Persona: Odim escrita por Kain Legado


Capítulo 2
Capítulo 2




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A verdade que se esconde por traz de tua verdadeira faceta deve ser revelada. Mesmo que um dia ela se perca no mar que há em tua alma, por cair no esquecimento de teu verdadeiro eu.

Pois a arcana é o meio pelo qual tudo é revelado

O sempre e confuso caminho da vida, aquele pelo qual pressionas vossos lentos passos. Andas sem um rumo fixo, pois andas olhando somente para vossos pés. Ai de um dia, alguém poder olhar para cima, olhar para o horizonte.

Nada há no horizonte, entretanto, ainda desejas vislumbrá-lo? Pois que assim seja. Há sempre um meio de apreciar o fim de tudo, "nós" podemos servi-lo. Entretanto nós mesmos desejamos um dia, poder finalmente, olhar para o horizonte.

1° Ato:

Espólios de Uma Batalha Perdida

"Eu sou tu, e tu és eu, ergo-me das profundas escuridões de vossa alma, para que assim, eu Uther, faça jus a alcunha dos Pendragons" A sequencia de palavras proferidas por mim durante o breve momento em que Uther despertou, continuaram a se repetir em meu sonho. Sim sonho... Uma benção para aqueles que tentam escapar da verdade do mundo humano.

Lentamente, um clarão foi me despertando para o mundo que tentava escapar, ou foi nisso que acreditei. Quando me dei por conta, abria meus olhos e via o que parecia ser o interior de um pequeno vagão de trem parado. Diferente dos vagões comuns, este era de um luxo extremo. Com um constante som de piano e ópera ao fundo, dando um toque especial aos bancos de couro azul escuro em cada extremidade, com pequenos armários de vidro guardando bebidas exóticas, e uma mesa de madeira preto escuro, fixa perto do banco, que notei estar ocupado.

Ali sentado, estava o que me pareceu ser um homem baixinho, de nariz pontudo e olhos arregalados, vestindo um estranho smoking, o que fez um calafrio descer minha espinha, olhando para uma pequena revista daquelas sobre o mundo oculto. Ele então moveu seus olhos lentamente da revista para minha direção, sem nenhuma pressa juntou as mãos em arco, chegando perto de seu queixo com elas, assim começando a falar comigo:

- Que surpresa, o que temos aqui, um convidado inesperado? Por favor, se introduza. – Falou enquanto girava a mão, deixando a palma para cima, apontando na minha direção. Não bastando o fato de aquilo tudo ser surreal, ele ainda falava com tamanha cordialidade. Eu fiquei sem palavras, somente o encarando com a maior cara de surpresa, que logo foi notada pelo estranho homem. - O deus, que indelicadeza de minha parte, não me apresentar primeiro. Eu me chamo Igor. E neste momento você se encontra na sala de veludo, um local atualmente sem destino. Por possuir a carta sel... – E de repente, sua voz sumiu, enquanto seu rosto passava de calmo para confuso. - Meu querido convidado. Vejo que você certamente possui traços da carta selvagem, a carta que permite a seu dono moldar seu destino como deseja. Porém estes traços parecem estar realmente fracos... Farei o seguinte, vou lhe oferecer um pré-contrato, algo sem grandes compromissos. – E com um estalar de dedos, um pedaço de folha de papel apareceu flutuando em sua mesa, na medida em que Igor pegou uma caneta de pena, para escrever no pedaço de papel. - Assinando este contrato, irei lhe proporcionar o básico necessário, para que você consiga trazer sua carta selvagem a seu estado natural. Caso não consiga, ele será simplesmente desfeito, irei torcer para que não o aconteça, pois devo dizer que será uma pena ver um convidado tão especial cair em esquecimento. Agora venha meu jovem, preciso de sua assinatura. – Terminou me estendendo a caneta de pena.

Eu não sei o que raios me deu, mas meu corpo se moveu quase que sozinho, assinando meu nome na folha, antes mesmo que eu pudesse ler por inteiro o contrato. Quando me dei por conta, Igor sorria ao ver o nome "Arthur Legado" na folha, em seguida me estendeu pela mesa, uma pequena chave dourada.

- Agora que temos um acordo, você será capaz de ir e vir até a sala de veludo, de acordo com sua vontade. Mas lembre-se que nosso contrato é limitado enquanto sua carta selvagem não se estabilizar... Estarei esperando pela sua próxima visita, Legado...

Novamente, como se tivesse vida própria, meu corpo se locomoveu até a porta do vagão, que abriu de modo automático, me permitindo sair, dali para um mar de infinita luz, que me cegou momentaneamente.

Como se tivesse finalmente acordado de um sonho, ergui meu tórax até então deitado na cama de meu quarto, e senti um enorme alivio ao notar que aquele era realmente o meu cômodo de repouso (quase) particular. Aliviado, estiquei meus braços para traz, na tentativa de manter meu tórax erguido com seus apoios. Mas foi ai que senti uma dor aguda, que me fez cerrar os dentes e soltar um urro de dor.

Aquilo definitivamente confirmava algo. O fato de meu braço esquerdo parecer estar sendo perfurado até seus ossos por mil agulhas, me fez lembrar o acontecido na arena. Rolei sobre o braço direito, deixando o esquerdo por cima do corpo, enquanto rangia os dentes devido à dor.

Creio que meu urro de dor, acordou alguém, pois ouvi sons de passos vindos pelo corredor. E com "alguém", me refiro a minha irmã mais velha, que nem bateu e foi entrando em meu quarto. Se fosse outra situação eu já estaria a forçando de volta pela mesma porta que viera, mas a dor me impedia de reclamar:

- Arthur! Tome cuidado, foi por muito pouco que você não quebrou seu braço esquerdo. – Me avisou do obvio, enquanto girava o meu corpo para ficar com a barriga para cima.

Eu sinceramente não sei o que deu em vocês dois! Saírem de suas casas a noite para serem atacados por uma gangue, vocês fazem ideia do quão preocupados todos ficaram! Faz ideia do que é ser chamada no meio da emergência para socorrer meu próprio irmão! Acho que poderia ser demitida por tamanha falta de ética que é tratar um parente de 1° grau...

Minha irmã continuou por aproximadamente quarenta e cinco minutos me dando sermões dos mais diversos. Mas algo não saia de minha mente, e quando ela finalmente perdeu todo o fôlego, eu perguntei:

- Com nós, você quer dizer eu e quem?

