Histórias do Tio Kazui escrita por Phinderblast


Capítulo 4
Capítulo 3 - Com carinho, Shion




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Com carinho, Shion.

 

Shion nasceu surdo, por isso era mudo também. Seu tempo como aprendiz foi feliz e ele não se importava com sua deficiência. Ria das caretas dos amigos que apanhavam dos chon chons e dos gestos de raiva contra a pupa que virava creamy antes de ser derrotada. Para ele nada lhe faltava e, se vivesse aqueles dias pelo resto da vida, agradeceria aos deuses sempre e sempre. Mas as pessoas não são pedras, elas mudam. Um a um os aprendizes foram embora, cada um para uma cidade diferente para enfim ter uma profissão, era para isso que treinavam todo dia. Shion não queria ficar para trás, então seguiu um deles, o que queria se tornar mago. “Vou virar um mago também” pensou ele. Sorridente, ao lado do amigo, foram juntos para Geffen.

O pequeno aprendiz nunca estivera em uma cidade grande e movimentada como aquela, nasceu em uma cabana perto da vila dos orcs e cedo deixou sua casa para viver o sonho de ser um aventureiro. Seu amigo lhe indicou o caminho apontando para a torre mais alta, bem no centro da cidade circular. Shion foi primeiro e demorou em se encontrar no labirinto de escadas e paredes que era para chegar até o alto da torre, mas perseverou e conseguiu. “Você veio para se tornar um mago, meu jovem?” Perguntou um homem de chapéu pontudo e de abas largas para o pequeno aprendiz, mas o menino não respondia nada. Ele não sabia, mas era muito difícil para um mudo poder virar mago, poucos eram os aptos a aprender a “Conjuração Silenciosa” - como era chamada a magia que se conjura sem usar palavras mágicas. O homem tentou gesticular, fazer linguagens de sinais e até escrever para ele, mas Shion nunca aprendeu nada disso. Não sabia ler ou escrever, tão pouco a linguagem muda. O pequeno entendeu uma coisa: a negativa daquele homem; os dois sabiam que era impossível e o jovem virou as costas, abatido, mas não triste. Do lado de fora da torre ele sorriu para seu amigo que esperava sentado. Este entrou na torre e deixou-o sozinho. Shion nunca mais o viu.

Um novo dia. Ele resolveu tomar um fôlego no campo dos aprendizes, lá estavam eles, dezenas brincando e treinando, rindo e se divertindo. Timidamente se aproximou e logo estava rindo e brincando também. O que era para ser apenas um dia se tornou vários e o pequeno só saiu de lá quando todos tinham saído também. Suspirou melancolicamente e se levantou. “Hora de ter uma profissão!” era o que teria bradado se possuísse voz e conhecesse as palavras. Dessa vez não seguiu ninguém, sozinho foi para Payon. Era uma cidade de muitas árvores e muita gente também. Não sabia onde ficava a guilda dos arqueiros, queria pedir informações para alguém, mas todos passavam rapidamente e não davam atenção para um pequeno aprendiz que não falava. Caminhou a esmo até achar uma caverna onde muitos aventureiros estavam reunidos. Empolgou-se. Imaginou então ser ali o local da guilda e entrou despreocupadamente. Muitas pessoas estavam ali, principalmente noviços, magos e arqueiros. Caminhou por entre eles e, obviamente, não escutava quando os arqueiros  berravam para ele sair da frente da mira. A caverna era fedida e ele não entendia como uma guilda poderia ficar em um lugar assim, tinha monstros e monstros selvagens! Um zumbi apareceu perto dele, era feio, fedia e era nojento. Shion sentiu a ânsia lhe subir pela garganta, mas o medo foi maior, pois aquele vômito que o zumbi cuspia não era apenas nojento e fedido, mas lhe corroía a pele também. Correu o mais rápido que pôde para fora dali e nem notou quando um bondoso noviço, vendo seu estado, curou-o. Arfante e com medo, ele correu para longe daquela “guilda” monstruosa e retornou para a cidade. Com muita dificuldade conseguiu um teleporte com a Kafra, queria ir para Prontera, mas acabou sendo levado para Alberta.

