Jogos- A Minha Batalha Começa escrita por Fran Marques


Capítulo 21
Aliado e ladrão




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/262085/chapter/21

Observei aquela sombra ágil escapar com meus objetos. Estava quase alcançando o corpo de Kahinan. Cheguei tão perto que poderia simplesmente esticar a mão e puxar seu cachos, mas eu não fiz isso. Girei meu corpo e junto com ele meu pé, Kahinan caiu de cara no chão depois de minha perna dar uma rasteira nele. Pressione meu braços sobre os dele e meus joelhos sobre suas pernas, virando ele de cabeça para cima.

Encarei aqueles olhos verdes, mas ele não estava com medo.

Ele riu, apesar de eu não conseguir retribuir.

Não consegui falar. Ainda doía o fato de Adam ter se juntado aos carreiristas. A imagem da Anne permanecia em minha mente. Ela não era uma garota feia, ela tinha a mesma idade de Adam e era mais bonita que eu em todos os sentidos. E se...- Kahinan interrompeu minhas preocupações.-

–Ahh Florence, vai me ajudar a levantar ou não?

Desarmei meu corpo e me levantei, pegando minha soqueira e a examinei. Como disse, não era uma arma normal, não era uma soqueira normal. Os idealizadores deram um presente para o tributo que pegasse aquela arma. A sorte estava a meu favor.


O garoto do sétimo levantou e se posicionou, juntando um arco e a aljava que tinha conseguido na Cornucópia.

–Porque pegou as minhas coisas? – perguntei -

–Porque assim era mais fácil fazer uma aliança com você. Somos aliados agora, pode ser?

–Pode. – falei meio duvidosa. Não tinha aquela confiança nele, mesmo sabendo que ele não me faria mal. – O que é aquilo? – perguntei apontando para uma caixinha de metal no chão. Kahinan foi em sua direção e a pegou, virando ela para cima.

–Na correria do banho de sangue eu peguei ela... aqui diz... kit de primeiros socorros.

Kahinan abriu ela e espalhou pela neve branca os objetos que continha. Ambos ficamos observando tudo o que conseguimos.

Comecei a anotar mentalmente tudo que tinha dentro da lata. Um lápis (inútil), bandeide, balas (inútil, óbvio), uma joaninha, fósforos (não iremos usar em hipótese alguma), uma lâmina, um anzol, remédio, sal, uma bússola e corda. Peguei o lápis e estava a ponto de jogá-lo longe quando percebi, apenas parecia um lápis. Meu coração palpitou de súbito, mas então percebi que era apenas uma caneta. Ótimo.

–Então?? O que vamos usar aqui?? – perguntou Kahinan –

–Bala e lápis-caneta, inútil. Eu quero ficar com o pote. – avisei -

–Um pote? – perguntou ele –

–Sim, sabe com grande criatividade e um mentor cego, você acaba descobrindo muito sobre potes. - falei, o que provavelmente sairia como algo engraçado, mas minha voz carregada de triztesa não permitiu -

–Ah, é mesmo, o seu mentor é o ceguinho.

–Ele tem um nome. - sibilei com raiva -

–Verônica falou muito sobre ele, Piscki ajudou ela a vencer os jogos.

Eu olhei para ele, abri os lábios para perguntar como mas assim que as palavras iam sair ele respondeu minha pergunta, sem mesmo ter sido feita.

–Eu também não sei como ou por que.

Retirei meu casaco e depositei a zarabatana em minha coxa, ela descansava na bainha. Tamborilei meus dedos pelo tudo de metal prateado e coloquei a soqueira afiada em meu cinto. Tapei tudo com o casaco. Meu aliado se arrumou e enfiou tudo nos bolsos, junto com o pote, como eu pedi.

–Vamos para onde? – ele perguntou –

– Abrigo. – respondi, incapaz de formar frases com os pensamentos pesados.

–E água?

Eu olhei para Kahinan como se ele estivesse brincando, realmente aquela pergunta era desnecessária.

–Gelo. – respondi uma única palavra e ele riu da pergunta boba que tinha feito, eu o acompanhei.