Quando falei aquilo, um profundo silencio se fez em meu quarto, minha irmã recuperou seu fôlego finalmente e olhou triste para baixo:

- Talvez você esteja sofrendo de amnesia pós-traumática, o que não me surpreenderia com a quantia de ferimentos que você possuía... Jéssica estava junto com você, não lembra? Mesmo aparentando estar em um estado bem melhor que o seu, ela se encontra atualmente em coma... E... – Vi uma enorme depressão se abater sobre o rosto de minha irmã. - E por algum motivo... Quanto mais tempo ela passa dormindo, mais ela parece morrer. Como se um parasita invisível estivesse sugando sua vida...

A palavra parasita fez a imagem de Yami surgir como um relâmpago em minha mente. A verdade é que por algum motivo naquele momento, eu não conseguia lembrar quem era essa tal Jessica... Soava-me estranhamente familiar, ao mesmo tempo em que fazia parecer haver uma série de buracos em diversos pontos de minha memória.

- Não se preocupe mana, eu tenho certeza que hora ou outra você vai conseguir dar um jeito. Você sempre dá um jeito! – Me esforcei ao máximo para parecer animado, para assim tentar alegrar minha irmã. Eu realmente não gostava de vê-la naquele estado, pois isso me lembrava de outro assunto, o qual prefiro não comentar.

- Obrigado Arthur... – Mesmo que meio falho, ela tinha se animado, um pouco. E como se tivesse se esquecido de algo importante, fez uma cara de pensativa, enquanto fazia um bico de pato, empinado os lábios. - Ah é! Tem uma pessoa aqui que quer falar com você Arthur, ela é a filha de uma amiga do colegial minha então olhe os modos hein! – Disse botando a cara mais séria que conseguia, saindo em seguida do quarto para chamar a garota.

Eis que então, entrou em meu quarto uma garota, levemente familiar, de altura media, com um cabelo loiro claro batendo em seus ombros, preso em um rabo de cavalo por uma faixa azul, mesma cor de seus olhos, pendendo uma pequena franja para frente, quase em cima das sobrancelhas. Vestindo o uniforme de meu colégio... E foi isso, que me fez lembrar quem era. A garota da 3° turma de 2° ano. Famosa por sua inteligência, diziam que ela fora capaz de vencer um mestre do xadrez aos sete anos, se tornando uma oficialmente aos doze, até então invicta neste mundo durante alguns anos, até subitamente largar de tudo, para se focar unicamente em seus estudos.

Eu fiquei sem saber o que dizer, ela não era nenhuma deusa em beleza como Yami havia sido para mim. Mas sua fama dava a ela certo ar de poder, dando a impressão que ela poderia te vencer a qualquer hora em qualquer coisa, em qualquer lugar.

- Arthurio? – Pronunciou de forma totalmente errada o meu nome, mas não fui capaz, ou ao menos, não me senti capaz de corrigi-la. - Você é uma pessoa de sorte. – Sorriu elegantemente. - São poucos aqueles abençoados com o poder de chamar a frente, sua verdadeira personalidade, ou deveria dizer seu PERSONA.

Demorei alguns segundos para assimilar o que ela acabara de dizer, Persona? O que era isso? Do que ela estava falando afinal de contas? E vendo minha cara de quem diz "Do que está falando sua louca", continuou:

- Na outra noite, você entrou no trono de uma das vinte e uma arcanas das sombras. Mais especificamente, no trono da arcana do amor sombrio. Que controla o coliseu localizado no colégio. Devo dizer que sua habilidade é tão magnifica quanto sua sorte. Conseguir evocar seu persona em forma primaria e sair vivo do local, um ato digno de méritos.

Neste ritmo não era meu braço que iria quebrar, mas sim minha mente que iria entrar em combustão. Muita informação em pouco tempo. Parecia que eu tentava estudar todos os conteúdos de um ano inteiro de colégio durante poucos dias sem pausa.

- Do que você está falando? PERSONA, o que é isso? – Por algum motivo, não conseguia remover do meu rosto a expressão que gritava, "do que está falando sua louca".

- Ahn? Persona, aquele que representa a tua verdadeira faceta, que representa quem realmente és. Uther Pendragon, rei da Bretanha. Primeiro e original utilizador da poderosa Excalibur, deixada em uma pedra para o futuro rei que formaria a Grã-Bretanha... Você nunca pegou em um livro de história não é? – Completou quando viu meu rosto de continua confusão.

Sacudi o rosto, fechei os olhos dando uma profunda respirada, me mantendo em silencio para pensar em tudo um pouco. Quando me senti calmo comecei a falar:

- Pai do até hoje famoso Rei Arthur, morto pelo filho bastardo Mordred, cria da fada do lago Morgana, vinda de Avalon, o lugar aonde agora repousa meio a muitos outros heróis da história... – Eu conhecia muito bem a lenda do rei Arthur, afinal era história medieval, meu período favorito. - Não estou confuso com história humana, mas sim com essa história de persona, admito que algo aconteceu lá. Mas como poderia Uther Pendragon ser minha verdadeira faceta? Um personagem de séculos passados. – Terminei desabafando e começando a ficar irritado pela confusão ainda presente e inacabável.

- Eu já disse. – Ela começava a mostrar traços de estresse, assim como eu. - É só uma "representação" do seu verdadeiro eu. Em outras palavras, é uma sombra do seu verdadeiro eu. Sombras são uma parte interna nossa, que muitas vezes negamos, e que para nos tornar mais fortes temos de aceitar! Assim como você fez naquela arena, há quatro dias e eu faço há anos.

Espera... Quatro dias atrás... Eu estava dormindo a exatos três dias inteiros! Como se fosse uma rajada de balas sendo disparadas, as palavras saíram de minha boca:

- Você estava lá naquele dia!? – Perguntei finalmente começando a assimilar tudo de uma vez.

- Sim estava. Não me ouviu dizer que o que você fez merece um mérito de honra?- Falou com uma expressão mista de confusão e irritação na cara, pois a seu ver eu não tinha parado para compreender as palavras que ela usara para definir PERSONA... Virei meus olhos para baixo, lembrando-me de como muitos humanos podiam ser.