O cheiro do mar invadiu suas narinas e todas as preocupações e medos foram esquecidos ao se deparar com a imensidão do mar à sua esquerda. Apontava freneticamente para a grande massa de água, queria mostrar a todos aquela coisa magnífica que enchia seus olhos. Os transeuntes não entendiam a alegria simples e pura daquele pequeno aprendiz e o olhavam com risos e alguns, mais compadecentes, com pena. Shion se sentou no muro branco que separava Alberta em dois níveis e por muito tempo apenas admirou o mar e sua imensidão, cheio de segredos e magia. Levantou-se dali, estava pronto novamente, de vontade revigorada, já que estava em Alberta se tornaria um mercador.

Caminhou pela rua limpa, mas movimentada da cidade. Muitas carroças e mercadorias passavam e ele acabou sendo empurrado contra uma casa, abrindo uma porta com o baque do impacto. Uma mulher gritou e o mandou sair, mas o pobre aprendiz não ouviu, tão pouco notou que tinha alguém na casa, pois estava olhando para fora. O pobre incompreendido foi golpeado com uma maça rombuda e na hora só pensou em correr, sem olhar para trás.

Sua cabeça doía e doía muito, mas não sangrava. Achou melhor lavá-la, talvez melhorasse um pouco. Caminhou até o mar e ao chegar no cais do porto mal se lembrava da dor, só sentia a alegria de estar tão perto daquela coisa que só conhecia por figuras de livros que ele não sabia ler. Foi até a borda da cidade, mas eram muitos metros de distância até a água e não havia praia por perto, já que dos lados só havia paredões rochosos ainda mais altos. Suspirou e sorriu, não podia tocar, mas podia ver e sentir a brisa oceânica em seu rosto, não tinha do que reclamar. Sentou-se na beirada branca e fria de Alberta e ficou apreciando o mar. Não sabia onde era a guilda dos mercadores, mas acharia nem que tivesse que procurar por semanas, ao menos era isso o que planejava. O destino era cruel com Shion. Enquanto relaxava e balançava infantilmente as pernas olhando o mar, uma grande caixa de madeira foi colocada ao seu lado. Não se assustou com o barulho, claro, mas sim com o tremor que a caixa fez e a visão do enorme objeto ao seu lado. Desequilibrou-se e caiu no mar. Ninguém o viu caindo, ninguém o escutou se debater na água e ninguém o escutaria gritar, pois isso era impossível para ele. No desespero de um quase afogamento, ele se segurou na primeira coisa que encontrou, como todos fariam. Ofegava, querendo mais ar do que seus pulmões agüentavam. Quando seus olhos não estavam mais cegos pelo desespero, ele notou que estava agarrado em um pedaço de madeira grande e vertical. O mar parecia deslizar por ele. Não sabia o que estava acontecendo, mas o porto agora estava se distanciando mais e mais, impossível para ele, que não sabia nadar, alcançar de volta.

O dia passou e a noite caiu. Shion não via nada mais além de água e mais água. Sentia fome e muita sede, aquela água salobra era horrível para beber, embora encantadora de se ver. Sentia frio também, suas pernas estavam duras e geladas e estava com muito sono, dormir agora era morrer afogado ali, então apenas se segurou e esperou. O pequeno não praguejou contra os deuses, tampouco reclamou do azar que teve, pois para ele aquilo era sorte! Uma aventura digna de um herói. Tinha orgulho de si mesmo e em meio aquela provação o sol raiou e com ele um sorriso nasceu nos lábios do aprendiz.

