O Belo E O Aristocrata escrita por kaori-senpai


Capítulo 1
O Belo


Notas iniciais do capítulo

Esta fic é um desafio passado pela Mayumi Sato. Eu adorei a ideia e estou pensando em um projeto "Contos de Fadas" onde irei misturar as histórias clássicas que todos conhecemos com o universo de Hetalia. A ideia é minha, então ninguém mais pode pegar u_u
E eu não me inspirei totalmente na reprodução feita pela Disney, ao meu ver, criei a versão PruAus da "Bela e a Fera", então qualquer semelhança com outras versões, são apenas partes perdidas que me voltaram a memória na hora de escrever ^-^
Espero que agrade a todos~
Boa leitura~



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Ludwig era um homem rico, e como todos os grandes negociantes de sua época, passava boa parte do tempo viajando para expandir sua fortuna. O jovem alemão de vinte e cinco anos já estava acostumado com aquela vida e achava normal passar mais da metade do ano longe de sua família, mesmo com a saudade lhe doendo no peito. O rapaz loiro simplesmente tinha sido feito para aquela vida, ele não se intimidava com estranhos e sabia seu lugar quando encontrava algum superior.

Porém, nem com anos de experiência nas costas, ele conseguiu escapar da terrível tempestade. A estrada tinha se transformado em uma gigantesca poça de lama, onde qualquer passo em falso poderia causar um grande estrago. Quando começou a trovejar, seu cavalo passou a não obedecer a seus comandos e correu o mais rápido que suas quatro pernas aguentavam. O animal só parou quando viu um muro de pedras altíssimo. Ludwig ficou aliviado em saber que tinha pessoas por ali e percorreu o muro até achar uma porta, a qual felizmente estava aberta.

Entrou e viu o castelo gigantesco que os muros escondiam, era lindo, e deveria ser ainda mais belo iluminado pelo sol. Não encontrou nenhum empregado enquanto corria para o estábulo deixar seu animal, achou até que estava abandonada, mas depois lhe ocorreu que poderia ser uma casa de veraneio. Foi bater na porta e ela se abriu sozinha, o que o deixou desconfiado, mas não o suficiente para não entrar. Encontrou um belíssimo banquete para duas pessoas, porém como ninguém chegava, cometeu a grosseria de comer um pouco sozinho. Depois de livrar-se da fome, andou um pouco pelo castelo e percebeu que todas as portas estavam trancadas, exceto a de um quarto, o qual por coincidência, ou não, estava preparado para alguém.

Ficou nele por algum tempo, esperando que o dono surgisse para pedir desculpas pela invasão, mas o misterioso proprietário não apareceu. As horas foram passando e quando deu por si, já estava dormindo naquela cama incrivelmente macia.

Na manha seguinte também não teve a chance de agradecer pela hospitalidade do desconhecido, mas deixou em carta o quanto era grato. Pegou o seu cavalo e já estava a caminho do portão quando olhou pela última vez o castelo. Ele estava certo em seu palpite, a construção ficava muito mais bonita quando iluminada. Abandonou a ideia de ser uma casa de veraneio ou dele estar abandonado, pois o jardim não se conservaria tão belo sozinho. Pegou uma das rosas, pensando em sua esposa, Feliciana, a qual ficaria feliz em receber um pequeno mimo.

Então, uma figura horrenda, coberta com pelos, mas de tamanho e porte humano surgiu para Ludwig arrancando a flor de suas mãos. O jovem ficou apavorado, mas de tanto medo não conseguia sair do lugar, o único movimento que fez foi recuar à medida que a besta se aproximava. E o que mais estranhava eram as roupas do mostro, as quais eram dignas de um homem rico de sangue-azul.

- Maldito mal-agradecido! Come da minha comida, dorme em minha casa e ainda rouba meu jardim?! – Falou a fera furiosa com o ato do alemão.

- Perdão! Mal consegui imaginar que se tratava de tão valiosa flor! Agradeço por tudo e não sou ingrato! Tu me salvaste da morte ontem!

- Eu sei disso! Pensa que deixo qualquer um entrar no meu castelo?! E ainda é hipócrita o suficiente para deixar uma carta exaltando-me!

- Não menti em nenhum momento! Tanto minhas palavras quanto a carta estão repletas da mais pura verdade! Tu tens a minha palavra!

- “Estou ciente de que se não fosse pelo abrigo que encontrei nessa magnífica mansão estaria morto. Por isso, serei eternamente grato ao nobre senhor dessa propriedade.” – A besta lia um trecho que o loiro tinha escrito no papel com um prazer sádico. – Quer dizer que por toda a eternidade, serás grato a mim?

- Sim.

O alemão não acreditava que estava tendo aquela discussão. O motivo era o roubo de uma rosa e estava dialogando com um monstro falante, era lúdico demais para estar acontecendo de verdade.

- Então passe toda a eternidade como meu servo para pagar sua dívida comigo.

- Como?! Não! Eu não posso fazer isso! Tenho negócios, tenho uma família! Não posso abandonar tudo em nome de uma besta! – O jovem já estava ficando com raiva, e seu temperamento explosivo não o permitia manter a calma naquelas situações.

- Pois dessa forma estará sujando sua palavra! Torne-se meu escravo, e isso não é um pedido. Mas para mostrar que sou uma boa coisa, lhe darei três dias para voltar para casa, se despedir de sua vida e voltar. Ou então, mandar alguém de sua própria família para ser meu servo.

- Como pode falar algo tão cruel?!

- Sinto muito, senhor Ludwig, sou uma besta, logo, não tenho noção do que é considerado desumano para sociedade. – Foi andando lentamente para sua casa, com porte e a elegância de alguém da nobreza. – E aconselho o senhor a não fugir de mim, sou um pouco persistente.

