A Maldição Do Corvo E A Benção Do Tigre. escrita por rafasms


Capítulo 6
The Kinslayer - Part 1


Notas iniciais do capítulo

Fala galera. Outro capitulo entregue a vocês, espero que gostem e perdoem a demora. Novamente outro Cap, que ficou um pouco maior do que o esperado, por isso vou dividi-lo em duas partes, espero que gostem e boa leitura e sem esquercer; um Feliz ano novo para vocês o/



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A temperatura da sala estava baixa, o ar condicionado era potente.  A jovem garota segurava seus músculos para não bater os dentes. O tic-tac causado pelas pequenas bolinhas naquele maldito pêndulo estava deixando-a louca, levando em conta a total ausência de som além daquela perturbação infernal.
 Estava ali para ser entrevistada, pelo menos isso fora o que havia colocado em sua própria cabeça para tudo aquilo fazer sentido.
 O homem que estava a sua frente se intitulava como Orpheu.  Sempre que pensava nesse nome, lembrava automaticamente do personagem da trilogia do filme Matrix, mas para sua surpresa, eles eram bastante parecidos. Negro, forte e bastante alto. E além do mais, tinha a característica primária do personagem: O par de óculos que pendiam sobre seu nariz.
 - Então, Gizele Lian, me fale mais sobre você. - A voz do homem era grave e forte, possuindo um ar calmo e sereno.
 
Gizele era uma garota um tanto fechada, mas não era tímida. Suas roupas e estilo demonstravam claramente isso, seus cabelos um dia castanhos agora eram ruivos, mas não em um vermelho qualquer, era “o ruivo”, como se sua cabeça sempre estivessem em chamas vivas.  Muitos dos seus colegas depois de encontrá-la em seu novo visual passaram a chamá-la de “ponto de referência ou tocha humana”. A camisa preta de sua banda favorita demonstrava seu gosto por músicas não aprovadas pela sociedade tradicional, assim como todo seu manequim bem arranjado em roupas escuras, juntamente com cordões que formavam pentagramas e correntes.
 - Bem, na verdade, o senhor já sabe sobre mim. É aquilo mesmo que já lhe disse, não sei quando elas começaram, e não sei como fazê-las parar... - sua voz adolescente estava exausta, assim como a sua própria aparência.
 A mais de um ano, a jovem começou a ser atacada por visões. No início, até gostou da ideia, mesmo sendo assustador, mas era algo diferentemente atraente. Mas com o passar o tempo, elas vinham, se tornando cada vez mais fortes e mais fortes, ate que um dia ela acordou escrevendo em sua parede o que havia “visto” enquanto dormia, mas não havia lápis em sua mão, havia escrito tudo com seu próprio sangue, além de ter ganhado uma cicatriz em seu pulso, seu pai ficou tão preocupado que lhe colocou em sessões de ajuda psiquiátrica. Então, houve outro surto, o mundo havia deixado de ser o mesmo, as pessoas haviam se transformado em monstros horrendos e grotescos, que para ela só eram vistos nos cinemas e livros. Assustada, procurou em todos os lugares por ajuda, até que finalmente encontrou Orpheu, na verdade, ele a encontrou, e agora estava ali, tentando de alguma forma entender o que estava acontecendo, alimentando uma esperança de voltar o mais rápido possível ao normal, se não, que pudesse pelo menos controlar.
 
Orpheu soltou uma leve pigarro que foi aparado por sua mão gigante, e logo em seguida com sua outra mão ajeitou o par de óculos que escorregava aos poucos. Ele realmente elevava a aura de tensão do local, parecia estar entediado, mas era impossível dizer, pois suas feições eram tão sérias e imutáveis quanto às de uma estátua de granito.
 - Senhorita Gizele, você possui a clarividência como dom, como você mesma já sabe. Porém, como qualquer outro dom, não é possível deixá-lo morrer, mas sempre é possível trabalhá-los e, futuramente com muito treino e prática, evoluí-lo.
 O silêncio caiu novamente naquele escritório, Gizele havia ficado sem esperança e palavras, no fundo de sua alma ela esperava que talvez houvesse uma cura, mas agora, a realidade havia lhe dado um cruzado de direita. Mas nem tudo estava perdido.  Como ele mesmo havia dito, ela poderia treinar e controlar isso. Isso mesmo. Ela própria havia se convencido que tinha que pensar positivo.
 - Já imaginava que não poderia me curar, mas então, o que posso fazer para controlar isso? - A voz de Gizele era desgostosa, mas era possível ver que ela havia compreendido a situação.
 - Você entrará para o grupo, minha cara. Mas isso é uma decisão inteiramente sua. – Novamente a voz de Orpheu era imparcial e rígida.
 - Grupo, que grupo? – A entonação da jovem revelava o quão estava surpresa.
 Pela primeira vez, ela havia visto um leve sorriso surgir nos lábios de seu entrevistador.
 - Senhorita Gizele, como você mesmo observou o mundo não tão é simples quanto nós queríamos que fosse. Existem criaturas que nos rodeiam e observam. Algumas boas e outras... Bem, não tanto.