Com o nascer do astro rei, o pequeno sentiu que a água estava mais parada que o de costume. Não se movia velozmente por ele, mas sim o balançava de um lado para o outro. Olhou para o lado e viu terra, tinham atracado novamente. Essa era sua chance de sair dali, nadar até a margem. Soltou do pedaço grande de madeira e inutilmente tentou nadar. Não saia do lugar, nem ao menos conseguia manter a cabeça fora d’água. Novamente foi tomado pelo desespero e tentou voltar ao lugar, mas não conseguia, não sabia onde estava, não sabia o que fazer, desespero total. Tudo ficou negro, ele havia se afogado.

Acordou com o barulho do próprio estômago. Estava cansado e com fome. Olhou para os lados, permanecia deitado embaixo de uma árvore, o barulho do mar ainda estava próximo e com isso lhe veio à mente sobre o apuro que passou no dia anterior e o seu afogamento. “Você está bem?” Perguntou uma jovem noviça sentada perto dele, cuidando de um gatuno que parecia ferido. Shion obviamente não escutou, nem respondeu. Levantou-se e foi até a beira do penhasco que na verdade era apenas um baixo barranco que mal tinha um metro de altura. A noviça não entendeu e tentou falar com ele novamente. “Você estava se afogando, o que fazia perto do leme do navio? Se queria ir para Alberta de graça deveria tentar falar com os marujos.” Mais uma vez ela fora ignorada, corou por aquilo e se levantou “Ingrato” foi o que ela disse ao se distanciar.

Enquanto seu olhar se perdia no horizonte o garoto imaginava quem o havia salvado, queria agradecer a quem quer que fosse, mas não sabia quem era, havia tantas pessoas no local. Apenas se deitou novamente no chão e olhou para cima, pedindo aos deuses que abençoassem seu salvador. Sua barriga ainda roncava, então teve que vencer o cansaço e o sono para arranjar algo para comer.

Estava em uma cidade estanha, com uma grande tenda colorida ao centro e muitos espadachins perambulando pelas ruas. Caminhou muito até perceber que aquilo era uma ilha e que a única saída era uma ponte no sul da cidade. Achou, por sorte, um lugar onde distribuíam comida de graça para os aprendizes. Shion não escutou o mestre espadachim fazer um discurso sobre o teste de espadachim que todos ali fariam, mas voltou seu olhar para ele quando o mesmo o encarou. “Você é muito pequeno e mirrado para ser um espadachim, meu jovem. Tente o teste de noviço ou mago, é melhor para você.” Disse o homem que sorriu para ele depois de dizer aquilo. O pequeno olhava para ele e sorriu ao ver seu sorriso. O aprendiz nunca soube o que aconteceu ali verdadeiramente, pois comeu e foi embora, sem saber que estava na guilda dos espadachins.

Seu ânimo estava revigorado novamente, depois de dormir tranqüilamente embaixo da sombra de uma árvore na saída da cidade-ilha. Levantou-se e observou os porings e aprendizes no lugar. Sorriu alegremente e se juntou a eles. Mais uma vez Shion riu e se divertiu por dias inteiros e se achava a pessoa mais sortuda do mundo. Sua vontade era de ser um aprendiz para sempre e não precisar se preocupar com guildas, caçadas ou monstros mais fortes que uma creamy. Porém as pessoas, como disse antes, as pessoas não são pedras e os aprendizes se foram mais uma vez. O pequeno sorriu ao ver o último deles partir, rumando para o norte. Ficou sentado aos pés de uma árvore por um tempo até decidir tentar novamente uma profissão. Rumou para o norte também e logo estava entrando pelos muros fortificados da grande capital.

Prontera era um caos insano e sem nexo para ele. Pessoas acenavam e corriam, homens e mulheres de armaduras montados em pássaros gigantes passavam por ele e ele os admirava, boquiaberto. Ferreiros carregavam armas maiores que ele e sábios brincavam com magia como se fosse algo normal. Por muitos dias ficou completamente perdido e maravilhado com todas as coisas que encontrava naquela cidade. Dormia em becos, forrando o chão com uma caixa de papelão qualquer e comia o que os outros lhe davam. Vivia em uma felicidade imensa. Todo dia aprendia alguma coisa, até mesmo se comunicar com os outros por linguagens de sinais! Shion se achava a pessoa mais sortuda do mundo por isso, agora podia finalmente se comunicar com as pessoas, a felicidade transbordava em seu peito.

