O Belo E O Aristocrata escrita por kaori-senpai


Capítulo 2
A Flor


Notas iniciais do capítulo

Primeiro: eu agradeço muito a minha querida amiga/beta Lyssia-sama e aproveito que estou falando nela, para pedir desculpas por não ter enviado a outra metade do capítulo... Não é falta de consideração! Mas esta semana vou estar ocupada e sem internet, então quero me livrar do máximo de compromissos possíveis... Muito obrigada por consertar todos os meus erros com tanta paciência *-*
Agora vocês podem ler a segunda parte dessa história de amor :3
Boa leitura~



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/265990/chapter/2

O inverno foi rigoroso naquele ano, mas dentro do castelo tudo estava quente e confortável. Gilbird já tinha um espaço no jardim de inverno, e passava os dias voando animado pela casa. À noite, todos paravam o que estavam fazendo para apreciar Roderich tocar piano. Gilbert, inclusive adorava ouvir o austríaco desenrolar com facilidade músicas difíceis até para os mais experientes. Muitas vezes, se sentia tão calmo naquele ambiente, que dormia no sofá, com as belas composições lhe entoando cantigas de ninar. No dia seguinte, fingia não escutar as reclamações do pianista quanto a isso. Ouvir o piano de Roderich o deixava feliz, se dormia ou não, a culpa não era sua.

Algumas manhãs, eles caminhavam pelos jardins da mansão e, vez ou outra, Gilbert iniciava uma guerra de neve. O aristocrata fingia se zangar e ignorava no começo, mas caso os ataques persistissem, revidava com força. Além do mais, o alemão sorria tão inocente quando travavam essas batalhas, que não conseguia deixar de achar graça.

Nas refeições, o de olhos vermelhos criou um estranho hábito de inventar alguma brincadeira com a comida, principalmente quando não gostava do que lhe era servido. Fazia reis, rainhas, e no final, acabava sem comer nada. Roderich aprendeu a ignorar esses comportamentos infantis, mas era perturbador aguentar um homem adulto fazendo aquilo naturalmente.

E em certas noites de insônia, Gilbert passeava pelo castelo. Ninguém, exceto o austríaco tinha conhecimento desse hábito, e só descobriu porque sofria das mesmas noites mal dormidas. Algumas vezes, eles se encontravam e conversavam. Mas não ia além. Nunca ia além de conversas e provocações. Roderich não soube exatamente quando começou a ficar impaciente e ansioso diante da expectativa de acontecer algo mais. Talvez, o motivo dessa inquietação fossem as indiretas que o deixavam desconfortável, mas não tinha curiosidade em descobrir. Ou tinha medo de saber.

Foi numa dessas noites, que o rumo do assunto mudou de maneira drástica.

- Ei, jovem mestre, você gosta das nossas conversas da meia-noite?

Eles estavam do lado de fora, olhando a paisagem congelada, tudo naquele cenário era frio e sem vida, a única coisa que praticamente brilhava ali era Gilbert. Roderich ficou pensativo com aquela pergunta. Ele gostava das conversas? Certamente se distraia, mas “gostar” lhe parecia um termo muito forte. Como dizer?

- Eu não tenho problema algum com elas.

Disse simplesmente isso por achar a frase que mais se encaixava com o que sentia. Não era como dizer: “essas conversas me dão forças para viver, sem elas acho que definharia em minha solidão eterna”. E por um motivo desconhecido, Gilbert parecia ter ouvido tais palavras.

- Kesesese! Vejo que você sabe apreciar minha incrível companhia! Tudo bem jovem mestre, não vou mudar de atitude com você caso resolva confessar seu amor ainda essa noite! Kesesese!

- Como? Em que momento eu disse que me sinto assim em relação a você?

- A todo instante! Sua expressão praticamente grita: “Gil, me possua”! – Ele fez questão de usar uma voz feminina e juntar as mãos em direção à Lua, para irritar mais ainda o austríaco.

- Senhor Gilbert, por favor, não faça comentários dessa natureza. Nossa relação não passa de senhor e servo.

- Rod! Eu não sabia que você gostava de sadomasoquismo! Você vai aos cultos de Sodoma? Kesesese! A gente nunca sabe quem são as pessoas! Kesesese!

- Cale-se! Não me entenda errado! – Roderich estava tão vermelho naquela altura, que sentia medo de que os pelos não fossem o suficiente para cobrir seu rubor.

