Além das Salvias escrita por AnandaArmstrong


Capítulo 2
Capítulo 2 - O Lobo


Notas iniciais do capítulo

Segundo... Espero que gostem.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/262429/chapter/2

Eu estou nas Ilhas Salvias há uma semana. As coisas parecem muito calmas por aqui, eu estou acostumada com a correria e o estresse da cidade grande, não com o silêncio à noite. Não em poder ouvir meus próprios pensamentos. Não em viver em harmonia. E não com uma casa alta onde eu posso me deitar no telhado e simplesmente apreciar as estrelas, como eu estou fazendo no exato momento. Elas parecem bem mais brilhantes e bonitas aqui do que em Manhattan, fora que a visão das estrelas aqui é muito melhor do que a de lá por diversos fatores como iluminação da cidade, poluição e etc. Mas isso não vem ao caso agora.

Fora a tia Eleanor, o único ser vivo que eu conheço daqui é o gato persa ruivo, Tan, que segundo ela, é fogo na língua celta. Certo, é bem diferente, ninguém coloca o nome de um gato Tan. E ele realmente parece ser feito de fogo, eu nunca na minha vida vi um gato tão alegre, intenso e caloroso como ele, que parecia ser o próprio fogo encarnado em um animal. Se bem que é duvidoso que ele seja realmente somente um felino, pois é extremamente mais inteligente que o normal. Mas assim como o fogo, ele deve ter seus momentos de fúria, e deve fazer um bom estrago, pois o fogo não é somente calor, vida e cores, o fogo também mata e destrói. Acho que eu não quero estar por perto quando ele ficar de TPM e resolver destruir uma cortina. Ri com esse pensamento, e imaginando a Tia Eleanor correndo pela casa atrás dele com um rolo de macarrão nas mãos. Definitivamente seria uma cena engraçada.

– Se você parar e prestar atenção é possível ouvir o barulho da água do mar. – Uma voz interrompeu meus pensamentos, e eu tomei um susto enorme.

– Credo tia, não chega desse jeito, eu nem te ouvi chegar. – Falei pondo a mão no peito e me ajeitando melhor nas telhas, pois eu quase caí. – Engraçado, eu estava pensando em você agora mesmo.

– Pensando bem, eu presumo? – Ela disse com uma sobrancelha levantada.

– Depende, eu estava pensando em você perseguindo a bola ruiva pela casa com o rolo de macarrão na mão após ele ter destruído as cortinas. – Dei de ombros e comecei a gargalhar imaginando a cena.

– Ora, não seja boba, eu não bateria no Tan com um rolo de macarrão por ter destruído minhas cortinas de renda feitas á mão por algumas artesãs tailandesas compradas em uma das feiras mais exóticas do Oriente. Eu o faria costurá-las todas novamente. – Replicou com um falso tom de ofensa e logo se juntou á mim, gargalhando tanto, que quase choramos.

– E é claro que ele realmente ficaria muito charmoso com uma agulha na mão e um chale de vovó sobre os ombros. – Comentei após as risadas cessarem, e nós só rimos de leve.

É tão bom ficar com a Eleanor, ela é completamente diferente do Kevin, meu pai e seu irmão. Ele tem quase dez anos a menos, mas parece ser mais velho. Vive sempre de cara fechada, sempre mal humorado e nunca sorri. Não faz brincadeiras, e também não as aceita perto de si. Têm seus raros momentos de carinho, mas eu só consegui arrancar um abraço dele em muito tempo. A tia Eleanor está na casa dos cinquenta anos, mais precisamente, cinquenta e seis, mas parece ter cinquenta. Cabelos entre um ruivo claro e loiro que estão misturados com alguns cabelos brancos, e com um corte sempre curto. Possui olhos acinzentados inteligentes e cheios de determinação, assim como o meu pai, e usa óculos de armação preta, com as lentes retangulares e finas, o que realmente realça seu rosto.

– É bom ver você sorrir, querida. – Eu simplesmente respirei fundo e sorri verdadeiramente. Esse é o tipo de coisa que os meus pais não notariam.

