A Vida Secreta Dos Imeros escrita por Kalyla Morat


Capítulo 3
Prisioneira




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Quando abri os olhos ainda estava escuro, pelo jeito ainda não haviam concertado a energia. Minhas costas doíam, minha cabeça latejava, minha cama estava mais dura que o normal e também fazia frio. Um barulho estranho soava sobre o teto; ele se assemelhava ao barulho de gotas d’água caindo em uma superfície metálica, como vi naquele filme dos anos 90. Foi só então que percebi que eu não estava em meu quarto. Não chovia na Fortaleza.

  As lembranças vieram todas de uma só vez num emaranhado que não fazia sentido. Eu me lembrava da voz do meu pai chamando por mim “Luiza? Luiza, o que esta acontecendo?”, mas não me recordava onde estava. Um som alto contínuo e uníssono ecoou nos meus ouvidos, era o alarme que indicava o treinamento de invasão. Imagens saltavam da minha memória. O vítreo-livro sendo jogado na cama. Meu uniforme de fuga. O posto de guarda vazio. Os elevadores. A escuridão. Os elevadores? Então tudo fez sentido.

Eu não percebi que estava em movimento até que ele cessou. Comecei a ouvir vozes impossíveis de identificar seus donos ou o que diziam. A medida que eu prestava mais atenção, reparava que a conversa estava ficando cada vez mais alta, quase como uma discussão, e quando silenciaram ouvi passos se aproximando. A tensão me tomava e me jogava de um lado para outro, como se eu fosse uma marionete numa corda bamba, correndo o risco de cair a qualquer momento. Eu podia ouvir meu coração palpitando em minha cabeça. Levei um susto quando uma espécie de janela se abriu e alguém perguntou:

- Você já acordou? – fiquei em silêncio com medo de responder.

- Moça? A sim, bem a tempo, eu calculava que já estivesse acordada. – era uma voz masculina calorosa que não me inspirava medo e sim tranquilidade. A janela foi fechada e a discussão recomeçou. Fiquei atenta tentando descobrir quem eram aquelas pessoas e o que queriam comigo, mas não tive sucesso. Alguns minutos depois a janela foi aberta novamente, e a mesma voz retornou a falar:

- Oi. Você deve estar com uma dor de cabeça insuportável, olhe eu lhe trouxe isso. Não, não tenha medo. Eu sei que você deve estar assustada, mas nós não lhe faremos mal. É para o seu bem. Beba, é só um chá de gibromila, vai fazer a dor passar.

Eu sei que não deveria, mas aquela voz me passava uma serenidade tão acolhedora, eu tinha a sensação que se ela me pedisse para pular de um penhasco eu pularia confiante, e além do mais, a dor de cabeça realmente estava insuportável. Peguei o objeto de sua mão; ele se parecia com as xícaras de chá que tinham em casa exceto pelo fato de que, quando coloquei o liquido na boca e queimei a língua, percebi que elas não mudavam de cor ou de textura quando o líquido estava muito quente. Fui bebericando aos poucos, o líquido tinha o gosto parecido com uma mistura de gengibre e camomila, não era ruim de beber. Minutos depois minha cabeça não doía mais.

Bati três vezes na janela. Quando ela foi aberta, entreguei a xícara e agradeci, mas ninguém me respondeu. Segundos depois comecei a me mover novamente e passei a imaginar como eu estava sendo levada. Lembranças de carros dos filmes das aerotevês passaram em minha mente, talvez eu estivesse dentro de um desses.  Mudei de ideia quando reparei que só ouvia o gotejar da chuva, pois os carros sempre faziam um barulho enorme nas gravações. Era obvio que eu não estava mais na Fortaleza, eu nunca tinha escutado o som da chuva e era gostoso escuta-lo, em poucos minutos adormeci enquanto pensava onde eu poderia estar.

