Acordei com uma dor de cabeça que nem aguentava! Só de levantar já sentia náuseas.

Fui me arrastando até a cozinha, sem qualquer percepção do meu entorno. Como não trombei com ninguém e nem vi qualquer vulto, assumi que não estavam na casa. De todo modo, entrei na cozinha lentamente, sentindo o aroma de café como motivador para andar um pouco mais depressa. Mesmo assim, mantive minha postura de jabuti, por pura preguiça.

Vasculhei os armários a procura de uma xícara. Estava tudo tão arrumado e quebradiço que tinha medo de avançar minha mão. Se ativasse o efeito dominó da louça, poderia não só me machucar como atrair alguém para cá. E não queria conversar. Não queria nem pensar na ideia de trato social da forma em que eu estava. Só queria tomar meu café e esperar a dor de cabeça passar...

Tinha conseguido vencer o obstáculo de porcelana e retirado uma caneca, intacta, de seu sono profundo. Recheado de felicidade, despejei o líquido preto da garrafa térmica. As fumacinhas que saiam dali já me deixavam ansioso para beber. Impaciente, contentei-me com o que já tinha despejado e comecei a beber, ali mesmo, apoiado na pia, meu precioso café.

Não estava delicioso, de fato, mas o líquido quente atravessando minha garganta parecia encher meu corpo de forças, mesmo com aquela enxaqueca. Por um segundo, o mundo ficou tranquilo e receptivo para minha melhora.

No segundo seguinte, escutei a voz de Meiko:

— Makoto Kimura, nós precisamos conversar.

♥

— Kagamine-kun! - uma mão me balançava insistentemente - Kagamine-kun, acorda!

Abri os olhos por impulso. E já não acreditava no que estava vendo. Como o Shion-kun tinha a coragem de aparecer na minha frente depois do que falou ontem?!

— Olha, Kagamine-kun - começou ele - me desculpa, eu...

— Ah, não gasta palavra não, Shion-kun - nem tava acreditando! A raiva que eu tinha dele me deu coragem... - que eu não tô querendo ouvir.

Eu tava parecendo a Rin, nossa, quem diria?

— Kagamine-kun! - ele passou uma das pernas por cima da rede e ficou cara a cara comigo. A coragem logo me deixou, comecei a sentir medo. Só naquele momento percebi que não tinha ideia do que Shion-kun era capaz. Ele continuou:Desculpa! Desculpa! Desculpa! Desculpa!Euqueriamuitotedarumachanceporqueémuitolegalaideiadegostardealguémquejágostadevocê eeunãosabiaqueeraseuprimeirobeijo enãosabiaquevocêtinhatantasexpectativas tipodesculpamesmo quandoaMe-

— Calma, Shion-kun, calma... - não tinha entendido absolutamente nada do que ele falou. Afinal de contas, eu tinha acabado de acordar - Fala com calma... - esfreguei os olhos.

— Desculpa... - ele me olhava no fundo dos meus olhos... Como se soubesse que ainda conseguia me derreter - Desculpa... Eu não tive a intenção de dizer tudo aquilo... Eu só... Fiquei em pânico... Acho que ainda tô afim da Meiko... Aí eu fiquei pensando no que ela ia achar e... Bem... Esqueci do nosso lance...

Eu queria muito que a raiva do começo voltasse. Assim, eu conseguiria dizer pra ele tudo que eu pensava sobre essa "justificativa". Eu devia ter perdido toda a minha adrenalina. Agora só me sobrava tristeza. Tristeza e cansaço. E, por isso, não respondi nada.

— Len? - ele persistia - Tá tudo bem?

— Não, Shion-kun, não tá tudo bem - eu comecei a responder mais para ele sair logo dali do que por qualquer outra coisa. - Eu não vou ficar falando que tô bem só pra você ficar de consciência tranquila. O que aconteceu entre a gente não significou mais nada pra você assim que a Meiko-san chegou. Como você mesmo disse, você gosta dela e esqueceu nosso "lance" - e dei por isso mesmo. Não ia falar que fiquei magoado porque ele chamou tudo que aconteceu de lance. Não ia falar que tava completamente arrasado por ter perdido meu primeiro beijo pra um cara x por causa dele. Não ia falar que eu queria muito que ele saísse da minha frente e da minha vida.

Pra ele, eu não ia falar mais nada. Por mais que isso doesse.

♥

— Não, Meiko, sério? - levei minhas mãos ao rosto, cheio de vergonha. – Nunca mais deixo você me servir saquê.