Por uma grande coleção de minutos, eles ficaram em silêncio. Apreciando o frio gentil que chegava as suas faces. Gilbert se perdeu pensando na sua família, primeiro em Feliciana, afinal, era sua melhor amiga, depois na criança que ela esperava, e por último, no irmão. Tinha evitado lembrar-se dele, não entendia direito, mas a imagem de Ludwig dormindo enquanto Roderich olhava fixamente para ele, o perturbava. Não sentia raiva do moreno por violar a inocência do irmão apenas com seus pensamentos, sentia... Inveja. Inveja do mais novo conseguir a atenção do austríaco tão fácil. E era ai que residia sua confusão. Por que sentir inveja?

O moreno olhava para Gilbert, na sua expressão calma. Era raro vê-lo daquela forma, pois normalmente estava rindo e falando besteiras. Podia até ser mais ousado e dizer que, naquela noite, Gilbert estava realmente bonito. Seus cabelos platinados iluminados pela luz do luar, tão prateada quanto, em um cenário totalmente branco pela neve. Essa cena ficou marcada de forma tão forte, que o aristocrata abriu a boca e arregalou os olhos. Como não tinha notado o quão belo o rapaz era? Mas essa visão acabou quando Gilbert virou o rosto, causando uma reação envergonhada no aristocrata, que se assustou com o vermelho dos olhos do mais velho.

- Hey, Rod... Por que você queria o Lud? – Fez uma breve pausa, só depois que viu a expressão perturbada do austríaco percebeu a ambiguidade de sua frase. – Ele nunca será um servo tão bom quanto o incrível eu! Kesesese!

Gilbert criou certa expectativa naquela resposta. Só desejava ouvir um “não sei”, e apenas com aquilo, sentia que poderia morrer de alegria. Não sabia e nem queria saber por que esperava uma coisa daquelas, a única explicação que encontrou para essa sensação é que não gostava que ninguém fosse melhor que ele.

- Eu queria uma companhia, e seu irmão me pareceu ser agradável.

- Kesesese, agradável em que, jovem mestre? Seja mais específico! Kesesese!

Roderich olhou para o alemão um tanto desacreditado. O mais velho sabia desde a primeira noite de sua estadia qual foi o principal motivo que o levou a exigir Ludwig, porque estaria fazendo perguntas depois de tanto tempo? E o moreno não se sentia nem um pouco confortável em falar aquilo para Gilbert.

- Você está me desrespeitando, senhor Gilbert. Tenha mais modos! Não se pergunta algo assim com tanta naturalidade!

O loiro ficou irritado com aquela resposta. Mas não deveria ter sido assim, afinal, se ele fez aquela pergunta, deveria estar preparado para qualquer coisa, por pior que fosse. E naquele assunto, não poderia existir uma resposta que o deixasse contente. Virou-se e saiu da varanda onde ele o austríaco estavam, olhou para este por um breve instante, e continuou a andar na direção de seu quarto.

- Ei, aonde você vai? – Disse Roderich se esquecendo de que já estava muito tarde para gritar.

- Vou dormir, melhor do que ficar ouvindo suas fantasias sexuais nada incríveis com meu adorável irmão.

- O que?! Mas eu não disse nada! Você agora enlouqueceu de vez!

- Você ficar constrangido é praticamente um depoimento da sua perversão que não quer dividir comigo. Eu sou amigo do Francis, jovem mestre... Sei identificar um tarado quando vejo.

- Como?! Eu não disse nada! Evitei o assunto apenas para não criar uma situação desconfortável! Quem não ficaria constrangido diante de tais perguntas?!

Gilbert deixou a fera gritando no salão principal e foi enfim, deitar-se. Era horrível pensar que seu irmão despertava desejos sexuais em Roderich, era difícil imaginar essas coisas conhecendo os dois tão bem. Sim, podia dizer com certeza que conhecia aquele aristocrata muito bem, afinal, foram quase dois meses e meio de inverno, trancados no castelo, obrigados a conviver todos os dias.

Não foi a primeira nem a última vez que eles brigaram naquelas conversas noturnas, mas as desavenças sempre desapareciam na manhã seguinte. Talvez por isso ambos tenham tomado gosto pelas tais conversas. Gilbert percebeu que somente naquelas ocasiões, seu jovem mestre era menos aristocrata do que o costume, ficando envergonhado mais fácil, cena que era muito engraçada de se ver, principalmente quando ele virava o rosto, escondendo um rubor já escondido pelos pêlos.

- Veja, jovem mestre! Está fazendo de novo! – Gritou Gilbert da poltrona do lado da de Roderich.

