Fight for the cure escrita por Pat Black


Capítulo 6
House of evil




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Puta merda. Marcos quase sussurrou ao abrir os olhos e ver a figura, como uma sombra agourenta, em pé no meio do aposento.

 

Por um momento, no limiar entre o sono e o despertar, imaginou que a vulto, a pouco mais de dois metros de onde havia se aconchegado, era um dos amigos. Mas a vida em um mundo dominado pelos mortos, e suas agruras ao longo daqueles meses até ali, lhe ensinou a discernir em poucos segundos o que era ou não perigoso. E, com certeza, todas as suas campainhas de alerta estavam soando ensurdecedoras em sua cabeça naquele momento.

 

Segurando a respiração Marcos segurou mais firme no cabo da faca, que sempre estava ali bem à mão, quando se atrevia a fechar os olhos, tentando a todo o custo não chamar atenção do ser agourento parado tão próximo.

 

Deixando que os olhos se acostumassem à luz difusa que adentrava no cômodo pelos vidros ainda intocados no alto das janelas, pôde, após alguns segundos, enxergar completamente o intruso.

 

A farda da polícia estava retalhada em muitos dos lugares onde o homem havia sido atacado. Manchas de sangue seco cobriam boa parte da camisa. E as feridas ressequidas, onde nacos de carne pendiam, eram tão profundas que podia com clareza, e àquela distância, ver o brilho obscenamente branco dos ossos.

 

Se perguntando em como aquele bastardo conseguira entrar sem que Meg desse o alarme, Marcos deixou que os olhos vagassem pelo aposento em busca dos amigos.

 

John estava no canto oposto à esquerda, Lisa e Sam estavam a pouco menos de três metros a sua direita, mas Lucy não estava onde deveria.

 

Com o coração aos pulos Marcos viu que o desmorto não dava mostras de tê-los percebidos, ali no escuro do aposento. E dava graças, pois percebia que o cheiro deles estava encoberto pelo odor pútrido que Sam usara na porta e nas janelas. O fedor empesteava o ar de tal forma que podia sentir o gosto na própria língua.

 

Marcos ponderou se deveria se erguer e atacar o podre agora enquanto tinha a vantagem. Porém, após olhar novamente na direção de Sam, percebeu o gesto discreto de negativa que ela fazia com o dedo em sua direção ao deduzir com clareza suas intenções.

 

O podre desmorto grunhiu batendo os dentes no que parecera a Marcos frustração. Do outro cômodo, entretanto, surgiu outra daquelas criaturas, como em resposta ao chamado do amigo e as duas figuras se dirigiram para fora do apartamento, juntas, em um passo lento e angustiante.

 

Foi nesse momento que Sam dera a ordem silenciosa, e tanto ele como John já estavam em pé, cada um dando cabo de seu monstro rápida e silenciosamente.

 

Devagar arrastaram os corpos para um dos cômodos vazios. E logo após se certificarem de que não havia perigo imediato, fecharam a porta com cuidado, retornando para a sala onde Sam e Lisa esperavam.

 

“Onde está a Meg?” Lisa sussurrou olhando ao redor ao ver os três maiores se entreolharem nem um pouco confusos após verificarem os mantimentos.

 

Sam se abaixou a altura da garota com um olhar triste, mas não menos focada.

 

“Ela nos abandonou Lisa. Mas isso não vai nos impedir de seguir em frente." Sam explicou com muito calma. "Vamos sair daqui agora e preciso que você não saia de perto de mim. Ok?”

 

Em um gesto de assentimento a garotinha balançou a cabeça energicamente.

 

Sam se ergueu encarando novamente os amigos para, logo após, tendo Marcos na retaguarda e John abrindo caminho, seguir apartamento a fora com Lisa em seus calcanhares, tendo a faca, de ponta de aço afiada e cabo de madeira mrcada com seu nome, bem segura a sua mão esquerda.

 

A pequena lanterna presa a camisa na altura de seu ombro iluminava parcamente as costas de John e parte do caminho à frente. Em John o mesmo aparato, um pouco mais potente, abria caminho entre as densas trevas com sua luz amarelada e fantasmagórica.

 

Na escuridão do ambiente, e com a pouca iluminação, distinguiam aqui e ali a bagunça no amplo corredor, com suas paredes manchadas, seu chão atulhado de todo tipo de quinquilharia, mas nenhum corpo, apesar do sangue.

 

Ao pensar na ausência dos corpos Sam lembrou-se do caminho até Atlanta. No cemitério a céu aberto que encontraram em um trecho da estrada, com seu mar de carros, suas poças de sangue seco e, o pior, o mar de corpos ressequidos a jazer lúgubres e tristes no asfalto quente, ou dentro dos veículos.

 

O cheiro nauseante naquela parte da rodovia lhe recordou um pouco o abatedouro do avô, que uma vez visitara na infância, com todos aqueles porcos pendurados e estripados, antes de serem tratados, lavados e levados para as câmaras frigoríficas.