Ela começou a rir. Em alto e bom som. Rindo da minha cara. Depois de se divertir mais um pouco com a situação, ela falou:

— Fica tranquilo - a voz dela exalava seriedade, era muito raro isso acontecer - eu ia acabar tendo de contar pra eles de toda forma e, além do mais, você deu em cima do cara certo - o sorriso vermelho dela se alargou - imagina se fosse o Kaito ou o Kagamine?

Aí sim seria motivo pra eu enterrar minha cabeça na areia e nunca mais sair dali.

— O plano se desenrolou da mesma forma, não é? - ela não conseguia ficar quieta. - Usa esse avanço da noite passada como pretexto, mais pra frente a gente conta tudo pra todo mundo.

— Tem certeza que não é melhor contar agora? - eu insisti - Aí já resolve isso tudo de uma vez...

— Nãnãninãnão, Kimura-kun. Só podemos falar depois da resposta definitiva do Gakupo... Senão o esquema perde a eficiência e não vai adiantar em nada... Nem pense em inventar... - já esperava algo assim saindo da boca dela no momento em que começou a falar, a Meiko conseguia ser bem previsível - E nada de saquê pra você até que tudo isso se resolva...

— Ah, Meiko! - exclamei - Aí já é sacanagem... – não achando muito convincente, acrescentei: - Eu mesmo posso me servir que vai estar tudo certo...

♥

Eu saí de lá com tudo. Não ia mais olhar na cara do Shion-kun. Nem sei se ia conseguir perdoar ele pelo que me fez. Eu só queria sair dali e não encontrar ninguém. Ficar em paz.

Mas, óbvio, a Rin nunca deixaria isso acontecer.

Como eu ouvi risos na cozinha, decidi continuar andando pelo quintal - não sabia se o Shion-kun estava me seguindo ou não - chegando, em poucos segundos, na parte da frente da casa.

Era lá que Rin me esperava.

— Len... - ela me olhou, com aqueles olhos que conheci toda a minha vida. Olhou dentro da minha alma e deve ter descoberto que eu não queria escutar mais um "está tudo bem?" porque ficou quieta.

Sentei-me na cadeira de praia ao lado dela. O horizonte gradeado da casa era um ponto fixo para eu não desabar naquele momento. Respirei fundo. Foi o tempo necessário para minha irmã voltar a falar:

— Len, - acho que pela primeira vez na vida, ela falava pausadamente - me desculpa por ter te empurrado pro Shion-kun... Eu fiquei tão animada com ter um casal pra shippar na vida real que nem me toquei... Talvez se eu tivesse sido mais atenta... - parecia que ela ia chorar, mas Rin era rápida e já esfregava os olhos - Mas você sabe que vou estar aqui pra conversar quando você estiver pronto, né?

Eu balancei a cabeça para cima e para baixo, respondendo silenciosamente que "sim".

Sabia que logo mais ia chegar a Hatsune-san ou a Meiko-san inventando mais alguma doideira para nos divertir. Isso, com certeza, ia levar a minha mente para longe do Shion-kun, e do Kamui-kun também, afinal o beijo foi dele. Tinha de levar... Eu só quero esquecer tudo isso...

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A minha cabeça ainda doía, mas tudo parecia mais leve de carregar com a presença da Meiko. O plano partiu dela pouco depois de eu ficar sozinho com o Kamui-kun na primeira ida à praia. Aquilo deixou tudo mais claro, e o verão, bem mais divertido.

— Que cara é essa, Mikoto? - perguntou ela.

— Nada, nada - desconversei... Mas não consegui conter a minha curiosidade: - E o que você acha de toda essa história envolvendo o Kagamine-kun, hein?

Era uma armadilha, ela sabia disso. Responder aquela pergunta seria tocar em um terreno delicado envolto pela sinceridade que Meiko não conseguia evitar.

— Eu não acho nada, - boa resposta - mas pelo que eu vi até agora, meus dois calouros tão recebendo o que merecem... Só da pena do menininho mesmo...

Aquela última frase atiçou ainda mais minha curiosidade. Não consegui me conter:

— Será que é bom mesmo a gente agir? Por que não deixamos eles se resolverem?

Ela se virou para mim mesmo já estando na minha frente, incrédula.

— Kagamine e Gakupo você diz? - respondi que sim - Porque ficar esperando o loirinho superar essa e ganhar maturidade vai fazer mal pra todo mundo...

— Se você que está dizendo, eu que não sou o louco de discordar...

Como o assunto parecia ter morrido, tomei o resto de meu café sobre o olhar sorridente e confiante de Meiko.