- O que exatamente estou fazendo?

- Aquela expressão graciosa que você só faz na minha incrível presença!

- O que?! Eu não faço expressão nenhuma que seja exclusivamente sua! A não ser a de raiva!

- Kesesese! Se não estava, agora com certeza está fazendo, jovem mestre! Olhe só, está até olhando para o chão!

Eles tinham terminado de jantar e estavam descansando a frente da lareira quando Gilbert tocou novamente naquele assunto. Fazia alguns dias que ele colocou na cabeça que adivinharia cada expressão da fera e, por algum motivo desconhecido do austríaco, ele decidiu que tinha um semblante diferente de todos os outros, algo entre o desconforto e a felicidade. E estava determinado a descobrir exatamente o que era.

- Como você sabe que eu só a faço em sua presença? Até onde eu sei, você não pode saber como eu sou longe de você.

- É claro que eu sei! Você é um aristocrata que tem uma atração anormal por pianos! Não é difícil imaginar o que você faz quando o incrível eu não está por perto! Kesesese!

O moreno afundou o rosto na mão, prevendo a dor de cabeça que teria caso continuasse naquele diálogo sufocante. Era de fundamental importância que ele achasse outro assunto o quanto antes, mas nada vinha a sua mente. A única coisa que conseguia pensar era qual seria a expressão tão graciosa que ele vinha falando.

- Logo o inverno vai acabar... – foi o que brotou em seus lábios, nem tinha pensado direito na frase, mas ela saiu tão naturalmente que nem sentiu.

- Oh, meu senhor, tive uma ideia maravilhosa! – Disse Francis, que estava enfeitando a mesa, logo se intrometendo na conversa. – Vamos comemorar o final desse glorioso inverno! Em meu país, costumávamos fazer diversos bailes!

Roderich e Gilbert se entreolharam e houve um leve rubor por parte do austríaco. Não gostava de manter contato visual com seu servo. Apesar de repentina, alemão apoiou totalmente a ideia, alegando que somente um baile digno da França poderia acabar com a chatice do castelo.

- O que?! Mas não há nada de entediante aqui!

- Jovem mestre, você realmente acha que não estamos mergulhados no ócio? Cada dia está mais chato, temos que nos livrar dessa rotina!

- Essa rotina me agrada.

- É claro que sim! Parecemos um casal de velhos! Que aristocrata com mania de perfeição não gostaria de ter a vida cronometrada?

Roderich ficou calado e apenas aceitou a ideia do baile, sabia que não conseguiria tirar algo na cabeça incompreensível do seu servo, a única saída que encontrou foi ficar ouvindo Gilbert e Francis discutindo os detalhes da decoração. A verdade era que Roderich nunca tinha gostado de festas, a não ser as que ele ia apenas para tocar piano, mas nem isso o agradava por completo. Afinal, em festas, ninguém repara qual música está sendo tocada. Outro fator que o levou a desgostar desses eventos foi as danças. Nunca gostou da ideia de dançar com qualquer desconhecida apenas para impressionar o dono da festa. Roderich nunca foi uma pessoa simpática, os que o conheciam tinham pleno conhecimento disto. Ser simpático com desconhecidos que não lhe despertavam o mínimo interesse também estava além do seu costume.

Mas não deveria ter receio quanto aquela festa, afinal, não haveria desconhecidos para impressionar, e a única pessoa que poderia dançar com ele seria Gilbert, e estava bem claro que tal coisa não poderia acontecer.

Então, sem o austríaco consentir, o baile foi marcado na semana seguinte, causando uma grande revolução na mansão. A primeira briga foi o que seria servido no jantar, a segunda foi a decoração, e dessas originaram-se outras pequenas e catastróficas. Todas deram muitas dores de cabeça para o moreno, mas ele aguentou tudo em nome de sua elegância e também porque sabia que aquilo seria uma boa lição para eles nunca tentarem algo do tipo novamente.

O grande dia custava a chegar, principalmente para os que esperavam por ele. Mas Roderich tinha uma preocupação diferente dos demais, afinal, fazia tempos que não ia a um evento formal, e mesmo sem sair de casa, gostaria de estar bem-vestido. Mas o que vestiria? A ocasião pedia algo mais elegante, mas não queria que Gilbert pensasse que ele estaria querendo impressioná-lo. A data se aproximava, nenhuma ideia do que usar aparecia e ninguém estava desocupado o bastante para ajudá-lo. Essa indecisão continuou até o dia anterior a festa, quando o alemão simplesmente invadiu seu quarto.

