Black Tangled Heart escrita por Morgana Black


Capítulo 2
Dearest Helpless




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Capítulo 1 – Dearest Helpless ¹

“Dearest helpless
Intent's not as bad as the action.
Take a breath to distort the fear in your eyes” ¹




Caro Sirius,

Obrigado por sua última carta, a ave era enorme, quase não pôde passar pela minha janela.
As coisas continuam na mesma por aqui. A dieta de Duda não está dando muito certo.
Minha tia o pegou contrabandeando rosquinhas fritas e açucaradas para dentro do quarto, ontem. Meus tios disseram que vão ter de cortar a mesada dele caso ele continue fazendo isso, então Duda ficou com muita raiva e atirou pela janela o PlayStation. Isso é uma espécie de computador com muitos jogos. Foi realmente uma burrice porque agora ele não tem nem um Mega-Mutilation parte três para distrair as idéias.
Eu vou bem, principalmente porque os Dursley estão apavorados que você possa aparecer e transformar eles em morcegos se eu pedir.
Mas aconteceu uma coisa estranha, hoje de madrugada. Minha cicatriz doeu outra vez. A última vez que isto aconteceu foi porque Voldemort estava em Hogwarts. Mas acho que ele não pode estar por perto agora, pode? Você sabe se cicatrizes produzidas por um feitiço podem doer até anos depois?Vou mandar esta carta quando Edwiges voltar, no momento ela saiu para caçar. Diga olá ao Bicuço por mim.

Harry

PS: Se quiser entrar em contato comigo, estarei na casa do meu amigo Rony Weasley até o fim do verão. O pai dele arranjou entradas para a gente assistir à Copa Mundial de Quadribol!



Era a enésima vez – sem nenhum tipo de exagero – que Sirius relia a carta do afilhado. Todas as leituras provocavam as mesmas reações nele: primeiro o sorriso verdadeiro, por ver narradas com tanta simplicidade fatos corriqueiros da vida de Harry – a idéia de transformar os parentes trouxas de Harry em morcegos não lhe era nem um pouco desagradável. Era como se, finalmente, Sirius fizesse verdadeiramente parte da vida do afilhado, começasse a conhecê-lo em seus simples e pequenos detalhes.

Depois a expressão de genuína alegria era substituída por um franzir de testa, denotando que havia algo errado. Tudo o que dizia respeito à Voldemort era mais que preocupante. Se depois de anos a cicatriz de Harry voltara a arder e, coincidentemente ou não, na mesma época em que o rato traidor havia conseguido fugir, era sinal de que algo não estava indo bem.

Havia também outros acontecimentos curiosos, como o sumiço de Berta Jorkins e a confusão que acontecera na Copa Mundial de Quadribol. Sirius enfurecia-se só de pensar no quanto as autoridades do Ministério eram estúpidas por não se preocuparem devidamente com o ocorrido. Queria mandar tudo pro espaço e ir para perto do afilhado, não deixar que nada de ruim lhe acontecesse.

-Você também acha que está na hora de voltar, não é Bicuço?

Caso alguém visse aquela cena, acharia, no mínimo, curioso. A aparência de Sirius não era das melhores: ainda usando as vestes esfarrapadas de Azkaban, a única coisa que denunciava que não se tratava de um Inferi era o brilho sempre determinado de seus olhos. Os cabelos estavam longos, sujos e emaranhados, e suas unhas já haviam visto dias melhores. Além disso, o bruxo estava acompanhado por um hipogrifo (que, curiosamente, também estava foragido), com quem conversava ocasionalmente e, agora, com a companhia da coruja de Harry que o espiava com seus olhos ambarinos e sempre atentos.

Um quadro realmente pitoresco - há de se concluir.


Harry,

Estou viajando para o norte imediatamente. A notícia sobre a sua cicatriz é o último de uma série de acontecimentos estranhos que têm chegado aos meus ouvidos.
Se ela tornar a doer, procure imediatamente Dumbledore - dizem que ele tirou Olho- Tonto da aposentadoria, o que significa que tem identificado os sinais, mesmo que os outros não os vejam.
Logo entrarei em contato com você. Dê minhas lembranças a Rony e Hermione. Fique de olhos abertos, Harry.