O loiro ficou apavorado, naquela altura, já tinha certeza que não estava sonhando, ele tinha de fato sido intimado por um monstro, o qual o requisitou como servo até o fim de seus dias. Saiu correndo com seu cavalo, não tinha muito tempo para ver sua família e não queria que nada de mal acontecesse a nenhum deles, por isso, estava decidido que ele mesmo voltaria para o castelo.

A viagem durou uma manhã inteira, então, no final da tarde já estava em casa sendo recebido pela sua esposa. Não contou a verdade a ela, pois certamente a jovem levaria a sério demais as coisas impostas pela fera. Feliciana costumava fazer muito escândalo por coisas pequenas, ele mal tinha noção do que ela faria caso soubesse a verdadeira história. A versão que a italiana soube foi que o seu marido trabalharia fora durante algum tempo, mas isso era algo que ela já estava acostumada.

Apenas seu irmão soube o que acontecera, não que ele fosse maduro o suficiente para ajudá-lo a tomar uma decisão, mas Ludwig precisava contar para alguém. Gilbert, seu irmão mais velho, acreditou em cada palavra que ele dizia, pois conhecia o loiro muito bem e sabia que não era de seu fetio inventar coisas do tipo. O mais novo era o total oposto do de cabelos brancos, era responsável e possuía uma mania de limpeza que chegava a ser irritante. Quanto a Gilbert, ele gostava mais de cuidar dos negócios da família que estavam por perto, não tinha intenção de se apoderar das empresas de todos os outros, mas Ludwig gostava de brincar com o poder. Era incrível, pois mesmo amando sua esposa, ele não parava em casa, parecia que vivia pelo trabalho.

- Lud! Como você pretende resolver isso agora?!

- Fale baixo! Feliciana não pode ouvir!

- Ora, esse monstro falou sério! Você vai abandonar sua esposa para servir a ele? Lud, isso não se faz!

- E o que você quer que eu faça?! Esperar aquela besta bater na porta da minha casa e me sequestrar?! Prefiro ir pelas minhas pernas!

- E o que eu vou dizer a Feli quando você nunca voltar?! Ela vai ficar arrasada, vai pensar que você fugiu com outra!

- Não há outro jeito! O máximo que você deveria fazer é me apoiar!

Eles ficaram em silêncio, Gilbert sabia que aquilo estava sendo difícil para seu irmão e no fundo ele não queria fazê-lo. Podia não parecer, mas eles se davam muito bem, apesar de todas as diferenças, afinal, depois da morte dos seus pais, um era tudo que o outro tinha. Depois surgiram os amigos em quem eles puderam confiar, porém, não havia ninguém no mundo que conhecesse Ludwig como Gilbert.

Mas a falta de atenção do irmão mais novo irritava o de cabelos brancos, como ele não notou a animação da esposa? Por que ele deu desculpas idiotas sobre o atraso e não a deixou falar? Se ele soubesse ouvir, ela teria a chance de lhe contar que estava grávida. Gilbert soube primeiro porque foi ele que chamou o médico quando a italiana começou a vomitar, e também foi ele que estava nas primeiras consultas, coisas que deveriam ser trabalho do irmão mais novo. Mas o mesmo estava muito ocupado com o trabalho.

- Quando você vai partir?

- Amanhã de tarde. Se eu for correndo, chegarei lá perto da meia-noite. É no caminho para a Áustria, e é impossível não ver o castelo, afinal é enorme. Até lá vou conseguir explicar melhor a situação para Feliciana.

- Vai ser uma longa viagem, é melhor você ir dormir.

- Obrigado, você sabe, sua opinião é importante para mim.

Assim o loiro se retirou e foi calmamente até seu quarto, onde sua pequena italiana o esperava querendo lhe contar a novidade. Gilbert sentiu raiva do irmão, se ele continuasse com aquela determinação, a criança não o conheceria e isso era cruel. Ele sabia que apenas uma pessoa incrível poderia evitar uma tragédia digna de Hamlet, sendo assim, preparou tudo de véspera, pois tinha intenção de partir pela madrugada. Gilbert sabia que sua falta seria algo horrível e traria muito sofrimento, ainda mais para Feliciana, já que os dois passavam horas conversando sobre qualquer assunto. Mas pelo menos essas conversas tinham sido úteis, porque graças a elas a italiana conseguiu aprender um pouco do seu trabalho na empresa da família, então nesse quesito poderia ficar tranquilo.

.....

Gilbert tinha uma pequena noção do caminho, pois conhecia muito bem o percurso para a Áustria, mas ainda foi muito difícil achar a mansão certa. Parou algumas vezes em erradas até se deparar com um castelo aparentemente abandonado, refletiu um pouco e constatou que um monstro não poderia mandar empregados para limpar a fachada de sua casa, assim, praticamente invadiu a residência alheia.

Não se surpreendeu quando viu um jardim repleto de rosas, porque isso já era de seu conhecimento, afinal, Ludwig falou muito da maldita rosa que o condenou, então apenas ficou feliz por finalmente ter chegado ao local certo. Ele estava acostumado a ser bem recebido, pois todos gostavam dele, não havia como não gostar! Ele era a animação em pessoa, sabia se divertir. Essas eram suas certezas, as quais não estavam tão absolutas naquele momento. Pela primeira vez em muitos anos, Gilbert experimentou o medo.

