A Maldição Do Corvo E A Benção Do Tigre. escrita por rafasms


Capítulo 5
God Save the Queen


Notas iniciais do capítulo

Segue mais um capitulo. Dessa vez com uma demora colossal. Me desculpem galera, tempos difíceis, mas nunca vamos abandonar a escrita, certo?
Espero que gostem e boa leitura!



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Havia estacionado sua moto em um sombra perto do hangar número dezoito. O Arsenal da   Marinha do Rio de Janeiro era enorme, localizado na Ilha das Cobras,  perto da Baía de Guanabara. Mal tratado e de paredes amareladas, que um dia foram brancas.


 Renji andou até o portão de ferro que marcava a entrada para o galpão e levou a mão a uma abertura feita na porta e começou a puxá-la para o lado, fazendo as rodas um tanto enferrujadas rangerem enquanto trabalhavam para corrê-la para fora do caminho.
 Era escuro lá dentro, as janelas haviam sido cobertas por um material que se assemelha a insufilm. O único feixe de luz provinha apenas do lugar onde o lacre havia arrebentado. O cheiro de mofo se misturava com a maresia, e poeira dançava lentamente junto a sutil brisa marítima, era realmente um local perfeito para  um covil vampiresco.
 Caminhou em direção a uma lona ao fundo da sala, suja e rasgada, presa a parede de maneira tão débil que até a menor brisa a derrubaria. Renji levou a mão ao tecido e o puxou, seu corpo foi encoberto de poeira e graxa, mas não ligou para aquilo. Não havia nada atrás do mesmo, apenas uma parede feita de tijolos acinzentados. Um sorriso debochado surgiu em seus lábios ao ver o quão era supérfluo a tentativa de esconderijo daquele covil, uma ilusão simples como aquela? Obviamente, era mais do que o suficiente para os olhos humanos, mas até mesmo a mais leiga das criaturas sobrenaturais conseguiria enxergar uma porta ali. Como se visse uma camada atrás da parede e os tijolos fossem uma mera e reles miragem.
 Os seres humanos são muito suscetíveis aquilo que vêem, e por isso são tão desprovidos de fé, e claramente eles ignoram tudo que não possui uma explicação, e quando não, tentam apenas catalogar aquilo, criar um nome e um motivo cientifico para criar uma zona de segurança, para que tudo esteja sobre seu absoluto controle.E isto criou o “véu”  que as criaturas do mundo das trevas usam ate hoje para manter-se no anonimato.
 O Véu nada mais é do que uma alucinação criada pela mente dos humanos, limitada para o desconhecido, ao tentar entender o surreal. Apenas veem o que querem ver. Ninguém soube ao certo de onde “véu” veio, gerando grandes teorias por muitos, mas para Renji, era apenas o fruto da ignorância humana que colocava essa barreira entre eles e o surreal.
Sorriu vitoriosamente enquanto empurrava a porta que lembrava uma corta-fogo, a alavanca em frente à porta soltou um grito agudo ao ser acionada com o movimento de vai-e-vem.  Assim que se fechou, um estrondo foi ouvido no corredor escuro, seu novo ambiente. O eco da batida ressoou em seus ouvidos sensíveis, fazendo-os tinir por alguns segundos.
Aquele covil pertencia à rainha vampiro do Brasil, Ághata era seu nome, tinha quase novecentos anos de idade. O que raios ela estava fazendo ali? Ela tem uma história complicada, com tramóias e reviravoltas e até mesmo o clichê do romance misturado em sua saga.
 Vinda da França para o Brasil no início do século XVII,  época que em que a Igreja Europeia organizava uma verdadeira Guerra Santa contra o mal vampírico que assolava suas ruas - algo que não está nos livros de histórias das crianças-, marcado apenas como algumas guerras civis. Henrique IV havia se convertido ao catolicismo e graças a isso a Igreja estava ateando fogo em algumas “pessoas suspeitas”.
 Entocada nas terras de ninguém da América do Sul por centenas de anos, sua volta triunfal se deu ao final do ano passado, na “Guerra do Rio de Janeiro”.  As UPPs pacificadoras estavam adentrando cada vez mais a fundo as favelas para eliminar de vez o tráfico e prender os grandes chefes das milícias e máfias, novamente outra fachada para o que realmente estava acontecendo.
