O barulho da velha vassoura em contato com o chão era o único som que podia ser escutado no silêncio da tarde. Olivia estava na sala junto com Katy, Mary e seus pais que tomavam um pequeno chá da tarde, ainda fazendo planos para o futuro casamento, a cada dia mais distante de se realizar, mas que ainda insistiam em tentar colocar em prática. Luke havia viajado no dia anterior e deixado Katy incumbida de levar os planos à frente ou simplesmente desistir deles. Um barulho diferente fez com que eu olhasse para a porta, só então percebendo que Christian estava lá parado, me observando. Voltei a varrer o chão ignorando sua presença, o que fez com que escutasse um suspiro exasperado por parte dele.

– Evita falar comigo e agora nem na minha cara irá mais olhar?

– Só estou cumprindo com meus deveres, senhor Christian - respondi de modo irônico, o que fez com que ele entrasse na cozinha com passos rápidos e segurasse meu braço, fazendo com que a vassoura caísse no chão.

- Alice, me escute por favor.

– Você irá pedir desculpas, eu irei aceitar e depois acontecerá algo novamente que você duvidará. Você levou dias para me encontrar novamente Christian. Dias, não horas. Então por favor, espero que você não venha me pedir desculpas se não acredita em tudo o que eu disse.

– Eu acredito Alice. Mesmo que seja difícil admitir isso, no fundo eu acredito. Mas sou cego demais e só me sinto bem quando posso ver, quando tenho provas do que me dizem.

– Palavras não são suficientes para você e parece que nem mesmo cicatrizes servem né?

Virei para o outro lado tentando esconder as lágrimas que ameaçavam cair, mas Christian segurou meu rosto fazendo com que olhasse pra ele.

–Eu acredito. Mas se meu pai é desse jeito mesmo, deve haver muitas outras coisas podres que ele esconde. Ryan concordou comigo nisso e..

–Você contou para o Ryan?

– Sim, contei. Ele me perguntou e não vi mal em contar. Por quê?

– Nada.

Na verdade, era estranho ter a consciência de que outras pessoas sabiam de algo que escondi por tanto tempo, talvez por vergonha e medo de contar a qualquer um, além dos problemas que causaria. Só esperava que isso trouxesse algo bom e não mais sofrimento. Christian ainda me encarava segurando meu rosto e suspirou dando um passo a frente e se aproximando ainda mais.

– O que quero dizer Alice é que queremos te ajudar, mas pra isso você precisa se deixar ser ajudada. Se meu pai esconde tantas coisas assim, vamos tentar descobrir o que é e por que. Quanto à parte dos abusos... bem... só..

– Tudo bem. Vamos focar em tentar descobrir quem seu pai realmente é, ou algo do tipo. Ok?

– Ok - Ele sorriu e se aproximou - Mas então, será que podemos voltar como era antes?

– Que tal só amigos Christian? Acredito que isso não lhe fará mal - disse tentando dar um passo para trás, mas ele me segurava.

– Por favor Alice. Nesses dias conclui que não fiquei tanto tempo longe de você para que quando finalmente pudesse tê-la, desperdiçasse isso.

Antes mesmo que eu respondesse ou reagisse, Christian levou seus lábios de encontro aos meus. Ainda estava confusa sem saber se realmente o havia desculpado e nem havia correspondido ao beijo quando uma voz fez com que nos afastássemos rapidamente.

– O que significa isso?

Katy estava parada na porta nos encarando atônica.

– Mãe... eu... - Christian parou de falar e engoliu seco enquanto ela se aproximava, mas diferente do que pensava, ela caminhou em minha direção.

– Você... é você esse tempo todo - Katy disse apontando o dedo em frente meu rosto - É por sua causa então que esse casamento ainda não saiu. Eu sabia, deveria ter desconfiado esse tempo todo, mas quis acreditar que não. Como fui estúpida!