- Kesesese! Jovem mestre, você não faz ideia do quanto parece uma donzela olhando para as roupas assim! Kesesese!

- Ham?! O que está fazendo aqui?!

- Não é obvio? Em toda minha onisciência, percebi que você não faz ideia do que usar amanhã e vim ao seu socorro! Vamos lá, jovem mestre! Pode me louvar o quanto achar necessário! Kesesese!

- Cale-se! Eu não tenho problemas para escolher uma roupa adequada! Por isso, não preciso de ajuda nenhuma! Muito menos a sua!

- Não seja tão orgulhoso, aristocrata! Vamos lá! – Juntamente com Roderich, o loiro ficou na frente do armário cheio de roupas, pensando qual delas seria melhor. Pegou uma de cor azul e a colocou em cima da cama. – Gostei! Você vai ficar ótimo nessa, Rod!

Sem ninguém notar, Francis surgiu entre os dois, olhando a roupa escolhida pelo amigo com um olhar de reprovação.

- Não! Essa roupa não está adequada! O senhor deverá usar este! – Pegou um traje vermelho vivo o atirou por cima do azul. –O vermelho é a cor da paixão! Do desejo e dos amantes! Como posso permitir que meu senhor vá com outra cor?

- Senhor Francis, eu não tenho a intenção de pedir ajuda a ninguém... – Começou a fera, mas logo foi impedido pelo loiro que ficou indignado com a rejeição que sua escolha sofrera.

- Nada disso! O azul combina mais com o jovem mestre! Ele fica extremamente estranho em vermelho! Não posso permitir!

- Não seja tolo, Gil! O vermelho é a cor perfeita! O azul mal tem vida!

- Calados! Os dois, fora daqui!

O moreno expulsou ambos de seu quarto, ainda tendo que aguentar gritos da briga que continuou do lado de fora, mas, de certo modo já estava se acostumando a isso. Caminhou alguns instantes pelo recinto e foi examinar as roupas, as duas eram lindas, claro, afinal, eram dele, como poderiam ser de outra forma? Mas escolher ainda era uma tarefa difícil. E o tempo não parava de correr, na próxima noite, teria que estar com uma delas, mas qual?

[...]

Foi a primeira noite do mês em que a lua apareceu. Ela não estava cheia, mais era o suficiente para alegrar todos. A mesa estava magnificamente posta para dois, o jantar seriam todas as especialidades do chef e, no final, haveria a valsa, onde todos os convidados deveriam participar.

Tudo ficou ainda mais agitado. A medida que a hora chegava parecia que menos pronta estava a festa. Ninguém ficou parado naquele dia, mesmo os que não tinham nada a ver com o evento. Apenas Roderich e Gilbert pareciam não se importar. O alemão ficava ensaiando dança sozinho na frente do austríaco, e apenas para atordoá-lo o chamava para a valsa diversas vezes o tratando por “minha dama” e fazia insinuações desconfortáveis para o moreno. Este, por sua vez, tentava se manter calmo diante da gritaria dos empregados e dos atrasos nas refeições, mas no geral não estava dando tanta importância a isso.

A noite chegava a passos lentos, Gilbert foi vestir a roupa escolhida por Francis. Era um traje dourado, que realçava sua pele e seus olhos. Mas, na verdade, ele estava mais interessado em saber como o aristocrata se vestiria.

Finalmente tinha chegado a hora, e a escada nunca tinha parecido tão apavorante para Roderich. O medo não residia na escada, e sim na mão que se estendia no fim dela. Gilbert estava inacreditavelmente lindo naquela roupa e, por um segundo, o austríaco se arrependeu por ter escolhido o traje azul por conta do sorriso que o alemão tinha no rosto. Com certeza, o loiro tinha escolhido a roupa por tê-la achado ridícula e estaria zombando dele mentalmente no momento. A raiva e a insegurança brotaram em seus pensamentos, até que os degraus terminaram, e sua mão foi tomada pela de Gilbert.

- Você ficou muito bem na roupa que eu escolhi, jovem mestre.

O aristocrata sentiu seu rosto aquecer e, por impulso, o virou para não olhar o mais velho e reparar novamente o quanto ele ficava bem naquela roupa. Não falou mais nada até chegarem à mesa, quando sussurrou um leve “obrigado” por Gilbert ter puxado a cadeira para ele. O jantar foi servido depois que Francis fez um discurso interminável sobre suas habilidades culinárias. Ninguém poderia reclamar da “humildade”, pois a comida realmente estava impecável. A luz, a música tocando no fundo... O cenário parecia ter saído de um conto de fada. Roderich fez até o que considerava mais ridículo no mundo: desejou que o tempo parasse naquela noite e pudesse vivê-la para sempre.