– Obrigada por reparar nisso tia. Por cuidar de mim e tudo mais. E não só de mim. – Minhas mãos imediatamente foram parar na minha barriga e uma sensação doce invadiu meu coração. Minha garganta parecia formigar de felicidade e meus olhos estavam se umedecendo, meu corpo estava se arrepiando e eu podia sentir vida vinda do meu ventre. Depois de muito tempo, eu estava reaprendendo a ser feliz de verdade, sem depender de nada e nem ninguém, só de mim mesma. Eu havia descoberto um dos maiores segredos da humanidade: Para ser feliz basta querer. Problemas são coisas que a sociedade inventou para te deixar pra baixo. Na verdade, são simples conflitos que precisam ser resolvidos, são situações que servem para te testar diante da vida e para deixá-la mais agitada. O que seria de nós sem os problemas? Nós não aprenderíamos. – Sabe tia, eu finalmente estou aprendendo a ser feliz de verdade. A verdadeira felicidade.

– Permaneça aqui, é o seu lugar, garota. Aqui é o seu lar. – Ela falou com uma voz firme que fez todos os pelos do meu corpo se arrepiarem mais ainda e um calafrio gostoso passar pela minha coluna. Nessa hora, o vento soprou mais forte e as folhas começaram a se soltar da árvore que estava do lado. Finas gotas de chuva começaram a cair, mas ao invés da temperatura diminuir, aumentou consideravelmente. Eu simplesmente fechei os olhos e comecei a sentir a ilha, ela estava viva. Ela falava comigo, me dava um conforto no coração e eu, por um momento, soube a verdade. Eleanor estava completamente certa.

Inclinei meu rosto para cima e senti os pingos de chuva colidir com o meu rosto fazendo uma massagem, ou talvez até uma carícia. Respirei fundo o cheiro de terra molhada que estava no ar e coloquei os dedos indicador e médio em minhas têmporas, massageando as mesmas.

– Talvez você esteja certa. – Meus olhos continuavam fechados. – Eu só quero um lugar onde ele possa crescer seguro, são e salvo. Eu quero criá-lo e poder contar a pessoa incrível que o pai dele foi, contar em quantas besteiras eu já me meti e poder apertá-lo contra mim e sentir o seu rostinho quente no meu, sua pele sedosa e macia sobre a minha, aninhá-lo no peito e ter certeza que ele vai ser uma pessoa muito melhor do que eu já fui um dia. É só isso que eu quero.

– Quem assim seja, querida. – Eleanor acenou com a cabeça e o silêncio reinou por muito tempo no recinto. As árvores, o vento, a chuva e o calor que emanava de nossos corpos dizia tudo, a natureza dava seu pequeno show para a pequena plateia e nós só aplaudíamos mentalmente enquanto refletíamos. Cada uma com as suas razões para tal.

– Sinto falta da Louise. – Proferi impulsivamente. – Acho que ela era a única pessoa que se importava de verdade comigo, bom, ao menos foi a única que me levou ao aeroporto.

– Relações familiares são difíceis de lidar, você costuma lidar com essas pessoas todos os dias e acaba desgastando. É complicado, ás vezes você só precisa de um espaço só seu, mas outras vezes você não quer espaço nenhum, nessas horas ele costuma atrapalhar muito. – Ela falava com uma calma e serenidade digna de um monge budista... Ou de uma pessoa muito vivida mesmo. Tia Eleanor viveu muitas experiências até para uma pessoa da idade dela, isso é notável no seu olhar. Não digo por sofrer, sabe? Quer dizer, sim, ela sofreu muito, mas ela é uma pessoa muito aventureira. Geralmente pessoas aventureiras tem esse olhar.

– Vamos parar com o assunto família e comer uma pizza? Acho que cansei de ficar trancada dentro dessa casa. – Respirei fundo, inspirando o cheirinho de terra molhada e sentindo a chuva engrossar. As gotas eram grossas e pesadas e caíam em cheio na minha face, nas minhas roupas e ao que parece, na minha alma. Um incrível paradoxo acontecia no exato momento, a chuva gelada que deixava o meu corpo cada vez mais frio e colava minhas roupas cada vez mais na minha pele estava acendendo novamente o fogo do meu coração. Já me disseram que a chuva faz milagres, pois é por causa dela que as plantas ficam nutridas, é nela que acontecem os beijos mais românticos, é nela que acontecem os encontros mais casuais, é nela que as paixões voltam á vida e as amizades se fortalecem. Mas acima de tudo... Depois da tempestade sempre vem o arco-íris. – Eu quero ser feliz. Sem me importar com ninguém, sem me importar com as casualidades da vida, com as artimanhas do destino e com as tristezas e desgraças. A vida é bela. Eu sei que eu já disse isso, mas, eu só cansei de tudo, sabe?