Longe do rapaz de cabelo loiro platinado e olhos vermelhos, a temida fera espreitava seus olhos pela janela, odiando a visita indesejada enquanto se preparava para receber seu novo servo. Furioso com a invasão decidiu acabar com as expectativas do rapaz de uma vez e desceu para mandá-lo se retirar, bufando com suas narinas selvagens. Quando apareceu na porta de entrada, ao contrário do que esperava, o homem não saiu gritando ou caiu para trás, ele apenas continuou olhando para sua figura na porta, o que deixou o monstro constrangido.

- O que pensas que está fazendo, seu ladrão?

- Ladrão? Não, não, meu senhor. Sou a incrível pessoa a quem aquele pobre alemão enviou para se salvar de suas garras. Gilbert Beilschmidt, ao seu dispor.

O austríaco não acreditou nas palavras deles durante uma hora inteira, e gostaria de dizer que tudo aquilo era uma piada desde o início, mas passada uma hora de convivência com o rapaz, ele finalmente percebeu de que o outro estava falando a verdade, para seu desgosto.

- Senhor Gilbert, por favor, me ouça enquanto estou falando as instruções. - Dizia a fera, tentando vencer a dispersão do seu servo. – Minhas regras são poucas, porém absolutas, não ouse em momento algum, quebrar alguma delas. – Não houve resposta do outro, contou isso como ponto positivo. – Não temos hora para dormir, mas agradeceria que o senhor zelasse pelo meu sono, ao menos fazendo silêncio nas horas em que estou desacordado. Os horários das refeições devem ser seguidos religiosamente as sete, doze e dezoito para as três principais. Por favor, em hipótese alguma insulte ou reclame com meus outros empregados, este é um direito que assiste a mim. Aprecio muito a arte do piano, sendo assim, a ordem suprema é que o senhor fique longe dele e de tudo que houver sobre ele, que no caso, é uma flor muito preciosa.

- Ei, patrão! Quem são meus companheiros de cárcere? – Disse o outro animado em saber que não teria que aguentar o monstro sozinho.

- Como já disse, isto não se trata de uma prisão. Você irá conhecê-los logo depois que seus pertences estejam perfeitamente guardados no seu novo quarto. – Fez uma espécie de chantagem, vendo que o alemão não tinha a mínima intenção de levantar para organizar sua mala.

- Antes disso... Qual seu nome?

- Roderich Edelstein.

O de cabelo loiro sorriu e foi guardar suas coisas, viu que aquilo demoraria muito apenas pelo tamanho do quarto. Inconscientemente, torceu para haver pelo menos uma empregada bonitinha na mansão, porque se não, de nada valeria tanto espaço. Ficou feliz em saber que seria tratado mais como visita do que como servo, pois na sua cabeça, seria devorado assim que cruzasse os portões. Mas Roderich lhe pareceu boa coisa, não sabia dizer se já fora uma pessoa, mas certamente tinha valores e manias bem humanas. Humanas e aristocratas.

Quando terminou, foi direto para a sala, esperançoso de que ia conhecer outras pessoas na casa, mas sua visão só encontrava a fera sozinha fitando melancolicamente a lareira. A besta lhe pareceu incrivelmente triste naquela cena, por isso, mesmo sem ninguém mandar, sentou-se ao seu lado em outra poltrona. Esperando alguma reação por parte do outro.

- O que você quer para me olhar assim? – Perguntou Roderich.

- Kesesese! A intensidade de meu incrível olhar o perturbou, meu caro?

- Devo dizer que sim. É desconfortável e não consigo relaxar quando você me olha assim.

- Ora, você está estranhando porque acabamos de nos conhecer, é absolutamente normal se sentir assim, pois isso mostra que você é um humano. – A fera ficou perturbada e ao mesmo tempo surpresa pela constatação do de olhos vermelhos, pois poucos no mundo diriam que ele já foi humano com aquela aparência.

- Como você chegou a essa conclusão?

- Todos ficam desconfortáveis com minha magnitude, porque sou incrível demais para os mortais, talvez seus olhos se machuquem olhando fixamente para mim, mas isso é só um lembrete para mostrar que sou incrível. Kesesesese!

Roderich tinha dito a si mesmo que deveria ter bons modos, como sua falecida mãe lhe ensinou. Ele queria ser gentil com o servo inusitado e não passar uma má impressão. Definitivamente não deveria xingá-lo no primeiro dia em sua residência. Mas estava difícil.

- O senhor gosta de exaltar a si mesmo como hobby, caro servo?

- Kesesesese! Não, sinto dizer que está terrivelmente enganado! Em toda minha humildade, eu jamais cheguei perto de me tratar com adjetivos a minha altura! Mas não o faço simplesmente porque ainda não criaram um tão incrível quanto eu!

- Que insolência a minha... Então estou diante de um semideus? – Zombou Roderich.

- “Semi”? Não, o senhor teima em me colocar em posições inferiores a minha. Devo dizer, que sou um verdadeiro Deus! Claro, não maior que Ele, mas estou chegando lá! – Disse apontando o dedo pra cima, mostrando quem de fato mandava. – Mas está certo quando a sua insolência, entretanto, não se preocupe, minha bondade é incrivelmente grande, por isso, apenas por isso, deixo passar suas visões pouco apuradas. Kesesesese!

A fera pousou a mão sobre o rosto e sentiu uma leve dor de cabeça advinda da conversa que estava tendo. Mal acreditou que perdeu um cavalheiro com tantos atrativos para ganhar aquilo. Sim, pois somente conseguia ver Gilbert como um enorme “aquilo” sem utilidade.

Roderich praguejou contra si mesmo, ordenou para seus nervos se acalmarem, definitivamente ele queria ser educado. Mas era pedir demais.

- Seu grande tolo. – Disse abafando com a mão ainda sobre o rosto.