- E você... Não fez nada... Para ajudar não foi... Mesmo possuindo um persona como eu... – Usei minha expressão que deixava claro que a raiva começava a transpassar por mim. - Eu já tinha ouvido alguns boatos sobre você. Bianca... A Inconsciente. - Pronto, se havia algum traço de simpatia em Bianca, ele se extinguira naquele preciso momento. Vi ela ranger os dentes e fechar o punho com força. - Parece que eles são verdadeiros. Você não é capaz de erguer um dedo para salvar alguém não é! – Falei, deixando mais claro ainda que estava irritado. - Você!

E lá fui eu, ações feitas que não podiam ser desfeitas. Ações que me renderam um segundo tapa no rosto em questão de poucos dias. Se isso fosse um jogo, eu estaria neste momento ganhando pontos de resistência, perdendo mais HP e saindo do estado berseker para o estado normal.

Repetindo a cena com Jessica, a qual vagamente voltava a minha memória, Bianca se virou e saiu de meu quarto, ao que me pareceu, sem chorar, enquanto eu voltava a me acalmar.

Pouco depois voltou minha irmã preocupada, e me xingando novamente por ter sido grosso com a pobre Bianca, que parecia ter ficado muito abatida. Diga-se de passagem, que duvido de tal fato.

- Você hein Arthur! Nesse ritmo vai morrer solteiro se tratar todas as garotas assim. – Ela não estava completamente errada, já era a terceira garota que devia me odiar agora. Se bem que não sei se considero Yami nesta lista... Tenho de ponderar sobre isto mais tarde.

- Ahf... Você hein... Bom eu tenho que sair. A previsão é que você esteja normal em questão de dois dias se não fizer bobagem, por isso fique na cama. Trindade prometeu que irá passar aqui mais tarde para te ver. Se quiser, tem comida na geladeira e almoço pronto no forno então, ciao. – Se despediu me dando um beijo na testa, o que me deixou um pouco vermelho e encabulado.

Comecei a pensar o que faria, assim que ela deixou meu quarto... E por fim, decidi que ler era minha única opção viável para uma mão só. Então nada de livros grandes, talvez fosse mesmo uma boa hora para ler aqueles "mangas" que Yessica forçara para que eu mantivesse, por não ter mais espaço no seu quarto para eles... "Yessica"... Isso mesmo era assim que eu chamava Jéssica... Outro bom sinal, minha memória parecia estar voltando.

A tarde foi passando aos poucos, depois de muita confusão, finalmente entendi que aqueles quadrinhos orientais se liam da direita para esquerda, o contrario do que estava acostumado. O sol já tinha sumido quando, ao me virar de lado, eu finalmente notei um pequeno cartão sobre minhas cobertas. Creio que minha irmã o tenha largado antes de sair, sem nem ao menos se dar por conta.

Analisei-o cuidadosamente. Era o cartão de uma cafeteria dentro de uma livraria. Daquelas que surgem aos montes e se popularizam logo entre os adolescentes. Meu pior tipo de temor, um loca abarrotado de gente, na maior parte, adolescentes de gosto duvidoso. Que são consumidos pelas frias mãos do capitalismo... Em suma, eu odeio lugares muito agitados, a escola já é suficientemente ruim...

Virei o cartão, e notei que na parte de traz havia um telefone e o nome Bianca Black escritos. Admito que começava a me sentir mal por ter feito aquilo com a garota, mas meu orgulho era muito grande para me deixar admitir tal fato, portanto pus o cartão na gaveta de meu criado mudo, que continha somente alguns velhos pertences que teriam de ser jogados fora, hora ou outra.

No momento em que fechei a gaveta, a campainha tocou, olhando da janela de meu quarto, vi que se tratava de Trindade. "Finalmente" pensei, já não aguentava mais ler aqueles "mangas" com tema de amor colegial que Jéssica amava tanto, e que a meu ver eram todos iguais. Portando, me apressei para abrir a porta, o que me rendeu mais dor ao corpo. Se ao parar durante a tarde fizera meu corpo se aquietar, ele tinha acordado de seu sono de beleza, gritando por atenção... Recebi Trindade com um aperto de mão típico para nós, me esforçando para não ranger os dentes.

- Até que em fim você apareceu, achei que tinha ido embora da cidade. – Comentei obviamente tirando sarro da demora em revermos um ao outro.

- Foi mal, apareceram umas oportunidades por ai, sabe como é que é.

Trindade, ou Nelson, como preferir, era um garoto na verdade dois anos mais velho que eu. Nos conhecemos oficialmente no dia em que ainda no 1° ano, eu e um grupo, que achava serem meus amigos, fomos emboscados por uma gangue que queria nosso dinheiro e pertences. Os covardes que hoje em dia nem olham mais no meu rosto por vergonha, mas que ainda são meus colegas, me jogaram como isca para poderem fugir dali. Foi ai que Trindade apareceu do nada, como lembro até hoje, dando uma incrível voadora no rosto de um dos membros da gangue que me cercavam, fazendo seu titulo de rei das ruas valer. Longa história em curta, depois daquele dia nós nos tornamos inseparáveis.

Mesmo sendo dois anos mais velho que eu, mas estando no mesmo ano que eu. Trindade não era nenhum "josnei". Com uma incrível tendência a gabaritar boa parte das provas, ele só rodara nos últimos anos, devido a um pequeno grupo de professores desgostosos com suas profissões. Felizmente este ano ele passaria, uma vez que estando comigo, nenhum professor ousaria tocar no amigo do irmão de uma das figuras mais respeitas na cidade. Leia-se minha irmã. Mesmo parecendo uma tonta, ela era famosa por suas pesquisas, que em muito contribuíam para o avanço da medicina, sendo indicada para uma série de prêmios todos os anos.

- Sim, eu sei. Mas não se preocupe, esse ano com certeza tu se forma! – Festejei com a proximidade do fim do ano. - E depois nos poderemos finalmente ir para a mesma faculdade realizar nossos sonhos! – Há tempos atrás tínhamos prometido ir para uma universidade local estudar o mundo da política. O plano era que Trindade controlaria as ruas da cidade, e eu o centro político local. Seriamos imbatíveis, haha.

- Claro, mas e depois? – Começou nossa já ensaiada apresentação.