- Então, Rod? Vossa excelência aprova o nosso humilde baile? Kesesese!

- Para a confusão que ele causou, até que não está tão ruim quanto eu previa.

- Quanta honra! Quer dizer que você está adorando cada detalhe!

- Eu não disse isso!

- Exatamente! Só alguém tão incrível quanto eu conseguiria traduzir o que você diz com tanta facilidade! Kesesese!

- O senhor não deveria achar que me conhece mais do que eu. Novamente: não coloque palavras na minha boca.

- Kesesese! Não me prive da minha maior diversão, jovem mestre!

Roderich fez-se de surdo para a última parte. Não queria se zangar naquela noite e só desconsiderando coisas como aquela conseguiria tal feito.  Para esquecer as palavras, enfiou uma garfada da deliciosa refeição na boca, soltando um leve sorriso ao sentir o gosto adocicado que tanto apreciava. Olhou para Gilbert para induzi-lo a experimentar um pouco, mas perdeu a reação quando  viu lhe fitando com as bochechas levemente coradas. Afinal, quando, desde que o albino chegara ele tinha feito uma expressão tão graciosa e involuntária?

No momento em que o loiro percebeu que tinha sido descoberto, tratou de imitar seu jovem mestre e enfiar uma garfada violenta, quase lhe cortando a garganta, mas ele sequer sentiu a dor. A imagem do sorriso inocente do mais novo tinha tomado conta de todos os seus sentidos. Como reagir a tamanha graciosidade?  De que modo falaria que ele estava bonito de novo? Ou melhor, não deveria pensar dessa forma, pois uma fera sempre seria uma fera, desde quando descrevia Roderich com o adjetivo “bonito”?

Gilbert estava ansioso, poderia até deixar o manjar dos deuses de lado se isso significasse começar logo a valsa. Sempre adorou festas, ainda mais quando tinham músicas e boa companhia para as danças. Quase que lendo os pensamentos do amigo, Francis pulou na mesa e anunciou que a hora do baile já tinha chegado e ordenou que todos os presentes fossem ao salão e festas. Roderich, a contragosto obedeceu, ainda não estava seguro quando a essa parte, mas também não conseguia vislumbrar nada de catastrófico que pudesse surgir disso.

Então, magicamente, violinos começaram a tocar quando eles entraram naquele recinto luxuosamente arrumado.

- Ei jovem mestre! Dê-me o prazer dessa dança!

- Quanta insolência! O que te faz pensar que alguém em minha posição dançaria com um reles servo?

- Kesesese! Porque não há mais ninguém aqui! Vamos, aristocrata! Prometo que vai ser divertido!

- Não posso acreditar muito em sua promessa, afinal, não tenho apreço pela dança.

- Não seja por isso! Vou lhe conduzir da forma mais incrível que alguém poderia fazer!

O loiro não esperou permissão alguma, apenas puxou o mais novo pela cintura e deu início a valsa em passos lentos, apenas para Roderich se acostumar aos movimentos. Depois com passadas mais rápidas a dança começou a acompanhar o ritmo da música, a única coisa que perturbava o alemão era o olhar do moreno que não saia dos próprios pés. A vermelhidão no rosto dele deveria estar adorável, mas queria mesmo era olhar nos seus olhos e aproveitar um dos poucos momentos em que ele não estava reclamando, apesar de Gilbert achar ter ouvido alguns “maldito”.

- Rod, se quer mesmo dançar com o incrível eu, terá que fazer um esforço e olhar para meus incríveis olhos. Garanto que você não vai derreter. Ao menos, não literalmente...

- Calado! Estou tentando me concentrar nisso aqui!

- Ei jovem mestre! Assim não vai ter graça alguma!

Com um pouco de esforço para não perder o movimento das pernas, o austríaco olhou para frente com sua face aborrecida usual, teve certeza que pisou no pé do seu acompanhante uma ou duas vezes, mas o loiro pareceu não se importar e continuou com aquele sorriso besta. Aquilo estava começando a incomodar Roderich e o moreno mau via a hora daquela tortura terminar.

