Além das Salvias escrita por AnandaArmstrong


Capítulo 1
Capítulo 1 - Cigarros Amassados


Notas iniciais do capítulo

First chapter! Dedicado á Mona e Lily, as primeiras a lerem Misguided Ghosts até onde eu escrevi agora, á Strokes e Switchfoot por animar a minha vida e a de Clair, á Rafa e á Bruna por sempre me motivarem a escrever. Amo vocês s2



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Ás vezes eu me sinto como a Alice no País das Maravilhas.

Completamente perdida.

Eu sempre me questionei sobre quem eu sou, de onde vim e pra onde vou. Acho que todo mundo já fez isso algum dia.

 Algumas vezes a gente se sente perdido, completamente deslocado, e simplesmente segue a Lei da Inércia. Um corpo só entra em movimento até que uma força faça efeito sobre ele. É, eu sou assim. Nós simplesmente seguimos a vida do jeito que ela está. É mais confortável desse jeito, sabe? Mais fácil.

Acontece que um dia a gente cansa disso tudo, de viver na inércia. Se eu não tivesse desistido... Quem sabe se não eu teria seguido o destino que os meus pais queriam para mim? Ou estaria numa clínica de reabilitação? Nunca se sabe.

Gravidez precoce nunca é uma coisa que você possa se orgulhar nos dias de hoje. Por isso eu fugi de tudo que eu conhecia. Se não, eu seria julgada por essa gente cruel. O tipo de pessoa que fala mal dos outros, mas não quer ver que faz algo bem pior. Bom, eu consegui sair. Sorte a minha.

Eu nasci e cresci em Manhattan, vivendo uma vida boa e confortável financeiramente. Meus pais sempre trabalharam muito. Quer dizer, meu pai. Acho que a minha mãe nem sabe o que é trabalho.

O caso é que eu cresci sozinha com livros de contos de fada e amigos falsos que viviam a mesma vida fingida que eu. Todos sempre tivemos tudo que queríamos, era a forma dos nossos pais compensarem a falta que eles faziam. Compravam nosso amor. Isso nos tornou pessoas fúteis, mesquinhas e metidas. Depois a minha irmã nasceu nada mudou muito. Sempre foi muito reservada, e pela diferença de cinco anos entre nós, tinha suas próprias companhias. Apesar disso, somos boas amigas. O suficiente.

Acho que de todos nós, mais velhos, eu era a única que sempre pensou como as coisas seriam se não vivêssemos dessa forma, nessa realidade quero dizer. Cercados de dinheiro, vivendo pelas aparências e nos enterrando cada vez mais no fundo do buraco. Ás vezes eu penso como seria o mundo se eu tivesse escolhido meu livre-arbítrio mais cedo. Eu sempre fiz o que os meus pais queriam, não é como se tivesse muito poder de escolha. Todos sempre foram assim, honramos o nome da família. Até a Louise, minha irmã.

Até pouco tempo eu descobri que para consegui-lo é só entrar no mesmo jogo que os meus pais, não é algo muito difícil.

Quando nos tornamos jovens adultos, bom... Nada mudou. A não ser que começamos a frequentar festas e fazer coisas que não eram agradáveis nas vistas da elite de Manhattan. É claro que nenhum dos nossos pais sabia. Quer dizer, fingiam não saber. Seria um desastre se as famílias da elite de Manhattan admitissem isso, simplesmente uma catástrofe na mídia. Filhinhos de papai se drogando. E é por isso que o que papai não vê; papai não sente.

Uma vez eu havia ido a uma festa, foi nessa época que as coisas começaram a desandar.

Eu havia brigado feio com meus pais, novamente pelo mesmo motivo. A merda que está por debaixo do tapete. Por trás da aparência de família perfeita havia muitos podres, e muitos que eu não faço a mínima questão de saber. Louise sempre foi indiferente.

Meu pai tinha, ou tem, enfim, uma amante. E não uma, mas várias. Minha mãe sabia de tudo isso e permanecia quieta. Ela não gostaria de perder a boa vida que meu pai lhe proporcionava, uma traição era besteira comparada ao que a sociedade falaria se eles se separassem e todos soubessem o que acontecia por debaixo dos panos. Portanto que só ela soubesse, estava tudo bem. Ela não queria perder as idas à Gucci, Manolo Blanhik e Luis Vuitton todos os dias.