- Depois, depois nos iremos dominar o mundo. – Falei com entusiasmo apontando para os céus. Só para lembrar que mesmo não sendo meu braço esquerdo, o direito ainda doía um bocado. - Ai... ai... ai... – Fui gemendo enquanto baixava o braço antes erguido. - Entra, tem café pronto para ser tomado. – Falei me dirigindo para a cozinha, deixando que Trindade fecha-se a porta.

Com Trindade por perto, o tempo sempre parecia voar. Ele me questionou sobre o acontecido, não por curiosidade, mas sim por estar preocupado comigo e com Jéssica. No inicio pensei em falar a verdade, mas... Eu mesmo tinha dificuldade em acreditar em tudo aquilo. Por isso inventei uma história muito meia boca.

Pelo fato de coçar a cabeça constantemente, denunciei que estava mentindo. Ele certamente sabia, e quando começou a mudar de assunto, sem questionar a história, lembrei-me das inúmeras vezes em que dissera para mim "Se não quer me contar não precisa". Se fosse um caso mais convencional, eu teria cedido na hora, mas isto era tudo menos convencional.

Quando vimos, já era passado das onze horas, Trindade checou o relógio de seu celular, e exclamou:

- Vem, abre pra mim que eu tenho que ir. – Frase típica, que eu já me acostumara a ouvir. Com maior prazer me ergui e fui com ele até a porta, e antes de ele sair uma duvida surgiu em minha mente.

- Ei me diga, pra onde vai agora? – Perguntei, esperando a resposta mais obvia do mundo.

- Pra lua maluco. Pra onde tu acha que eu vou se não pra casa? – Debochou com maior prazer da minha cara.

- Haha, tá certo então, vê se aparece ai quando der ok. – Falei abanando de longe, enquanto via-o sumindo morro abaixo.

Eu pretendia entrar para dormir, mas um impulso maior me forçava para fora de casa. Caminhando lentamente ladeira acima, cheguei ao seu pico da onde era possível ver toda a cidade. E novamente, exatamente a meia noite aconteceu. Primeiro o silencio profundo, e então o pavoroso som de uma sequencia de gritos, para então enormes paredes se erguerem pela cidade. Meu coração começou a bater mais e mais forte, aquilo era simplesmente impressionante. Toda cidade virara um enorme labirinto, e vendo de fora, pois aparentemente a área de minha casa quase fora da cidade não era afetada, contei ao menos quatorze divisões de cores nos telhados do labirinto.

Supus que às vinte e uma arcanas sombrias tinham o território delimitado por coisas obvias. Das quais eu consegui perceber que uma parte era: O colégio, o grande mercado público da cidade, a universidade, as piscinas públicas da cidade e por fim o grande prédio da prefeitura. O prédio da prefeitura era tão imenso, que ele saia pelo teto do labirinto, sendo a única estrutura visível em toda a dimensão da cidade coberta.

Olhei fixamente para o local que seria o colégio, agora a arena. Yami, eu tinha negócios inacabados com ela... E também sentia que era graças a ela, que Jéssica continuava desmaiada... Eu tinha que acertar minhas contas com ela logo que possível. Mas se fosse como da outra vez, que chances eu teria? O elemento surpresa seria, creio eu impossível, afinal ela parecia dominar todo o local, e um combate de frente, estava fora de questão, era pedir por uma morte certa levar mais um de seus ataques de modo direto. Se ao menos eu tivesse algum jeito de me defender... Não me restavam outras opções, teria de pedir ajuda.

A primeira pessoa que pensei foi Bianca, mas novamente meu orgulho pulou sobre minha cabeça. Pensei em seguida no estranho homem chamado Igor, ele tinha me dado uma chave, mas... E a porta? Onde ficava? Temendo por Jessica eu decidi finalmente engolir meu orgulho e ligar para Bianca do meu celular mesmo estando no meio da rua em plena noite. Claro que tive de esperar um bom tempo, sim eu tinha pressa, mas descobri que aparentemente durante o período que o labirinto se erguia, nada eletrônico funcionava.

Neste meio tempo voltei para casa, e quando meu celular ressuscitou, me surpreendi ao notar que ainda era meia noite! Ligando a TV, vi que ainda passava a programação da meia noite em ponto, era como se o mundo tivesse congelado por todo aquele tempo... Segui para meu quarto, e quando já tinha o cartão do café em mãos, liguei de uma vez por todas, antes que me arrependesse.

Foi ai que pensei em quem raios atenderia àquela hora da noite?! E se atendessem, era possível que ficassem muito irritados por tal ato. Eu já ia cancelar a ligação, quando alguém atendeu do outro lado.

- Boa noite, café Dama do Lado, como poderia lhe ajudar?

Bingo, eu estava certo, mesmo com o nome de Bianca escrito, aquele telefone não era dela, e sim do café.

- Ahh, alô, gostaria de falar com Bianca Black. – Tentei fazer minha voz estável, e não tremula como ela geralmente era com pessoas desconhecidas.

- Desculpe, a milady já se pôs a dormir. Mas ela deixou ordens especificas para caso você ligasse Sir. Arthurio. Ela pediu que comparecesse ao café logo que o sol nascer amanhã, para que possam tomar café da manhã juntos, enquanto discutem os detalhes do acordo. Então, peço licença, e desejo que tenha uma boa noite.

Eu não tive tempo para perguntar, nem para reclamar, tudo que passei a ouvir foi o som de ligação concluída. Meu ódio cresceu levemente novamente. Como raios ela sabia que eu ligaria, ela era uma vidente, por um acaso, nas horas vagas? E quem ela pensava que era para ficar me dando ordens, hein!? Bufando me joguei na cama, largando o celular programado para me despertar, no criado mudo.

Tentei descansar para a manhã seguinte, me acalmando aos poucos, enquanto ia caindo no sono. E como se fosse um baixar e erguer de cortinas, eu já estava caminhando no meio da manhã de um dia muito enevoado e frio.

2°Ato:

A Dama do Lago de Cristal

Usando meu sempre fiel sobretudo preto e um cachecol da mesma cor, suficientemente longo para deixar uma faixa que chegava a minha cintura pelas costas.

Parei na frente da extensa livraria, creio a maior de toda a cidade, que tinha o nome de "Dama do Lago" assim como o café. As portas estavam abertas mesmo àquela hora, e portando me sentindo convidado a entrar, atravessei suas portas de madeira branca adentrando o local.