Por indicações de pessoas ele achou uma escola. Lá dentro ele conheceu Amehime. Ela era uma professora que ensinava muitas crianças a ler e escrever e também uma das únicas pessoas que tratava bem Shion. Amehime era jovem e bela e o pequeno lembrava de sua mãe quando a via. Ela soube que o aprendiz dormia na rua e comia apenas o que lhe era dado, então o chamou para passar um tempo com ela. Agora ele tinha uma casa, era pequena e modesta, com apenas uma cama para os dois dormirem e as vezes a comida era pouca, isso era o que Amehime pensava, pois para Shion aquilo era uma mansão e sua professora era a mais rica do mundo. A mulher sempre se alegrava com o entusiasmo e alegria que o garoto tinha com tudo, em situações desesperadoras e angustiantes ele sorria e ficava feliz com qualquer mínima coisa. Um dia foram despejados da casa por falta de pagamento, pois agora ela tinha que gastar mais com comida. Para o desespero da jovem mulher, ela também fora demitida do emprego e uma jovem sábia fora colocada em seu lugar. “Anime-se :3” foi o que Shion escreveu em um pedaço de papel e mostrou para ela. Aquilo foi o suficiente para que ela voltasse a sorrir por alguns momentos.

Por um tempo viveram de favor no abrigo da catedral de Prontera. Shion continuava a aprender com ela todo dia e, ao contrário dela, jamais reclamou de nada, pois ainda se acha o mais sortudo e agora abençoado, já que morava em uma igreja.

“Em Aldebaran você poderia se tornar um aprendiz eterno, sabia?” E com essas simples e singelas palavras, rabiscadas na areia por Amehime em um dia de sol para Shion, o pequeno sentiu um novo ânimo em correr atrás de seu sonho. Em poucos dias ele estava pronto para partir. A jovem professora lhe deu muita comida para viagem e lhe encheu de conselhos. Ela parecia realmente com sua mãe, talvez fosse um anjo mandando pelos deuses para cuidar dele, isso era o que ele achava e não havia ninguém no mundo que o convencesse do contrário. “Nunca me esquecerei de tudo o que fez por mim, um dia vai receber uma carta minha com todas minhas aventuras!” escreveu para ela na hora da despedida. Lágrimas escorriam pelo rosto da jovem, temia pelo futuro do pobre garoto. Ele se foi e Amehime sabia que nunca mais o veria novamente, mas não imaginava que ele cumpriria com sua palavra.

O teleporte da kafra era sempre incômodo para os que não estavam acostumados. Diziam sentir borboletas no estômago e alguns, de estômago mais fraco, não agüentavam e jogavam a refeição para fora depois. Shion nunca reclamou, achava legal e sentia cócegas. Enfim estava em Aldebaran. Era um misto de Geffen e Prontera, tinha uma grande torre no meio, como a cidade mágica e muita gente, como a cidade capital. Não demorou a terminar o teste de Super Aprendiz, pois descobriu que aquela era sua vocação nata. Não se interessava em uma carreira em especial, queria pertencer a todas, assim poderia fazer amigos em qualquer lugar e saber de muitos e muitos assuntos. Shion era agora um Super Aprendiz.

Muito tempo se passou, muitos monstros Shion matou, muito aprendeu e com muitas pessoas ele se encontrou. Embora estivesse ligeiramente mais maduro, o pequeno ainda continuava assim: pequeno. Sua evolução era tamanha que até para um clã ele conseguiu entrar. Sentia-se um guerreiro valoroso e forte, capaz de derrotar a mais forte creamy e o mais difícil ambernite. Pobre Shion, mal sabia ele que nada mais era que uma “mascote” do clã. As pessoas batiam palmas e o congratulavam quando ele fazia uma “façanha” como matar sozinho um golem, porém era tudo gozação deles. Não era um clã fraco, ali as pessoas enfrentavam Medusas, Isilas e Yetis sem nenhum problema, monstros que o pequeno aprendiz nunca sonhou em matar, sequer chegou a ver, pois durante as caçadas reais de seu clã ele ficava para trás, embora sempre com um grande sorriso no rosto.

