-Com todo respeito Luke, mas essa história já está passando dos limites. - John disse com os punhos cerrados sobre a mesa.

- Calma John, muita calma. Tudo irá se resolver logo, tenho certeza.

- Já tive muita calma e paciência com ele. - John disse até que Kelly colocou sua mão sobre a dele parecendo o acalmar por breves instantes.

Encarei novamente a parede enquanto permanecia calada. Depois da manhã após o baile, Christian simplesmente sumiu sem dar notícias de onde iria. Nem mesmo eu sabia apesar das insinuações de Luke a respeito disso. Já haviam se passado dois dias sem qualquer sinal de onde ele estava, o que já começava a me deixar extremamente preocupada.

- Ele precisa tomar jeito. Se já está assim antes do casamento, depois então será ainda pior. - John disse e olhei brevemente para Mary, vendo-a se encolher na cadeira.

Com certeza todos os planos dela e principalmende de Kelly foram fracassados a partir do momento que Christian abandonou o baile antes mesmo de anunciar o noivado em público. A questão era que ninguém sabia que ele havia voltado para a propriedade, já que ele se encontrou somente comigo. Luke só lembra de o ver de manhã e acreditou quando disse que havia passado a noite com Olivia.

- Estou continuando com os preparativos para o casamento e espero contar com a opinião dele em alguns detalhes.

- Pode ter certeza de que Christian estará presente Kelly - Katy disse com um sorriso, mas podia adivinhar pelo tom que usou que ela não tinha tanta certeza disso.

-Estarei presente no que?

Todos olhamos para a porta e escutei o som de algum talher caindo no momento em que Christian atravessava a sala e sentava-se na mesa ao lado da mãe. Pelas olheiras em seus olhos pude perceber que ele não havia dormido direito provavelmente desde a última noite em que nos vimos. Ele ainda estava com as mesmas roupas daquela manhã, que agora estavam sujas de terra junto com algumas folhas que pude perceber também em seus cabelos, demonstrando que ele não tomou banho nesse tempo ou esteve em algum lugar com teto e paredes.

O silêncio continuou pelo local enquanto todos o encaravam, até que Luke deu uma leve tossida e voltou a falar.

- Preparativos para o casamento. Mas acho que todos aqui adoraríamos saber aonde você esteve.

Christian suspirou e esticou o braço, segurando um prato e colocando uma grande quantidade de comida dentro dele. - Por ai, pensando. Por que? Não posso mais ter liberdade nem mesmo de andar sozinho quando quiser?

- Pode filho, mas gostaríamos que avisasse antes da próxima vez. Assim não ficamos preocupados com você - Katy disse gentilmente e pude ver o alívio em seu rosto.

 -Acredito que não haverá uma próxima vez já que não teremos mais tempo para isso. - John disse encarando Christian com um olhar não amigável.

Christian pareceu não dar muita importância ao que falaram, simplesmente comendo com grandes garfadas todo o contéudo de seu prato e repetindo em seguida. Por um tempo, todos ficaram em silêncio esperando que ele dissesse mais alguma coisa, mas quando ficou claro que isso não aconteceria, voltaram a conversar entre si, até que o assunto casamento foi lançado novamente.

-Então, acho que agora podemos realizar um novo preparativo para o anúncio público, já que o último não deu certo - Kelly disse enquanto secava o canto da boca com um guardanapo.

-Hum.. na verdade, acho que não será necessário. -Christian disse e todos o olharam. 

-Por que meu filho? Você tem outros planos? - Katy perguntou.

-Sim. Afinal, foi isso o que fiquei fazendo durante esse tempo. Não precisamos mais nos preocupar com todos os preparativos e anúncios.

- E por que não? - Luke perguntou.

- Por que não haverá mais casamento. - ele disse dando de ombros.

Era quase possível ouvir a respiração de todos enquanto processavam o que haviam acabado de escutar. Eu mesma duvidava que tinha ouvido certo. Christian realmente havia tomado coragem para tomar essa atitude?

- MAS O QUE É ISSO AGORA?!- John disse e se levantou da mesa bruscamente derrubando a cadeira no processo. - VOCÊ NÃO ESTÁ DIZENDO QUE ENROLOU MINHA FILHA DURANTE TODO ESSE TEMPO PARA NADA!  Vocês irão se casar, queira você ou não.

- Mas eu não quero mais - Christian disse se levantando também - Não será você que irá me obrigar a fazer algo que não quero e não acho mais certo.

- Filho - Luke disse enquanto levantava e ia até onde Christian estava, segurando seu braço - Acho que você está sendo equivocado com os conceitos de certo e errado.