Sirius



Sirius prendeu cuidadosamente o pedaço de pergaminho na pata de Edwiges, que o encarava de volta com uma quase profunda reverência; como se tivesse a mais absoluta certeza de que alguém iria velar pelo seu dono.

-Entregue isso o mais rápido possível para o Harry, menina! – Sirius murmurou, acariciando a penugem branca da coruja. – E não deixe que ele faça alguma besteira, sim?

E com esta recomendação, Edwiges inclinou levemente a cabeça como se aquiescesse e abriu as asas, ganhando os céus daquela tarde de outono.

Sirius observou a coruja distanciar-se rapidamente, enquanto se aproximava do local onde Bicuço repousava. O bruxo ficou longos minutos encarando o céu, a expressão em seu rosto cada vez mais sombria. Precisava voltar logo para a Inglaterra, não podia mais acompanhar aquela situação de longe.

Estava na hora de agir como um padrinho deve agir.


***


Desde muito jovens, os membros da família Black recebiam instruções nas artes mágicas. Quando não eram os mais velhos da família que cuidavam dessa parte, preceptores altamente recomendados eram incumbidos de ensinarem aos jovens bruxos puros-sangues as primeiras lições em magia e bruxaria. Portanto, aos onze de idade, quando ingressou em Hogwarts, Sirius Black possuía amplo conhecimento em Astronomia, fator que contribuiu para as suas notas altas não só nesta disciplina, embora detestasse ter que estudar o movimento e influência dos astros. Ou talvez lidar constantemente com os estudos astronômicos o lembrasse de suas origens – de que os Black eram os “filhos das estrelas”.

Contudo, isso ficara para trás. Sirius deixara de se considerar um Black no momento em que saíra de casa aos dezesseis anos e passara a viver por sua própria conta. E, afora os Potter, que acolheram Sirius como se ele fosse um membro de sua família, a única pessoa que Sirius ainda considerava era sua prima Andrômeda que, apesar de ser alguns anos mais velha que ele, nutria uma afeição absurda por Sirius, a ponto dos dois passarem horas e horas conversando sobre os mais diversos assuntos.

Sirius estava agora na região sul da Inglaterra, escondendo-se com Bicuço em florestas e bosques, exceto nos momentos onde se disfarçava em sua forma animaga e perambulava em pequenos povoados buscando por notícias.

Estava se tornando cada vez mais complicado viajar com um hipogrifo sem chamar a atenção de bruxos ou trouxas. Sem a sua varinha, Sirius só podia se valer do seu poder de animago, que não era tão útil quando só podia se locomover ao voar nas costas de Bicuço.

Como poderia então se manter escondido ao se aproximar cada vez mais da região norte do país? Sozinho, ele conseguiria ficar sob a sua forma animaga, mas com a companhia de Bicuço (que a cada dia era mais importante para o bruxo) era muito mais complicado arranjar um esconderijo sem que houvesse risco para os dois.

Sirius precisava arranjar uma solução. E tinha que ser o mais rápido possível.

A opção óbvia era procurar Remus e ficar escondido com o amigo. Sabia que Remus não estava mais trabalhando como professor em Hogwarts – Sirius deduziu que o licantropo não iria permanecer no cargo após o que acontecera no final do ano anterior -, mas tudo ainda estava tão recente, que seria arriscado procurar Remus. Isso iria somente comprometer o amigo, que já passava por situações adversas demais.

Então, por quanto tempo ele deveria vagar sem rumo certo, até que sentisse que o momento era suficientemente seguro e oportuno para que pudesse aproximar-se de Harry? Não que Sirius se preocupasse consigo próprio e com a sua segurança: uma pessoa que arriscou tudo ao fugir de Azkaban e conseguiu manter-se longe dos dementadores por tanto tempo pode ser tudo, menos prudente. Ao menos no que dizia respeito à sua própria pessoa.