Mas aí eu descobri.

A partir de certa idade, eu comecei a desconfiar que havia algo de errado, mas não descobri de imediato. Mas quando descobri as coisas ficaram feias lá em casa. Sempre tive que me controlar, controlar minhas emoções e tudo mais, só que isso foi mais do que eu podia aguentar. Ver a minha família desabando dessa forma, a confiança e o amor descendo pelo ralo... Eu simplesmente não conseguia aguentar mais.

Então eu fui para um dos meus vícios.

Era um pouco mais de seis da manhã, a ressaca da festa. Pessoas jogadas nos sofás, no chão, várias seminuas, vômito para todos os lados, peças de roupas espalhadas pelo lugar,  restos de vários tipos de cigarro, uns mais recentes e outros já pisados por muita gente, e outras coisas que eu não conseguia identificar.

Eu realmente não queria ficar de ressaca, o que eu tinha certeza que viria mais cedo ou mais tarde, por isso eu escolhi continuar bebendo. Quanto mais tarde, melhor!

Eu realmente não sabia de quem era o apartamento, como acontecia na maior parte das vezes, mas estava tudo bem.

Tudo estava bem. É o que eu sempre digo a mim mesma.

Aliais, bem demais até para a pessoa que morava ali. Ela tinha um belo lugar.

A vista dali era realmente agradável. Era de frente para o mar, e este estava de um azul pálido, solitário e impenetrável. Reto, impassível e infinito. Muito diferente da vida, que é cheia de altos e baixos, reviravoltas, cambalhotas e acrobacias com direito a uma parada final inacreditável. Sempre instável e bagunçada, tempestuosa. Ela nos prega peças, nos faz de besta e nos surpreende por trás em uma bela manhã ensolarada de sábado.

A brisa batia no meu rosto lentamente, levando meu cabelo para trás e trazendo até mim um cheio nostálgico de mar e poluição. É uma sensação agradável até hoje, principalmente quando se está com um cigarro em mãos. Isso mata, eu sei, mas cada louco possui seus vícios, certo?

Esse era um deles.

Todos temos vícios. Não importa qual. Ou quem.

Foi nessa linha de raciocínio que alguém me interrompeu. Lembro que fiquei levemente chateada por isso, mas toda a chateação foi embora quando eu encarei aqueles olhos azuis da mesma cor do mar. Intensos. Ele não havia dito absolutamente nada, mas só sua presença já significava algo. Incomodava, ele tinha uma atmosfera de mudanças.

Pessoas preguiçosas odeiam mudanças.

Mas eu só queria ficar sozinha. Eu, meus problemas e o belíssimo Atlântico se estendendo até onde meus olhos não podiam alcançar. Era pedir demais?

- Vai continuar se matando? – Eu me arrepiei da cabeça aos pés. Tive que me esforçar um pouco para me lembrar do significado de indiferença.

- Fumando ou não, todo mundo morre um dia. É, acho que eu vou. – Respondi no mesmo tom.

- Nada melhor do que antecipar mais isso. – Eu me virei para ele e encarei seu corpo todo pela primeira vez. Era realmente muito atraente, o suficiente para ganhar a minha paciência, ou tolerância.

Ele acendia um cigarro. Era de cravo.

Que seja.

- Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço. – Murmurei ainda com o cigarro na boca.

- Todos nós temos vícios e virtudes. Estou tentando descobrir em qual deles se encaixa. – Riu pelo nariz. O vento batia nos nossos corpos e sibilava baixinho, como se estivesse pedindo ajuda. Ele pedia ajuda para aquela cidade perdida. A cidade de anjos e demônios, como podemos encontrar tanto o veneno quanto a salvação.