Não sei por quanto tempo dormi. Quando acordei havia um prato com um pedaço de pão e uma tigela com um creme que parecia ser uma sopa. Só percebi que estava faminta depois que comi tudo, inclusive as migalhas do pão. De estomago cheio comecei a pensar em minha situação. Eu estava presa em uma caixa misteriosa, sendo levada por pessoas que eu não sabia quem eram e pra um lugar que eu nem se quer podia imaginar. O rapaz que me entregara o chá dissera que não me fariam mal, mas podia eu acreditar em desconhecido mesmo sabendo que ele invadira minha casa e me tirara de lá a força? Eu tinha que fazer algo para escapar.

Bati novamente na janela. Cinco minutos se passaram até que alguém veio, retirou os pratos e saiu sem dizer uma palavra. Tentei de novo. Dessa vez fiz com que minha voz saísse:

- Ei, Ei, por favor, eu preciso usar o toalete. – pedir pra usar o banheiro sempre funcionava nas fugas dos filmes.

- Ora, ora! Então ela fala! – não era a mesma voz que ouvira mais cedo. Essa era também masculina, mas bem mais rude e sensual que a primeira, essa sim me dava medo.

- Por favor, eu preciso ir ao banheiro! – talvez ele não soubesse o que fosse um toalete.

- Aqui está seu toalete, madame! – ele abriu a porta e jogou um objeto de metal, arredondado, com o fundo chato e uma alça na lateral. Jogou com tanta força que por um momento achei que fosse quebra-lo. Eu não sabia o que era aquilo, mas presumi que deveria fazer minhas necessidades ali. Naquele momento eu odiei aquele homem. Como ele podia me humilhar daquela forma fazendo com que eu usasse aquilo e depois devolvesse para ele? Era muito constrangedor. Tive vontade de jogar todo aquele líquido na cara dele quando devolvi o objeto. Só não o fiz porque percebi que era a outra voz, a do gentil, que veio retirá-lo.

 Presumo que alguns dias tenham se passado devido o número de refeições e vezes que dormi durante a viagem. Todas às vezes, colocavam e retiravam a comida sem dizer uma palavra. Eu não ouvira mais discussões e ninguém me explicou nada. Também não tive chances de fugir. Estava ficando cada vez mais preocupada e amedrontada com aquela situação. Eu tinha que fazer alguma coisa, mas estava de mãos e pés atados presa naquela caixa. Pude reparar em alguns padrões que se repetiam, parávamos sempre nas horas de minhas refeições somente enquanto eu me alimentava, mas havia períodos que pareciam durar horas, presumi que estávamos parando pra dormir. Se eu estivesse certa estávamos viajando há uns dois dias sem que eu saísse nenhuma vez, ou pudesse ver a claridade que indicava se era dia ou noite. Minhas pernas doíam porque não havia espaço para ficar em pé, foi então que resolvi apelar para o bom coração do moço quando ele veio me trazer um pouco de água:

- Moço, por favor, minhas pernas doem, eu preciso caminhar um pouco. – Ele fechou a janela e comecei a escutar novamente uma discussão. Não conseguia entender direito, mas parecia que ele intercedia por mim. Existiam dois homens que vinham me trazer comida, o bom e o ruim, se tinham mais pessoas com eles eu não sabia. Ele voltou me trazendo uma xícara de chá.

- Tome, vai aliviar um pouco a dor. Eu sinto muito, mas eu vou tentar convencê-lo. – ele disse com uma voz pesarosa.

- Espera moço. Por favor, há quanto tempo estou aqui?

- Não diga a ninguém que eu lhe disse, faz dois dias que te tiramos da Fortaleza.

- Mas porque me tiraram de lá, quem são vocês, o que vocês querem?  Pra onde estão me levando?

Ele nada respondeu, apenas meneou um não com a cabeça. Eu insisti mais uma vez:

- Por favor, me tire daqui, eu não aguento mais, mal posso me mexer...

Antes que ele pudesse responder, inesperadamente a janela se fechou e eu comecei a ouvir outra discussão. Algo me dizia que o carinha do mal o arrancara de lá. Eu realmente estava começando a odiar aquele garoto. 


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