 Ághata havia se candidatado ao posto de “Rei” desde que o antigo havia morrido de maneira misteriosa enquanto estava em uma viagem de avião para o Sul do país. Coincidência? Essas não existem no mundo dos sanguessugas.
 Sempre haverá o lado contra dos políticos, chame-os de Oposição, Anarquistas, Socialistas, Comunistas ou o inferno que for. Eles sempre existiram, e claro, apenas poder de fogo não basta para eliminá-los, mas Ághata tinha muito mais que isso. Uma jogadora nata, assim como Napoleão ela tinha uma estratégia. Dividir e conquistar.  Mas claro, ter muita grana e sua sombra atrás do governo ajudou um pouco.  Assim no final, os carniçais inimigos ou terminavam presos ou levavam um balaço na cabeça, e os vampiros que eram encontrados, obviamente, terminavam queimados ou com a cabeça decepada.
 Não demorou para que a jovem misteriosa ganhasse a guerra contra os “Anarquistas” que se opuseram a sua auto-proclamação, e assim seu nome ficou conhecido mundialmente. Talvez esse fosse seu plano desde o início. Mas algo que a rainha jamais esperaria de seu xadrez político foi um dos fatores que alteraria para todo o sempre de sua eternidade. Ela se apaixonou.
 Enquanto a guerra explodia em mortes horrendas e sem nenhum escrúpulo , ela estava se encantando com um dos mercenários que ela havia contratado para lhe proteger. Radu era seu nome, e como ela, também era um amaldiçoado, mas ele havia sido treinado para algo diferente do que ela, havia sido treinado para matar desde sua mente criou o mínimo de consciência. Ághata havia sido criada para ser uma Iluminada e ele para ser um assassino, rápido, silencioso, letal e eficiente. Talvez realmente os opostos se atraíssem. Os boatos diziam que eles havia criados laços pelo sangue e agora estavam em um nível de amor muito mais forte que até mesmo o próprio Deus tinha por suas criações, talvez fosse exagero, mas a verdade era que eles estavam realmente juntos.
 Os passos do rapaz sobre aquele longo e amplo corredor deixavam as marcas de botina sobre os enormes tapetes que cobriam o chão, sua sombra dançava junto com o rebolar das chamas que estavam sobre os castiçais feitos a bronze e ouro. Tamanha riqueza era invejada por qualquer um, e o Corvo, que tinha aquela moradia medíocre sobre a velha oficina falida, não era exceção.
 O caminho era longo, mas ele não estava sozinho, inúmeras câmeras de segurança haviam sido colocadas em pontos estratégicos para que não houvesse ponto cego. As vezes era até mesmo possível ouvir o girar de suas lentes que focavam sobre o visitante da mansão subterrânea.
  Antes de adentrar a porta para finalmente encontrar com a rainha, passava por um ambiente decorado com inúmeros quadros com bordas prateadas e douradas. Homens com barbas brancas e seus palitós e monóculos o observavam. Mulheres com olhares e trajes tão belos e sedutores atraiam a atenção de homens luxuriosos e maléficos. Os detalhes eram perfeitos e impecáveis, tais como se as obras a qualquer momento pudessem ganhar vida. E como Renji desejava isso, ao fitar as belas mulheres retratadas ali.
 Empurrou a maçaneta feita de ferro para baixo, abrindo a porta branca feita em madeira de carvalho. Uma corrente fria passou pelos pés do rapaz, escapando daquela sala. Lá estava ela, em toda sua onipotência, sentada em seu trono que fora produzido com sangue e ossos dos seus inimigos.
 Seus cabelos negros faziam a noite parecer uma alvorada de um novo dia, sua pele branca como o leite era destacada pelo seu vestido negro feito a mão, sua beleza européia era estonteante, quase magnífica, mas o que condenava a vida dos homens ao vê-la, eram seus olhos azuis, tão claros quando um dia sem nuvens e tão profundos e letais quanto um poço sem fundo.
 Renji se aproximava aos poucos, agora o tapete aveludado fora trocado pelo jade de cor negra, e a cada passo, o eco se fazia audível todo aquele espaço.