- Sim, não está totalmente errado! De fato, eu sou grandioso!

A conversa poderia ter terminado ali, pois Roderich não tinha intenção de falar mais nada, a não ser que alguma coisa inteligente saísse da boca do outro, mas essa possibilidade lhe pareceu impossível. Entretanto, eis que Gilbert vem com algo construtivo e útil na relação dos dois.

- Quantos anos você tem?

- Vinte e cinco. – Disse prontamente depois de calcular todos os danos caso o servo soubesse dessa informação, a falou porque não pareceu ser algo tão lascivo.

- O que?! Quer dizer que ainda é mais novo do que o incrível eu?! Ora, depois de crescido, vou voltar a ser babá! Kesesesese!

O motivo para tanto desdém, era porque aparentemente, Gilbert era três anos mais velho. Assim, usou isso de desculpa para tratar o mais novo com uma intimidade desnecessária. Obviamente, se Roderich soubesse das suas intenções, nunca teria confidenciado a própria idade. A partir desse momento, várias formas de chamamento foram instantaneamente criadas por Gilbert, para usar todas em pró do desconforto de seu patrão. Ao menos, na visão da fera.

Depois de ter odiado a troca até o último fio de cabelo, viu que estava na hora do jantar e como disse expressamente ditando as regras, as três refeições eram sagradas e deveriam ser feitas a mesa com todos da casa presentes. Mas começou a achar que ficaria aliviado caso o seu servo resolvesse não seguir essa regra, afinal, comer com alguém barulhento era uma tortura.

- Jovem mestre! – Disse o alemão, com uma alegria anormal. – Qual será o prato de hoje? Quem o cozinhou? Quais são as outras pessoas da casa?

- Uma pergunta de cada vez, senhor Gilbert. Não tenho aptidão para lidar com pessoas ansiosas. O prato de hoje ainda é segredo até para mim, quanto ao resto, vou deixar que se explique por si só.

Então, como uma criança repreendida pelos pais, o albino fez bico e esperou calado até algo muito estranho acontecer. Simplesmente, o candelabro que estava enfeitando a mesa se virou e começou a falar com Roderich, o qual achava aquilo muito normal.

- Meu caro mestre, especialmente hoje, para você e seu belo visitante – olhou rápido para o loiro platinado e soltou um breve sorriso – mandei preparar como refeição principal, um belo porco assado acompanhado de purê de batatas. – Fez uma profunda reverência e foi para frente de Gilbert. - Como cozinheiro chefe, devo me apresentar para alguém tão belo quanto o senhor...

- Gilbert. – Completou Roderich analisando seu cozinheiro.

- Sim, senhor Gilbert. Estarei ao seu inteiro dispor, para iluminar jantares divinos a luz de velas ou ao seu quarto, onde podemos conversar mais tarde, se isso for do seu agrado...

- Senhor Francis... – Controlou o austríaco.

- Sinto muito, meu senhor. Apenas fiquei encantado com a beleza de nosso inquilino.

- Se contenha, não é bom passar uma impressão dessas.

- Kesesesese! – Riu o alemão, mostrando que estava acompanhando a conversa. – Você se chama Francis, então? Vejo que meus encantos vão além do que eu posso imaginar! Agora, estou seduzindo até mesmo a mobília! O incrível eu fica lisonjeado em trabalhar com você, Francis! Com certeza seremos grandes amigos!

- Oui, oui, amigos... – Falou com um olhar malicioso e sotaque francês.

Depois do choque inicial, Gilbert descobriu que todos os empregados do castelo eram móveis, enfeites e louças do mesmo. Um pouco assustador, mas gostou da novidade, apesar de ficar um tanto triste por não ter nenhuma garota ou garoto humano para se divertir. Mas a companhia dos outros servos lhe pareceu ser boa, todos estavam sorrindo para ele, agitados e fazendo tudo que a fera mandava. Pela primeira vez, sentiu que poderia ser divertido morar ali.

Após o jantar, seu tempo estava completamente livre, porque seu jovem mestre lhe disse que não deseja mais sua companhia no resto da noite. Sem ele saber, seguiu a figura aristocrata até seu piano e viu a expressão serena que se apossou de seu rosto a medida que a música fluía. Ele não parecia ser mais a fera que o recebeu naquela manhã, sim... Roderich conseguia ser alguém completamente diferente quando entrava em contato com o piano.

Mas Gilbert ficou com medo de sua presença ser notada, por isso, se retirou e foi tentar dormir, já que tinha saído cedo naquele dia apenas para estar na frente de Ludwig. Quando se lembrou do irmão, sentiu um frio na barriga. Foi a primeira vez no dia que pensou na sua família, e por incrível que pareça, ele se sentiu mal por não ter pedido aos céus para que não estivessem sofrendo muito, afinal, sua ausência poderia enlouquecer os homens mais sábios.

Quando entrou no quarto, se deparou com o candelabro, que aliás, não gostava de ser tratado por esse nome, ele gostava de ser chamado de várias formas, nenhuma das quais Gilbert estivesse disposto, por isso, optou por “Francis”.

- Então, meu belo hóspede, o que deseja fazer agora que estamos em um quarto longe de nosso mestre?

- Kesesesese! Não pense que vai me seduzir assim, Francis! O incrível eu não se deixa seduzir por qualquer um!

- Diz isso porque não viu minha forma humana, tenha certeza, minha beleza é tão grande que os anjos cantam em meu louvor.

- Ora, então você já teve uma forma humana! Sinto muito, mas até hoje nunca tentei com outros homens! Você terá que me possuir em seus sonhos.

- Então já temos um encontro marcado essa noite, meu pequeno alemão.

