbledore aparecera no lugar onde ele estava escondido com Remus, achou que o diretor viesse com um estratagema de guerra cuidadosamente armado, ao que os seus anseios foram esmigalhados e pisados de uma única vez:

-Você sabe que tem que se manter escondido, não sabe Sirius? – Dumbledore o encarou seriamente, os olhos muito azuis parecendo enxergar todas as intenções do seu interlocutor. – Não é prudente que você se exponha, não agora, enquanto todos ainda acreditam que você seja um Comensal da Morte.

-Então suponho que devo ficar escondido para sempre. – Sirius sibilou, cerrando os punhos, uma onda de raiva turvando a sua vista. – Dumbledore, eu não sou um covarde, não vou ficar encarcerado por mais tempo. Eu não posso!

-Sirius, seja razoável... – Remus tentou argumentar, mas Sirius não parecia estar disposto a ouvir os outros dois. - Sirius, pense bem: o seu disfarce já não é tão útil quanto antes; Pettigrew já deve ter contado tudo o que sabia sobre isso a Voldemort. É perigoso que você saia agora.

-Eu não sou um fraco, um inválido, ou algo que o valha!

-E alguém aqui disse isso? – Dumbledore arqueou as sobrancelhas prateadas, sorrindo brandamente. – Nós só estamos preocupados com a sua segurança. Apenas isso. E isso não significa que você não possa ajudar de alguma forma.

-A única coisa que eu posso fazer pela Ordem, sem me “expor” – A última palavra havia sido pronunciada carregada de deboche – é oferecer a velha casa dos meus pais para as reuniões. É isso o que você supõe ser útil, Dumbledore: ficar numa casa que tem Artes das Trevas impregnando todos os lugares possíveis e imagináveis?

-Vai ser realmente bom ter um lugar seguro para nos reunirmos, Sirius. – Remus tentou conciliar a situação, sua voz soando mais cansada do que nunca. – E você sabe, nós podemos perfeitamente bem neutralizar o que quer que haja naquela casa.

Sirius estava disposto a brigar e esbravejar, argumentar o quanto a idéia de mantê-lo de fora da luta era estúpida, dizer o quanto era idiota que um membro da Ordem da Fênix que ainda conservava seus poderes praticamente intactos não assumisse uma missão, efetivamente; mas ele sabia que seria inútil discutir.

Inútil.

O sentimento de frustração pareceu crescer e crescer e se espalhar por todo o seu ser, obscurecendo os seus pensamentos: a última coisa que ele gostaria, no presente momento, era ter de voltar para Grimmauld Place, lugar que ele jurara, aos dezesseis anos de idade, nunca mais voltar.


***


O Quartel-General da Ordem da Fênix pode ser encontrado no número 12, Grimmauld Place, Londres.

-Memorizou bem o endereço? – Alastor Moody resmungou, tocando o pedaço de pergaminho com a sua varinha, que instantaneamente consumira-se em chamas.

Tonks afirmou, olhando ansiosamente ao redor.

-Eu nunca pensei que fosse vir pra esse lugar. – Ela arregalou os olhos, quando viu surgir, entre as casas de número onze e treze, uma mansão de aspecto assombrado. – Mamãe me falou tanto daqui, do quanto odiava Grimmauld Place e o seu ar de “eu sou uma mansão do mal” e agora estamos aqui, pra lutar contra...

-Chega, Tonks!

Moody saiu coxeando, parecendo irritando com a tagarelice da metamorfomaga. Depois de abrir as várias fechaduras que ficavam no lado interno da porta, assistido por uma Tonks que ultrapassava os limites da curiosidade, o ex-auror, antes de permitir a entrada de ambos, vasculhou todo o perímetro com o seu olho mágico, certificando-se de que estavam em segurança.

-Vamos entrar logo, Olho-Tonto. – Tonks exclamou afobada, entrando no hall escuro e sujo.

-Acenda a sua varinha, não toque em nada, preste atenção onde pisa...

-Já sei: Vigilância constante!

Moody apenas resmungou algo incoerente da risadinha divertida da sua acompanhante, tornando a selar as fechaduras.

Mas, tipicamente, ela não levou tão a sério as precauções do bruxo mais velho e acabou tropeçando em algo que se parecia horrivelmente com uma perna de trasgo, perdendo o equilíbrio e quase caindo, tendo que se apoiar no quadro de uma bruxa de aspecto ainda mais assombrado que a casa.