-Não, não estou - disse puxando o braço de volta e deu uma leve olhada, pela primeira vez, para onde eu estava.

Christian saiu da sala sem dizer mais nada e seria seguido por Luke e John, se não fossem suas esposas terem segurado seus braços. Mary continou sentada na mesa sem dizer uma palavra enquanto parecia ter um olhar distante. Queria seguí-lo e provavelmente teria feito isso se não fosse por Katy, em um momento totalmente inapropriado, pedir que eu servisse a sobremesa.

Esperei impacientemente enquanto todos se retiravam do jantar desastroso e iam para seus quartos. Ajudei Olivia a arrumar tudo, mas de última hora, lembrei que precisava levar alguns itens de volta ao armázem. Coloquei todos os produtos da melhor forma possível em uma caixa e sai andando pela escuridão enquanto tentava equilibrar o peso em meus braços.

Caminhei entre as pedras devagar enquanto procurava enxergar aonde pisava, quando me assustei sentindo mãos segurarem meus braços e me virarem. Antes mesmo que dissesse algo, o peso em minhas mãos foi retirado e agora estava em braços que não pareciam ter nenhum problema para carregar aquela caixa.

-Você não deveria ficar andando por ai sozinha durante a noite, ainda mais com alguma coisa pesada nos braços. Imagina só se alguém decide te atacar - Christian disse com um sorriso nos lábios enquanto voltávamos a caminhar. Percebi que ele provavelmente havia tomado um banho e estava com uma aparência bem melhor.

-Então eu jogaria a caixa em cima dessa pessoa.

-Isso deve doer - ele disse com uma careta.

Olhamos um para o outro e começamos a rir, algo tão espontâneo que foi impossível não me sentir um pouco mais leve por algum tempo. Disse a ele aonde precisava levar os materiais e enquanto íamos em direção ao armázem, não consegui mais continuar quieta.

-Então.. você realmente esteve andando por ai.. pensando?

-Sim. Para ser mais preciso, estive naquele lugar onde passamos a noite antes que Mary aparecesse.

-Hum.. Acho que isso explica o porque de todas aquelas folhas.

Christian riu - Sim. Precisava de um tempo fora de toda essa loucura para pensar com clareza.

-Imagino que tenha sido difícil decidir terminar o casamento - disse tentando esconder o quanto de alívio aquilo estava me trazendo.

-Na verdade, essa foi a parte em que menos pensei. O que mais me preocupou foi o que faria depois que Mary não estivesse mais aqui.

-E conseguiu decidir?

Christian ficou mudo por um tempo, até que suspirou - Decidi deixar tudo acontecer e ver no que irá resultar.

Parei de andar quando chegamos na porta do armazém e virei de frente para ele, o encarando.

- Sinceramente Christian, dois dias fora para você chegar a essa conclusão? - disse indignada.

Christian sorriu e passou por mim, empurrando a porta e entrando no local mal iluminado - Você ficaria surpresa se soubesse tudo o que consegui com esses dois dias. 

Ele não pareceu querer responder a mais nenhuma pergunta e resolvi que iria descobrir o que ele quis dizer com isso uma hora ou outra. Deixamos a caixa em um canto e me virei para sair, mas antes mesmo que desse um passo, lábios se esmagaram nos meus. Lábios que estava aprendendo a reconhecer e só agora havia percebido o quanto ansiava por sentí-los novamente.

Christian me empurrou gentilmente até a porta, a fechando com o impacto e deixando todo o local escuro. Suas mãos seguraram minha cintura com um pouco mais de força enquanto passava meus dedos por seu braço e seguia até sua nuca, puxando seu rosto para mim e aprofundando o beijo. Suas mãos deslizaram por minha cintura até as costas onde pararam em uma espécie de abraço protetor.

Nos separamos em buscar de ar e deixei seus braços me segurarem enquanto sentia seu rosto próximo do meu.

-O qu... o que nós..

-Shiih Alice- Christian disse e senti quando suas mãos seguraram meu rosto - Não se preocupe com isso. Só.. vamos deixar as coisas acontecerem.

E assim se seguiram os dias com nossos pequenos encontros escondidos, Kelly e Katy ainda fazendo planos para o casamento e Luke distraindo John com coisas sobre a propriedade. Christian a todo tempo tentava fugir de todos eles enquanto Mary só era vista durante as refeições, sempre quieta e de cabeça baixa.

Por algum tempo, considerei tentar conversar com ela sobre qualquer coisa. Por mais que não gostasse exatamente dela, isso poderia ser somente um reflexo pela história do noivado com Christian. Em uma tarde, quando estava ajudando a trocar todas as roupas de cama, descobri que Mary esse tempo todo esteve trancada dentro de seu quarto.

