-CHRISTIAN? Ele... ele está aqui?

- Sim. Ele chegou um dia depois que você foi presa na masmorra. Luke iria te libertar naquele mesmo dia, mas achamos que ele não fez isso porque Christian estava ao lado dele toda hora. - Olivia disse.

Olhei para o chão absorvendo aquelas informações enquanto tentava normalizar os batimentos do meu coração. Christian estava ali, talvez a alguns metros de distância. Como ele estaria agora? Ainda lembrava das suas feições, os cabelos escuros, olhos claros, pele branca. De repente senti um certo medo passando pelo meu corpo. Será que ele ainda se lembrava de mim?

- Vocês viram ele?

-Sim - elas responderam juntas e Sofia sorriu. - Se tornou um belo rapaz.

Não pude deixar de sorrir também - E.. ele vai ficar por quanto tempo? - disse tentando evitar perguntas mais diretas, mas Olivia e Sofia sabiam da falta que sentia dele.

- Não sabemos. Acho que ele voltou para ficar aqui com o pai, mas continua o mesmo menino gentil de sempre. Nos deu um abraço tão apertado quando o encontramos. - Olivia falou. - E.. juro que ele parecia querer perguntar alguma coisa para nós. Sobre.. alguém. - Ela disse dando uma leve piscada. - Mas Luke não deixou ele a sós conosco.

Senti o sorriso em meus lábios aumentando. Talvez...só talvez.. Christian ainda lembrasse de mim. Ficamos em pé rapidamente quando Luke entrou na cozinha com dois capangas ao lado. Meu coração disparou pensando na possibilidade de Christian aparecer, mas voltei toda a minha atenção para Luke que parava na minha frente.

- Alice, quero que você vá até a cidade junto com Robert para buscar alguns mantimentos.

-Mas, esta tarde. Até voltarmos já terá anoitecido.

- E acredito que isso não seja problema não é mesmo? - Luke disse se aproximando e segurando meu queixo.

- Não, senhor.

- Ótimo. Robert a espera nos fundos da casa. Não demore.

Luke saiu dando mais uma olhada em nossa direção. Suspirei e ia sair andando quando Olivia puxou meu braço.

- Você não vai sem antes comer. Robert que a espere.

Sorri e dei um abraço nela enquanto voltava para a mesa.

-x-

- Robert! - Falei bem próximo de seu ouvido e ele deu um pulo da parede aonde estava encostado cochilando. Quando me viu, bufou.

- Alice. Tinha que ser você mesmo para ficar me assustando.

Ri um pouco - Não demorei tanto assim vai. 

 -Só uma eternidade - ele murmurou enquanto subíamos na charrete.

Fizemos todo o percurso em silêncio e quando chegávamos a cidade vi os primeiros raios do sol se escondendo no horizonte. Compramos todos os mantimentos que Luke havia pedido e carregamos a charrete aos poucos. Agora, a noite já se fazia mais presente e uma escuridão densa nos rodeava enquanto íamos pela estrada somente com um lampião acesso. Robert provavelmente não estava tão confortável também e resolveu conversar.

- Estranho Luke pedir para irmos a cidade esta hora.

-Sim - disse e meus pensamentos foram em outra direção. Eram poucas as vezes em que ia até cidade, e em todas a ideia de fugir se fazia presente. Olivia e Sofia já estavam cientes dessa minha vontade, mas agora com Christian .. talvez tudo mudasse. E também, não poderia deixar Robert sozinho com..

- Mais estranho ainda é ele mandar você vir junto - Robert falou interrompendo meus pensamentos.

Era verdade. Luke quase nunca me mandava nessas viagens e as palavras de Robert fizeram com que me perguntasse o porque dessa vez.

- Sim, também acho estranho.

- Acredito que seja pelo filho dele. - Olhei confusa para Robert.

- O que quer dizer?

-Alice, boatos correm. Sei que você e Christian eram muito amigos na infância e Luke os afastou. Talvez ele tenha algum receio que vocês se aproximem novamente.

- Talvez - disse sentindo meu coração irracionalmente batendo mais rápido com essa ideia.

- E acredito que por Christian isso irá acontecer.

- Por que?

Robert fez uma careta - Não deveria ter lhe contado isso.

- Tudo bem Robert. Só queria entender o porque mas não precisa me explicar se isso causar algum problema a você- Falei apressada. Conhecia muito como as informações circulavam por lá e as ameaças que às vezes as acompanhavam.

 Robert me encarou por um tempo e suspirou. Passaram-se alguns minutos de silêncio até que ele voltou a falar.