Mas a mínima possibilidade de comprometer Harry era o suficiente para deixar o bruxo mais que preocupado. Ele pouco se importava com o que pudesse lhe acontecer, desde que possuísse a certeza de que Harry estava seguro e feliz.

Pelo afilhado, Sirius se manteria cauteloso ao máximo.

O enorme cão negro enrodilhou-se em seu próprio corpo, os olhos cravados no céu estrelado. Estavam no começo de outubro, nenhum acontecimento grave havia sido noticiado n’O Profeta Diário, mas isso não acalmava o espírito inquieto de Sirius. O animago começou a achar que estava começando a ficar paranóico. Só podia ser isso.

Na escuridão serenamente silenciosa da floresta, as estrelas pareciam brilhar ainda mais. Reconheceu com facilidade a constelação de Andrômeda – a princesa acorrentada. E como todo pensamento inusitado, ou a maioria das idéias brilhantes, um pequeno facho de luz acendeu-se na mente de Sirius: talvez Andrômeda, assim como a princesa que fora oferecida em sacrifício para libertar o seu povo, fosse a sua salvação.

Sirius rejeitou a idéia na hora, mas no momento seguinte isso já nem lhe parecia tão absurdo: não via Andrômeda a longos anos, ele era considerado pela sociedade bruxa como um servo fiel de Voldemort, enquanto que sua prima era uma renegada por ter casado com um nascido trouxa... as possibilidades dele comprometer a prima eram mínimas.

Naquela noite, Sirius dormiu mais esperançoso. Talvez as estrelas fossem capazes de lhe trazer alguma resposta.


***


Talvez fosse uma obra do destino, ou mesmo sorte, mas Andrômeda continuava morando na mesma casa em um típico condado interiorano da Inglaterra.

Sirius lembrava-se vagamente da casa, do cheiro de biscoitos de chocolate recém saídos do forno e de uma garotinha tagarela que simplesmente não parava quieta por um segundo e que lançava olhadelas cobiçosas para a sua moto.

Só visitara a prima naquela casa uma única vez, que fora logo após ter saído de “casa” e ser extirpado da árvore genealógica dos Black. Naquela época tinha dezesseis anos, uma motocicleta voadora e mil planos para o seu futuro glorioso. Sirius achou que só o fato de não ter de respirar o ar venenoso que circulava por entre as paredes sombrias de Grimmauld Place, o faria verdadeiramente livre.

Mas ele só não podia contar que a desgraça se abateria sobre a sua vida e a de seus amigos de forma tão cruel: a guerra era mais impiedosa do que ele poderia imaginar.


***


Nymphadora Tonks não pensou que o seu primeiro ano como auror formada fosse começar tão tumultuado. Além de todo o alvoroço que se instalou na comunidade bruxa devido a fuga do bruxo das trevas Sirius Black da fortaleza de Azkaban, que era até então inexpugnável, acontecimentos muito curiosos têm marcado este período em especial: primeiro o desaparecimento de Berta Jorkins durante o período de férias. Embora metade do Ministério da Magia (inclusive a própria Tonks) estivesse convencido de que era mais uma das trapalhadas daquela bruxa, aquilo já estava ultrapassando os limites do aceitável; depois foi aquele ataque suspeitíssimo durante a Copa Mundial de Quadribol. A própria Tonks esteve lá, fazendo a segurança de algum figurão búlgaro de nome esquisito - mesmo que a função de um auror não fosse aquela - e presenciou todo o horror de ver a Marca Negra brilhando assustadoramente no céu.

Aquele episódio em particular deixara a jovem metamorfomaga verdadeiramente intrigada. Após mais de dez anos de “paz”, um ataque de supostos Comensais da Morte não era algo tão simples assim. Principalmente após a fuga de um dos bruxos mais perigosos de que se tinha notícia, perdendo o posto só para o próprio Você-Sabe-Quem.

