Já era madrugada quando Yukio terminou de fazer o relatório que precisaria entregar na manhã seguinte. Decidiu ir à cozinha beber alguma coisa e relaxar a mente. Porém, assustou-se ao adentrar o recinto. A mesa estava repleta dos mais diferentes tipos de comida – todos de aparência e cheiro deliciosos, por sinal. Enquanto desligava o fogão, seu irmão mais velho batia numa tigela o que parecia ser chantily. Seus cabelos azulados, presos para trás, soltavam algumas faíscas da mesma coloração, como se a qualquer momento o garoto pudesse pegar fogo, literalmente. E embora parecesse tão transtornado, o bolo que ele retirou de dentro do forno parecia impecável e delicioso, mesmo que ainda não estivesse com a cobertura apropriada.

- Rin, o que deu em você? – O mais novo perguntou, finalmente. Aproximou-se da mesa e levou um dos bolinhos de carne apimentados à boca. O sabor estava incrível. O mais velho não o encarou em nenhum momento.

- Nada. Só quero cozinhar. – Ele começou a cortar os morangos que fariam parte do enfeite do bolo. – Aliás, amanhã, entregue à Shiemi a mochila dela. Ela esqueceu na biblioteca. – Yukio estranhou o tom de voz do irmão. Parecia mais rouco e lento que o normal. Lembrou-se de ter visto a loira correr para casa, através de uma das janelas da escola. Mas ela estava distante demais para ver sua expressão.

- Por que você mesmo não entrega? Brigaram por causa do trabalho ou algo do tipo? Rin, você deveria medir suas palavras com a Moriyam-

- Eu sei, Yukio! Eu sei que não sou você! Por isso que estou falando pra você entregar a mochila dela, provavelmente ela ficará feliz vendo a sua cara ao invés da minha! – Ele explodiu, parando o que estava fazendo por um momento. Yukio engoliu em seco. O que estava havendo com seu irmão? Para Shiemi não querer ver Rin, a única explicação óbvia era que...

- Rin, você rejeitou a Shiemi? – Ele perguntou, um tanto surpreso. O mais velho arregalou os olhos, perplexo. Virou-se, encarando o irmão.

- Você quem rejeitou ela, não eu. – Yukio levantou as sobrancelhas. – Não se faça de desentendido, eu vi vocês dois conversando sozinhos semana passada. – Rin voltou a cortar os morangos, com o olhar abatido. – Tentei ajudá-la hoje, mas ela não confia em mim. Ofereci minha amizade e ela saiu correndo e chorando. Realmente, só sou bom em cozinhar. Comida não precisa de palavras, só nas receitas.

Yukio fechou os olhos, retirando os óculos. Havia entendido toda a situação – pelo menos, o principal dela. Uma veia saltou do lado de sua testa, demonstrando sua repentina raiva. Aproximou-se rapidamente do irmão, o suficiente para desferir-lhe um soco na cabeça. Rin, que não esperava aquela ação do gêmeo, cortou um dos dedos com a faca, espirrando sangue sobre os morangos.

- Mas o que você pensa que ‘tá fazendo?! – Berrou, levando o dedo até a boca.

- Quem sabe assim você deixa de ser um idiota! – Disse o mais novo. – Por causa dessa sua divina conclusão precipitada, a Moriyama-san está de coração partido e você está fazendo banquete às três da madrugada! – Ele levou uma das mãos à cabeça, mexendo nos próprios cabelos castanhos. – Pobre Moriyama-san, escolhendo justamente este idiota do meu irmão para se apaixonar! – O mais velho franziu as sobrancelhas, e iria desferir um soco em Yukio, se não tivesse ouvido a última sentença.

- Como assim? Ela gosta de você! Se declarou pra você naquele dia! – Disse em voz alta, manchando a gola da camisa do irmão com sangue e polpa de morango.

- Sim, declarou. Declarou estar apaixonada por você, o suficiente para pedir meu conselho! E olha que eu até coloquei vocês dois juntos no trabalho para ela ter uma chance... – Ele lembrou-se da manhã anterior, quando encontrou-se com Shiemi nos corredores antes das aulas começarem.

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- Moriyama-san, eu tive uma ideia que pode ajudá-la com aquele assunto. – O rosto infantil da garota ficou cor-de-rosa.

- E qual é? – Ela levou as mãos juntas até o peito, ansiosa.

- Passarei um trabalho esta tarde para ser entregue semana que vem, em duplas. Colocarei você com o meu irmão. – Ele colocou a mão sobre o ombro dela, gentilmente. – O resto é com você. – Os olhos verdes brilharam. Aquela era uma ótima razão para ficar sozinha com o irmão de Yukio.

- O-Obrigada, Yuki-chan! – Ela sorriu, abaixando a cabeça em agradecimento. Não perderia aquele dia de aula por nada!

A não ser por uma soneca inoportuna.

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Os olhos de Rin se arregalaram, enquanto as bochechas dele começavam a adquirir um tom rosado.

- M-Mas, na mochila dela...! – Exclamou. – Isso! Na mochila dela tinha um papel com um guarda-chuva escrito Moriyama e Okumu... – O queixo de Rin caiu, sem completar a frase, sob o olhar de perplexidade de Yukio. Aquilo sim era o real significado da frase ‘tomar um banho de água fria’. Rin desviou os olhos. Levou as mãos até o avental para retirá-lo. – Preciso falar com ela. Agora. – Sentiu a mão de Yukio segurar-lhe pelo ombro.

- Às três da manhã? Está louco? E aliás, o que você vai dizer a ela? – O mais velho se desvencilhou.

- Não é óbvio? Eu vou dizer que eu estou apaixonado por ela! – A forma como Rin disse isso de forma tão fácil surpreendeu Yukio. Ele sorriu. Mesmo que seu irmão fosse um idiota, talvez tenha sido aquela sinceridade e aquele jeito impulsivo que conquistou Shiemi.

- Espera, Rin, não vá agora.

- Por que não?

- Conhecendo a Moriyama-san, é provável que ela não vá para a escola amanhã. Então você terá tempo de preparar algo. Simplesmente ir lá e gritar seus sentimentos aos quatro ventos é bem a sua cara, mas que tal fazer algo mais romântico? Garotas gostam dessas coisas. – Rin encarou o irmão, refletindo sobre as palavras dele. Realmente, acordá-la aos berros talvez fosse muito rude, depois de tudo que aconteceu.

- Então o que você sugere? – Yukio abriu um sorriso travesso, voltando sua atenção para a mesa.

- Pela primeira vez, você terá uma permissão para faltar um dia de aula, Okumura-san.