Exit escrita por Relinked


Capítulo 8
Capítulo 7


Notas iniciais do capítulo

Agradecendo especialmente ao BioHazard mais uma vez, por ter me feito perceber que um leilão não é feito de um púlpito, duas cadeiras e um martelo.



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Aparentemente, o mundo inteiro tinha sido bondoso o suficiente para mudar uma grande extensão de terra e transformá-la em água. O balão, agora totalmente ensopado, esvaziava rapidamente, e o cesto vazio boiava sobre a água azul daquele grande e súbito lago. Mas o mundo não tinha sido rápido o bastante, e Melanie estava agora se matando para carregar um inconsciente Alec para a margem. Desejou que pudesse desejar e que fosse atendida, mas nada aconteceu. Porém, a água foi gradativamente tornando-se terra de novo e, alguns segundos depois, ela estava sobre a grama com Alec, este ainda desmaiado e com uma perna sangrando, ainda por cima. Pensou se não seria muito melhor se ELA tivesse desmaiado, quebrado a perna e Alec pudesse, com um mísero desejo, mudar tudo.

Percebeu que não adiantaria ficar ali, no frio da noite, com as roupas molhadas, então repousou a cabeça de Alec na grama e foi até o balão. Com muitos puxões e um esforço razoavelmente grande, ela arrancou parte da lona amarela e carregou-a até Alec, que tinha começado a tremer de frio. Enrolou-se na lona, cobriu Alec e ficou ali, deitada com ele, esperando que o dia amanhecesse logo, ou que Alec, no mínimo, acordasse. E, dessa maneira não muito convencional, ouvindo os dentes de Alec baterem e sua respiração suave, ela adormeceu.

Realmente, o banheiro do segundo andar era mais lustrado. Takeso percebeu esse fato quando sentiu uma grande e desonrosa vontade de vomitar e, como o banheiro do primeiro andar estava ocupado, dirigiu-se ao sanitário do andar de cima. O lustrado banheiro continha única e exclusivamente uma privada, sendo esta de vidro, brilhando fortemente no banheiro branco. Completamente branco, completamente brilhante e completamente vazio, exceto pelo vaso sanitário e agora por Takeso, que se dirigiu rapidamente até a privada para fazer o que pretendia a um bom tempo. Colocou tudo pra fora, por longos trinta segundos, manchando o límpido vaso sanitário e parte do chão branco. Ajoelhado, ofegante, bêbado e tonto, Takeso ouviu a porta do banheiro abrir, e logo depois passos, que ele veio a descobrir indicavam a entrada do senhor de bigode rosa no sanitário. Ele veio a descobrir que pertenciam ao senhor de bigode rosa, pois este o agarrou pelos cabelos e torceu seu pescoço, causando uma dor absurda tanto nos cabelos quanto no pescoço. Seus olhos lacrimejaram, ele gemeu e viu o senhor sorrindo para ele. O homem com cara leão-marinho carnavalesco disse, num tom muito claro e sádico:

- Eu disse que o banheiro do segundo andar era mais lustrado. – e, com força, enfiou a cara de Takeso na privada, de encontro com o muito pouco agradável vômito.

Takeso, que mesmo bêbado percebeu o que se passava, obviamente vomitou ainda mais. O senhor de bigode rosa retirou a cabeça dele do vaso sanitário mais uma vez e disse:

- Isto – e bateu com a cabeça dele na cerâmica transparente da privada – É por sujar meu banheiro.

Takeso não chegou a ouvir a segunda parte da frase.

Raphael se recusara a entrar. Ele não era um retardado de cartola e tão pouco um espião secreto, logo, não era bem vindo. Kellyn, Erick e Rod decidiram que deixariam ele fazer o que bem entendesse, pois ele parecia enraivecido o suficiente para tostar cada uma das criaturas majestosas e senhoris. Foram até a escada e ouviram a banda parar quando Rod pisou no primeiro degrau. No alto da mesma, encontrava-se uma grande pistola, flutuando ameaçadora no ar, que mirava diretamente para Rod e parecia prestes a disparar. O silêncio prevaleceu, enquanto a pistola flutuava no ar, e Rod não tinha coragem o suficiente para se mover. A festa inteira tinha parado, cada coisa colorida tinha estacado, nenhum dos esguios seres sequer respirava, nenhum gole foi bebido, nenhuma perna foi abaixada. Era como se o tempo tivesse parado, como se tudo ali tivesse esperando o momento certo, onde montes de tripas, sangue e afins espalhar-se-iam no tapete da beira da escada, provindos do corpo do garoto inocente que agora suava frio e prostrava-se inadvertido sob a mira da pistola. O tempo passou, mesmo parecendo parado e logo atrás da arma desceu suavemente utilizando-se do guarda-chuva, Raphael, com um grande sorriso no rosto e um coelho na mão. Jogou o mesmo contra a pistola que, com o susto, disparou.