– É melhor sairmos agora, se não pegamos uma pneumonia. – Deu um sorriso compreensivo e eu o retribuí.

Nós descemos devagar o telhado até chegarmos ao alçapão que dava para o sótão, descemos a escada de madeira cuidadosamente, fechamos quando estávamos dentro e empurramos a escada de volta.

O sótão era um pouco empoeirado, possuía paredes beges decoradas com vários quadros de flores e outras coisas em um estilo bem vintage. O teto era baixo, por isso tivemos que nos abaixar um pouco para caber. No chão, várias pilhas de coisas que eu não conseguia identificar, pois estavam cobertas por um lençol branco. Mas o que mais chamou a minha atenção foi um espelho grande encostado na parede, era a única coisa que não estava coberta pelo lençol. Sua moldura era incrustada com pequenas pérolas, do tamanho de ervilhas, a estrutura era de uma madeira branca e parecia reluzir. Tinha um ar de antigo, de mistério e histórias trágicas de romance, mistério e assassinatos. No vidro do espelho, de junto das pérolas, estavam incrustados pequenas pedrinhas que pareciam ser cristal, pois ao bater luz, refletia em inúmeras cores diferentes. Era simplesmente divino, esplêndido.

– Esse espelho é de tirar o fôlego, onde você o conseguiu? Deve ter custado uma fortuna. – Comentei me aproximando dele, que refletia a minha imagem completamente nítida. Que espelho intrigante, a qualidade do reflexo é tão boa que parece que passaram-na no Photoshop.

– Em algum lugar da Europa, se bem me recordo. Foi de uma princesa muito importante, mas não lembro quem. – Desconversou e foi descendo as escadas que davam no corredor do segundo andar. – Desca logo! – Gritou quando já estava lá em baixo.

– Certo! – Gritei em resposta. Em seguida voltei meu olhar para o espelho. Para a minha imagem refletida na verdade.

Meus cabelos negros estavam um pouco abaixo dos seios, definitivamente grandes. Liso no comprimento e cacheado nas pontas, o sonho de quase toda garota. Acho que é por isso que as meninas me odiavam tanto no High School, não importa o que elas fizessem no cabelo, nunca ficaria igual ao meu, que ainda por cima é natural. Aproximei-me mais ainda do espelho até chegar ao ponto de eu quase poder ver os meus poros. Meus olhos verde-escuro estavam ligeiramente vermelhos, mas as olheiras ainda o acompanham e, eu presumo que não irão sair por um bom tempo. Mas até que não estão tão ruins assim, quer dizer, eu sou linda. E tenho orgulho de dizer isso. Ao contrário dessas garotas por aí que ficam dizendo que são feias e tudo mais, eu sou linda e admito isso. Acho que é o que me faz mais bonita ainda, e não é questão de ser metida e sim de autoestima. Digo, se eu não me achar bonita, ninguém mais achará.

Meu corpo é definido, mas eu sou meio magra. Quer dizer, meu corpo é definido, mas meus braços e minhas bochechas são meio “fofinhos” e os meus amigos (os poucos verdadeiros) viviam os apertando, diziam que eram macios e molinhos. Como elástico. Ri com essa lembrança, foram bons momentos.

Dirigi meu olhar até a minha barriga que estava levemente saliente. Levei minha mão até ela e a acariciei carinhosamente, sentindo meu corpo arrepiar por completo. Uma sensação confortável de torpor invadiu meu corpo e, depois de muito tempo, eu pude sentir a presença de Joseph comigo. Ele estava comigo, sempre esteve.

Levei meu olhar ao espelho inteiro e pensei ter visto alguma coisa atrás do lençol. Cheguei mais perto para analisar e pisquei duas vezes ao constatar que parecia o rosto de um lobo. Um lobo igual ao... Não é possível. Era igual ao lobo tatuado nas minhas costas. Exatamente igual ao tatuado nas minhas costas. A cara era branca, um cinza escuro misturado com branco e alguns pelos ruivos um pouco acima dos olhos e na juba. Os pelos que contornavam as orelha e uma faixa de pelos que iam do início até o final do focinho, bem no meio, eram ruivos. Pisquei novamente e esfreguei os olhos.

O lobo não estava mais lá.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Vish, iai? Será que a Clair está ficando doida? :O Comenteeeem :)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Além das Salvias" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.