“Quer ir para um lugar bem legal, Shionzinho?” foi o que um monge escreveu para ele, rabiscando garranchos no chão. “Claro! :D” replicou na frente. O jovenzinho não sabia diferenciar um sorriso malicioso como o daquele homem de um verdadeiro como o dele, pois acreditava piamente nos seus colegas. O monge juntou as palmas das mãos e perto deles um cone azul translúcido se ergueu do chão. Tremulava com o vento e uma aura anil recobria o chão ao seu redor. Os olhos do pequeno se encheram com a visão, era um portal! Nunca tinha entrado em um, sempre diziam para se manter longe deles e sabia que quando o monge o usava os outros membros entravam para caçar. Finalmente ia caçar com seus amigos! Olhou para o monge e este apenas acenou positivamente com a cabeça. Shion não perdeu tempo, saltou para dentro do cone e sumiu rapidamente. Ninguém mais entrou naquele portal, ele desapareceu e o monge apenas recostou-se em uma árvore, dormindo tranqüilamente, ainda com o sorriso malicioso, quiçá maligno nos lábios.

Ventava, estava frio e o lugar era mórbido. Shion olhava para os lados e só via construções rachadas e cobertas por trepadeiras. Os degraus da escada onde estava também estavam quebrados e alguns soltos. O cheiro se assemelhava àquela “guilda dos arqueiros” que viu quando era mais novo, onde havia sido atacado por um zumbi. Segurou sua fiel Main Gauche bem forte nas mãos, sabia que aquele lugar tinha monstros terríveis, sentia o frio na coluna e algo lhe dizendo para correr, mas queria esperar pelos seus companheiros, eles logo viriam. Mas o tempo passou e ninguém aparecia. “Podem ter se perdido.” Pensou o pequeno em sua inocência e confiança nas pessoas. Se soubesse que eles jamais viriam para resgatá-lo talvez tivesse mais medo da visão que encarava. Parecia o zumbi que o tinha atacado há muito tempo, mas era mais “podre”, se é que é essa a palavra certa para descrever, mais ameaçador, embora igualmente lento. O pequeno apertou os dentes e correu, não era difícil escapar dele, cada passo daquele monstro era um sacrifício de força que ele não tinha mais, então por mais que tentasse ele apenas se arrastava morbidamente no chão rachado. O aprendiz correu por o que um dia foram lindos jardins, hoje eram apenas moitas mal aparadas, cheias de ervas daninhas e um ar sinistro e tenebroso. Andava cautelosamente, com medo de qualquer vulto ou vento. Chegou até o que parecia ser uma escada que descia até um subterrâneo escuro e ainda mais sombrio. Engoliu a seco e não ia entrar, ao menos não queria, mas fora obrigado, pois ao longe vinha um monstro alado. Parecia um morcego, mas tinha um arco nas mãos e parecia que tinha um saco branco na cabeça. Pobre Shion, fora muito lento em sua resposta, pois este não era como um zumbi e assim que o viu lançou uma flecha que cravou no ombro frágil do rapaz. Gritou mudamente. Cambaleou para trás, não encontrou o chão e rolou escada abaixo.

...

