- Alice, Luke está pedindo que você vá até a sala dele. – Um dos empregados me avisou e larguei a enxada que segurava seguindo em direção a grande casa.

Olhei para baixo e percebendo minhas mãos sujas de terra, passei elas pelo vestido esfarrapado. Precisava pedir para Sofia fazer mais alguns remendos nele. Olhando para minhas mãos, agora um pouco mais limpas, percebi as bolhas estouradas e rachados provocados pela exposição ao tempo. Agora não doíam tanto, talvez mais tarde isso acontecesse.

Enquanto andava, comecei a escutar algumas vozes próximas a entrada da casa. Apressei meus passos e encontrei Olivia e Sofia sendo seguradas enquanto alguns capangas de Luke jogavam um homem no chão junto com uma mala de roupas ainda aberta.

- PAI! -  gritei e corri em sua direção o ajudando a levantar - O que está acontecendo?

- Filha...eu.. - ele disse entre um gemido de dor e ia continuar falando mas o som do gatilho de armas fez com que olhássemos para trás.

- Vá embora senhor, antes que tenhamos que cumprir outra ordem do Sr. Luke.

Meu pai apenas assentiu e virou passando seus braços em volta de mim em um abraço apertado.

- Estou indo embora agora filha, mas eu volto para te buscar ok? Me espere que eu volto.

- Mas...

Ele silenciou meus lábios com o dedo e secou as primeiras lágrimas que caíam.

- Te amo e sempre estarei aqui, não se esqueça disso.

- Eu também te amo pai. Sempre. - falei enquanto passava meus braços em volta dele em um abraço que desejei ser eterno.

As lágrimas ainda escorriam quando ele puxou meus braços tentando se soltar. Olhei para seu rosto e percebi que ele também tentava não chorar. Suas mãos me conduziram para onde Olivia e Sofia observavam a cena, com os olhos cheios de lágrimas.

- Cuidem dela por favor.

As duas concordaram e ele se aproximou dando um beijo em minha testa e parando o rosto na mesma altura que o meu.

-Eu volto ok?

Concordei e fiquei parada enquanto observava ele andando pela pequena estrada que levava até os portões da propriedade, se afastando cada vez mais de mim.

- Alice... - Olivia começou a dizer mas me soltei de seus braços e passei pelos capangas de Luke, esbarrando em alguns braços enquanto seguia a passos firmes em direção aquela sala.

Não bati na porta como em todas as outras vezes. Simplesmente girei a maçaneta e sem nenhuma cerimônia entrei na sala, vendo Luke parado na janela, provavelmente de onde ficou observando tudo o que aconteceu.

- Sabe, foi extremamente tocante essa despedida.

Senti meus dedos se fecharem e minha raiva aumentando vendo o sorriso em seu rosto.

- O que você quer de mim?

- Ora Alice, você já foi mais educada. Aonde está tudo o que se pai lhe ensinou?

- Por que mandou ele embora?

Luke sorriu e sentou em sua cadeira apoiando os braços em cima da mesa e me encarando finalmente.

- Seu pai já tem certa idade e não estava mais sendo tão eficiente com o serviço. Provavelmente encontrarei outra pessoa melhor.

- E todos esses anos servindo a vocês não são levados em consideração?

Luke riu - Alice, seu pai é só mais um funcionário aqui. Nada mais que um número.

- Então me mande embora junto com ele. Se também sou só um número, tenho certeza que encontrará alguém melhor...

O som da cadeira riscando o chão silenciou minhas palavras. Luke andou com passos firmes e parou na minha frente segurando meu queixo.

- VOCÊ não é mais um número Alice. Entenda isso.

Ele me encarou por um tempo e me soltou andando em direção a mesa e segurando nas mãos alguns papéis que estavam sobre ela.

- Chamei você aqui para informar que, segundo esse termo com a assinatura do seu pai, eu serei o responsável por você a partir de agora.

- Mais..

- Sem mais Alice. Nada que você disser irá mudar isso.

A raiva passou aos meus olhos e senti mais uma vez as lágrimas caindo por eles. Luke me encarou parecendo se divertir com o momento.

- Por que? Por que você tira de perto de mim tudo o que amo?

- Não estou tirando nada Alice. Pelo contrário, estou te ajudando.

Ignorei sua resposta e continuei falando. - Você tirou. Tirou Christian e agora também está afastando meu pai!

- Alice querida, isso já fazem quase 5 anos. Não fique remoendo por tanto tempo o passado.

Fechei meus olhos lembrando de Christian enquanto estávamos juntos. A dor já conhecida invadiu novamente meu peito. Talvez fosse apenas saudade, ou algo mais, não sabia explicar. Mas todos os dias por todos esses anos não consegui esquecer aqueles olhos claros e cabelos negros que traziam um sentimento bom que jamais senti novamente.

- Tudo bem. Poderei ir embora depois que já for maior de ida... - Luke me interrompeu com sua risada irônica.