As horas foram passando mais rápido do que eles imaginavam e, antes de perceberem, o fim da valsa foi marcado com as doze badaladas que iniciavam e terminavam o dia simultaneamente. A dança foi morrendo juntamente com a música e a luz, que foram enfraquecendo a cada badalada e quando soou a última, tudo já estava envolto no silêncio e na penumbra. Gilbert foi se afastando do moreno, mas continuaram de mãos dadas, então, calmamente foram andando até a varanda, apreciar o último dia do inverno.

- Olha só, jovem mestre! Você vai poder alimentar seu outro vício de novo! Kesesese!

- “Outro vício”? Uma pessoa saudável não tem vícios, senhor Gilbert, e sim hobbies. E sim, finalmente poderei me dedicar ao cultivo de minhas rosas.

- Aliás, Rod, o que é aquela rosa sobre o piano? Pode ser estranho de perguntar já que aqui os móveis falam, mas... É normal suas rosas brilharem?

Roderich ficou em silêncio por longos minutos. Tinha certeza que aquela pergunta viria a tona, mas esperava que ela tivesse sido feita antes e de um modo mais sutil. Porém lembrou de que se tratava de Gilbert, então perdoou o atraso e a indelicadeza. O problema é que ele não podia revelar a verdadeira resposta, então como confidenciar a coisa que ele mais desejava contar ao loiro?

- Aquilo... Foi uma maldição que uma bruxa jogou em mim e a todos desse castelo. Não é algo agradável de contar.

Ouve um novo silêncio entre eles, mas diferente de todos os outros, este não pareceu apenas a ausência do barulho. Por certo que havia algo mais ali, talvez fosse um sentimento que nem palavras poderiam explicar. Gilbert ficou pensativo, ponderando sobre a nova informação. Uma rosa não era a maneira mais usual de se amaldiçoar alguém, e se o objeto que o prende ao feitiço é a tal flor... Qual deveria ser a clausula para se livrar do fardo? Ou a bruxa ligou a maldição com a forma de desfazê-la, ou estava apaixonada por Roderich.

- Uma rosa é uma coisa bem incomum para maldições, não é, jovem mestre?

- O que quer dizer com isso?

- O que eu disse! Kesesese! Minha presença não te deixa ouvir minhas incríveis palavras! Achei que já estivesse acostumado com a magnitude que eu emano! Kesesese!

- Cale-se! Não vê que estou falando sério?!

- Eu também estou, aristocrata! Você também acha que foi estranho o objeto da maldição, não é?

Roderich pensou sobre aquilo. Mas não deveria tê-lo feito, afinal, tinha conhecimento do porque da flor. Ele mais do que ninguém sabia qual a razão para ela enfeitar o piano. Mas por que doía tanto compartilhar aquela informação? Não era apenas uma de tantas outras que dividia com o servo? Pensando naquele assunto, o austríaco percebeu que não tinha citado sua ex-esposa em momento algum. O loiro sequer sabia de sua existência.

Elizaveta não foi o primeiro amor de Roderich. Ele sequer foi apaixonado pela jovem.  A união deles foi arranjada pela família e mesmo que os dois mal se conhecessem, não questionaram essa decisão. No final das contas, eles conseguiam conviver sem que nenhum desse importância para a existência do outro. Ou pelo menos, era assim que Roderich pensava.

O austríaco não entendia, mas nos últimos meses em que viveram juntos, sua esposa tinha ficado estranha. Trazia rosas do jardim todas as manhãs para enfeitar a mesa, escutava-o tocar piano durante horas e, por fim, seduzia-o por diversas vezes a noite. Eles já haviam consumado sua união, mas era apenas o ato carnal. Copulavam como dois animais no cio e isso nunca pareceu desagradar ambos. Com aquelas investidas delicadas que Elizaveta fazia, eles se tornaram amantes, desejando o corpo do outro e não o simples coito.

Roderich podia fingir não entender, mas sabia perfeitamente o que estava acontecendo. Elizaveta estava se apaixonando por ele e não tinha como impedir. Isso não o incomodou, continuou seguindo sua rotina como se nada tivesse mudado, mas sua esposa pela primeira vez se mostrou contra suas atitudes.

- Roderich! Venha ver como as rosas estão bonitas nessa primavera!

Ela tinha entrado como um furacão na sala, sua saia estava suja de terra e tinha o maior sorriso que o moreno tinha visto em sua face desde que se casaram. Mesmo assim, ele não saiu do piano, pois estava quase decorando uma música nova.

- Sinto muito, eu não tenho interesse por flores. E você dará trabalho aos empregados se sair correndo suja do jeito que está.