Não era algo que se podia dizer abertamente dentro da sede do Ministério da Magia, mas Tonks tinha uma leve suspeita de que algo andava absolutamente errado. Muito, muito errado mesmo. E só a simples possibilidade de se ter Aquele-que-não-deve-ser-nomeado andando por aí, a solta, com seu servo fiel de volta, era o suficiente para alvoroçar toda a comunidade bruxa.

E nisso, todo o crédito do mundo devia ser dado ao Ministro da Magia, porque não havia a ínfima probabilidade de se admitir que algo estivesse tremendamente errado, algo que maculasse a imagem do seu governo perfeito. Porque enquanto não houvesse algum indício realmente concreto (um ataque durante a Copa Mundial de Quadribol não parecia ser o suficiente), Fudge nunca iria admitir que houvesse essa possibilidade.

Eram esses detalhes que faziam Tonks repudiar o trabalho no Ministério da Magia: toda aquela dissimulação lhe dava uma impaciência absurda, embora amasse a sua profissão e tivesse a certeza de que era realmente aquilo que gostaria de fazer pelo resto de sua vida.

A jovem auror soltou um suspiro agoniado, o olhar passeando de maneira entediada pela sala onde trabalhava com o auror Kingsley Shacklebolt.

Por ser ainda inexperiente, Tonks havia sido designada para trabalhar com o auror mais velho e disso a jovem não tinha do que reclamar. Kingsley, apesar do seu senso de humor peculiar, era uma pessoa legal de se lidar: ao menos não tratava Tonks como se ela fosse uma adolescente idiota, a respeito do seu jeito um pouco espontâneo demais e dos cabelos coloridos.

Nos últimos dois meses a dupla trabalhava arduamente em busca de pistas que levassem ao lugar onde Sirius Black estava escondido. Tonks costumava brincar com o assunto – na tentativa de descontrair o clima constantemente tenso no Quartel dos Aurores – dizendo que, caso eles realmente achassem Sirius Black, também encontrariam o covil do próprio Você-Sabe-Quem e que acabariam estuporando dois trasgos com um feitiço só.

Várias vezes Tonks fora repreendida por isso, mas curiosamente, todas as broncas foram dadas por sua mãe, Andrômeda Tonks. A Sra. Tonks tinha a firme certeza de que, entre todos os membros da família Black, Sirius era o único por quem ela seria capaz de colocar a mão no fogo e jurar perante Merlin a inocência dele. Sirius e Andrômeda eram parentes próximos, o primo mais querido de Andrômeda – segundo a própria. E aceitar que ele se deixara corromper como os demais parentes era demais para a Sra. Tonks.

Por vezes Tonks achava que a mãe estivesse se iludindo demais, mas Andrômeda afirmava ser uma das poucas pessoas que tivera a oportunidade de conhecer Sirius Black de verdade.

Talvez a teimosia fosse hereditária, porque não havia jeito de dissuadir Andrômeda do contrário – Nymphadora tinha essa certeza a cada dia.

Como resultado, a jovem acabou por engolir o que dizia e se resignar a passar dia após dia em busca de algo que ninguém mais tinha esperança de alcançar. Se o bruxo havia conseguido fugir de Azkaban, certamente não iria aparecer assim, tão fácil.

Voltando para o presente, Tonks quedou-se surpresa por estar a tanto tempo encarando o rosto emaciado do bruxo que a espiava do outro lado da sala.

Os vários cartazes que estavam espalhados naquele cubículo pareciam vigiá-la, aprisioná-la de uma forma estranha. Era como se o olhar daquele bruxo fosse capaz de queimá-la por dentro, perturbá-la. Tonks reprimiu um arrepio incômodo, aproximando-se do cartaz mais próximo. Apesar da aparência maníaca, a Auror não podia negar que o olhar daquele bruxo tinha algo de intrigante.

Sirius Black tinha olhos de tempestade, ela constataria mais tarde e, curiosamente, muito mais cedo do que supunha.