Vi que tudo se dividia em dois andares, o primeiro era a típica livraria, com seus produtos bem espalhados e divididos por seções e categorias. E o segundo como pude constatar com a informação de um funcionário, era o café.

Subindo as escadarias de mármore branco que se localizavam no centro do primeiro piso, atingi o segundo patamar. Cercado por grades da altura de minha cintura, de uma cor prata, que certamente existiam por segurança e não beleza. O local era cheio de mesas de madeira marrom com elegantes cadeiras do mesmo material. Com um balcão de um lado e estandes para livros no outro.

Aproximei-me do balcão de pedidos, e vi um grande aviso feito à mão que dizia "Livros danificados serão cobrados!", o típico aviso para os descuidados que não pensam nas consequências como eu. Tocando a campainha de mesa, um homem asiático de no mínimo trinta anos apareceu, dono de um grande bigode ao estilo chinês e curtos cabelos pretos puxados para traz, ele usava um terno branco simples, com uma grava vermelha. Disse a ele que procurava por Bianca. Ele me pediu para aguardar um instante e sumiu pela mesma porta que viera.

Já havia se passado quase uma hora desde que ele se fora, entediado fui olhar a estande que havia do outro lado, para verificar uma interessante coleção de três volumes sobre a expansão cristã pela idade média. Foi quando ouvi vozes atrás de mim, e ao me virar para verificar quem era, vi Bianca, e outra garota não muito mais velha que nós, de altura similar a da minha irmã, de curtos cabelos ruivos e olhos castanhos escuro, usando um uniforme de empregada com avental branco que parecia de certo modo, pequeno demais para seu corpo levemente avantajado.

Cansado de esperar me dirigi até ambas, e antes de chegar perto à empregada disparou:

- Desculpe a demora de minha milady Sir. Arthurio, você deseja algo para beber ou comer enquanto conversam? – Eu fiquei fascinado pela garota, dona da voz que me atenderá na outra noite. Fiquei meio encabulado com o "sir." e já ia pedir um café preto quando Bianca disparou.

- Nos traga duas xícaras de chá de maçã, e alguns biscoitos. – Ordenou Bianca, pedindo o que possivelmente a agradava.

- Como desejar milady. – Foi o que a empregada falou antes de fazer uma leve curvatura, dando meia volta e saindo.

Bianca vestia uma pequena jaqueta sem mangas, de couro preto, fechado por grandes botões da cor ouro, por cima de algumas blusas, junto a uma calça de couro marrom apertada. Ela ficou me encarando por alguns instantes antes de começar a falar, como se esperasse que eu pedisse desculpas, algo que dificilmente aconteceria tão cedo.

- Venha, vamos nos sentar. – Sentando assim na primeira cadeira que viu, assim como eu fiz. - Eu sei por que está aqui Arthurio. Sua amiga não é?

– Achei que ela iria rir de mim por algum motivo, mas ela não o fez, assim eu ergui e baixei a cabeça para confirmar. - Assim como eu, você sabe que ela está internada em coma, e que se continuar assim vai morrer não é? – Mais uma vez repeti o movimento com a cabeça. - E também deve saber que não tem nenhuma chance contra a sombra que domina o trono não é? – Como se lesse minha mente, eu infelizmente tive de concordar novamente. - E por fim, quero que saiba... Que eu peço desculpas pelo que fiz ontem.

Eu já ia baixar a cabeça para concordar novamente, quando fui pego de surpresa. Bianca Black, a Inconsciente, pedindo desculpas!? Aquilo devia ser um tipo de bruxaria para fazer uma garota, daquelas, admitir seu erro. Ou na verdade... Uma ideia surgiu em minha mente, mas decidi deixar que ela falasse.

- A verdade é que... Eu não consigo evocar meu persona... Nunca pude. – Admitiu mordendo a unha do dedão. - Na noite em que você enfrentou a sombra da arcana do amor sombrio, eu nada poderia ter feito para te ajudar...

Então minha ideia se mostrou correta! Agora, eu entendia o que se passava. O que ela dissera ontem voltou a minha mente: "Sombras são uma parte interna nossa que muitas vezes negamos, e que para nos tornar mais fortes temos de aceitar! Assim como você fez naquela arena, há quatro dias e eu faço há anos".

Mesmo sendo um gênio, Bianca Black era nunca conseguiu aceitar algo de seu passado... Algo tão sinistro para ela, que a impedia de ser uma pessoa mais forte...

- E é por isso... Que você veio me procurar ontem, não é? – Começava a chegar à conclusão de que não era eu quem precisava de Bianca, mas sim o contrario. Era ela quem precisava de mim. O porquê, eu ainda viria a descobrir.

- Sim, precisamente...

Eu podia não ler seus pensamentos, mas notava que aquilo a machucava, ter de pedir ajuda a um estranho, por não ser capaz de resolver por si só. Era algo imperdoável para alguém que sempre conseguira tudo por esforço próprio.

- Uma vez que eu não sou capaz de por um fim a "hora negra" sozinha, eu fui até você, Arthurio Legado, para pedir auxilio. – Ela então virou os olhos para o lado, tentando evitar ainda mais constrangimento ao me olhar diretamente nos olhos. - Por... Por... Por favor... Me... Me... – Vendo o esforço que ela estava fazendo, decidi dar um fim a aquela situação.

Se antes eu sentia raiva por Bianca não ter me ajudado, agora ela sumira por completo. Sim, se ela pudesse realmente ter me tirado daquele problema com um persona, eu ainda estaria irritado, mas a verdade é que jamais pediria que alguém se sacrificasse por mim. Bianca nada poderia ter feito de um modo ou outro. Se entrasse em campo, poderia ter nos matado, uma vez que eu não teria sido capaz de proteger as duas ao mesmo tempo.

- Sim Bianca, eu aceito te ajudar a dar um fim a essa "hora negra", seja lá o que ela for. E em contra partida você me ajudara a salvar Jéssica. É um acordo certo? – Vi um sorriso surgir gradualmente em seu rosto na medida em que acaba de falar, e quando estendi minha mão, ela a apertou com vontade. Como se tivesse acabado de tirar um enorme peso de suas costas.

- Sim! Eu irei fazer tudo que for possível para salvar sua amiga!