- Kesesese! Você é engraçado! Já decidi! – Falou triunfante e com ar de quem anunciaria um novo rei. – Você será meu amigo!

- Huhuhu... Que grande honra, meu companheiro, mas lhe garanto, quando me ver no auge de minha beleza, irá se arrepender amargamente por não ter se deixado levar pelos meus encantos.

- Kesesese... Acho que terei que viver com essa incrível frustração! Mas você está me deixando curioso, me conte como você era.

- Ahh... Já não era sem tempo! Estava a me morder para contar qual minha verdadeira forma! Pois bem, começando pelas minhas belas madeixas loiras, que brilham mais que qualquer estrela. Meus olhos são dois diamantes azuis, o tipo mais raro de se possuir e minha pele é branca, o branco mais puro e belo, aquele que foi reservado apenas aos anjos.

Gilbert riu com a descrição minuciosa do francês quanto a sua aparência, e viu que eles de fato seriam bons amigos, pois não teria ninguém tão compatível com ele naquela mansão. Mas a curiosidade estava quase o matando, tinha muitas perguntas a serem respondidas e pouca coragem para proferi-las, justo Gilbert, que nunca teve vergonha de nada, agora media suas palavras para conseguir informações.

- Ei Francis, diga a verdade e não ouse mentir para alguém tão incrível quanto eu... Porque o Rod queria que o meu irmão trabalhasse aqui?

- “Rod”? – Riu o candelabro. – Bom, creio que foi pelo mesmo motivo que o senhor Roderich ficou olhando aquele belo loiro a noite toda. Pode não aparentar, mas meu mestre é alguém ciente de sua bissexualidade.

A expressão de Gilbert foi engraçada aos olhos de Francis. O pobre alemão ficou terrivelmente assustado, não pela ideia da homossexualidade, até porque alguns de seus amigos eram gays assumidos, mas Roderich tinha se interessado no seu irmão, e aquilo era demais para sua cabeça.

- Como assim?! Quer dizer que o meu incrível e adorável irmão mais novo foi molestado enquanto dormia?! Como você pode deixar isso acontecer?!

- Calma, meu amigo... Bom, logicamente eu teria ficado no quarto se me fosse permitido, mas meu mestre é muito ciumento quando encontra um tesouro como aquele... E permita-me dizer, seu irmão é muito agradável aos olhos.

Naquele momento, o alemão não sabia se ficava grato por Roderich ter expulsado Francis do quarto, ou irritado por ele ter continuado lá. A opção mais correta seria ficar grato, pois sabe-se Deus o que o candelabro poderia fazer com Ludwig. Ficou ainda mais perturbado e deu boa-noite ao novo amigo, o qual pediu para zelar pelo seu sono, pedido que o de olhos vermelhos não concedeu. Trancou a porta em seguida examinando se nenhum móvel presente estava vivo. Ficou irritado pelo resto da noite, e porque não dizer, pelo resto de sua estadia na mansão.

Na manhã seguinte, o alemão conheceu alguns dos outros empregados do castelo, mas eram tantos que apenas conseguiu lembrar os que mais chamaram sua atenção. Como o pequeno relógio que o seguia o tempo inteiro avisando quanto tempo faltava para a próxima refeição. Também tinha um espanador, o qual era muito citado por Francis pela graciosidade, mas sem dúvida, o mais engraçado era a sua alergia a poeira. O pobre Matthew não conseguia fazer sua função sem soltar meia dúzia de espirros.

Com seus novos companheiros, o dia-a-dia no castelo se tornou muito divertido, mas seu passatempo favorito era irritar seu jovem mestre de todas as maneiras possíveis. Ele ficava extremamente engraçado quando tentava impor ordem, o único momento que não o incomodava era quando sentava para tocar, não entendia o porquê, mas o aristocrata parecia tirar sua energia de vida do piano, por isso, não queria atrapalhá-lo.

[...]

Para Roderich, a primeira semana com Gilbert foi, com toda certeza, a pior. O aristocrata não estava acostumado com uma pessoa tão convencida e mal-educada, mas, com o passar do tempo, descobriu que para manter sua sanidade, precisaria fazer vista grossa com seu servo. O de cabelos brancos parecia ter a necessidade de por seus pés em qualquer móvel inanimado. Ele também possuía um desejo anormal por cerveja. Roderich perdeu as contas de quantas vezes ele pediu pela bebida naquela única semana. Ainda por cima, o de olhos vermelhos gabava-se de instante em instante por ser o mais velho. O austríaco se sentia como uma mãe de primeira viagem sem controle algum sobre o filho.

O aristocrata notava que além de irritante, o alemão era muito misterioso. Pela manhã, gostava de andar pelo jardim sem motivos. À noite, ele o ouvia praticar piano, com um olhar muito interessado no que o austríaco estava fazendo. Roderich entendia o apreço pelo instrumento, mas não encontrava lógica quanto aos passeios obrigatórios entre as flores.

O mistério continuou até o dia em que o castelo inteiro ouviu um grito de Gilbert vindo do jardim.

- AHAAAA!

Isso assustou o de olhos lilás, a primeira coisa que veio em sua mente era o rapaz ferido gravemente maculando seu lindo jardim com aquele sangue imundo. Saiu correndo ver qual teria sido o estrago e encontrou Gilbert correndo em volta de uma árvore.

- Senhor Gilbert... Por favor, me diga o que está fazendo.

- Rod! Você nunca diria, não é?! Eu sabia! Agora me sinto completo!

- Ponha um pouco de razão em suas palavras.

- Jovem mestre! Como não percebeu uma presença tão marcante quanto a minha? É inacreditável como você não repara em coisas importantes!