Confete pra tudo que é lado, serpentinas, e uma grande e nada aterrorizante bandeira onde se podia ler “Bobinho!” saíram do cano da arma. O silêncio prolongou-se, mas logo a banda voltou a tocar alegremente, enquanto todos voltaram a dançar, menos Rod, que parecia decididamente aterrorizado, estupefato e, na medida do possível, morto. Na medida do possível por que ele ainda continuava de pé, ainda continuava balbuciando algo e continuava também a suar frio. Raphael começou a rir do alto da escada, apontando para o garoto que se supõe tenha visto toda a sua vida passar como um filme diante de seus olhos (não que ele se lembrasse dela), até ouvir um clique do seu lado esquerdo. Virou-se para olhar e viu, a sua frente, o cano de uma pistola que se encontrava mirando exatamente para o meio dos seus olhos. Essa pistola, porém, não era grande e estava na mão de um senhor baixo, gordo e de bigode rosa.

- Você é o tipo de pessoa que eu não convidaria para essa festa. – disse ele, num tom baixo e ameaçador.

Raphael não mudou de expressão. Continuou ali, como se não fizesse diferença estar sendo ameaçado por uma arma, como se ela também fosse, provavelmente, disparar confete e serpentina.

- Esta aqui não vai disparar confete e serpentina. – Afirmou o senhor que segurava a arma. – Mande o garoto mais baixo recolher o lixo do banheiro do segundo andar e mande os outros dois até ambas, sapa e garota, avisarem que meus biscoitos não entram em guerras.

- E por que eu deveria fazer isso? – Perguntou Raphael. Seu tom de voz era o mesmo de sempre. – Acha que sou retardado o suficiente de não ter uma armadilha em mente? Pois olhe para o seu sapato.

O senhor não olhou, imaginando que este seria justamente o truque barato da pessoa de cartola à sua frente. Mas de repente sentiu uma dor excruciante no dedão do pé e viu que havia um coelho roendo-o, e parte do osso já se encontrava pra fora. Deu um berro enorme, largou a arma no chão e tentou chutar o coelho, mas este estava terminantemente preso ao seu pé e roia com um aparente prazer. Aos poucos, boa parte do pé estava roída, enquanto o jazz não parava de tocar.

E a energia elétrica subitamente decidiu que estava na hora de ir embora do bairro por algum motivo que só ela entendia, e deixou assim a mãe de Kellyn sem ter o que fazer em casa. Depois daquela onda de azar, ela percebeu que já devia ser meio-dia, e que os seus filhos não tinham voltado ainda. Porém, o único telefone da casa era sem fio e, portanto, não funcionava sem a bendita energia que estava agora fazendo um tour no bairro vizinho. Esperaria a mesma voltar e, caso isso não acontecesse até o fim da tarde, ela mesma iria até a casa de Erick conferir se estava tudo bem. Com a maré de azar ainda pairando sobre sua cabeça, ela decidiu que seria muito bom aproveitar o silêncio e ir dormir. Mas assim como a energia subitamente decidiu que estava na hora de ir embora, uma tempestade terrível de granizo, com muito vento e muito barulho, decidiu subitamente que estava na hora de fazer uma visita. E com isso, as goteiras vieram dar seu show, o que obrigou a mãe de Kellyn correr atrás de baldes, bacias e panelas, espalhando-os por toda a casa. Dormir seria impossível com o inesperado espetáculo de percussão que se iniciara, e não poderia fazer nada com aquela iluminação. Decidiu que limparia cada um dos livros que se encontravam dentro do seu guarda-roupa, mesmo que mais de dois terços desses livros fossem álbuns de fotografia, o que tornaria a tarefa ainda mais demorada e nostálgica. Não era divertido, mas ela se alegraria de ver que já fora mais bonita, que já tivera menos problemas, que uma vez teve um marido que prestava, que ele aparecera em poucas fotos por ser absolutamente feio e queimar todos os filmes, por lembrar-se do desastre que era seu maiô em uma praia lotada de gente. Enfim, seus dias sem seus filhos. Era uma viagem no tempo, ou uma perda de tempo inviável. Mas ela aceitou o desafio e pôs-se a limpar, soltando de vez em quando exclamações como “Olha a tia Helena! Magra, feia e torta como sempre! Ah, bons tempos...”.