 

Ao desviar por entre os veículos, com todo aquele silêncio que se instalara no carro em que estavam, havia pensado, olhando para alguns dos corpos, simplesmente ali, findos, sem marcas aparentes de traumas ou tiros na cabeça, falecidos, apenas mortos, como de fato deveria acontecer em um mundo imperfeito, mais real, no por que não puderam descobrir uma cura, se nem todos se tornavam aquelas coisas no final.

 

Por que assim como Lisa, nem todos se tornavam naquelas coisas após a morte. Nem todas as pessoas retornavam após serem mordidas ou simplesmente morrerem. Claro que nunca acontecera algo como Lisa, mas, de alguma forma, muitas pessoas estavam livres de se tornarem desmortos.

 

Concentrando-se no presente se encostou à parede quando John sinalizou. Por entre a luz difusa da lanterna pode divisar o início das escadas e constatar que não havia nenhum podre ou fresco por perto.

 

Devagar desceram às escadas em dois lances, até que,  no primeiro andar se depararam com dois deles. Estes logo se viraram e os atacaram, alertados pelas luzes que brincaram lúgubres nas paredes ao fim dos degraus.

 

Lisa deu um grito estridente ao divisar as duas criaturas, em um ato reflexo, natural de sua pouca idade e muito em razão do trauma anterior, e recente, de já ter estado entre as mãos mortas de dois deles.

 

Receoso de que mais pudessem chegar antes que tivessem livres daqueles dois podres, John atacou o primeiro e o derrubou sem nem ao menos pestanejar, e Sam cuidou do outro em um golpe rápido e certeiro.

 

Sentiu, mas do que realmente soube, quando Marcos, para lhe dar mais liberdade de movimentos, puxou a garotinha para longe do raio de ação. E livre do receio de colocar a menina em perigo, Sam se acercou do podre novamente para acertar mais dois golpes em sua cabeça, por precaução.

 

O silêncio que se seguiu foi cortado pelos rosnados acima de suas cabeças. Sem pensar duas vezes todos começaram a descer as escadas com rapidez, apenas retardada pela ameaça de encontrar mais deles à frente.

 

Pouco a pouco foram se aproximando do térreo, para deterem a carreira ao se depar com mais alguns deles que, também atraídos pelo grito, se aproximavam no passo mais rápido que podiam, subindo do térreo para o primeiro andar.

 

John abriu caminho pelo corredor acertando dois deles antes que se aproximassem mais. Enquanto Marcos e Sam derrubavam mais quatro que surgiram do andar superior. John, após dar cabo dos desmortos, começou freneticamente a testar as fechaduras das portas em busca de um lugar em que pudessem se esconder, ou pelo menos se barricar, até encontrarem um meio de escapar daquela casa do mal.

 

No extremo esquerdo do corredor uma das portas por fim cedeu e John se viu diante de mais um lance de escadas. Divisando ali uma saída gritou pelos amigos enquanto puxava Lisa para dentro e verificava se estava limpo e seguro.

 

Sam acertou a cabeça de uma fresca mulher que havia caído após um golpe de Marcos. Livres dos quatro desmortos, e no silêncio que se seguiu, os grunhidos do andar inferior e superior se tornaram mais distintos. Uma peuqena horda estava a caminho e não seria prudente permanecer naquele prédio por muito mais tempo.

 

“Vamos” Sam sussurrou para Marcos enquanto se dirigia para o aposento onde John e Lisa os esperavam.

 

Travando a porta com uma das correntes e cadeados que faziam parte de seu arsenal, começaram a descer as escadas com cuidado. O caminho era estreito, o que só permitia que andassem em fila indiana, com John à frente e Sam na retaguarda.

 

A porta de aço no fim dos degraus estava travada pelo lado de fora e no minúsculo vão onde os quatro se espremiam os três mais velhos precisavam tomar a difícil decisão de voltar ou tentar abrir a porta com alguns tiros, que certamente acarretariam em que mais deles soubessem que estavam no prédio. E, o pior, onde estavam.

 

Sam por fim pediu que Marcos e John subissem com Lisa para a bifurcação na escadaria e, mirando de uma posição e distância segura, atirou contra a fechadura com precisão e calma.

 

Quando a porta foi aberta, os quatro correram para fora com a precisão de quem sabia o que deveriam fazer. Ao iluminar o local com suas lanternas perceberam que estavam no subsolo, em um estacionamento.

 

“Aqui” Sam chamou ao avistar a sala da segurança alguns metros à esquerda.

 

Com os amigos montando guarda do lado de fora Sam invadiu o cubículo em busca de uma chave qualquer que servisse em um dos veículos estacionados no local.

 

Apesar da bagunça ao redor descobriu em uma das paredes um armário onde algumas chaves ainda estavam penduradas. Agarrou todas e olhou em volta em busca de mais alguma. Dando-se por satisfeita e sabendo que tinham demorado demais parados ali, saiu em busca dos amigos.

 

Do lado de fora passou algumas chaves para o Marcos e juntos começaram a apertar as travas dos alarmes antifurto nas chaves para identificar um veículo.