- Eu ainda não compreendi o que o senhor quer dizer. – Roderich estava ficando com raiva da forma vaga em que ele tentava se explicar. – Seja objetivo.

- Kesesese! Lógico que não notaria! Olhe, jovem mestre! Veja a o quão sublime são os pássaros!

Ele levantou o dedo e nele, pousou uma pequena ave, a qual fitou curiosa a figura metade humana, metade besta. A reação do animal se pareceu muito com a de Gilbert quando viu seu mestre pela primeira vez.

- O que é isso?

- Um pássaro!

- Eu sei! Tem milhares deles aqui! Por que fazer tanto escândalo por um?

- Ele não é um simples pássaro! Ele é o Gilbird! O meu incrível mascote! Ele me seguiu até aqui, não é adorável?

- Sim... Encantador...

Roderich deixou o mais velho com seu animal de estimação, sendo obrigado a pensar porque o destino estava sendo tão terrível a ponto de lhe enviar um homem tão infantil e preguiçoso. Se fosse Ludwig em seu lugar, ao menos suas noites seriam animadas.

- “O irmão dele era tão mais atraente” – falou Gilbert em tom de deboche chamando a atenção do seu mestre. – Aposto que pensou isso!

- Não posso mentir dizendo que está errado. Meus pensamentos foram esses.

Roderich pensou que o outro levantaria a voz e ficaria indignado, mas contrariando suas expectativas, ele apenas saiu andando com o pássaro em suas mãos. Caso se importasse com o mais velho, diria que ele ficou magoado, mas não tinha razão para ele ficar abatido, afinal, o austríaco nunca escondeu o interesse que tinha no irmão mais novo dele.

Durante o resto do dia, Gilbert praticamente sumiu, não apareceu nas refeições e não estava em nenhum dos locais em que Roderich foi procurá-lo. A princípio, o aristocrata não se incomodou muito, depois ficou com uma ponta de preocupação, mas nem por isso foi procurar seu inquilino. Achou a melhor opção, pois não era nenhuma babá para correr atrás de Gilbert toda vez que ele fugisse. O que deixou o de olhos lilás inconformado foi o fato do loiro não ter comparecido no jantar, não comparecendo a duas refeições seguidas. Só o viu novamente naquele dia quando a lua já ia alta, e foi no cômodo mais inconveniente possível. Quando viu a figura de olhos vermelhos tocando de leve nas peças de seu piano, sentiu um monstro florescer em seu peito. O monstro do ciúme.

- Senhor Gilbert! O que está fazendo ai?!

- Hey! Fique calmo, aristocrata! Não fiz mal algum ao piano! – Falou o mais velho levantando as mãos e rindo da fúria de seu jovem mestre.

- Nada de pior aconteceu porque eu cheguei a tempo! Como se atreve a quebrar minha regra mais absoluta?!

- Calma, Rod! Eu não ia despedaçar seu piano! Só queria ver a flor mais de perto...

- Como?! Pois esse foi seu pior erro! Nunca mais chegue perto desse piano e dessa rosa! Vamos, saia daqui! Suma da minha frente!

Irritado, Gilbert saiu do recinto sem olhar para trás. Se perguntava o quão importante era aquele maldito piano e aquela rosa ridiculamente murcha. Foi direto para seu quarto, deixou seu corpo cair sobre a cama e de novo, pensou na sua família, em seu irmão, em sua cunhada, em seu sobrinho... A certeza de que eles estavam bem o acalmava e lhe dava forças para aguentar a fera. Se bem, que a companhia dele não era tão desagradável. Gostava de deixá-lo constrangido e ouvi-lo tocar piano era muito bom. O alemão sabia que era impossível uma pessoa que toca tão bem, ser má. Se a fera fosse de fato cruel, suas músicas refletiriam sua personalidade ruim. Mas isso definitivamente não acontecia.

Não demorou para Francis entrar no quarto acompanhado por Matthew.

- Meu caro amigo, o que houve para deixar um rosto tão lindo cabisbaixo dessa forma?

- Kesesese... Sabe, acho que o jovem mestre precisa se livrar do piano... E ao mesmo tempo acho que ele vai morrer se fizer isso. – Disse o alemão olhando para a janela.

Os outros dois ficaram em silêncio, queriam concordar, mas lhes parecia tão errado falar uma coisa daquelas. Ainda mais quando se ligava tão explicitamente à maldição, a qual estava proibida se de comentar na presença de Gilbert.

- S-senhor Gilbert, não fique triste pelo nosso mestre... Ao invés disso, acho que o ajudaria muito mais ficando ao lado dele...

- Kesesese! Você é adorável, Matias! Com certeza combina com o Francis, e o incrível eu, vai estar no casamento de vocês!

- É Matthew... – disse o espanador sem ser escutado, mas ele também não se importava.

Eles continuaram conversando, e o fizeram até Gilbert adormecer. Por mais incrível que pareça, Francis não tentou atacá-lo enquanto dormia, talvez tenha sido a presença do outro menino, mas foi uma grande consideração da sua parte.

Durante três dias o barulho do silêncio foi o que berrou nos ouvidos de todos na casa, em especial, quando a visita e o senhor se punham no mesmo cômodo, os olhares raivosos por parte de Roderich, e indiferentes por parte de Gilbert. Nenhum dos dois era humilde ou sábio o suficiente para pedir desculpas, assim, três dias se passaram sem haver nenhuma troca de palavras. Os motivos de Roderich eram que o loiro desobedeceu praticamente todas as regras pré-estabelecidas e ainda por cima, a principal, que era não chegar perto do piano. Gilbert estava indignado com a forma que era tratado, seu jovem mestre não poderia ser mais generoso? Afinal, ele tinha renunciado a própria família para estar ali.