– Mãe.. - Christian tentou dizer, mas Katy pareceu não perceber, segurando meu braço e me puxando em direção ao corredor.

– Você não deve mais ficar aqui. Luke ficará sabendo o que você fez e com certeza a mandará embora sem direito a nada. Isso não sairá impune.

– Mãe pare com isso - Christian disse.

Katy continuou andando sem se importar com a força com que apertava meu braço ou a forma desajeitada como eu andava. Não tentei me soltar pois sabia que seria inútil tentar argumentar na forma como ela agia, e além disso, qualquer coisa que falasse talvez não valesse de nada por ser uma simples empregada, tinha consciência disso. Christian ainda nos seguia e parou ao meu lado quando Katy chegou à sala. John, que parecia estar conversando com Kelly enquanto Mary observava qualquer coisa, levantou do sofá e nos encarou.

– O que está acontecendo?

– Mãe.. - Christian tentou dizer enquanto Katy soltava meu braço e parava o lado de John me olhando enojada.

– É ela John, é por causa dela que esse casamento ainda não saiu. Mas não se preocupe, darei um jeito nisso rapidamente e logo estaremos vendo nossos filhos juntos no altar.

– O que ela fez? - John disse e vi Kelly levantando também e me encarando de forma desaprovadora.

– Alice.. Alice estava conversando com o Christian e dizendo que ele não deveria se casar com Mary. Olhe só que absurdo isso.

– Não é culpa da Alice e não invente coisas - Christian disse alto fazendo com que todos olhassem para ele - Nós estávamos sim nos beijando, não é culpa dela e nem de ninguém. Eu amo a Alice, amo ela e não a Mary, por isso não quero que esse casamento aconteça - Ele virou e olhou diretamente para Mary que também o encarava - Por isso não posso me casar com você.

– Que absurdo isso Christian. Deixe de brincadeiras. Alice não é ninguém comparada a Mary.

– Olhe bem o que a senhora fala mamãe - Christian disse irônico - Não vejo porque ela não seria tão igual ou, ainda, uma melhor esposa para mim. Alice tem muitas qualidades que admiro e diferente da senhora, ela me escuta.

– Christian, você não se atreveria..

– O que houve? - Ryan disse aparecendo na sala e encarando o semicírculo que se formara.

– Seu irmão. Ele.. ele enlouqueceu. Está dizendo que ama a Alice, veja se pode uma coisa dessas - Katy disse rindo de forma histérica - Não, você só pode estar brincando.

– Uma brincadeira de muito mau gosto que espero que termine aqui - John disse encarando Christian enquanto Kelly olhava em minha direção dando mais um passo a frente.

– Acho que você deveria se colocar no lugar de empregada e ficar longe da vida de seus patrões. Você realmente não é nada aqui, minha filha é mil vezes melhor que você e..

– CHEGA!

O silêncio predominou na sala enquanto todos encaravam a dona do grito. Kelly parou de falar e olhou para Mary de forma incrédula enquanto John ainda me olhava de relance.

– Chega dessa história. Vocês não vão chegar a lugar nenhum com tudo isso.

– Filha, mas isso é para o seu próprio bem, o seu futuro que... - Kelly disse se aproximando de Mary para segurar seu braço, mas ela desviou.

– Acho que eu quem deveria decidir sozinha o que fazer com o meu futuro. Parem de usar os sentimentos dos outros, principalmente os meus. Nunca escondi de ninguém o quanto gosto do Christian, mas não posso obrigá-lo a gostar de mim e vocês deveriam saber muito bem disso. Eu sou jovem, tenho a vida inteira pela frente que já foi muito desperdiçada nesse fim de mundo enquanto vocês criavam algo que não há. Se conformem. Não existe casamento e talvez nunca tenha existido - Mary passou por todos na sala e parou na porta próxima ao corredor - Para mim não há mais nada que me faça continuar por aqui. Estou indo arrumar minhas malas para ir embora.

– Filha... espere - Kelly disse andando apressada na direção em que Mary havia saído.

