Felina escrita por MuriloVonNachtwind


Capítulo 14
Confissão




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Temos Lúcio diante do portão negro do prédio onde sua tia morava. Tal prédio, seu avô o havia feito construir, de forma que a cada filho legasse uma morada. Hoje já não era mais um prédio de família, afinal o pai de Lúcio alugava a casa própria. Além disso, outra casa havia sido recentemente vendida.

Lúcio ainda estava com uma ponta de irritação, não quis entrar. Não se lembrava de nenhum parque de sua infância onde pudesse repousar o coração inquieto. Era domingo, poderia ir à missa. Mas Lúcio tinha alguma resistência a missas, achava o rito ótimo, a comunhão divina, mas todas as músicas o irritavam.  As músicas e as palmas. Quando criança o que o incomodava era ter de ficar de pé. Hoje isso não o incomodava mais. Toda aquela alegria diante da imagem de um cristo crucificado parecia mesmo um pouco blasfemo. Não que fosse, em si, blasfêmia, mas o incomodava de todo modo. Gostava de homilia, dependendo de quanto qualificado era o padre.

O padre. Era cedo, era possível que o confessionário estivesse aberto. Não que Lúcio se lembrasse de algum pecado grave a confessar. Mas o simples ato da confissão era algo que sempre apaziguava seu coração. Estava decidido, ia à Igreja.

Chegando à Igreja, o confessionário não estava aberto. Talvez o padre acordasse tarde, ou não se sentisse bem para confessar pela manhã. Indagou a um coroinha sobre o padre. Estava doente, nem haveria missa, por falta de um celebrante substituto. Perguntou se poderia ver o padre. O coroinha disse que sim, que o seguisse e seria levado a ele.

   O padre padecia de uma gripe, nada demais. Mas estava afônico, ou quase, posto que falasse baixo e mal. Abençoou Lúcio, que apesar de não querer perturbar o descanso do padre, pediu permissão para se confessar. Permissão concedida, pôs-se o rapaz a falar.

              "Perdoa-me padre, porque pequei. Meu maior pecado de hoje foi a ira. Não posso deixar que os fatos do dia a dia abalem de tal maneira meu coração, que ele fique inquieto e bata como um sino que repica. Não, a analogia não presta. O repique é júbilo, alegria,  e meu coração não está nem perto disso. Bate raivoso. Sei também que a inquietude é característica permanente do coração humano, e não almejo a paz, senão buscar a paz. Nessa buscar eu tendo a receber fragmentos de paz, mas não A Paz. E agora mesmo essa raiva é algo que traz sombra ao meu coração. Detesto a raiva, abomino o pecado, mas peco porque humano. E como humano, pequeno, mas de alma grande, desejo o perdão e a morada divina. Que Deus more em mim na Santa Comunhão, mesmo que eu não mereça, para que eu me acostume a coabitar com Deus. Eu que não sou santo, nem beato, só humano! E como é pequeno o homem em corpo diante do universo, e em alma diante de Deus! A maior alma humana não consegue tocar a razão divina. E como a minha pequenez e a pequenez dos meus pecados em relação à grandeza da misericórdia divina me consolam, pois mesmo o pior dos pecadores pode alcançar, através da graça, o perdão."

              "Terminou?" disse o padre.

              "Sim. Que preciso fazer?"

              "Continue estudando. Você está perdoado."

Lúcio estranhou a reação do padre. Não esperava uma absolvição sem um terço, uma reza, uma oração. Mas de fato a ira tinha-se ido. E ele estava feliz. Feliz e mais animado em perseverar, no estudo e na fé.


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