 

O barulho característico de um alarme sendo desligado soou ao longe e Sam apertou novamente o botão para saber onde estava. No fim do corredor, atrás de um portão, travado a meio metro do chão, as luzes de uma minivan acenderam e o barulho se ouviu novamente.

 

Os quatros correram para lá a toda, com Marcos carregando Lisa no meio do caminho. Devagar se abaixaram e atravessaram o portão, para logo depois ouvir o barulho surdo e arrepiante daquelas coisas esmurrando a porta da escada, do caminho que haviam passado.

 

Depois de verificarem se o veículo era seguro, entraram, e Sam, que apesar de John ser um ótimo mecânico, era a melhor motorista, tentou dar a partida algumas vezes sem sucesso.

 

John nem precisou que ela ordenasse e já estava do lado de fora com Marcos e Sam montado guarda, levantando o capô para analisar o problema.

 

“É a bateria. Está fraca.” respondeu a pergunta que nenhum dos outros tivera coragem ou tempo de fazer.

 

“Havia uma van lá atrás.” Marcos falou já caminhando em direção ao portão, se deitando, rolando e atravessando para o outro lado.

 

Sam o seguiu e John ficou de guarda no veículo cuidando para que nenhum desmorto aparecesse do túnel a frente que parecia ser à saída daquele lugar, enquanto Lisa se abrigava dentro.

 

Marcos se aproximou a toda da van vermelha no canto esquerdo. E, na urgência do momento, começou a tomar providências para abrir o capô e retirar a bateria, que esperavam, estivesse boa para uso.

 

Quando o capô abriu em um baque, um estrondo maior se fez ouvir da saída das escadas. Na luz difusa da lanterna puderem ver vários deles se aproximando, uns mais rápidos e outros lentamente.

 

“Marcos!” Sam gritou dando o primeiro tiro, que arrebentou a cabeça de uma desmorto fresco que abria caminho em direção ao amigo.

 

Marcos tratou de puxar a bateria e correr em sua direção.

 

Devagar e em sincronia ambos começaram a percorrer o caminho em direção ao portão.

 

Sam ainda se virou algumas vezes para acertar um ou dois, mas eram muitos.

 

Inesperadamente um deles saiu das sombras a sua esquerda e só houve tempo para Marcos agarrá-lo e cair com ele preso ao seu corpo alguns metros longe de Sam.

 

Apanhando a bateria que o amigo deixara cair Sam deu mais dois tiros em direção a horda de desmortos e fez menção de ajudar o Marcos que lutava com o bastardo.

 

“Não, não, não.” Marcos gritou para ela segurando a cabeça do fresco antes de enfiar a faca por baixo de seu queixo até atingir seu cérebro. “Vai Sam. Vai.”

 

Percebendo que Marcos já se livrava do fresco e se erguia, Sam pensou na missão e correu em direção ao portão, passando primeiro a bateria para John, para logo depois rolar e sair do outro lado.

 

Enquanto John cuidava do veículo, Sam começou a atirar em cada um dos frescos que se aproximavam do portão, tomando o cuidado para não confundir Marcos com nenhum deles.

 

Quando o som do motor da minivan estrondou atrás de si uma mão agarrou o seu braço, e Sam se viu frente a frente com a face ensangüentada de Marcos.

 

“Vem.” Ela pediu mirando com uma automática e atirando em um podre que se aproximava pela esquerda.

 

“Não posso.” Ele respondeu.

 

“Atravessa logo essa porra de portão Marcos.” Sam gritou com lágrimas subindo aos olhos ao compreender o porquê da negativa, mas incapaz de aceitar.

 

“Fui mordido.”

 

“Não.” Sam deixou a negativa escapar em som estrangulado, sofrido.

 

E dando mais um tiro em direção aos podres que se aproximavam em um passo lento, Sam sentiu a mão de Marcos deslizar pelo seu pescoço e subir em direção ao seu cabelo preso, para soltar as mechas escuras e pesadas, deixando que seus dedos se emaranhassem entre seus fios.

 

“Sempre quis fazer isso.” Ele sussurrou com todo o amor que sentia pela garota.

 

“Marcos.”

 

“Por que não me pediu para lhe encontrar no estoque naquele dia, Sam? Por que o John e não eu?”

 

Sam sentiu o coração despedaçado ao compreender o porquê da pergunta. E ao encarar aqueles olhos fundos e cheios de amor por ela, não pode responder que o amava, mas nunca da maneira que ele desejava.

 

Mas Marcos sabia. Sempre soube. E, naquele momento, vendo as lágrimas que ela não conseguia esconder, sentindo a maciez da sua pele e de seus cachos em sua palma, soube que não se importava com a resposta. A amava e isso era o bastante. Sempre seria o bastante.

 

“Adeus Sam.” Sussurrou docemente.

 

Ele se afastou do portão, e Sam viu a figura do amigo sumir nas sombras, para depois ser iluminada aqui e ali pelo clarão dos tiros que dava, até que, com a última de suas balas, ele se foi, para sempre.





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