Mas nenhum dos dois enxergava os motivos do outro, então, ficaram como duas crianças mimadas. Foi no terceiro que Gilbert se viu novamente tentado a entrar na sala proibida.

- Gil, o que você pretende fazer? – Disse Francis pondo seu pequeno corpo na frente do maior.

- Ele está certo! Quer dizer... Não devemos entrar ai! É proibido! – Completou Arthur, preocupado com a hora do jantar.

- Ora, vocês dois são velhos chatos! A maior atração é ser proibido! E eu já entrei e sai de lá vivo, posso mostrar o quanto sou incrível fazendo de novo!

- Ninguém aqui duvida que você pode!  Mas a hora do jantar se aproxima, não devemos nos atrasar, ou o jovem mestre ficará irritado! – Disse Arthur.

- Bah! Deixe aquele aristocrata na sua preciosa solidão! Tenho certeza que ele não é digno de minha incrível presença!

- Ouça a governanta, meu caro amigo, não é inteligente deixá-lo irritado quando vocês já estão brigados!

- Quem você chamou de “governanta”?

Com essa sentença, Arthur e Francis começaram a brigar novamente e deram a chance que o alemão precisava para subir mais algumas escadas e logo estar dentro da deslumbrante sala de música, onde a flor repousava dentro de uma anágua de cristal. O que o atraia nela, era o fato dela brilhar. Sim, mesmo estando com poucas pétalas, ela estava literalmente brilhando em cima do piano. E aquele brilho despertava sua curiosidade ainda mais.

O piano ficava até ofuscado tamanha era a beleza da rosa, mas para Gilbert, aquele instrumento lhe pareceu um pouco... Poderia dizer... Triste? Não era normal um simples móvel transbordar melancolia, mesmo se tratando de um que traduz sentimentos. Mas o que se sobrepunha ali era a rosa. Aquela rosa bela e profana que o tentava cada vez mais.

Foi chegando mais perto, tocou no vidro que os separavam e soltou um leve sorriso.

- O que pensa que está fazendo, seu inútil?! – Essa pergunta pareceu mais um rugido do que qualquer outra coisa, e o tom da voz da fera, fez o loiro cair no chão amedrontado. – Quantas vezes eu tenho que te dizer?! Fora daqui!

- M-mas, eu não fiz nada...

- Cale-se! Não tenho mais paciência para você! Saia da minha frente!

O alemão não pensou muito, saiu correndo, como lhe foi ordenado, e decidiu que não ficaria nem mais um segundo naquela maldita mansão. Passou pelo candelabro e o relógio, que ainda estavam brigando, mas pararam com sua troca de insulto para se preocuparem com Gilbert correndo feito um louco.

- Gil, onde você está indo!

- Para longe! Para muito longe desse louco, Francis!

Os pequenos mal tiveram chance de pedir para Gilbert ficar, ele corria tão rápido quanto o vento naquela noite de inverno, e logo se camuflou junto ao seu cavalo em meio a neve. Não se podia ver nada, nem mesmo suas mãos na frente do rosto, mesmo assim, o loiro não hesitou em seguir pelo caminho que veio, sabendo que aquilo poderia representar sua morte.

Provavelmente ficou uma hora vagando como uma alma penada naquele deserto de gelo, seu sangue parecia congelar, e estava se arrependendo por ter saído sem agasalho. Até seu cavalo, estava sofrendo com a inconsequência do seu mestre, mas a única solução era continuar a fugir. Qualquer coisa, até a morte, menos voltar para as garras da fera. Sua boca estava cortando, e tinha impressão que estava tendo início de hipotermia, tudo naquele ambiente gritava para ele esquecer a rebeldia e voltar com o rabo entre as pernas.

Mas não era apenas ele que vagava pela floresta. Gilbert viu um vulto, não tão ágil, mas era grande, provavelmente de algum animal a procura de alimento. O alemão tentou fazer seu cavalo se silenciar, para não chamar atenção do bicho, porém isso se fez desnecessário quando o vulto simplesmente sumiu. Um pouco preocupante, mas não iria reclamar da sorte. Continuou andando, sem rumo, até que seu cavalo se negou a prosseguir, sem mais nem menos, ele parou no meio do nada.

- Hey! O que há com você?! Vamos, não quer ficar aqui, não é? – Disse alisando o dorso o companheiro solidário com o que ele estava sentindo. Afinal, compartilhava o mesmo medo.

Foi quando notou algo não muito longe caído no chão, o mais provável seria ser o corpo de alguma pessoa que lutava contra a nevasca, justamente por conta dessa possibilidade, Gilbert se aproximou. No começo, aquilo não parecia estar vivo, mas depois de algumas cutucadas ele grunhiu. Gilbert não conseguia ver o que era por conta de neve, cobrindo mais da metade do corpo, mas certamente estava vestido. A roupa que ele usava era uma das poucas coisas que não era branca na paisagem.

Foi quando um breve sussurro denunciou quem era.

- Jovem mestre? – Perguntou o alemão, esperando uma resposta. Não obteve o que queria, mas mesmo assim tinha certeza que só poderia ser Roderich enfiado na neve.

Ele estava certo. Depois de tirar boa parte da neve, conseguiu ver o aristocrata nitidamente. Ele estava inconsciente, mas algumas palavras sem sentido saiam de sua boca, a mais frequente delas era “Gilbert”. Com certa dificuldade, colocou a fera sobre sua montaria e foi guiando o animal até o castelo, sempre conferindo se Roderich não estava caindo da sela. A viagem nunca fora tão longa. Mesmo com o vento frio lhe cortando a pele, Gilbert só se incomodava com a neve acumulada sobre o de olhos lilás, seu único pensamento era chegar ao castelo para os outros poderem tratar do rapaz.

