Procuro em minha mente por rostos e reconhecimento, mas tudo que vejo é um branco constante. Nada. A mulher é alta de cabelos pintados brancos como a neve, estatura magra, rugas que transparecem o cansaço e que vão se estreitando a cada segundo passado, veste roupas simples assim como os outros dois integrantes. Diante da minha expressão de dúvida, ela murmura respondendo minhas perguntas mentais:

        “Acho que ainda não fomos apresentadas, sou Trinca. Trinca Fower, ex-superintendente da segurança do Distrito 13 e quase presidente da segurança de Panem. Eu era umas das auxiliares mais brilhantes de Coin, dei meu sangue e suor trabalhando quase como uma máquina pra conseguir essa promoção, mas ai um passarinho desprezível decidiu fazer justiça com as próprias patas e colocar tudo abaixo – ela se aproxima e segura meu rosto entre seus dedos frígidos, impedindo minha cabeça de se mexer- diga-me Katniss, o que se passava em sua cabeça quando resolveu matá-la? Descobriu que não era mais o centro das atenções, ou foi o rancor guardado pelas inúmeras tentativas em que ela tentou te executar sutilmente? Coin errou muito a seu respeito, mandando aquele menino do seu Distrito para fazer o que ela devia ter feito, não vou cometer o mesmo erro.”

        Sem deslocar seu olhar do meu ela fala ao homem mais baixo, de pele quase translúcida, mas cabelos e olhos negros como a noite:

        “Jues, qual era o nome daquele garoto mesmo? O desprezível que nos enganou todo esse tempo, dando informações e servindo como um escravo logo antes de fugir.”

        “Peeta, Peeta Mellark se não me engano.” A voz grave ressoa logo atrás.

       A maré de culpa e arrependimento me atinge sem piedade, tenho vontade de me mexer para que a dor reflita o ódio que sinto de mim mesma, quero que me levem e minha sentença seja cumprida. Ele deve me odiar, mas não tanto quanto odeio a mim mesma.

       Uma onda de perguntas penetra minha mente. Como pude duvidar dele e aceitar que posso ser realmente feliz? Porque tudo o que toco destrói-se? Poderá ele um dia me perdoar? Voltarei a vê-lo? Melhor será se nunca mais coloque meus olhos em seus olhos azuis e cabelos loiros. Eu não o mereço.

        “Mostrou-se útil informando-nos a localização de sua mãe, porém acreditou quando disse a ele que não iríamos torturá-la para tentar arrancar a sua localização. Pobre garoto inocente.” A última frase deixou os lábios do outro homem, este com cabelos lisos, castanhos e pele mais bronzeada em um tom de deboche que embrulhou meu estômago. O nome Alec vem à minha mente.  

        Alec Clerver, Trinca Fower  e Jues Spinclare. A liga Coin.

      Os nomes finalmente são lembrados pela voz de Gale sussurrando em minha cabeça fazendo com que as peças do quebra cabeça se encaixem.

        “Pode trazê-lo.” Trinca chega mais perto de Alec que abre a porta.

        O moreno alto de olhos cinzentos e aspecto de minerador típico do Distrito 12 entra também na sala, agora preenchida por corpos e quente pelo calor humano transpirando tensão. Gale parece em transe, mantinha a mesma expressão de horas antes em sua casa, como se alheio à situação.

         “Venha cá, querido.” Trinca passa um braço rodeando seu ombro, como um ato de afeto, meu estomago volta a se embrulhar. Ela leva boca ao ouvido de Gale e fala sussurrando enquanto sorri levemente, porém dirigi-se a mim:

         “Não sabe o quanto foi fácil atraí-lo para nós, foi só dizer que foi permitido que ele te visitasse na prefeitura antes da execução e ele veio correndo ao nosso encontro. Depois que o aprisionamos aqui no subsolo, foi só necessário um pequeno corte – ela beija uma pequena cicatriz no pescoço de Gale que tinha antes passado despercebida – pra inserirmos o chip de controle da mente que Alec tinha projetado na época de auxiliar, ser parte do grupo de pesquisas sobre tecnologia militar do Distrito 13 veio a calhar.” Ela cola outro beijo no mesmo local do anterior.

        Minhas mãos estalam freneticamente contra a cadeira.

        “Nem precisa se esforçar, você não tem pra onde ir. Está sozinha nessa, Katniss. É melhor colaborar.” Ela diz.

       “Em nossa última reunião, resolvemos reconsiderar sua sentença. Não precisamos de um mártir que incentive mais a luta contra o governo central de Paylor, ou seja, contra o nosso governo. Pelos menos não antes que sua imagem seja corrompida.” Agora é Jues quem fala.

        “Como fizeram Paylor aliar-se a vocês?” Penso alto.

      “Quando só o rancor que ela tinha de você não bastou, aplicamos o chip nela como em Gale. Ela agora não passa de um fantoche, como você será. Você se aliará a nós e declarará sua incapacidade de governar, a crueldade que teve ao matar Coin pela inveja e fome de poder. Depois disso, pode morrer.” Ele continua.

     “Nunca! Nunca ajudarei vocês!”

      Trina passa os olhos em Gale e dirige-se a mim:

      “Claro que vai, ou será que quer que ele cumpra a sentença junto com você?” Engulo seco.