- Vamos! Você vai adorar! E não estou suja! A terra deve ser mais limpa que seu piano!

- O que?! Como se atreve?! Meu piano é de longe a coisa mais bela nessa residência! Não insista nessa ideia de ver flores! Tenho muito mais o que fazer da minha vida!

- Aposto que se você olhasse para as rosas tomaria gosto por elas!

- Não use as rosas para falar o que você quer!

A garota praticamente encolheu diante daquela frase. Na hora, Roderich nem ao menos tinha pensado na crueldade de tais palavras, mas já estava dito. Elizaveta ainda olhou para o marido na esperança de ver algum arrependimento em seu rosto, porém ele já havia voltado para o piano. Era incrível como ele conseguia se alienar de forma tão espontânea e era triste pensar que a única coisa que o desligava do mundo era aquele maldito instrumento.  Ela amava Roderich. Ninguém poderia mudar essa realidade, mas ele só tinha olhos para o piano.

Ela apenas queria vê-lo feliz. E tinha certeza que ele não alcançaria a felicidade trancado no castelo tocando sozinho por toda vida. E tinha que provar isto. Nem que isso significasse o perdê-lo para sempre. Afinal, estava obvio para todos que ele não gostava dela como esposa e nunca viria a gostar.

Exatamente uma semana depois dessa conversa, Elizaveta fez sua mala e foi embora. Deixando uma carta endereçada ao marido e uma única rosa sobre o piano. A rosa selada com um beijo e uma maldição. A qual acabou atingindo todos que habitavam no castelo. A partir desse dia, Roderich começou a cuidar das rosas.

Depois de bons minutos em completo silêncio, Gilbert chamou a atenção do aristocrata. Ele riu da expressão confusa do moreno quando voltou a si, mas logo Roderich mudou o foco da atenção do seu servo. Estava ficando cada vez melhor nisso, pensou até que estava de certa forma “domesticando” o loiro.

- Senhor Gilbert, eu tenho algo para lhe mostrar.

- Hum... Rod, não me diga que tem mais planos para essa noite? E você fez o incrível eu acreditar na sua inocência! Que maldade!

- Calado! Não vou mostrar nada que me ponha no mesmo nível que você, então guarde comentários dessa natureza para si.

Ouve um riso abafado pelo que o austríaco pôde ouvir, mas respirou fundo e pediu para que o alemão o seguisse até a sala de música onde seu tão adorado piano estava. Passou direto pelo instrumento e pegou um pequeno espelho dentro de um armário adormecido. Voltou para seu servo e mostrou o que tinha em mãos.

- Este é o espelho de minha ex esposa. Imagino que seja o objeto que mais mudou quando foi enfeitiçado pois, diferente dos outros, ele não criou vida. Ele lhe mostrará tudo o que quiser ver.

Gilbert ignorou a parte da ex esposa por puro ciúme. Sim, não tinha outra palavra. No entanto, o mais importante naquele momento, era a oportunidade de ver sua família. Se bem que eles deveriam estar dormindo porque a lua já ia alta, mas era justamente isso que queria. Vê-los tranquilos e descansados.

- Eu... Posso?

- É todo seu.

Entregou o espelho nas mãos do mais velho e foi para a janela para dar privacidade a ele. Enquanto isso, Gilbert desejava com todas as forças ver seu irmão e sua cunhada. Então, lentamente, a imagem foi se formando deixando o reflexo do loiro cada vez menos visível.

Ludwig estava acordado. Sim, ele estava do lado de fora do seu quarto andando em círculos feito um louco. Ele estava de terno em plena madrugada? Aquilo sim era anormal. Então outro homem saiu do quarto que dividia com Feliciana. Este segundo não estava com uma cara muito boa, mas deu um breve sorriso ao loiro enquanto dava tapinhas em suas costas. Ludwig mau ouviu o homem e correu para sua esposa, a qual estava completamente suada e ofegante. Faltava forças até mesmo para a pequena italiana sorrir e dizer que estava bem. Sim, se ela estivesse em condições, certamente falaria aquilo.

Gilbert olhava para a cena abismado. Tinha certeza que aquilo tinha tudo a ver com a gravidez da pequena e, se sua intuição não falhava, ela e o bebê estavam correndo sérios riscos de vida.

- Rod! A Feli está em perigo! Eu tenho que voltar! O Lud precisa de mim, ele não sabe o que fazer!

O austríaco ficou claramente confuso com a reação do seu servo. O que era muito previsível já que ele não tinha visto o que o espelho mostrou ao loiro, além disso, o desespero de Gilbert dificultava ainda mais a tarefa de entender tudo que estava acontecendo.