-Droga, droga, droga! – Apalpou o tornozelo machucado, maldizendo a decoração daquele lugar medonho e a falta de uma iluminação decente naquela casa. – Quem vai estar nessa reunião, afinal de contas? – A auror sussurrou, tateando a parede mofada, enquanto seguia Moody pelo corredor escuro. – Você me disse tão pouca coisa quando me procurou no Ministério, eu estou tão ansiosa com isso tudo... quer dizer, o Sirius me contou tudo o que sabia, mas isso já faz uma semana, e desde então não soube de mais nada.

-Eu disse apenas o necessário. – Com seu dedo nodoso, Moody indicou a escadaria estreita que levava à cozinha. – E você já vai saber tudo o que precisa.

Assim que adentrou a cozinha – e Tonks ficou realmente surpresa por não ter tropeçado novamente, porque se sentia mais agitada que o normal – a metamorfomaga se viu sendo absorvida pelos olhos de tempestade, mais sombrios e tumultuosos do que nunca, e que a encaravam de forma intensa.

-Faça o que você achar melhor, Molly; eu sinceramente não me importo!

E para sua surpresa, Sirius apenas acenara rapidamente para ela, sumindo da cozinha cavernosa, deixando Tonks completamente estupefata e confusa. A Sra. Weasley, parecendo aborrecida e furiosa, acompanhara com o olhar a saída do bruxo, até que notasse a presença de Tonks e Moody.

-Molly, esta aqui é Nymphadora Tonks (“é só TONKS, Olho-Tonto!”), a auror do Ministério que eu disse que traria.

-Ah, seja bem-vinda, querida! – Molly sorriu afetuosamente, puxando a varinha e conjurando mais uma cadeira. – Como vai, Alastor?

Moody acomodou-se na cadeira mais próxima, olhando com desgosto para a cozinha sombria, seu olho mágico movendo-se alucinadamente pelo aposento:

–Dumbledore não poderá vir essa noite, pois vai se encontrar com a Confederação Internacional de Bruxos novamente. Aquele bando de diplomatas estúpidos não quer aceitar a situação, mas Dumbledore insiste em argumentar.

-Beleza, Molly? – Tonks sorriu para a mulher ruiva, sentando-se à mesa. A auror não ousava imaginar o quão surpresa sua mãe ficaria com aquela situação: Grimmauld Place sediar uma organização contra as Artes das Trevas era algo inimaginável para qualquer um que conhecesse a família Black.

-Ei, eu me lembro de você em Hogwarts. – Bill Weasley adiantou-se, estendendo a mão para Tonks e sorrindo gentilmente. – Metamorfomaga, não?

Conforme os outros membros começavam a chegar para a reunião, Tonks tentava não se mostrar tão surpresa, mas era um tanto absurdo ser “companheira de luta” de Severus Snape, seu ex-professor de poções – que, inevitavelmente, crispara os lábios finos e fizera algum comentário maldoso sobre as qualidades (ou ausência delas) de Tonks como membro da Ordem.

Mas aquele sentimento de que estava, finalmente, envolvendo-se em algo correto e de que iria fazer o que se comprometera a fazer quando jurara lutar contra a Magia Negra, superava todos os possíveis aborrecimentos que o “morcegão” tentasse lhe causar.


***


-... porque o Lorde das Trevas certamente buscará compreender o que evitou a sua destruição quando tentou matar Potter, enquanto ele era um bebê. – Snape completou, sua voz soando metódica e entediada.

-Bom, isso não é muito diferente do que Dumbledore suspeitava.

-Isso pode não parecer tão importante a você, Lupin, mas eu trago a confirmação do que o diretor suspeitava. – O mestre de poções completou com uma nota quase imperceptível de irritação, encarando o resto dos bruxos com desdém.

-Severus, eu não estava replicando o que você disse, só estava concluindo que era exatamente isso o que Dumbledore nos dissera na última reunião.

-Ah, claro, eu havia me esquecido o quanto você gosta de ser... hã... cortês, eu presumo. – Snape sorriu desagradavelmente, enquanto os demais bruxos começavam a levantar-se, comentando o que ele acabara de relatar, sabendo que aquilo era a deixa para o final da reunião. – O diretor me perguntou se você não tem precisado da poção. Deve ser tão doloroso ter de lidar com o seu lado...