Creio que ela notou que estava ficando muito alegre, então como se desejasse recuperar sua compostura, botou à mão perto da boca soltando um "hanhan", mudando para um rosto sério ela começou:

- A hora negra... Como posso lhe explicar...

Pelo modo que falou, era como se precisasse explicar uma teoria da física a uma criança. E para falar a verdade era mais ou menos por ai mesmo.

- O senso comum que temos, é que o dia na verdade é formado de vinte e quatro horas certo? – Sem hesitar por ser algo tão obvio, voltei a concordar com a cabeça. - Pois bem, na verdade, temos vinte e cinco horas. Eu sei, parece loucura, mas é verdade. Essa hora a mais que temos ao fim do dia, a chamamos de "hora negra"...

- Então você quer dizer que esse tempo que a cidade vira um labirinto, e que nada de eletrônico funciona é chamado de "hora negra" é... Admito que se não tivesse visto com meus próprios olhos jamais teria acredito em você... Sem ofensas é claro. – Completei notando que parecia duvidar do que ela falava. A última coisa que precisava agora era ter Bianca do lado oposto ao meu.

- Sem problemas... Mas como eu dizia, é nessa vigésima quinta hora do dia, que aquilo que chamamos de "sombras" aparecem. Eu não sei o que eles são ao certo, nem de onde vem. Tudo que eu sei, é que eles saem por ai "caçando"... – Ficando em silencio, ela deu margem para eu perguntasse.

- Caçando... O que exatamente?

- Pessoas.

Engoli em seco quando ela disse aquilo... Seres que saem à noite para caçar seres humanos. Parecia que aquilo tinha saído de um filme de ficção cientifica!

- Como assim? Quer dizer que eles literalmente saem por ai procurando por qualquer um que possam devorar, é isso? – Perguntei, desejando que não fosse o caso.

- Não. Não é bem assim que a coisa funciona.

Soltei um suspiro de alivio.

- Sim, as sombras atacam qualquer humano que acharem, mas há um porem nisto tudo. Durante a hora negra, são poucos aqueles que se mantêm "acordados"... Por algum motivo que ainda desconheço, antes da hora negra começar, as pessoas entram meio que em uma espécie de transe, elas simplesmente decidem "entrar" em alguma zona segura, para saírem das ruas durante a hora negra, voltando a elas depois. E por algum motivo que também desconheço o labirinto não engloba nada além das ruas...

Aquilo parecia surreal para mim, imaginar todas as pessoas indo para algum lugar como se fossem marionetes.

- Mas espere, eu estava no colégio quando a hora negra aconteceu. Ele não deveria ser um local seguro?

- Não necessariamente, há alguns pontos chaves na cidade. Eles dividem toda região entre o domínio das vinte e uma arcanas. Estes locais são escolhidos pela sombra mais forte de uma arcana para ser, creio eu, seu "trono".

- Então... A escola, ou melhor, a arena é um desses tronos?

- Sim, é o trono da sombra mais forte da arcana do amor. É o trono do amor sombrio.

Amor sombrio. Só de ouvir o nome, ele pareceu descrever a imperatriz Yami, que tinha um amor distorcido pelos demais, fazendo eles se degladiarem por ela...

- Yami... – Foi o que escapou de todo meu pensamento. - Como que Yami pode ser a sombra mais forte? Ela é uma humana como nós. – Por um instante eu quis acreditar que aquela não era a verdadeira Yami.

- Eu... Eu também não sei. É por isto que pedi sua ajuda para acabar com a hora negra. Mesmo que eu a vivencie há anos, eu não sei quase nada sobre ela... – Bianca mordeu novamente seu dedão.

- Milady, o seu chá. – Anunciou a empregada que vinha a passos leves, trazendo o que Bianca pedira. - Aqui está... – Ela então olhou para Bianca e viu que a mesma parecia irritada. - Milady! Aconteceu algo?

- Não Olivia. – Ah, então esse era o nome da empregada, já começava a me preocupar como iria me referir a ela caso precisa-se.

- Então o que a preocupa milady? É a hora negra novamente?

- Sim, me irrita desconhecê-la tanto assim... Se ao menos meu avô ainda fosse vivo...

- Seu avô? – Novamente as palavras pularam de minha boca sem minha permissão. Olivia se virou na minha direção, e com toda sua elegância começou a explicar.

- O avô de milady, era um renomado cientista. Tamanho era sua fama, que ainda novo, ele foi chamado para participar de um projeto no outro lado do mundo. Deixando sua família por quase trinta anos. Quando ele voltou, passado todo este tempo, ele parecia outra pessoa. Sempre se isolando de seus demais. Ele morreu há vários anos atrás... Durante há primeira hora negra que a milady presenciou...

- Aquele velho... Fazendo todos sofrerem com sua ausência... – Bianca pareceu se deixar ser levada para o passado por um momento, e quando voltou seguiu. - Na noite em que morreu a única coisa que ele nos disse, e continuou repetindo até falecer, é que agora já era muito tarde para impedir que o fim chegasse... O que ele quis dizer com "o fim" eu não sei. Mas estou decidida a entender essa história por completo, e acredito que no meio do labirinto esteja a resposta para tudo.

- Milady! Já falamos sobre isso... – Olivia baixou sua cabeça e me pareceu triste. - O que farei se você se for também como... Como... – Vi uma lagrima rolar pelo rosto de Olivia.

- Olivia...

Seguiu-se então um momento extremamente pesado. O homem que me atendera veio e levou Olivia para o que supus ser a cozinha, por traz do balcão. Bianca respirou fundo algumas vezes e como se sentisse obrigada a me dar uma explicação, a deu:

- No dia em que experimentei pela primeira vez a hora negra, eu e Olivia estávamos na área do cemitério com meu avô. Hoje em dia eu sei que lá é um dos tronos, o trono da arcana da morte sombria, mas na época não... A verdade é que não estávamos lá sozinhos... O irmão de Olivia e de Klaus, a pessoa que veio pegar Olivia há pouco, estava lá também. – Creio que ela se referia ao senhor de grande bigode, com Klaus. - O nome dele era Kuga... Ele foi a primeira pessoa que eu vi evocar um persona... No momento que a sombra que dominava o trono apareceu, ele nos protegeu com tudo que tinha... Mas morreu protegendo Olivia em especial. Ele defendeu com o próprio corpo o ataque que certamente teria tirado a vida dela...