- Jovem mestre, entenda! A Feli está doente e o Lud precisa da minha ajuda! O incrível eu terá voltar mesmo que você não aprove!

O alemão não esperou uma resposta e foi correndo até seu quarto, pegando sua mala e colocando todas as roupas que encontrava. Também trocou de roupa, pois não poderia sair do jeito que estava e logo que pôs um traje apropriado, se perguntou o que estava fazendo. De que forma ajudaria sua família? E por que estava se sentindo tão culpado por deixar o castelo? Não demorou para que Francis, Arthur e Matthew aparecessem querendo maiores explicações do que estava acontecendo.

- Não precisam se preocupar! O incrível eu vai voltar assim que resolver tudo!

- Mas Gil! O nosso mestre não vai gostar nada disso! – Disse Francis indo para o lado do amigo que estava sentado na cama.

- Kesesese! Se o aristocrata estivesse achando ruim, ele já teria tido! E de toda forma, já falei que vou voltar! Não é nada incrível quebrar promessas!

- Gilbert! Você deveria ao menos explicar melhor a situação para que não haja mau entendidos!

- Fique calmo, Arthur! Eu vou dar um jeito...

- M-mas... Senhor Gilbert, e se o senhor Roderich ficar triste?

A frase de Matthew pegou o alemão de surpresa. Realmente, o que faria se fizesse o austríaco ficar triste? E desde quando isso passou a ser mais importante que sua família? A incerteza era algo doloroso para quem nunca tinha tido dúvidas até então. Entretanto, Roderich escutou o que o espanador dissera e interviu na conversa que seus empregados estavam tendo.

- Senhor Gilbert, você pode ir a hora que quiser. Você está livre agora.

Todos os presentes ficaram boquiabertos com o que o moreno estava dizendo. Libertar Gilbert seria algo muito imprudente e até mesmo Roderich tinha noção disso, mas não deu ouvidos à razão. O loiro estava perplexo diante da situação. “Livre”. Aquela palavra tinha tomado outro significado. Antes, ela era o direito de ir e vir, agora, era estar longe de Roderich.

Sem voltar com sua palavra, o austríaco mandou prepararem tudo para a partida do rapaz, mesmo com este insistindo em dizer que ia voltar, falou que não era preciso. O de olhos lilases sabia que ele não voltaria, por isso, não queria nem se iludir com essa falsa expectativa. Antes do loiro ir embora para sempre, o chamou junto as roseiras.

- Senhor Gilbert, eu ficaria muito grato se levasse este espelho.

- Kesesese! Não me diga que quer que eu me lembre de você toda vez que olhar para ele, Rod! Kesesese! Você é mesmo a garota mais romântica que eu conheço!

- Calado! Se não quer, é só dizer! Nem sei porque fui pensar que você levaria isso a sério...

- Ei! Eu vou levar! – Tomou o espelho das mãos do aristocrata e o guardou na bolsa. Voltou a olhar para o mais novo, o qual estava envergonhado e aparentemente, triste. – Kesesese! Não se preocupe, jovem mestre! Eu vou voltar! Então não faça essa expressão! Kesesese!

- Hunf! Até parece que vou acreditar numa promessa tão tola... Aliás, falando em expressões... Já conseguiu dizer qual o nome daquela que o senhor julga ser sua?

- Claro! Uma pessoa tão incrível quanto eu consegue fazer isso sem problemas! Kesesese! Mas isso você só vai saber quando eu voltar, jovem mestre!

- Ei!

Gilbert partiu correndo com seu cavalo sem dar chance para ninguém ver seu rosto pela última vez. Roderich ficou calado esperando até não ouvir mais os passos do animal. Arthur, Francis e Matthew também estavam no jardim compartilhando a mesma perda que seu senhor, mas nenhum se atrevia a falar do que estava acontecendo. Porém, Roderich estava simplesmente jogando fora a única chance de voltar a ser humano.

- S-senhor... Não acha que o senhor Gilbert não seria o humano da maldição? – Disse Matthew pensando que seria ignorado como sempre, mas daquela vez, ouve resposta.

- Que absurdo! Eu nunca iria me apaixonar por alguém como ele!


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Agradeço a todos que leem minha história o/ E aviso que o próximo chap será o último ^-^
Hohoho! Aguardem, pois talvez vá demorar um pouco mais XDD
~Kissus~



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Belo E O Aristocrata" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.