Ele era um anjo. Um anjo com asas cortadas, nenhum ser celestial tem malícia nos olhos. Não como aqueles olhos. Mas era perfeito demais para não ser celestial. E a sua voz, sonora, forte e parece que fazia todas as coisas em volta vibrar. Encarei seus olhos novamente, eram como um imã. Era impossível você somente olhar para ele. Era um olhar que lia sua alma, te fazia pensar em todos os pecados que você já cometeu. Isso realmente me assustou de início, mas era um medo agradável, eu não conseguia desviar o olhar e mesmo inconscientemente retribuía na mesma intensidade.

- “As grandes naturezas produzem grandes vícios, assim como grandes virtudes”. Platão – Falei mudando de posição para me sentar na bancada da varanda. Logo embaixo de mim estava o mar puro e limpo, contrastava com o ar extremamente poluído.

- Você vai cair. – Falou se sentando ao meu lado. Nós ficamos em silêncio por um tempo. Um silêncio alerta, interrompido frequentemente pelos sibilos do vento e pelos murmúrios do mar. Se nós pararmos de falar por um segundo, se nós só respirarmos fundo um segundo, tudo pode fazer diferença.

- Tenho problemas demais. – Dei de ombros. Talvez ele realmente tivesse razão, no fim, eu iria cair. No final das contas, tudo desaba.

- Todos têm problemas. – Ele começou a fazer anéis de fumaça, que se desfaziam em pouco tempo devido á brisa.

- Nunca disse o contrário. “Somos todos loucos por aqui. Eu sou louco, você é louca.” – Fiz uma referência á Alice no País das Maravilhas.

- “Como é que você sabe que eu sou louca?” – Ele continuou.

- “Você deve ser.” – Disse á ele. – “Senão não teria vindo para cá”

- Você provavelmente deve estar certa. Somos todos loucos vivendo em um mundo insano. Loucos internando sábios em hospícios e bêbados dirigindo um país enquanto lúcidos são donos de um bar. – E então ele gargalhou. Eu nunca tinha ouvido um som tão bonito em toda minha vida. Era contagiante. Não me restava escolha, senão rir junto.

- Nunca ouvi alguém dizer tamanho absurdo. Quer dizer, o Bob Marley disse uma vez “Nos chamam de loucos num mundo onde os certos fazem bombas”, mas essa é completamente nova.

- Uma coisa se deriva da outra, veja bem. – O moreno ao meu lado apagou o cigarro no azulejo da bancada onde estávamos sentados e o jogou no chão, junto com os outros cigarros pisados. – Donos de bar não podem ser bêbados, se não, como eles administrariam a bebida?

- Os bêbados iriam pegar tudo, nada restaria e lucro zero. É, faz sentido. – Repeti o seu gesto e joguei o meu no mesmo lugar. – Preciso ir para casa.

Pulei da bancada e olhei bem fundo nos seus olhos novamente. Talvez tenha sido meu maior erro.

Nunca esqueci esse momento.

Seus olhos eram intensos e me faziam querer pular em seus braços e o beijar como uma louca. Não era amor. Acho que nunca foi; não sei diferenciar essas coisas. Mas foi intenso, inegavelmente marcante.

- Te dou uma carona. Mora em Manhattan? – Quebrou o contato visual. Pulou da bancada e quando me dei conta já estávamos na porta de saída.

-Sim. – Dei o endereço e abaixei para pegar uma caixa de Sobranie ainda fechada no bolso do short de uma garota, que estava jogada ali perto. Ele me olhava com censura. – Que foi? Ela nem vai lembrar que tinha isso quando acordar. – Dei de ombros e saí, dando de cara com o elevador. – E eu realmente gosto desse cigarro, é meio difícil de achar.

- Só por causa da fumaça colorida. – Rolou os olhos.

- Clair. – Sorri para ele.

- Joseph.

Pisquei forte e senti a dor no peito voltar com tudo. Eu estava de volta á realidade. Dura e fria.

Assim como os cigarros amassados daquela madrugada.


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Notas finais do capítulo

É isso, quem não sabe o que é Sobranie, é esse cigarro aqui: http://socialnarguile.com.br/wp-content/uploads/2012/01/fumaca-colorida-cigarro1.jpg e http://www.cigars.com.au/site/DefaultSite/filesystem/images/CIGARETTES/Sobranie/Sobranie_Cocktail_pack_(md).jpg. Espero que tenham gostado, e COMENTEEEEM :D