Sem notar, Gilbert começou a estabelecer um monólogo com Roderich, apenas para despertá-lo. Talvez a sua voz o irritasse a um ponto que ele não conseguiria desmaiar por completo.

- Kesesese! Imagino o que deve ter acontecido para você sair nessa noite! Aposto que foi para salvar suas preciosas rosas! Kesesese! Elas não devem resistir a esse inverno, vai ter que esperar até a primavera para vê-las novamente, aristocrata! Kesesese! Ainda bem que minha incrível pessoa estava lá para te salvar!

Parava de falar quando sentia a garganta doer devido ao frio, a única coisa que o consolava era que já conseguia ver a entrada do castelo. Suas pernas estavam quase congelado, mesmo assim, tinha ao menos que deixar seu jovem mestre na porta de casa. “Voltar para casa”, eram as palavras que martelavam na sua cabeça a todo instante, elas o guiaram até o portão, onde finalmente tirou o aristocrata de cima do cavalo e viu o animal correr para o estábulo, assustado e com frio. Pôs um dos braços de Roderich sobre seus ombros e segurou sua cintura. Roderich não andava, então Gilbert o puxou durante todo o percurso.

- Olha só, jovem mestre! Já estamos chegando! Vamos lá, abra esses olhos aristocratas e veja sua casa! Kesesese!

Eles foram recebidos pelas centenas de móveis-empregados, todos preocupados desde o momento que viram seu senhor sair correndo no meio da nevasca. Eles tomaram Roderich dos braços de Gilbert, o qual nem tinha forças para impedi-los, e este ficou sob os cuidados de Arthur e Matthew.

- Fique bem, jovem mestre...

Murmurou enquanto Roderich ia se afastando, ainda desmaiado. Gilbert também ficou inconsciente por alguns poucos minutos, provavelmente a preocupação com aquele riquinho mimado se sobrepôs a fadiga que sentia. Foi direto para a sala onde esperava encontrá-lo e foi bem-sucedido em sua busca. Ele estava fitando o fogo, Francis estava colocando água quente em um ferimento que tinha passado despercebido pelo alemão, mas ao menos, Roderich estava bem. Era só o que importava.

Chegou mais perto dele, tomando a toalha aquecida das mãos do amigo, o qual não reclamou, apenas soltou um leve sorriso e se retirou mais para o lado. Gilbert sorria como um idiota, e foi passando a toalha sobre o ferimento.

- Por que está fazendo isso? – Perguntou a fera.

- Ora, porque minha incrível pessoa acordou com vontade de ajudar cãezinhos indefesos! Kesesese!

- Não me compare com um cachorro, seu idiota!

- Não? Que pena! O incrível eu adora cachorros!

Roderich sentiu a face aquecer e virou o rosto, agradecendo o fato dos pelos cobrirem a coloração indesejada. Ficaram calados de novo, Gilbert apenas aliava a dor do ferimento com aquele sorriso besta e Roderich não conseguia parar de olhá-lo. Foi a primeira vez que fitou o servo por tanto tempo e se perguntou porque teria feito aquilo.

- Desculpe por ter quebrado a regra. – Disse Gilbert sem tirar o sorriso.

- Tudo bem, a culpa foi toda sua mesmo.

- Hey, jovem mestre! Essa é a parte que você se arrepende pelos seus erros! Não é nem um pouco incrível falar uma coisa dessas em uma cena tão romântica!

- Não há um pingo de romance aqui, seu tolo! E não estou isentando-me de culpa uma vez que não possuo responsabilidade nenhuma sobre os acontecimentos desta noite.

- Kesesese! Você é mesmo um aristocrata metido! Só o incrível eu poderia suportá-lo! Kesesese!

- Cale-se!

- Kesesese! – Eles ficaram de novo em silêncio, mas foi por um breve momento. – Por que você saiu no meio da tempestade, Rod?

- Ora, me impressiono com você por me perguntar algo tão ridículo e fugaz! Fale algo mais construtivo!

- Nada disso, jovem mestre! Só paro quando descobrir qual foi sua intenção saindo de casa nesse tempo!

- Não é obvio?! Devido a sua falta de senso, tive que me ausentar de minha casa para você não morrer congelado! Da próxima vez, verifique se está fazendo um bom tempo para se rebelar!

- Você pretendia MESMO me salvar, jovem mestre? Creio que seus objetivos passaram bem longe do que aconteceu!

- Lógico, por culpa, acabei batendo a cabeça em uma árvore e quando caí, me machuquei! Como poderia impedir sua insensatez no estado em que me encontrava?! Não fez mais que sua obrigação em me trazer de volta!

Gilbert riu de novo. Roderich não pediu desculpas por sua falta de modos, mas aquilo não importava, saber que o moreno se arriscou fora de casa para salvá-lo, o deixou estranhamente feliz.

O alemão nunca saberia, mas o moreno ouviu cada palavra do que ele dissera no caminho de volta, inclusive as que ele praticamente sussurrou quando já se encontravam no castelo. E só por lembrar-se delas, Roderich sentiu o rosto aquecer novamente, mas sua vergonha estava protegida por conta dos pelos.


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Notas finais do capítulo

Chegamos ao fim *-*
O principal motivo de minha pessoa ter aceitado este desafio, é que estou devendo um final feliz a muita gente XD
Podem ficar calmos, essa história definitivamente vai acabar bem ^-^''



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