 - Majestade. - Falou o visitante fazendo uma encenação tosca de gestos nobres.
Um sorriso maquiavélico surgiu aos lábios da rainha, revelando um dos seus caninos brancos como marfim.
 - Hoje ao amanhecer, vi notícias sobre seu feito na última noite. Está ficando famoso, senhor Renji. Deve tomar mais cuidado. - Disse, em sua voz doce e ardilosa, como a de um demônio a procura de uma nova alma para as profundezas do inferno.
 O rapaz apenas respondeu com uma leve risada, curta e seca.
 -Se vem aqui para ter seu pagamento, não precisava dar-se este trabalho, o dinheiro será entregue assim como o combinado.- Sua voz bela se tornou ríspida, mostrando sua autoridade. Ela queria que ele fosse embora de uma vez.
 -Desculpe-me Milady, mas não vim aqui pelo dinheiro.- O cinismo desapareceu, deixando claro em suas feições as reais intenções do garoto.
 A duquesa já esperava por isso, nunca podia se confiar em uma ave de rapina- a própria bíblia já o dizia -. Com rispidez, seus dedos médio e polegar se encontraram, e deles nasceu um estalar de dedos que ecoou por todo aquele imenso hall. Tão rápido quanto o próprio estalo, Renji fora surpreendido.
 Podia agora sentir o frio desalmado da lâmina de um alfanje, colada a lateral de seu pescoço. Um passo e poderia significar a sua morte. Virou sua face para sua lateral, o mínimo que podia, e finalmente encontrou o guarda-costas de Ágatha.
 Radu, era alto e esguio assim como ele, sua pele morena e cabelos tão negros que beiravam o azul escuro entregavam sua descendência árabe. Se olhos se Ágatha poderiam fazer um homem ter um enfarte por tamanho encanto, os deles poderiam tragar a alma e torturá-las com o medo sem fim de uma vida de sofrimento em meio a aquela escuridão eterna.
 Renji queria evitar o combate, pelo menos era o que parecia, pois levantou as mãos ao alto mostrando que estava desarmado.
 - Calma ai Princesinha, só quero conversar, sou um homem de negócios, 'cê sabe disso. - O cinismo havia voltado. Ele estava jogando.
 - Posso mandar meu príncipe decepar sua cabeça agora, Corvo! Então me diga um bom motivo para lhe deixar vivo, depois de tamanha ousadia e desprezo em própria casa.
 - Quem, o Alladin? Fala sério.- Debochava do parceiro de Ágatha.
 - Poderia ter lhe matado no mínimo quatorze vezes desde que adentrou esta casa, por isso cuidado com a língua ou farei um favor a Nergal de te enviar a ele sem ela. - A voz de Radu era forte e fria, sem menor sotaque, mesmo com seu turbante em face.
Renji nada disse, e palavras não eram realmente necessárias. Seu sorriso sempre falava por ele, e estava debochando do outro. Mas se o rapaz tinha o dom de tirar as pessoas do sério, Radu  tinha o dom de ignorar qualquer provocação. Era tão frio e inexpressivo que permanecia  com seu ar sério e misterioso, independente da situação.