***


Quem passasse por aquela pacífica rua àquela hora, veria apenas um enorme cão negro vagabundeando pela vizinhança, talvez em busca de algo para comer. Ninguém reparou o brilho excessivamente inteligente daqueles orbes cinzentos, ou a forma como o cão examinava cuidadosamente a casa de número cinco da Rua das Nereidas. ²

Vez ou outra Sirius ausentava-se, somente para saber se estava tudo bem com Bicuço, que ficara escondido nas cercanias da Vila onde Andrômeda morava.

Sirius estudava a rotina dos Tonks de maneira quase obsessiva. Queria resolver logo aquilo, aproximar-se da prima e descobrir se todas as suas suposições estavam corretas, se Andrômeda realmente o acolheria. Mas não podia simplesmente aparecer do nada, esperando que a mulher aceitasse a sua história, aceitasse a sua inocência. Não ousava imaginar o que a prima pensava dele no presente momento.

Talvez ele tivesse sido inconseqüente demais ao resolver tão rapidamente que deveria procurar a prima. Ou talvez aquela fosse uma maneira de retomar o elo para com uma das coisas do passado que ele mais prezava no mundo. Porque uma coisa parecia estar intrinsecamente ligada à outra e tudo o que fazia parte de seu passado lhe voltava à memória com mais intensidade.

E afinal, aquela era uma das resoluções do bruxo: reaver tudo o que lhe fora tirado durante o tempo em que ficou confinado em Azkaban.



***


-Ahhh, mas eu não acredito que a digníssima auror resolveu nos dar a honra de sua visita! – Andrômeda exclamou, arregalando exageradamente os olhos, numa imitação quase perfeita de sua filha, assim que abriu a porta de entrada do pequeno sobrado.

-Mãe, deixa de ser exagerada! – Tonks revirou os olhos, para logo em seguida depositar um beijo estalado no rosto da mãe. – Tem quinze dias que eu almocei aqui, sem contar que eu mando corujas quase todo dia. Não é possível que tudo isso seja saudades minhas.

-Pois, pra mim, você vai ser sempre a minha garotinha e eu sempre vou sentir sua falta aqui em casa, Nymphadora.

Tonks já estava pronta para protestar – a força do hábito sempre fazia com que ela reclamasse do próprio nome, quando um barulho metálico vindo da cozinha fez as duas, mãe e filha, rirem gostosamente.

Andrômeda riu e enroscou o braço no braço de Nymphadora, retribuindo o beijo, mas antes que ela fechasse a porta da casa novamente, Tonks demorou-se alguns poucos segundos na soleira, as sobrancelhas franzidas e o olhar vasculhando a rua silenciosa.

-Nymphadora? – Andrômeda arqueou as sobrancelhas, notando a mudança no comportamento da filha. – Aconteceu algo?

-Nada não... – Tonks murmurou, sacudindo a cabeça e passando a mão pelos cabelos curtos. – Tinha um cachorro esquisito quando eu cheguei e pensei que ele estivesse me seguindo. – acabou dando de ombros, enquanto sua mãe a conduzia em direção à cozinha, onde um cheiro convidativo fez a auror salivar em expectativa. – Deve ser esse cheiro que atraiu o cachorro, eu acho.

-Então, é isso o que o seu pai chama de um “jantar especial” para nós. – Andrômeda sorriu, quando as duas chegaram à cozinha, puxando a varinha do bolso do casaco e ajeitando as panelas vazias que jaziam espalhadas no chão. Era quase como se a cozinha tivesse sido invadida por pelúcios. – Me expulsou da cozinha a noite inteira para “preparar o jantar” e, mais um pouco, encontraria tudo destruído aqui. Depois eu me pergunto a quem Nymphadora puxou.

O homem de cabelos castanhos apenas sorriu, encolhendo os ombros. Ted Tonks podia argumentar como fosse que isso nunca seria suficiente para vencer as respostas das suas duas garotas. O que uma tinha de tagarela, a outra tinha de cínica. Uma dupla e tanto.