Eu ouvi sem dizer uma palavra sequer. Eu sabia muito bem o que era perder um ente querido, e por isso senti compaixão por Olivia, que não deseja perder Bianca depois que perdera seu irmão. Tomei um extenso gole do chá, e comi uma bolacha.

- Entendo. É por isso que ela deseja que você não vá para o labirinto, durante a hora negra, não é?

Bianca ficou em silencio, concordando com a cabeça somente. Abri um sorriso, e falei antes de tomar mais um gole de chá. - Não tem problema, mesmo que pareça perigoso, você não precisa mais ir para o labirinto. Eu decidi que até você ser capaz de evocar seu persona, eu vou explorar o labirinto por vocês.

Pela expressão de Bianca, presumi que ela ficou surpresa com minha disposição em me expor a tamanho risco.

- Você realmente estaria disposto a tanto...? – Ela parecia quase aceitar a proposta, mas não cedeu. - Não. Jamais poderia pedir que alguém se ariscasse tanto. Por enquanto manteremos somente nosso acordo. - Fiquei um pouco triste, pois achei que ela certamente me apoiaria... - Mas... Se mesmo depois de tudo isso você ainda tiver essa ideia... Eu oferecerei todo o apoio que puder.

Passei de triste para surpreso, e em seguida para alegre. Creio que o motivo para tanta disposição, seria algo que eu e Bianca só entenderíamos daqui a muito tempo...

- Pois bem, vamos tratar de sua amiga, Jéssica, certo Arthurio. – Porque o nome de alguns ela falava corretamente, e o meu não?

- Antes disso. Bianca, você poderia parar de me chamar de Arthurio, Arthur está mais do que bom. – Tentei mais me impor do que pedir, pois senti que aquilo viraria um hábito dela. Ela ponderou por um pouco, e se decidiu.

- Não. Eu gosto de como soa o nome Arthurio, dá a impressão que se trata de um dos cavaleiros da távola redonda.

Justo em meu ponto fraco, a idade média! Tentei bolar algo, mas o que ela dissera realmente fazia sentido... Então em sinal de desistência, baixei os ombros e soltei um suspiro.

- Como dizia. Se não dermos um jeito em Yami, sua amiga poderá acabar morta cedo ou tarde... Precisamos bolar algo para vencê-la. – Entendi que ela queria ideias, mas eu nunca fui tão bom estrategista para começo de conversa. Mas no quesito experiência, eu fora o único a enfrentar Yami.

- Bem, do pouco que levei do confronto, além das inúmeras feridas. – Olhei para meu braço que estava quase novo em folha. - Foi à ideia de que ela consegue se regenerar, e tem uma incrível força.

- De fato, vi quando ela parou o ataque de Uther, e quando se recompôs depois de ser partida ao meio... Creio que ela deve ter uma fraqueza... Já sei – Bateu uma das mãos como se fosse um martelo na palma da outra. - Seus ataques diretos não surtiram grande efeito. Mas no momento em que você usou aquela explosão, acho que baixou em parte sua defesa... E naquele ataque, o finalizador... Havia algo de especial nele, além do nome? – Outra pessoa poderia ter rido pelo fato de eu ter gritado o nome de um golpe, mas ela parecia tão séria que não me senti acanhado.

- Hum... Acho que sim. Me senti muito cansado na hora que Uther o usou. Como se eu tivesse gasto uma grande quantia de energia para executar algo mais poderoso e custoso.

- Entendo. Um dos princípios básicos dos personas, é que como ele é você, qualquer ação que faça, acaba consumindo sua energia. Seja materializá-lo, usá-lo para atacar e defender... Mas voltando ao ponto básico. Acha que consegue executá-lo novamente?

- Sim, acredito que consiga se não estiver muito cansado. – Falei com a maior certeza do mundo. Era como se eu soubesse automaticamente o quanto isto iria me exaurir.

- Perfeito... Mas ela não será pega no mesmo truque tão facilmente, duas vezes... – Bianca certamente tinha boa cabeça para bolar estratégias, mas quando vinha de tratar com a reação de outros, era bem limitada.

- Ahn, para falar a verdade. Acho que se simplesmente for até ela, eu consigo vencê-la em um combate direto. Na ultima vez eu já estava bem cansado, e demorei um pouco para entender como manipular Uther. Se você me der um bom equipamento de proteção eu tenho quase que total certeza da minha vitória... – Eu estava incerto do que falava, mas tamanha era a pressa, que eu pretendia me arriscar ao máximo do necessário.

Se Bianca aprendera algo durante estes anos enfrentando pessoas mais fortes que ela, é que nunca devia subestimá-los. Mas dada há ausência de um plano imediato melhor, junto à condição agravante de Jéssica, ela cedeu. Fazendo-me prometer que iria usar Uther para recuar caso necessário. Combinamos que nos encontraríamos na frente do colégio próximo da hora negra, e então com um aperto de mão, fechamos nosso acordo de auxilio mutuo.

3° Ato:

O Lado Falho da Moeda

Já batia quase o horário de almoço, e temendo pelo que poderia estar me esperando em casa para a refeição, decidi parar para almoçar em um dos restaurantes ali por perto. Estava muito feliz com minha comida, até que alguém passou por mim, me encarando fixamente. Senti no mesmo instante, uma estranha vontade de vomitar tudo o que comia, quando meu estomago se contraiu em um ato de repulsão ao rosto da pessoa...

Luiz. "Um dos", como eu chamava os meus colegas traidores. Lembro-me claramente de que foi ele a me empurrar para o meio da gangue, para o ninho de cobras. Fiz como se não o visse, concentrando-me em meu nada mais apetitoso almoço... Mas ele não entendeu a dica, e de longe ficou me encarando. Nervoso, com a situação, me ergui e fui ao balcão pagar pela refeição incompleta, sem pegar sobremesa, algo que jamais tinha feito até aquele dia de minha vida. Mas por deus, eu devia ter algo muito chamativo em mim, pois ele ainda parecia me encarar de sua mesa!

Virando-me para sair, dei uma ultima olhada, e vi já longe, um rosto de surpresa em Luiz... Maldito, por mim ele podia ficar com aquele rosto de surpresa o dia todo se quisesse que eu não daria a mínima...