-Já chega, ranhoso! – Sirius surgira ao lado de Remus, que parecia desconfortável com os comentários de Snape. – Você veio aqui, falou o que queria. Ótimo, agora pode ir embora lamber as botas do seu mestre.

Snape curvara-se em despedida, parecendo satisfeito, e deixando Sirius ainda mais aborrecido – se é que aquilo fosse realmente possível.

-Sirius, eu não me importo. – Remus manteve-se impassível e tranqüilo. – Temos coisas mais sérias para nos preocuparmos.

-Eu daria qualquer coisa pra saber o motivo de Dumbledore confiar no Snape. – Tonks aproximou-se, sentando-se ao lado de Remus, curiosa quanto àquela amostra de hostilidade mútua. – Quer dizer, ele é professor de Hogwarts e tudo mais, mas a gente sabe que ele foi um Comensal da Morte. Não sei se acredito nele ou não.

-Se Dumbledore tem motivos fortes para confiar no Snape, então eu também confio. – Remus disse com firmeza. – Snape deve ter dado provas suficientes para merecer esse apoio, e eu confio no julgamento de Dumbledore.

-Mesmo que tenha sido o próprio Snape que “deixara escapar” uma informação sigilosa sobre você, Remus? – Sirius interpôs, erguendo uma sobrancelha. – Não tenho essa capacidade de confiar assim tão fácil.

-Snape tem motivos de sobra para não gostar de nós, você sabe bem disso, Sirius.

-Ele simplesmente mete aquele nariz exageradamente nojento no que não é da conta dele. Não tenho nada a ver com isso.

Tonks simplesmente não estava compreendendo o que estava acontecendo: do que eles estavam falando, afinal? Pensou que fosse apenas uma cisma com Snape, mas o modo como Lupin parecera incomodado com aquela conversa mostrava que havia muito mais coisas ali.

Remus corou levemente ao notar que a metamorfomaga ainda estava ali, tentando não prestar atenção na conversa deles, mas falhando completamente.

-Você se lembra que eu lhe falei da filha de Andrômeda? – Sirius deu um meio sorriso para a jovem. - Tonks me manteve informado sobre o que acontecia no Ministério, logo após eu ter conseguido fugir com o hipogrifo.

-Ah, então você é a famosa Tonks. – Remus sorriu gentilmente. – Não tivemos tempo de nos apresentar devidamente, mas o Sirius me falou bastante de você.

-É mesmo? E o que você tem falado de mim, Sirius? – Tonks sorriu travessa, fincando os cotovelos no tampo da mesa e passando a mão pelos cabelos, que naquela noite estavam curtos e exibiam uma coloração esverdeada. – Não vale dizer que eu sou tagarela e estabanada: todo mundo já sabe disso.

-Fique tranqüila que nada grave foi dito a seu respeito. – Remus assegurou, convocando uma xícara de chá pra si. – Ele gosta bastante da sua mãe, sempre falava muito dela quando estudávamos em Hogwarts.

-Hmm, os igualmente famosos Marotos, não é? O Sirius já me falou sobre vocês e alguns dos seus feitos “memoráveis”.

Remus arqueou as sobrancelhas, lançando um olhar confuso para Sirius – talvez na tentativa de compreender o quanto Tonks sabia sobre os “feitos memoráveis” dos marotos.

-Só contei algumas das confusões que arrumamos e que nos renderam várias noites de detenção com a Profª de Herbologia. – Sirius garantiu.

-E não contou o porquê de você e James terem se tornado animagos ilegais?

-Claro que eu não iria contar, Remus.

-A verdade, Tonks, é que eles se tornaram animagos ilegais, em partes, por minha causa. – Remus, mesmo parecendo tão pouco a vontade com aquele assunto, mantinha a expressão doce, sua voz baixa tão tranqüila como se estivesse comentando uma receita de chá de amora. – Em algum momento você iria acabar sabendo isso, então é melhor que saiba logo e por mim.

-Você tem certeza, Remus? – Sirius olhou surpreso para o amigo, ao que o outro assentira.