- Luke mostrou toda a fazenda a Christian e apresentou os novos empregados. Na tarde de ontem, quando eu estava nos estábulos, Christian apareceu dizendo que queria cavalgar um pouco pelas redondezas. Me pediu também que não contasse a Luke que ele havia passado por ali e saído. - Robert sorriu e prosseguiu - Quando ele se preparava para sair, olhou para mim novamente e pediu se poderia perguntar algo.

- E o que era? - falei depois que ele ficou em silêncio novamente.

- Perguntou se eu a conhecia.

Era bobo e irracional, mas não sabia explicar a felicidade que senti por saber que Christian ainda se lembrava de mim. Robert pareceu não perceber que eu havia paralisado e continuou falando.

- Ele me perguntou aonde você estava, mas respondi que não a via fazia algum tempo, mas que você ainda estava na fazenda. Ele pareceu ficar feliz em saber isso.

- Obrigada Robert.

- Pelo que? - disse confuso vendo as lágrimas se acumulando em meus olhos.

- Não sei, mas senti que precisava lhe agradecer.

- Alice... - ele disse e suspirou com um sorriso nos lábios. - Ele parece ser um bom rapaz.

- É sim. Ou pelo menos quando criança era assim.

- Imagino. Ele não parece filho de quem é.

- Nunca pareceu - respondi com um certo pesar na voz - Christian sempre foi bom com todos, independente de quem fosse. - Meus pensamentos foram de encontro as lembranças do passado, na forma como eu e Christian éramos iguais e simplesmente felizes com tudo o que fazíamos.

- Alice, sei que não devo me envolver nisso, mas acredito que não seja certo você se aproximar dele novamente.

- Por que não? - perguntei confusa.

- Sabemos como Luke é em relação a família. Dificilmente permite que algum empregado converse diretamente com qualquer um. E pelo histórico de vocês, duvido muito que ele permita que essa amizade continue como antes. Ele pode tentar algo contra você, ou até mesmo contra Christian.

- Você acha que ele .. faria alguma coisa com o próprio filho?  

 - Não sei. Conhecemos o gênio dele e Christian parece ser o oposto do pai. E, bem... o que aconteceu com Kyle...não queria que se repetisse. - Encarei Robert e percebi que ele ainda tinha um olhar abatido. A morte repentina do filho teve um efeito drástico em todos nós, mas ainda mais nele. Como sempre, havia sido a nossa palavra contra a de Luke e não podemos provar nada.

Depois disso passamos o restante do caminho em silêncio. As palavras de Robert ecoavam nos meus pensamentos. Não me importava com o que Luke faria comigo. Ele já havia me machucado e torturado de todas as formas possíveis, mas me preocupava com o que ele faria com as pessoas que eu amava. Luke sabia que poderia usar Sofia e Olivia e muitas vezes foi por causa delas que suportei calada o que ele fazia. Mas agora, pensar em Christian envolvido com isso me fazia temer por minhas atitudes. As imagens de Kyle voltaram a minha mente e estremeci levemente. A breve relação que tive com Kyle não chegava nem perto do sentimento que mantinha por Christian durante todos esses anos. Era dele que gostava e sentia falta como se fosse um irmão, mas Kyle não deixava de ser o primeiro homem com quem me relacionara e o único que gostou de mim realmente. Lamentava sua morte e ainda me culpava por isso, afinal eu era a culpada por Luke tê-lo matado. Várias vezes pensei em simplesmente acabar com todo meu sofrimento e daqueles que faziam parte da minha vida, mas Olivia e Sofia ainda insistiam em me ajudar, em me manter viva.

 Chegamos a propriedade quando quase todas as luzes estavam apagadas e todos provavelmente já dormiam. Retiramos os mantimentos da charrete e me despedi de Robert indo em direção ao meu quarto. Passei boa parte da noite em claro pensando em alguém que estava tão próximo e tão distante ao mesmo tempo.

 Acordei com Sofia me chamando logo pela manhã, evitando que eu tivesse mas alguma punição por me atrasar. Hoje teria que ajudar no campo de flores. Não era um trabalho tão pesado, sempre gostei daquele lugar e talvez lá conseguisse um pouco de paz já que imaginava que poucas pessoas estariam trabalhando aquela hora. Minhas suspeitas se confirmaram quando cheguei e me dirigi até uma ponta mais afastada para começar meu trabalho.

Retirei uma das rosas e cortei os espinhos dela, aproximando meu rosto e sentindo seu aroma. Sorri involuntariamente com a lembrança que esse cheiro me trazia. Abaixei depositando a rosa em um cesto, junto com outras que já havia cortado. 

-Alice? - disse alguém atrás de mim. Era uma voz grave mas ao mesmo tempo gentil, uma voz que eu desconhecia.

Virei encontrando aqueles conhecidos olhos claros me encarando.