O coelho foi roendo cada parte do pé do bem vestido senhor de bigode cor-de-rosa, que gritava de dor amedrontadoramente. Os convidados continuavam dançando, e Raphael apenas olhava, sorrindo, o resultado do seu contra-ataque. Rod, enojado com a cena, tinha virado de costas e tapado os ouvidos, mas continuava a ouvir tanto a música que parecia jazz quantos os gritos de dor. Kellyn não olhava para o pé, mas sim para Raphael, vendo que ele sorria como um maníaco que pretende comer a vítima após matá-la. Erick, por outro lado, tentava ajudar Rod na tarefa de tapar as orelhas, segurando as mãos dele com as próprias e tapando as orelhas um pouco mais firmemente, mas ainda assim não o suficiente para tornar os berros inaudíveis.

- MALDITO! – exclamava o bigodudo – TIRE ESSSE ANIMAL DAQUI!

- Será um prazer. – disse Raphael, aproximando a ponta do guarda-chuva do coelho branco. – Assim que o senhor assinar este contrato. – e tirou do bolso do paletó um papel que nem Kellyn, nem Erick e nem Rod tinham visto.

Urrando de dor, chutando o coelho, o senhor tentou assinar, em letras muito ilegíveis, o contrato.

- Muito bem – disse Raphael, depois de uma pequena olhadela na assinatura e dando então um toque no coelho com o guarda-chuva, fazendo-o desaparecer. O pé já havia sido amputado e havia sangue derramado por todo o chão.

Raphael desceu a escada e deixou ambos, coelho (agora dócil) e bigodudo (agora sem pé) sobre a escada, indo com um sorriso triunfal em direção à porta, passando por Kellyn, Erick e Rod, no caminho.

E a festa continuava alegre, colorida e divertida como só uma festa onde uma amputação havia ocorrido poderia continuar.

- De onde veio aquele contrato? – Perguntou Kellyn a Erick, interessada, enquanto o senhor bigodudo rolava no chão, encolhido, berrando de dor.

- Não vi contrato nenhum, mas acho que ele já tinha planejado isso quando viu a porta aberta. – disse Erick, ainda com as mãos nos ouvidos de Rod, que tinha uma expressão de pavor no rosto e chorava baixinho.

- É melhor irmos atrás dele, certo? – Indagou ela, percebendo que Raphael deixara a porta aberta.

- Suponho que sim, mas onde ele pode ter ido? – Respondeu Erick, olhando também para a porta, através dos seres que dançavam.

Raphael não estava muito distante dali. Seguia determinado, subindo e descendo colinas, usando seu guarda-chuva como bengala. Ia a uma velocidade rápida, e percebeu que o dia parecia já estar amanhecendo. O tom de azul escuro do céu começava a clarear vagarosamente, a lua, ainda bem fina e parecendo um sorriso, resplandecia no céu que agora amanhecia. O sorriso maníaco ainda permanecia no rosto de Raphael, além de olhos consideravelmente esbugalhados.

- E se fossemos olhar o banheiro de cima, como o cara ali em cima sugeriu? – perguntou Kellyn, indicando com a cabeça o topo da escada.

- Acho que ele não ia gostar muito de subir por ali. – disse Erick, olhando para o ainda desesperado Rod.

- Então fique aqui com ele e eu vou lá dar uma conferida. – disse ela, virando-se e começando a subir as escadas.

Um silêncio absoluto triunfava no banheiro branco, agora manchado de sangue e vômito, além de também haver um corpo estirado no chão perto da privada. Takeso, ainda desacordado, jazia na mistura de sangue e vômito que haviam saído dele mesmo, não pelos mesmos orifícios.