Era vergonhoso, uma verdade cruel: mas o licantropo estava cansado de se afeiçoar às pessoas e perdê-las de alguma forma.

Remus conhecia Tonks superficialmente – ou melhor, acabara de conhecê-la - mas algo como a sua licantropia não poderia ser escondido por tanto tempo, não quando a maioria dos membros da Ordem sabia daquilo e um possível “deslize” ou comentário de Snape pudesse revelar a sua condição. Além do mais, em algum momento Tonks acabaria sabendo, por isso era preferível que fosse por meio dele, o amaldiçoado. Era melhor que ela soubesse logo no início o tipo de pessoa com quem conviveria, que o olhar de surpresa, choque e repulsa viesse logo. Remus queria evitar ao máximo que os membros da Ordem tivessem uma impressão equivocada a seu respeito e formulassem uma opinião sem que soubessem tudo o que era relacionado a ele.

-Quando estávamos no quinto ano, após passarmos algum tempo debruçados sobre livros de transfiguração, nós conseguimos descobrir como praticar animagia; na verdade, Sirius, James e Peter queriam fazer aquilo por minha causa, para me fazer companhia. – Remus respirou fundo, parecendo mais cansado e abatido. -A poção que Snape mencionara e a informação sigilosa que ele “deixara escapar acidentalmente” têm a ver com o fato de eu ser um lobisomem.

-E isso faz alguma diferença? – Ela o encarou, como se não compreendesse as reações de Remus: - Eu particularmente não vejo nada de errado em você, e acho que só esse detalhe não resume tudo o que você seja.

-Tonks, eu sou um amaldiçoado! - Remus argumentou, ainda surpreso com a reação da garota. - Isso faz a diferença.

-Bom, isso não muda muita coisa pra mim.

Sirius recostou-se no espaldar da cadeira, um sorriso divertido no rosto, enquanto dava um tapinha no ombro do amigo:

-Eu sabia que ela não daria a mínima pra isso, afinal, quem aceita um possível foragido homicida e demente em casa, não vai ligar em conviver com um lobisomem.



***


Ele não compreendia o motivo para que estivesse, naquela noite, ainda mais aborrecido que o normal: a Ordem ia buscar Harry na casa dos trouxas, ele deveria se sentir um pouco mais animado com isso – veria o afilhado novamente, afinal – mas o seu humor parecia declinar dia após dia, como se o ambiente daquela casa fosse ainda mais maléfico que a convivência com mil dementadores.

Sirius odiava quando todos vinham lhe dizer o quanto era importante que ele permanecesse em Grimmauld Place para a sua própria segurança.

Estava cansado dos olhares hostis de Molly Weasley, dos comentários sarcásticos do maldito ranhoso, das precauções de Dumbledore. Até mesmo as palavras conciliadoras de Remus o deixavam enervado.

Ninguém parecia compreender o quanto era frustrante permanecer naquela casa – especialmente naquela maldita casa – e ficar assistindo, de braços cruzados, todos fazendo alguma coisa. Sendo úteis – como Snape adorava esfregar na sua cara.

-Veio me dizer para eu não fazer nenhuma besteira? – Ele sibilou mais mal-humorado e frio do que tencionava, levando o cálice de vinho aos lábios e sorvendo uma grande quantidade do líquido.

Tonks revirou os olhos, cruzando os braços.

-Sabe, é meio cansativo ter que aturar o teu mal-humor – e vendo o olhar desdenhoso do primo, completou: - mas eu entendo o que você sente. Na verdade, acho que eu acabaria ficando bem insuportável se tivesse que ficar escondida nessa casa, ouvindo os sermões dos outros como se você fosse um idiota ou algo do tipo. Eu nunca tive muita vocação pra dar conselhos, pra dizer o que as pessoas devem fazer ou não. Na verdade, nem quero que isso aconteça. Não vou dizer pra você “se cuidar” ou “ficar escondido” porque é “perigoso” e blábláblá. – Ela deu de ombros. – Só queria que você soubesse que eu me importo com você, assim como os outros que falam essas coisas.

Sirius relaxou um pouco mais as feições, baixando a guarda.

-Eu odeio esse lugar. – Ele murmurou, parecendo deprimido.

-Eu imagino que sim. – Tonks sentou-se ao lado dele na enorme mesa da cozinha, num dos raros momentos em que esta ficava vazia. – Eu também não gosto daqui, acho esse lugar sinistro demais pro meu gosto.

