Julho de 1963

A semana estava realmente corrida para os Beatles; era uma apresentação atrás da outra, ensaios, entrevistas coletivas e uma série de outras coisas. John mal esperava para aquilo tudo acabar logo e Brian dar uma folga a eles, afinal, ele era John Lennon.

Paul não conseguiu falar com Jane, ela também parecia estar ocupada. Ele tentou telefonar várias vezes, mas nunca conseguia encontrá-la em casa. Isso só o deixou cada vez mais chateado, ele mal conseguia prestar atenção nos ensaios e errava frequentemente.

— Me desculpem — ele disse, certo dia, enquanto eles ensaiavam a música nova de George, Don't Bother Me. — Eu só não consigo...

Paul saiu o estúdio, deixando seu baixo na sala de gravação. Ele caminhou pelas ruas desertas — que nem sempre eram desertas — de Liverpool. Mas era manhã, todas as pessoas estavam trabalhando, estudando ou dormindo. Ele esperava que não esbarrase com alguém naquele dia nublado e tristonho. Paul estava tão distraído que nem reparou que uma mulher de sobretudo bege caminhava em sua direção. Os dois esbarraram e a mulher deixou cair todos os papéis que carregava.

Paul ajudou a mulher a recolher a papelada, ela era ruiva e aparentava ser muito bonita, mesmo sem mostrar o rosto direito.

— Muito obrigada, eu... — a mulher levantou a cabeça e Paul ficou surpreso a reconhecer quem era.

— Jane? — ele interrompeu-a.

— Paul! — Jane sorriu e o abraçou amigavelmente. Paul também sorriu, até achou que ouvira um pássaro cantando. — Eu não vi você passando.

— Nem eu — ele suspirou. — Ando meio distraído. Você tá ocupada?

Jane balançou a cabeça.

— Na verdade, estava indo para casa, memorizar isso aqui — ela balançou a papelada que tinha em mãos. — Quer tomar um café?

Paul assentiu e os dois caminharam até a cafeteria mais próxima, a uns dois quarteirões dali.

Os dois não pediram nada, só se sentaram do lado de fora e conversaram como tinha sido a semana. Paul contou a Jane que tentara telefonar inúmeras vezes e ela se desculpou, esteve realmente ocupada naquela semana. Os pais a proibíram de sair enquanto estivesse sobrecarregada daquele jeito.

Ele contou sobre o novo álbum que estavam gravando, o With The Beatles, e sobre as apresentações seguidas. Ele brincou que precisaram de oito dias por semana para terem um tempo livre logo e Jane riu.

— Eu estava com saudade. — Paul murmurou, quase inaldível. Talvez Jane tenha ouvido, talvez não, mas o silêncio que seguiu o incomodou.

Desanimado, ele resolveu chamar a garçonete e pedir chá. Jane aproveitou o momento e pediu chocolate quente.

— Está com frio? — Paul perguntou com um sorriso maroto brincando nos lábios, mesmo que a intenção dele fosse apenas continuar falando. Jane sorriu.

— Pra falar a verdade, um pouco, sim. Esses dias, eu estive pensando em...

— Ei, aquele não é o Paul McCartney? — disse uma voz feminina apontando na rua.

— Ah, não — Paul tentou esconder o rosto, mas era tarde demais. A menina poderia ter sido um pouco mais discreta, mas parecia até que tinha como objetivo atrair olhares para aquela mesa. Ele gritou para a garçonete que voltaria para pagar, agarrou a mão de Jane e saiu correndo.

— Ai! — ela protestou, quando quase caiu. Paul pediu desculpas e ajudou-a a se recompor, mas uma legião de fãs já corria atrás deles. A sorte era que Jane não estava usando saltos, ficava bem mais fácil correr assim. Na segunda esquina da loja, os dois viraram para entrar no estúdio e se protegerem, mas Paul se confundira: o estúdio era à direita, não à esquerda. Eles entraram numa ruela sem saída.

— Que ótimo — ele resmungou, empilhando algumas caixas para ver o que tinha do outro lado do muro. Eles podiam pular, só que era muito alto e alguém podia acabar machucado. — Jane, me desculpe por isso, é que...

— Não é culpa sua, Paul. — Jane sorriu. — Só acho melhor a gente se esconder.

Paul devolveu o sorriso e os dois se abaixaram atrás das caixas que ele empilhara. A multidão passou direto.

— Essa foi por pouco — ele comentou. — Bom, chega de tumulto por hoje.

Jane verificou se ainda havia algum risco dos dois serem pisoteados por uma multidão, mas não encontrou nenhum. Ela acompanhou Paul até o estúdio.

— Não quer entrar? — ele ofereceu.

— Não tem problema?

Paul balançou a cabeça.

— O único problema seria o Brian não gostar de você, mas, ah, ele vai gostar. Não há quem não goste.

As bochechas de Jane ficaram rosadas e ela o acompanhou para dentro. Lá, encontraram os outros três rapazes sentados, sem fazer nada, enquanto Brian andava de um lado para o outro com ar de preocupação. Quando ele viu Paul, o alívio ficou explícito em sua expressão. Ele nem pareceu notar o fato de Jane e ele estarem de mãos dadas.

— McCARTNEY! — esbravejou. — VOCÊ TEM NOÇÃO DO QUANTO NÓS FICAMOS PREOCUPADOS? VOCÊ PODIA TER SIDO ATACADO.

— Bom ver você também. — Paul replicou.

John andou até ele e o abraçou até suas costelas doerem. Em seguida, ele repetiu as palavras de Brian, gesticulando exatamente como ele. Até Jane soltou uma risadinha tímida.

— Ei, Paul, você sai pra se divertir e nem chama a gente? — Ringo observou Jane. — Você demorou bastante, hã?

— Cale a boca, nós nos encontramos por acaso. — Paul corou.

— E pelo visto esse encontro veio bem a calhar. — George olhou para as mãos entrelaçadas dos dois, que se afastaram num piscar de olhos.

— Isso não é da sua conta — Paul encarou o chão.

— Chega de enrolação. — Brian interrompeu. — Paul, você não queria me mostrar aquela música?

— Ah, sim. Podemos ensaiá-la agora. — Paul pegou o baixo, que estava exatamente onde deixara mais cedo.

— Como é mesmo o nome?

— All My Loving. — Paul sorriu para Jane. Ele escrevera aquela música pensando nela.