-Tudo bem, Dora? – Ted Tonks puxou a filha para um abraço, despenteando os cabelos coloridos da metamorfomaga. – Pegou algum bruxo malvado antes do almoço? Ou quem sabe foram dois?

-Nahn, nenhuma novidade hoje, papai. – Tonks suspirou, sentando-se à mesa, enquanto Andrômeda começava a servir o jantar. – Mas o Scrimgeour tem deixado todos os aurores enlouquecidos em busca de Sirius Black. Talvez eu tenha que partir em missão com o Kingsley e mais outros dois aurores, pra averiguar se ele esteve mesmo fazendo contato com bruxos russos.

A atmosfera na pequena cozinha na casa dos Tonks mudou sensivelmente. O ar parecia mais frio e até mesmo o cheiro inebriante da comida já não parecia tão intenso. Andrômeda enrijeceu a expressão em seu rosto, tentando aparentar uma serenidade que não possuía: acreditar que Sirius fazia parte da mesma estirpe de sua irmã Bellatrix era inconcebível. Não o Sirius que ela conheceu desde bebê e que sempre berrava para os quatro cantos do mundo o quanto repudiava a doutrina do Toujours Pur.

-Mãe, eu sei que a senhora acredita que o Black seja inocente e tudo o mais, mas é meu trabalho procurar por ele, não é? – Tonks tocou a mão de Andrômeda e admitiu francamente: - Se a senhora acredita mesmo que ele seja inocente, eu também acredito. Mas eu tenho que separar isso do meu lado profissional. Ou ao menos “fingir” que tenho que fazer as coisas dessa forma.

-Dora tem razão, Andie. – Ted interveio, com seu tom de voz calmo e grave. – Ela é uma auror e não pode simplesmente entrar no Ministério da Magia e anunciar que Sirius Black é inocente. Vão mandar a pobrezinha para o St. Mungus na hora, achando que perdeu o juízo.

-E não é verdade, pai? – Tonks deu uma piscada cúmplice ao pai, abrindo um sorrisinho travesso. – Pra acharem que eu perdi o juízo, precisa ser algo muito grave. Todo mundo sabe que eu nunca tive juízo mesmo.

-Ahh, vocês dois! – Andrômeda sacudiu a cabeça, os longos cabelos castanhos acompanhando o movimento. – Tratem de jantar logo, antes que a comida esfrie. E você, Sr. Tonks, – e apontou uma concha de ensopado para o marido, tencionando ser ameaçadora. – não fique dando idéias à Nymphadora. Ela por si só já é imaginativa demais.

Os três acabaram rindo e entabulando uma conversa qualquer sobre o trabalho do Sr. Tonks. Ted tinha um pequeno negócio que fazia adaptações para bruxos que pretendiam morar em casas trouxas e queriam ter os seus pequenos confortos mágicos. Volta e meia Ted acabava tendo que tratar algum assunto com Arthur Weasley – que trabalhava na Seção de Mau Uso dos Artefatos Trouxas – e isso acabava por lhe render boas anedotas.

Era por volta das onze horas da noite quando Tonks resolveu ir embora. Os protestos de Andrômeda eram comuns nesse momento, mas a auror já estava habituada ao excesso de zelo da própria mãe.

Novamente, quando estava na soleira da entrada do pequeno sobrado, aquela estranha sensação de estar sendo observada lhe arrepiou os pêlos da nuca. Tudo bem que ela sempre fora considerada distraída demais pelos colegas de profissão e a sua percepção nunca era levada a sério, mas havia algo decididamente estranho naquela noite. Como se tudo ao redor fosse hostil demais.

-Nymphadora, você tem certeza que não prefere ir até Londres usando a rede de Flú? – Andrômeda perguntou, abraçando o próprio corpo para se proteger da rajada de vento frio daquela noite outonal.