    - É o seguinte.  - Renji começou a falar -  Um camarada me passou uma informação, sabe qual é? Achei bastante inteligente o que você fez, sério mesmo. Colocar sangue em drogas? Já tinha ouvido falar de colocar no vinho de uma igreja e até mesmo em comida, mas em drogas?! Isso é realmente uma idéia de gênio. - Por mais que pudesse ser sarcástico em seus dizeres e encenações, era possível encontrar um pouco de verdade naquele teatro habilmente encenado.
 Ágatha sentiu uma fúria primordial lhe envolver.  Suas veias negras,  que passavam por debaixo de sua pele alva, agora se mostravam sem nenhum pudor antes de arrebentar o braço de sua poltrona de luxo feito em mogno com suas unhas enormes, projetadas por seu ódio.
 -Como você sabe disso?! – Sua voz doce havia desaparecido, entrando um gutural quase demoníaco. 
As peças estavam se movendo, imobilizando a rainha daquele jogo, mesmo com o rei em suas costas estando preparado para lhe decepar em um único golpe, o primeiro xeque da partida tinha sido dado por Renji.
 -As informações vem e vão, vossa Majestade. - O tom ácido em sua voz fazia a soberana querer arrancar seu coração e jogá-lo aos vira-latas.
 Ágatha não conseguia conter mais tamanha fúria em suas vísceras. O sangue gélido e imóvel, agora se movia em uma ira quente, que poderia apenas ser saciada com a cabeça daquele insolente empalada no forte de Niterói.
  -Radu! S'accoupler cette effrontée! - Não se conteve-se em traduzir seu francês arcaico, tamanho a intensidade de seu sentimento.
 Como ordenou sua rainha e amante, Radu não hesitou em desferir o golpe, que de maneira precisa e letal decepou a cabeça do arrogante rapaz.
 Não houve sangue, muito menos o baque causado pelo membro separado, na verdade, houve uma explosão. Uma explosão de penas negras, que fez até mesmo um dos assassinos mais frios e calculistas do mundo da noite recuar em guarda alta.
As penas caiam aos poucos sobre aquele enorme hall,  o ar frio do ar-condicionado central as empurrava de maneira calma por aquele chão, dançando e ficando quase imperceptíveis sobre o jade negro.
 - Qual foi Alladin, é o melhor que você pode fazer? – A voz de Renji ecoou pela sala, e finalmente ele reapareceu , quase como um passe de mágica. Estava a menos de dois metros do mercenário da rainha. - Eu poderia ter lhe matado uma vez, o que seria mais do que o suficiente.
 Como esperado, Radu, como um verdadeiro soldado nada fez, apenas permaneceu imóvel, segurando sua arma, preparando-se para qualquer novo truque que o corvo apresentasse.
 - Tch, mas que coisa. Aposto que o seu melhor amigo espanhol não ia dar um fora desse, né? Huh. Funciona assim, Jasmin. Eu não sou o único que possui essa informação, alguns outros “colegas” estão no meio do jogo, e se eu não der sinal algum de vida em menos de duas horas, ela vai parar na toca dos lobos, estamos entendidos? -  O tom arrogante era claramente ouvido, e porque não? Ele estava no controle da situação.

    Os caninos superdesenvolvidos da vampira já estavam a mostra, como uma criatura feroz armando o bote antes do ataque letal. -Está blefando, Corvo! - Insinuou em ainda rosnados para Renji.
 Ágatha era uma excelente estrategista, tinha o carisma de uma sereia e a fúria de um Titã, mas não era uma boa jogadora. Para jogar, é preciso arriscar e ela nunca o fazia, claro que Renji sabia disso, e com isso, cada vez mais aproximava as peças para o xeque-mate.
 -Se você acha que é sim, me mate então. Mas quando seu covil estiver infestado pela matilha do cachorrão, vamos ficar juntos pela eternidade no inferno. - O toque para uma boa mentira é você mesmo acreditar nela, assim até mesmo sua voz e expressões mudam, e claro extinguir a entonação cínica e substituí-la por um tom sério e ameaçador também torna as coisas bem mais convincentes.
 A ira da rainha tinha que esperar, ele havia colocado-a em xeque-mate, em seu próprio covil. Mas ele iria pagar, algo que todos no final sempre faziam eram cair nos seus pés implorando por suas vidas infelizes, e Renji estava marcado, iria sofrer em sua mãos, mas por hora, tinha que seguir com o jogo do corvo.
 -O que você quer de mim, Corvo? O que pode ser de tanta importância para que venha em minha casa para me ameaçar?!


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