-Oh, desculpe - disse surpresa, quando a vi deitada sobre a cama, ainda de pijamas, e me lembrei de que ela não estava no almoço.

- Tudo bem - ela disse e levantou caminhando em direção ao guarda roupa, provavelmente procurando algo novo para vestir.

Só então reparei o quanto ela estava mais magra e parecia pálida. Olhei para a cama e vi um caderno e um lápis jogados sobre ela.

-Você... desenha?

Ela me olhou surpresa e sorriu - Sim, gosto de desenhar para distrair um pouco, mas mamãe diz que não deveria perder tempo com isso. Pelo menos nos últimos dias ela tem me deixado em paz.

E foi então que me ocorreu algo que ninguém ainda havia perguntado.

- Mary.. desculpe, mas, você quer se casar com Christian?

Ela hesitou e ficou me olhando por um tempo enquanto parecia ter uma batalha interna decidindo o que contaria ou não. Por fim ela sentou novamente na cama e suspirou.

- Eu gosto dele, gosto muito mesmo. Talvez até ame. Toda essa ideia do casamento me deixou mais que feliz. Realmente queria isso, realizei planos porque queria estar perto dele para sempre - Ela disse enquanto via em seu olhar o quanto ela realmente havia sonhado com esse futuro - Mas ele não sente o mesmo. É extremamente gentil comigo, sempre foi, e isso na verdade é uma das coisas que sempre me atraia. Até que vi vocês dois juntos e sinceramente, qualquer beijo que ele me dê não se compara com a forma como ele muda quando esta perto de você.

Não respondi. Simplesmente aquela não era a primeira vez que escutava algo do tipo e não tinha palavras para argumentar ou discordar.

-Isso é óbvio para qualquer um que preste um pouco mais de atenção - Ela disse e segurou o caderno em suas mãos, folheando algumas páginas até parar em outro desenho logo no começo. Mary virou o caderno para que eu pudesse ver uma construção antiga detalhadamente desenhada no papel , mas depois de olhar um pouco melhor, percebi que estava no canto esquerdo o que ela queria me mostrar. Algo que claramente não havia sido a mesma pessoa que desenhou o que estava no restante da folha. - Há algum tempo atrás estava encostada em uma árvore em frente o prédio onde haviam atividades extra curriculares. Sempre gostei da arquitetura dele e resolvi tentar reproduzir. Já estava quase terminando quando alguém totalmente distraído acabou tropeçando em um estojo, o que fez com que meus lápis de desenho espalhassem pela grama. Já havia visto ele algumas vezes e confesso que até o achei atraente, mas ali, enquanto ele se desculpava e sorria tentando juntar todos os lápis, foi quando senti algo a mais talvez. Ele viu o desenho e disse que era muito bonito, então perguntei se ele também desenhava e recebi um "bem pouco" como resposta. Mas logo em seguida ele segurou um dos lápis e virou a folha para si desenhando essa rosa no canto. Não é o tipo de desenho que aprecio, mas algo nela me chamou atenção e quando perguntei o porque dela, ele apenas sorriu e disse que eram boas lembranças. Nunca entendi o porque, até que, dois dias atrás na manhã após o baile, vi você no campo de rosas e então não tive mais dúvidas do que ele quis dizer com essas lembranças.

Ficamos encarando uma a outra por um tempo e vi em seu olhar toda a tristeza que ela escondia refletida em seus olhos enquanto sintia transbordar pena dentro de mim.

-Eu... sinto muito.

Mary deu um sorriso irônico e levantou da cama parando na minha frente - Não sinta. Sinceramente, ninguém conseguiria apagar qualquer lembrança sua que ele tenha, apesar de que quando cheguei aqui achei que poderia ser capaz disso. Imagino que existam outras coisas que influenciam nessa história, mas simplesmente cansei de me sentir como a "outra".

Ela passou por mim com o mesmo ar superior de antes e vi que qualquer momento quase amigável que tivesse existido ali, havia acabado. Retirei do quarto todos os panos que precisava e ia sair, mas parei na porta e olhei para trás encarando Mary tentando arrumar seu cabelo no espelho.

-Então por que você simplesmente não toma uma atitude e acaba com tudo isso?

Mary ficou com as mãos paralisadas por um tempo e quando virou em minha direção, seu olhar possuia certo ódio. - Acho que isso não é da sua conta.

Bufei e sai sem dizer mais nada. Mary poderia continuar calada, mas talvez não fosse certo que eu também continuasse sem fazer nada sabendo que não era a única que precisava de ajuda.