A porta abriu vagarosamente e Kellyn entrou no banheiro, com cautela, observando todo o esplendor branco e luminoso do mesmo, reparando em seguida no amontoado de coisas não muito agradáveis de reparar que era Takeso. Correu até ele e, com repulsa, virou seu corpo no chão e viu um enorme corte na testa e seu nariz quebrado, imundo de vômito. Não queria mais tocar nele, então começou a gritar, desesperada, o nome dele. Não que tenha funcionado, mas ela passou um bom tempo gritando, com a sua voz estridente ecoando pelo banheiro. Seus olhos estavam cheios de lágrimas, por que ele aparentemente estava respirando muito devagar. Desistiu de gritar o nome dele e começou a limpá-lo com papel higiênico, bem vagarosamente, para não sujar as mãos com aquelas coisas nojentas que o impregnavam. Passou tanto tempo limpando o rosto dele que, quando finalmente terminou, suas mãos estavam doendo e ela queria sentar-se, mas se conteve e começou a dar tapinhas em seu rosto agora limpo.

A porta abriu e Erick entrou, segurando a mão de Rod que ainda parecia assustado.

- Limparam a sujeira de lá e levaram o cara embora. – disse ele, e então viu Takeso.

- Também tentei limpar a sujeira aqui, mas levar ele embora não vai ser tão simples. – disse ela, que continuava a dar tapas insistentes no rosto de Takeso.

- Podemos esperar ele acordar. – disse Erick. – Mas eu queria falar com o cara do bigode rosa.

- Vá lá, eu fico aqui até esse panaca acordar. – disse Kellyn.

- Tem certeza? – Perguntou Erick – Não gosto da idéia de separar quem a gente já achou.

- Sim, tenho. – Afirmou ela, com convicção. – Eu sei me virar sozinha.

- Não foi o que eu quis dizer... – começou Erick.

- Vai logo.

Sem dizer mais nada, Erick foi em direção à porta e Rod o seguiu.

Kellyn passou mais uns cinco minutos batendo no rosto de Takeso, que já começava a ficar vermelho, quando ele finalmente respirou um pouco mais forte e abriu um pouco os olhos.

Kellyn parou de bater nele, e ele ficou olhando para ela com cara de quem não está entendendo nada. Nesse instante, tanto Kellyn quanto Takeso não perceberam que o piso branco começou a desaparecer sob uma linda grama verde, e as paredes ganharam azulejos azuis e rosas, ao mesmo tempo em que uma pintura de querubins aparecia no teto, já que continuavam a se encarar. A privada continuava lá, mas aos poucos começava a ficar novamente resplandecente, e a iluminação do local tornou-se mais agradável e um pouco mais amarelada.

Takeso pôs a mão direita no ombro de Kellyn, e sorriu.

Kellyn, com a mão esquerda, lascou um tapa muito bem dado e dolorido em Takeso, e o banheiro, quatro vezes mais rápido do que a transformação anterior, voltou ao normal.

- Isso foi por ter levado milênios pra acordar. – disse ela, levantou-se e encostou-se à parede de azulejos agora brancos ao lado da porta.

Takeso, incrédulo com a atitude, ficou parado com a mão estendida onde antes estava o ombro de Kellyn, até que percebeu que seu nariz doía como se estivesse prestes a cair e se agarrasse com todas as forças ao seu rosto.

Com um urro de dor, Takeso levou a mão ao nariz e percebeu que ele tinha voltado a sangrar. Kellyn não olhou para ele, e ficou mais uma vez com cara de quem não liga, enquanto o banheiro tornava a sujar-se de sangue.

Um púlpito de mogno polido, duas cadeiras estofadas verdes e confortáveis e uma pessoa de cartola encontravam-se na mesma sala, juntamente com uma sapa e uma garota de cerca de oito anos. Raphael, que tinha acabado de entrar por uma porta dupla majestosa de carvalho, se dirigiu até o púlpito, onde havia um martelinho e algumas folhas de papel com textos escritos e montes de números, além de desenhos do tipo que são feitos em folhas de rascunho em horas de tédio. Raphael carregava na mão direita algumas folhas de papel com muitas coisas escritas e que parecia-se com um contrato e, na esquerda, um relógio de bolso. Sorriu para ambas, sapa e garota, quando passou por elas até o púlpito e, ao encontrar-se atrás do mesmo, conferiu a hora no relógio de bolso. Sorriu mais uma vez, guardou o mesmo no bolso, colocou as mãos sobre o púlpito e disse:

- Muito bem. – disse Raphael. – São nove horas. Que comece o leilão!


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