Tentando, inutilmente, apagar da mente a situação que acabara de ocorrer, eu decidi passear pelas ruas da cidade. Fui visitar uma antiga loja de livros, na qual eram frequentes as minhas visitas. E ao me aproximar da porta, notei que ela brilhava. Isso mesmo, em plena luz do sol uma porta brilhando em um forte vermelho escuro. Algo me dizia que aquilo CERTAMENTE não era bom. Mas depois de alguns segundos cedi à tentação da curiosidade, e pus a mão sobre a maçaneta dourada da porta...

Diferente do vagão, não foi uma intensa luz branca que me engoliu, mas sim, uma gentil escuridão. Senti um calafrio momentâneo no estômago e quando vi, estava parado no que parecia ser uma pequena sala, com as paredes forradas por um papel vermelho escuro, de uma boa iluminação vinda dos cantos do chão, no ponto em que ele tocava as paredes, o que não deixava a luz subir muito, dando o ar ideal ao local... Havia a minha frente uma mesa quadrada cercada por um sofá de couro preto, que seguia de uma parede a outra formando um U.

Sentado ali, a minha frente, com as pernas cruzadas em cima da mesa, estava um homem que me pareceu alto, vestindo uma jaqueta de couro marrom escuro desabotoada, por cima de uma camisa havaiana dos tons variando entre o vermelho e o amarelo. Com uma elegante calça jeans cinza claro e um par de sapatos da cor preta.

Ele parecia distraído lendo um jornal, que pelas letras supus ser de outro país, até que ao baixá-lo vi estar fumando um cigarro. Ele então o apagou em um cinzeiro discretamente escondido ao seu lado e como mágica, um pequeno copo de uísque surgiu em sua mão esquerda. Vi então que ele tinha um curto cabelo preto puxado totalmente para traz e olhos de cor esmeralda. Além de uma pequena, mas muito chamativa cicatriz, cortando a sobrancelha direita até quase perto do nariz.

Gangster é a palavra que me veio à mente para defini-lo. Ficamos em silencio durante alguns segundos, pois o olhar que ele me lançava indicava claramente que estava me descascando como uma laranja, para ver o que havia por dentro de mim. E quando se cansou, começou a falar pondo o copo de uísque sobre a mesa:

- Então, vai ficar parado de pé o dia todo, ou vai se sentar? – Questionou com cara de entediado.

Pensei aonde poderia sentar... Do lado dele... Não, obrigado. E como se estivesse cansado de esperar, ele estalou os dedos e eu vi meu corpo se mover sozinho, caindo em uma cadeira que não vira estar atrás de mim.

- Mas que!? – Exclamei, finalmente conseguindo falar algo.

- Você está em meu domínio garoto. Enquanto você ficar dentro da sala do condenado, eu posso fazer o que bem entender com você, Capisci¹? – Assustado, concordei com um movimento de cabeça, enquanto ele abriu um pequeno sorriso. - Great²... Estando aqui, isso significa que você não foi capaz de firmar um contrato com o velho Igor...

- Ahn... – Abruptamente interrompi seu discurso, fazendo com que ele desfizesse seu sorriso. - Na verdade... – Eu ia explicar a situação, mas ele, desta vez, me interrompeu com tom de irritado.

- Na verdade o que garoto!? Não temos o dia todo, FALE! – Notoriamente, ele não gostava de ser interrompido...

- EutenhoumcontratoparcialcomI gorporqueeunãotenhoumacartas elvagemcompleta. Hunf... Hunf... – Falei tudo de modo tão rápido, sem pausas, que acabei ficando sem fôlego por um instante.

- Ah... – O homem deixara de ficar irritado ao que parecia, e agora parecia pensar. - De fato é um caso muito raro, se não o único... Vamos garoto, me mostre sua carta de arcana. – Olhando seriamente para mim, ele estendeu sua mão direita em minha direção com a palma virada para cima.

Eu já ia questionar sobre o que ele estava falando/tentando fazer, quando senti um forte aperto no coração, era como se minha alma estivesse sendo puxada para fora de mim por uma mão invisível. Olhei para o homem, e senti que meu rosto passava um misto de terror e dor.

Foi quando algo dentro de mim falou mais alto... Como Uther havia feito na arena, algo dentro de mim falou:

- NÃO – Seguido da negação que sairá com uma voz quase demoníaca, o homem recolheu sua mão em um movimento súbito e abriu uma cara de espanto.

Passado alguns segundos, eu ainda estava bufando e suando. O homem desviou seu olhar de mim para o uísque, recobrando sua expressão de tedio, e em um único gole, tomou todo o liquido de cor amarelo queimado, em sequencia, respirando fundo uma única vez, e soltou todo o ar de seus pulmões calmamente.

- É por isso então que Igor só fez um meio contrato... – Abrindo um sorriso demoníaco, como se estivesse feliz, ele estralou os dedos, fazendo aparecer um pedaço de papel e uma elegante caneta preta a minha frente. - Pois bem, você me convenceu garoto. Farei um meio contrato com você, assim como Igor fez. A única coisa que irei lhe providenciar são os meus serviços, como guia para essa coisa que dorme em você... I'm sure³, você certamente precisara hora ou outra disto...

Antes que eu pudesse agir, ele literalmente me forçou a assinar o contrato com meu nome ao fim da folha. Depois de dar um leve sorrisinho novamente, me senti forçado a sair da sala, pela mesma porta. E antes que fosse embora, o homem falou como em um suspiro:

- Quando voltar... E você vai. Você pode me chamar de Loki, então até mais ver.

E com isto, me vi parado de pé, ainda suando e bufando, na mesma rua de antes. A porta ainda estava ali, mas a ultima coisa que eu desejava, era voltar lá para dentro com aquele... Aquele... Esqueci-me das palavras certas para descrevê-lo uma segunda vez. Mas seu nome, Loki, seria algo difícil de esquecer, mesmo que quisesse.

Torcendo para aquele ser o primeiro e ultimo evento surpresa da tarde, corri para casa na esperança de poder dormir um pouco até o horário combinado. E na medida em que o sono não vinha, eu vi o sol lentamente ir se pondo, até finalmente conseguir dormir.

Fim do Capitulo

...Mas a Guerra há de prosseguir...

Eterno Brilho / Infinita Escuridão

¹ Entende

² Ótimo

³ Tenho certeza


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