-Mãe, eu detesto usar a rede de Flú, sempre fico espirrando por horas. – Tonks respondeu distraidamente, porque algo lá fora chamara a sua atenção e ela já havia empunhado a varinha, deixando a mãe surpresa.

-Querida, o que...

-Shh! – Tonks arregalou os olhos, espichando o pescoço, como se tentasse enxergar algo. – A senhora viu aquilo ali, indo em direção aos fundos do quintal?

Andrômeda franziu o cenho, mas logo uma expressão tão intrigada quanto a de sua filha dominou as suas feições. Ela também vira: havia algo se movimentando no seu jardim, como se fugisse. Cogitou a possibilidade de chamar Ted, mas ao ver que Nymphadora já seguia o estranho vulto, só teve tempo de fechar a porta e sussurrar um feitiço qualquer para trancá-la.

Mãe e filha caminharam cautelosamente por entre os arbustos e canteiros de rosas, fazendo o mínimo de barulho possível, e nisso as folhas amareladas de outono contribuíram muito. O chão úmido de orvalho mostrava que havia pegadas de um animal. Tonks suspirou um tantinho mais aliviada, lembrando do estranho cão que vira horas mais cedo, mas o alívio durou o pouco tempo que antecedeu ao seu olhar recaindo para a mudança que se operara nas pegadas, que agora eram humanas.

-Lumus!­ – Andrômeda sussurrou, iluminando o quintal bem cuidado, até que o facho de luz incidisse sobre o único carvalho que havia ali e um vulto se sobressaísse como que saído de uma história fantástica.

-Andie?

Voz rouca, quase inumana, como se não fizesse muito uso dela. A aparência tão selvagem e abandonada quanto se pode imaginar. A visão de Sirius Black ali, na decoração bucólica de seu jardim era quase surreal. A única reação de Andrômeda Tonks foi levar a mão livre à boca, contendo a exclamação de choque que certamente escaparia de seus lábios.

-Por favor, Andie, me escuta, eu preciso explicar...

Instintivamente Tonks já estava com a varinha pronta para executar um feitiço estuporante, mas o bruxo já havia se voltado para ela, o olhar tão desesperado e alucinado – parecendo quase demente – erguendo as mãos em rendição.

-Eu estou desarmado, não tenho como fazer mal algum a vocês. – Sirius aproximou-se alguns passos, forçando a voz a sair mais segura. – Por favor, Andrômeda, me escuta. Eu só preciso disso.

Tonks olhou da mãe para o bruxo, incapaz de dizer algo. Definitivamente, aquele ano estava sendo bem movimentado. Mais até do que ela seria capaz de imaginar. Mas não chegou a ficar realmente surpresa quando sua mãe guardara a própria varinha no bolso do casaco e fizera um gesto para que ela, Tonks, também fizesse o mesmo.

Andrômeda já havia tomado a sua decisão há muito tempo.


***


-Então, deixa ver se eu entendi bem... – Tonks jogou o corpo para trás, apoiando as costas displicentemente no espaldar da cadeira. – aquele atentado contra os trouxas não foi feito por você, mas pelo tal Peter Pettigrew que, assim como você, também era um animago ilegal?

Sirius meneou a cabeça em concordância, o peito magro subindo e descendo devido a sua respiração rápida demais. Ele e os Tonks estavam na cozinha da casa, e Andrômeda já havia revirado o cômodo inteiro em busca de comida, colocando tudo à disposição do primo, que comia – ou melhor, devorava – o que era posto na sua frente.

-Uau! – Tonks arregalou os olhos e Sirius notou que aquele era um gesto habitual da garota, assim como o modo como ela passava a mão pelos cabelos curtos. – E você foi preso sem um julgamento, sem nenhuma prova realmente concreta de que tudo isso foi culpa sua?

-Exatamente. – Sirius abriu um sorriso cínico que fez novamente os pêlos da nuca de Tonks arrepiarem-se. Era aquele mesmo olhar meio alucinado que o bruxo exibia nos vários cartazes espalhados pela comunidade bruxa, só que agora ao vivo e a cores. – O Ministério não costuma ligar para fatos ou provas concretas, o que importa é mostrar que eles conseguiram prender um número “x” de suspeitos, mesmo que isso possa estar errado.