John encarou Christian e Katy - Um dia vocês ainda pagarão muito caro por toda essa palhaçada - disse, logo em seguida caminhando na mesma direção que Kelly havia ido.

Respirei fundo tentando processar todas as reviravoltas que haviam acontecido mas um tapa no meu rosto fez com que eu olhasse assustada para Katy parada na minha frente.

– Você... é tudo culpa sua! Eu sempre soube que você não era uma boa pessoa. Luke a deveria ter despachado junto com o seu pai anos atrás.

– Mãe, pare com isso - Ryan disse segurando o braço dela e tentando afastá-la enquanto Christian também parava ao seu lado.

– Não, ela precisa saber. Ela precisa saber que é a causa da nossa família cair em desgraça. Porque provavelmente coisas piores viram depois disso, não ficará tudo como antes - Ryan puxava Katy a arrastando para longe enquanto Christian parava ao meu lado com a mão em minha cintura - Você sofrerá Alice, sofrerá muito mais do que todos nós porque você merece.

A voz de Katy foi sumindo conforme Ryan a levava para mais longe. Christian me puxou para mais perto de si e me abraçou por um momento, se afastando em seguida.

– Tudo bem? - disse enquanto sentia seus dedos passando levemente por cima da minha bochecha que doía pelo tapa.

– Sim. Acho que vai ficar.

– Não ligue para o que ela falou. Não vai acontecer nada com você.

– Como você... - Christian me silenciou colocando um dedo sobre meus lábios.

– Eu não vou deixar e sei que outras pessoas também não deixariam - Ele se aproximou dando um breve beijo e afastando em seguida - Vou ver se Ryan precisa de ajuda. Fique com Olivia enquanto isso, ok?

Concordei e ele se afastou enquanto tentava processar como tudo havia desmoronado tão rapidamente. Talvez realmente fosse bom que todas as verdades viessem à tona, apesar do receio que tinha por isso e pelo que Luke faria. Encontrei Olivia e contei a ela tudo o que havia acontecido, o que fez com que ela se assustasse ainda mais do que eu. Antes mesmo que pudesse me dizer algo, Kelly surgiu na cozinha com os olhos inchados de quem havia chorado.

– Olivia, por favor, vá até o meu quarto e ajude eu e meu marido a preparar as malas - Olivia olhou para mim e depois para Kelly - Agora!

– Sim, senhora.

Olivia saiu e Kelly parecia que iria fazer o mesmo, mas olhou para mim novamente.

– Sabe, eu realmente a abomino pelo que fez com essas duas famílias. Você é detestável. Provavelmente sabe disso, já que não questionou em nenhum momento o que dissemos.

– Simplesmente não vejo porque tentar dizer algo que não iriam escutar.

– Claro, você é uma empregada.

Sorri ironicamente para ela - Sim, e por isso não me escutariam. É mais inteligente ficar em silêncio ao invés de dizer algo que não mudaria nada. Você deveria saber disso.

Kelly me encarou tentando parecer superior e deu um passo para trás, mas ainda dizendo em um tom que eu pudesse escutar - Você irá se arrepender extremamente de não ter seguido meus conselhos e ficado longe de Christian.

Encarei ela pensando o quanto realmente não me importava com isso. Kelly saiu sem dizer mais nada e resolvi tentar achar Christian e ver se Katy estava mais calma. Enquanto passava pelos corredores, acabei parando em frente ao quarto de Mary, e vendo que ela tentava desajeitadamente dobrar uma blusa para caber na mala aberta e já cheia de coisas, dei um passo a frente e parei na porta.

– Você... precisa de ajuda?

Mary parou e me encarou, analisando por um momento - Não, obrigada.

Fiz um leve aceno com a cabeça e ia continuar caminhando quando os passos de Mary vindo em minha direção chamaram atenção.

– Alice.. Eu.. Eu queria me desculpar por ter demorado tanto tempo para finalmente tomar uma atitude.