O que era aquele vento? Era a brisa do mar? Era o mar! Estava novamente em Alberta, seria um sonho? Não queria saber agora, só queria correr até o mar e esquecer de tudo. Ele corria, corria muito rápido, mas o mar se distanciava e algo lhe puxava para trás. Agora se via sendo puxado, passou por Payon, por Prontera, Geffen e se viu caindo meteoricamente em uma cidade abandonada e amaldiçoada. Levantou-se, olhou para os lados, foi apenas um sonho, não não, um pesadelo. Estava suando e seu ombro doía, era aquela flecha, aquele metal amaldiçoado o fez sonhar com aquela coisa. Pensou em tirar, pois viu uma vez o cavaleiro do seu clã o fazer, mas ao tocar na flecha sentiu uma dor imensa e caiu no chão, se contorcendo. Não tocaria mais na flecha, doía muito, mais do que as picadas da Creamy. Olhou melhor para o local. Era amplo e escuro, só tinha a parede da direita, a esquerda havia mais andares, como se infinitos pois ele não via onde davam. Escorou-se na parede e foi andando até perto da tocha, o fogo era quente e lhe fazia lembrar de Amehime. “Ela ficaria orgulhosa de mim” pensou e abriu um sorriso, contente pela sua valentia. Sentiu um tranco no corpo e uma dor insana, em sua barriga jazia outra flecha, ainda mais amaldiçoada que a outra, como se sugasse sua vida. Mais a frente ele viu uma pessoa, um arqueiro? Não, não era um arqueiro, pois vestia uma armadura metálica, coisa que arqueiros não usam. E o que eram aquelas chamas em sua volta? E onde estava seu rosto? Fora tirado dos pensamentos ao ser atingido por outra flecha, dessa vez na coxa. Não abriu a boca, não ia gritar, ia ser forte! Mas as pernas fraquejaram, sua vista embaçou e sentiu outro tranco, mais uma vez na barriga. Isso o fez perder o equilíbrio e cair novamente, dessa vez para a esquerda, no abismo sem parede. Embora houvesse outros andares eles também não tinham parede e ele continuou a cair, rolando pelo chão, agravando seus ferimentos, quebrando as flechas.

...

O chão era gelado e úmido, o ar era parado, abafado e ainda pútrido. Seus olhos jaziam abertos, mas nada via, se era por falta de iluminação ou por cegueira pela falta de sangue ele não sabia dizer. Só sabia que estava doendo. Todo seu corpo estava dolorido e ele não conseguia se mexer, tamanha dor e tormento que isso lhe trazia apenas na tentativa. Sua respiração era difícil, a flecha do seu ombro quebrou, mas isso só piorou, agora havia um grande pedaço de madeira dentro do seu corpo, estilhaçada em farpas que lhe furavam a carne. Sorriu. Naquele momento ele se lembrou do campo de aprendizes e do que quanto era feliz. Lembrou-se do seu ato de bravura, agarrado no leme do navio por um dia e uma noite inteira. Recordou-se de Amehime e de como gostaria de vê-la. Seu sorriso se alargou ainda mais, transbordava de felicidade, mais do que seu corpo transbordava sangue para fora. Estava feliz, não, era feliz! Sempre foi feliz! Jamais reclamou de nada e mesmo sabendo que seu fim estava próximo ele sorria. Sorria mais do que costumava, a ponto de soltar uma gargalhada muda. Rir doía, suas costelas perfuravam o pulmão, mas ele não conseguia parar, estava muito feliz para não rir.

Levantou-se e ainda não conseguia ver nada, não sabia nem de onde tirou forças para tal ato, mas precisava fazer uma última coisa, precisava cumprir sua promessa e escrever uma carta para Amehime e lhe contar as aventuras que vivera. No bolso de sua calça tinha um pedaço de papel e na sua mochila tinha um lápis. Sua letra saía tremida, o sangue escorria pelos dedos e manchava o papel, logo estava lambuzado, no entanto o garoto não parava de escrever, escrevia e se sentia importante relembrando tudo o que fez. Terminou a carta do modo como sua professora havia lhe ensinado “Do seu aluno, com carinho, Shion.” Tombou de costas ao sentir que nada mais lhe restava, nem forças, nem objetivos e nem promessas, agora poderia descansar para sempre.

...