- Alice, acho que você ainda não entendeu direito. Esse termo não é válido só até você atingir a maioridade minha querida. Isso aqui a torna minha funcionária até quando EU quiser. A partir de hoje você fará tudo o que eu mandar, tudo o que pedir, sem direito a reclamações. Sem direito a NADA! - Ele sorriu enquanto eu ainda tentava acreditar em tudo o que dizia. - Agora vá, aposto que você têm coisas mais importantes a fazer, como minha janta que por sinal está atrasada!

Demorei alguns segundos para que conseguisse virar e sair da sala. Caminhando pelos corredores e vendo as velas sendo acessas pelo tempo que começava a escurecer, senti como se minha presença naquela casa não passasse mais do que uma sombra na parede, igual aquelas que eram refletidas pelas chamas do fogo.

-x-

O tempo continuou passando e os dias se aproximavam do meu aniversário de 15 anos, porém, sempre desejava que pudesse parar e voltar a época de criança. Como prometido ao meu pai, durante todo esse tempo esperei que ele viesse me buscar novamente. Todos os dias no final da tarde sentava perto da estrada que levava ao portão e ficava imaginando ver seu corpo alto e esguio se aproximar com os braços abertos me esperando para um abraço.

Luke continuava extremamente insuportável com suas tarefas ridículas e jantares desnecessários para pessoas ainda mais ignorantes. Não me importava com o que ele pensava ou exigia, e justamente por isso vivíamos discutindo e recebia mais ordens de coisas que deveria fazer, algumas das quais fazia questão de ignorar também. 

Neste tempo outros empregados foram embora e novos surgiram, entre eles alguns que criei certo carinho. Os principais eram Robert e seu filho Kyle, 3 anos mais velho do que eu. Como grande parte de nosso serviço era parecido, acabávamos passando os dias juntos. Não era a mesma afeição que sentia por Christian e sabia que jamais algo se compararia a isso, mas me fazia bem ficar perto dele. 

Além deles, quem me apoiou e fez com que meus dias não se tornassem tão ruins foram Sofia e Olivia, que eram como mães para mim, já que meu pai nunca falava nada sobre minha mãe biológica. As duas já tinham certa idade e eram viúvas de antigos trabalhadores da fazenda. Sofia era praticamente a dama de companhia de Katy, mulher de Luke que tinha quase certeza que não queria nem saber da minha existência, tanto que nunca trocamos nenhuma palavra. Ela era a típica mulher que casou por obrigação, para sustentar o nome da família juntando-se a um homem rico e de poder.

Olivia cuidava mais da limpeza e organização da casa, assim como da comida, da qual eu também era designada a ajudar quase sempre. E foi em uma dessas tardes em que estava na cozinha descascando algumas batatas para a janta, quando Olivia e Sofia entraram correndo na cozinha me puxando pelos braços.

- Venha Alice, rápido!

Eu não entendia o porque do desespero e ansiedade das duas, mas não tive tempo de questionar. Nos fundos da casa encostado em uma sombra estava aquele que esperei por todo esse tempo.

- Pai! - falei em um sussurro e corri para seus braços, que estavam do mesmo jeito que sempre imaginei quando nos encontrássemos.

Abraçamos um ao outro por um bom tempo até que ele se afastou e tirou uma mecha do meu cabelo.

- Alice, como você cresceu. Está linda!

- Você também mudou - falei percebendo a barba por fazer e o rosto abatido. Seu corpo também parecia mais magro e podia jurar que ele envelhecerá muito mais durante esse tempo.

- Bom, não posso demorar muito, então antes que alguém me veja só queria te avisar que vim aqui para libertar você Alice.

Demorou meio segundo para que sentisse as lágrimas e o sorriso de felicidade surgindo em meu rosto.

- Quando? Agora? Posso ir buscar minhas coisas e ...

- Calma - Ele falou colocando um dedo sobre meus lábios e rindo. - Agora não dá, mas já estou ajeitando tudo. Quero que você arrume suas coisas e daqui a três dias, quando começar a escurecer, me encontre perto do poço ao lado dos estábulos.

Concordei com a cabeça e a referência ao tempo me fez perceber uma coisa - Um dia antes do meu aniversário?

Ele sorriu concordando e passando a mão em minha bochecha - Sim minha princesa. Por mim você não passava mais nem um minuto aqui, mas não posso simplesmente tirá-la assim.

- Tudo bem pai. Três dias são suficientes. Se esperei o senhor até agora posso esperar mais um pouco.

Escutamos o som de vozes dentro da casa. Olivia e Sofia se apressaram para voltar a cozinha enquanto abraçava mais uma vez meu pai.

- Eu volto. Não se esqueça, daqui três dias ao anoitecer, ao lado dos estábulos.

- Não vou esquecer.

Ele se aproximou mais uma vez e deu um beijo na minha testa e se afastou sorrindo.

- E a partir dai seremos só eu e você.

Sorri também e fiquei observando enquanto ele andava pelas sombras sem que ninguém percebesse.

Mais 3 dias e eu seria livre.