Então ela sorriu, aquele mesmo sorriso contagiante e luminoso, cutucando de leve o ombro dele:

-Quer que eu faça algo pra te animar? Eu posso me transformar em qualquer coisa. – A metamorfomaga empertigou-se, mordendo o lábio como uma criança travessa. – Hmm, que tal uma versão distorcida do Snape? Ou um Olho-Tonto de cabelo laranja, huh?

Sirius acabou sorrindo involuntariamente.

-Viu? Não é tão difícil assim... – Ela sorriu mais ainda para ele, cheia de importância.

-Ok, mas isso não significa que eu me conforme com a situação. – Sirius disse, tomando outro gole de vinho. – Porque eu continuo achando que ficar aqui é inútil.

-Pelas barbas de Merlin, Sirius, quem foi que falou em conformismo aqui? – Tonks franziu as sobrancelhas, os cabelos roxos parecendo ainda mais eriçados. – Eu apenas acho que a situação poderia ser bem pior. Pensa comigo: você conseguiu sobreviver em Azkaban, fugiu de lá - coisa bem difícil de se fazer, fugiu dos dementadores por mais de um ano... cara, isso não é pouca coisa, quantos outros conseguiriam sobreviver a isso tudo, hein?

-É, talvez você tenha razão... – Sirius meneou a cabeça, erguendo a sua taça como se fosse um momento muito solene.

-Nymphadora?!

Tonks crispou os lábios, resmungando alguma coisa; mas acabou fazendo apenas uma careta aborrecida, quando Remus Lupin entrara na cozinha, procurando por ela.

-Alastor está nos chamando, já está na hora de buscarmos o Harry na casa dos tios. – Remus anunciou, ajeitando a capa. – Tudo bem por aqui?

-Eu ficaria mais feliz se você parasse de me chamar de Nymphadora. – Tonks estirou a língua, dando uma piscadela divertida para Sirius. – Até mais, Sirius.

-Você está bem? – Remus perguntou sempre preocupado com o amigo, assim que Tonks saíra da cozinha, deixando os dois sozinhos. – Não se preocupe, nós traremos o Harry em segurança.

Sirius forçou um sorriso, murmurando algo em concordância.

Ele ainda acompanhou Remus e Tonks até a porta de entrada da mansão, o único lugar mais distante que lhe fora permitido chegar, e desejando, pela primeira vez, estar no lugar do amigo.


***


Tonks era uma das poucas pessoas que conseguia vencer aquelas várias camadas de desdenhosa indiferença e fazê-lo abandonar aquele mal-humor doentio.

Ela o compreendia, e ele nunca pensou que alguém, exceto James, fosse capaz de tal coisa.


***


Era impossível não gostar de Tonks, Sirius concluiu, observando-a conversar animadamente com Ginny e Hermione. A jovem era espontânea e carismática, sempre alegre e empolgada com tudo ao seu redor. Como se cada mínimo detalhe fosse a coisa mais interessante do mundo e ela quisesse explorar e conhecer o que estivesse ao seu alcance.

Eram essa eterna curiosidade e vitalidade o que tornavam Tonks tão cativante.

Sem contar que Sirius gostava do jeito como ela parecia não se importar com a opinião dos outros, das suas respostas atrevidas. Ele gostava até mesmo do jeito meio inconveniente dela, do modo como ela deixava Molly exasperada com seus comentários “descontraídos” e que arrancavam risadas estrondosas dos jovens Weasleys.

E aparentemente, outra pessoa também começara a observar aquelas qualidades na metamorfomaga, porque os olhos ambarinos traziam um quê novo e brilhavam de maneira diferente, mesmo que o seu dono fosse discreto demais para admitir aquilo.


***


Os outros certamente não notariam, mas Sirius convivera com Remus tempo suficiente para notar que alguém, finalmente, conseguira vencer, mesmo que sem aquele intuito, algumas das várias barreiras de reservas com que ele cercara o seu coração.

Sirius só não conseguia compreender o porquê de não ficar totalmente feliz com aquilo.


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Notas finais do capítulo

¹Numb, de Portishead (sim, eu sou obcecada pela “banda”, thankyouverymuch XD)



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