-Nymphadora é uma auror formada... – Ted começou a dizer, ao que foi interrompido pela filha.

-E eu sei bem o quanto o Ministério esconde fatos e evidências, papai. – Ela retrucou, mas ainda indecisa se acreditava totalmente ou não no que Sirius contara a eles. – Isso não é mentira pra ninguém.

-Andrômeda, eu vi o Harry no final do último semestre. Se eu realmente estivesse aliado à Voldemort – o ar pareceu esfriar mais um tanto, embora o olhar de Sirius tornasse a ficar mais lúcido e a sua voz soasse mais eloqüente. – eu tive a oportunidade perfeita para fazer algum mal a ele, caso eu quisesse e tivesse essa intenção, mas não fiz. O garoto acredita em mim, ele conhece a verdade. Merlin sabe que eu nunca seria capaz de trair James e Lily, fazer todas aquelas coisas por causa de um bruxo megalomaníaco feito Voldemort.

O ar que até então esteve preso nos pulmões de Andrômeda Tonks foi solto aos pouquinhos, uma onda de alívio e uma certa alegria curvando os seus lábios em um sorriso.

-Você pode acreditar em mim, Andie? – Sirius disse num sopro, os orbes cinzentos perscrutando o rosto de Andrômeda, que permanecia tal qual ele se recordava: tão enigmática e única quanto antes.

-Eu nunca deixei de acreditar de você. Nunca quis perder a esperança nesse meu primo cabeça-dura. – E sorriu comovida, mas ainda indignada com as injustiças que aconteceram naqueles anos todos. – E o que você pretende fazer agora?

-Estou viajando para o norte do país, quero ficar perto de Harry. – Sirius passou a mão pelos cabelos ainda sujos e desalinhados, como se não se importasse com o seu estado físico deplorável. – Coisas muito estranhas têm acontecido e eu quero estar por perto caso algo aconteça.

-Não se preocupe, Sirius, você pode ficar aqui por quanto tempo precisar. – Andrômeda disse com firmeza, sustentando o olhar para o ar de incredulidade do marido. – Nós tomaremos todas as providências possíveis, aqui você estará seguro.

-Mas e o emprego de Nymphadora? – Ted interpôs.

-Pai, você acha mesmo que vão procurar Sirius Black aqui, na casa dos pais de uma auror? –Tonks apoiou a mãe prontamente, ficando cada vez mais convencida da inocência do primo. – Sem contar que ninguém no Ministério sabe que ele é um animago ilegal.

-Me desculpe Sirius, não é nada contra você, mas eu apenas me preocupo com a segurança da minha família. – Ted suspirou, vencido pelas outras duas.

Sirius aquiesceu em concordância. Conhecia aquela cena, aquele discurso. Quase podia ouvir a voz de James em sua mente, determinada como nunca, afirmando que faria tudo para proteger a própria família. Ele compreendia perfeitamente bem essa necessidade vital de proteger aqueles a quem se ama.

Mas dessa vez ele faria de tudo para não decepcionar aquela família.

O perdão obtido fora o suficiente para desatar um dos muitos nós que atavam toda aquela confusão de sentimentos em seu peito.

Sirius Black começou a acreditar que poderia realmente recuperar o tempo perdido.


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Notas finais do capítulo

¹ Dearest Helpless – música da banda Silverchair e que pode ser encontrada na faixa 6 do CD “Neon Ballroom”. E pode ser traduzida como algo semelhante à “caríssimo desamparado”.

² Nereidas – Ninfas do mar (uma tentativa tosca da minha parte em fazer um trocadilho ou alguma brincadeirinha do tipo, já que eu não tinha noção de onde instalar a casa dos Tonks e não encontrei nenhuma informação sobre isso. Ô.o)



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