Era inverno em Prontera e a neve caía lentamente. Amehime olhava para fora e sentia um aperto no peito. “Nunca mostrei a neve para o Shion.” Pensou. Rodopiando com o vento vinha uma folha de papel branco. Ela não pôde entender, mas algo a impelia a pegar aquele papel o mais rápido possível. Correu para fora, nem ao menos estava com uma roupa adequada, mas precisava ir até lá. Caiu de joelhos e chorou assim que a segurou em mãos, o motivo, embora simples, era surpreendente. Era uma carta e estava assinada por Shion.

 

Lugar Escuro, algum dia de maio (Desculpa professora, não sei a data de hoje x3)

 

Querida professora, lembra-se de mim? Espero que sim. Bem, eu disse que escreveria, não disse? Hm, agora queria te contar sobre as minhas aventuras, será que posso? Espero não estar incomodando, se estiver eu posso esperar, pode ler mais tarde, não tem pressa. :3

Eu amo ser um aprendiz, a gente sempre tem algo mais a aprender, a senhora sempre dizia isso, não é mesmo? Eu gostava muito de andar com os outros aprendizes, eles sempre eram alegres e felizes, com tantos sonhos... Mas os espadachins, arqueiros, os magos... Eles não, eles não eram tão felizes, eles reclamavam que era difícil e que os monstros eram fortes e que quando iam caçar não tinham muita comida... Por que todos reclamam tanto? Ah! Professora! Já te contei que vi o mar uma vez? Ele é enoooorme! E eu caí nele! Ele queria me levar para o fundo, mas ainda não era hora de eu ir, então segurei em um pedaço de madeira e ele me levou até o outro lado do mundo... Eu viajei pelo mar, professora! Foi tão legal! Eu cheguei em Izlude, não sabia que era Izlude naquela época (Eu era muito burrinho ainda professora, só aprendi depois com você) e lá comi de graça e também achei mais aprendizes.

Então eu encontrei você! Vivemos muito tempo juntos, foi muito legal, eu agradeço muito pelo que a senhora fez por mim, espero que volte a dar aulas! Pois professora melhor nesse mundo não há!

Eu entrei para um clã, sabia? É... Agora sou um guerreiro de verdade! Eles até me deixaram ir a uma missão sozinho! Acho que eles queriam que eu limpasse o local dos monstros mais fracos... Bom, eu tentei e fiz o meu melhor, mas falhei :( As flechas doem e depois que caí das escadas não consigo mais andar, também não sinto minhas pernas... Sabe, até que é bom, tem uma flecha nela e tava doendo, agora não dói mais! Mas respirar ainda dói e não to enxergando também, por isso não estranhe se a letra estiver feia, mas to escrevendo devagarinho, então a senhora vai entender :D

Eu preciso ir agora, tem uma moça me chamando, ela é loira e ta montada em um cavalo branco, ela é bonita. Olha, posso ver de novo! Mas só vejo ela, estranho, não é? Ela disse que vai me levar para descansar, êba! To precisando, to cansado, sabe? Meus olhos estão pesados e ta difícil respirar... Ah! Uma última coisa, ela disse que vai levar a carta pra senhora, porque eu sou um bom menino e que os deuses gostam de mim, você escutou? Os deuses gostam de mim! Eles gostam da senhora também, eu aposto, a senhora só precisa parar de reclamar um pouco, hehe. Uh, a moça ta me chamando, estou indo agora, tchau tchau. :3

 

Do seu aluno, com carinho, Shion.

 

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Kazui: Shion nunca reclamou do seu destino, nem de sua condição, nem mesmo na hora da morte. Não viveu como queria, não escutava, não falava, não era forte, não tinha dinheiro, não tinha poder, não tinha influência... Mas Shion tinha a capacidade de ver o lado bom de tudo, rir da própria desgraça e se achar o mais sortudo do mundo enquanto todos os outros o achavam um miserável. Shion foi feliz como nenhuma outra pessoa que o conheceu foi e esses sim eram os miseráveis.

 

Aki e Zylon:  ç____ç

 

Kazui: ... Também não precisam chorar... <_< >_>

 


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