As palavras dela me surpreenderam e fizeram com que eu ficasse parada onde estava.

– Isso não é necessário Mary.

– É sim, eu lhe devo essas desculpas. Você tentou conversar comigo, mas acho que eu sempre temi pelo que meus pais falariam. A verdade é que, vendo a forma como você cresceu sozinha durante todos esses anos, isso meio que me fez pensar sobre a forma como eu mesma lido querendo jogar a minha falta de coragem no que meus pais acham - Mary deu mais alguns passos a frente e segurou minhas mãos - Eu realmente espero que vocês sejam felizes.

Sorri retribuindo ao seu gesto, mas ela soltou minha mão no momento em que a voz de Kelly a chamando ecoou pelo corredor. Todas as malas foram fechadas rapidamente e sem qualquer despedida formal, eles partiram, com feições insatisfeitas e contrariadas em quase todos os rostos. Christian, Ryan e Olivia também ficaram observando da porta de entrada a poeira sendo deixada para trás enquanto os cavalos se distanciavam ainda mais com a carruagem.

Escutamos um barulho no chão e olhamos para trás vendo Katy se aproximando com Sofia e o restante dos capangas de Luke que haviam ficado na propriedade.

– Aonde você vai? - Ryan perguntou.

– Encontrar com seu pai. Ele não está tão longe assim e deve voltar para cá imediatamente. É melhor que eu vá entregar essa notícia pessoalmente antes que ele apareça por aqui e faça uma besteira - Katy disse encarando Christian, mas logo em seguida seus olhos desviaram para mim - Se fosse você, arrumaria tudo também, porque seus dias estão contados dentro dessa casa.

– Não estão... - Ryan começou a dizer como se tivesse falado a mesma coisa várias vezes, mas Katy o interrompeu.

– Continuem pensando da forma que quiserem. Quando seu pai chegar aqui, tenho certeza que mudaram de ideia.

Katy saiu sendo seguida por Sofia e o restante dos capangas, deixando para trás a sensação de que grandes mudanças aconteceriam quando ela retornasse. Ryan voltou para dentro da casa antes mesmo que a segunda carruagem sumisse ao longo da estrada.

- Será que eles realmente vão a expulsar daqui? - Olivia disse depois de um breve momento de silêncio.

– Não sei.

Na verdade, o que mais me preocupava não eram as palavras de Katy, mas sim as atitudes de Luke, aquelas que ninguém imagina que ele sequer faça, e que no final acabam sendo colocadas em prática somente comigo. Seria extremamente vantajoso e fácil se ele simplesmente me expulsasse.

– Ninguém irá fazer nada. Fique tranquila Olivia - Christian disse, passando os braços por minha cintura em seguida - Agora acho que deveríamos entrar e tentar dormir um pouco, já está tarde.

Olivia e eu concordamos e ela seguiu seu próprio caminho para os quartos, mas Christian me segurou fazendo um leve sinal que precisava conversar. Esperamos um pouco e seguimos em outra direção, que logo reconheci para onde iria. A sala de Luke.

– Ryan achou melhor começar agora a busca por qualquer coisa que meu pai esteja escondendo.

– Então vocês estão procurando na sala dele?

–Sim. Ele passa boa parte do dia ali, então deve haver algo.
Paramos em frente a porta entreaberta e Christian sorriu para mim antes de abri-la totalmente.

– Não fica sempre trancada? - perguntei.

– Não foi tão difícil encontrar a cópia da chave. Você não achou que simplesmente ficaríamos de braços cruzados, achou?

Ryan estava sentado na mesa rodeado de papéis e livros espalhados. Nos aproximamos enquanto ele folheava o que parecia ser alguns documentos. Todas as gavetas estavam abertas e reviradas, mas o que mais chamou a atenção era a forma como sua expressão se alterou enquanto ele lia os papéis que segurava.

– E então? - Christian perguntou.

– Acho que descobri algo.