Subi em uma árvore para verificar a área. Um vulcão, bem no centro da arena, nesse momento ao norte de nossa localização, dois lagos, no meio da floresta, com uma vasta área de gelo até chegar á água congelada. “Peixes”, temos um anzol, mas eliminei aquela idéia imediatamente quando pensei no tempo que levaria para quebrar o gelo e pescar um peixe, já estaríamos mortos. Ao centro do lago, tinha uma ilha, mas apenas um dos lagos a possuía. Algumas construções velhas se espalhavam por clareiras que respingavam na floresta de árvores nuas. Aonde estávamos, as árvores começavam a ganhar muita folhagem, perfeito lugar para dormir.

– Aqui é um lugar perfeito, vai nos proteger dos animais, a folhagem nos aquece e protege da neve e também fornece camuflagem. Perfeito. - comentou ele -

Era extremamente estranho ver Kahinan subindo numa árvore. Ele era grande e forte, ou seja, eu não conseguia imaginar como a árvore iria agüentar. Eu subi em uma árvore perto da dele e nós nos amarramos com a corda do kit de primeiros socorros.

Já começava a escurecer e não tínhamos nada a fazer além de dormir e recompor as energias. Estava bem claro que nenhum de nós dois tinha dormido na noite anterior em causa das preocupações e do nervosismo.

Apesar de saber que Kahinan estava em uma árvore tão próxima a minha que esticando o pé conseguiria passar para o meu galho, eu me sentia só. Só como nunca.

Ali estava o garoto que você amou, matando como um assassino. “Ah , não se importe com isso, Florence. No final todos nós nos tornamos assassinos. Você não foge do grupo ‘todos’ ”.

Conseguia ver Kahinan olhando fixamente entre os galhos para o céu e esperando o hino da Capital, logo seguido pela lista de mortos. Ele esperava pacientemente, mas eu encarava aqueles olhos verdes. Ele tinha alguma coisa de estranho. Ele escondia algo, mas parecia ser um bom segredo.

O hino que eu tanto odiava começou a soar pelos campos silenciosos que apenas pareciam vazios. Eu tapei meus ouvidos, e comecei a fazer “lalalalalala” baixinho, parecendo uma criança que não queria escutar os xingamentos da mãe.

O hino parou e uma série de rostos apareceram no céu. O garoto do 3, Leo, estava morto. Era o garoto de bochechas rosadas e dentes grandes. O garoto do 6, Pietro, de pele morena e cabelos impossíveis de arrumar, tinha morrido.

Do 6 pulou para o 8, escutei um suspiro de alívio vindo de Kahinan nos galhos próximos de mim ao saber que Renata não estava morta. A garota do 8 morreu, Insan, ela tinha cabelos encaracolados morenos e olhos verdes, seu nariz era fino, igualmente como seus lábios rozados. Ela era de uma beleza estravagante que eu sabia que Adam iria observar seu rosto atentamente. Os dois tributos do Distrito 9 tinham morrido, igualmente como o garoto do distrito 10, Dillan. Do distrito 10, pulou diretamente para a lista de mortos do 12, que incluia Nilham bachinha de cabelos morenos e sombrancelhas grossas.

Adam não estava morto, muito menos Giulli, que por razões inexplicáveis tiha fugido do assasino que já foi meu namorado.

As imagens do sangue e os corpos sem vida espalhados pelo gelo frio me marcaram, mas eu não deixava de pensar em Adam. Ele matou por matar. Matou porque era um assasino, o que breve eu me tornaria. Pensei nele descansando em uma caverna quente, ou mesmo abaixo das sombras das árvores junto com os outros carreiristas. Vi Anne, a garota dos olhos grama, o garoto alto e loiro do Distrito 1, a menina de sombrancelhas juntas, pele morena e cabelos macabros junto com o menino alto do Distrito 2 de cabelos negros e olhos azuis e vi um garoto de 16 anos, alto, musculoso conversando com eles enquanto sorria. Eu queria chorar, mas se alguém estivesse próximo de mim, a minha tristeza poderia significar a minha morte. Adam poeria estar ali comigo, mas não estava, ele escolhera outro lado. Que assim seja.



Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!