Ela sabia que era verdade. Desde que havia conseguido esse presente, algumas vezes havia encontrado coisas que não eram possíveis de se compreender em meios conhecidos e céticos. Outro motivo para seu pai lhe deixar mais algum tempo em um psiquiatra.

 - Eu sei... - Disse de maneira baixa e fraca, enquanto se lembrava dos fatos horrendos do passado.

- Então, agora lhe dou a chance de se juntar a um grupo de profissionais que é especializado em eliminá-las desse mundo. E com seus dons, poderia transformar nosso trabalho em algo mais fácil, e ainda poderia aprender muito mais estando em contato comigo e com outras pessoas especiais, assim como você.

O silêncio caiu novamente sob o recinto, o que ele estava dizendo? Ele estava lhe chamando para ser de um “time” ou “pelotão”? Isso era loucura demais. Mas agora esse era o seu novo mundo, não era? Ela não pediu para ser jogada nele e muito menos para ter uma droga de cicatriz em seu pulso. Também não pediu esse presente idiota que desde sua chegada apenas lhe causava pesadelos. Tampouco pediu para encontrar com seres tão horrendos que até mesmo H.P Lovecraft teria medo de descrevê-los em seus contos. Ela não havia orado por nada disso, mas essa era sua nova vida.

- Então, sim ou não, senhorita Lian?

Cinquenta por cinquenta. Cara ou coroa. Tudo ou nada. Ser ou não ser? E por que não? - Pensou a garota antes de dizer: “sim”.

Orpheu se levantou mantendo aquele leve sorriso em sua face, como de um vencedor tímido em algum cassino milionário em Las Vegas, e se direcionou até sua mais nova aquisição para o grupo. Apertou-lhe a mão, ainda sorrindo, revelando alguns dos seus dentes completamente brancos.

Guiou-a até a porta, para que finalmente saísse daquele confinamento, e ao abrir a entrada para seu escritório, se assustou ao ver que Renji estava em sua porta lhe esperando. Aquela era uma boa hora para apresentações, chegou a pensar Orpheu, ainda trajando seu sorriso vitorioso, enquanto apontava para o rapaz encostado na lateral da porta.

- Esse é Renji, minha cara.
- Tire esse sorriso da cara, 'tá parecendo um pedófilo que acabou de se dar bem.
O escárnio na voz do rapaz era impossível, e suas palavras rudes arranhavam os ouvidos de Orpheu como uma faca de ferro impuro destrói uma louça feita de jade. Às vezes sua paciência era quase perdida e se amaldiçoava por ainda tê-lo por perto, mas sua calma e etiqueta sempre estavam acima de qualquer eventualidade, e assim permaneceu imutável, ignorando os primeiros ditos e se martirizando pela primeira impressão errônea que a jovem ao seu lado teria daquele marginal, mas nada foi dito. Olhou para Gizele para tentar compreender o motivo do silêncio e logo viu em seus olhos o motivo para estar muda: medo.


O coração da jovem havia parado por um segundo, quase como um mini ataque cardíaco. Suas mãos suaram o que ela suaria em três horas de educação física em apenas segundos, as pupilas dilataram revelando em seus olhos amendoados o pavor momentâneo.
Ela fechou os olhos, se prendendo em seu mundo particular e em suas orações para que aquela imagem desaparecesse. Tentava controlar o peito apertado, que lhe dava angustia e inquietude, vontade de simplesmente cair no chão chorando e implorando para que alguém lhe tirasse daquele maldito pesadelo que não tinha hora para terminar. Ouviu chamarem por seu nome. Estava na hora de voltar para o mundo real, seu inferno pessoal.
Ela abriu os olhos, e a imagem havia desaparecido. Apenas um rapaz de cabelos grisalhos estava a sua frente. O monstro havia ido embora. Sua oração havia dado certo, mas não sabia por quanto tempo.
- 'Tá legal garota? - A voz de Renji soava com um tom irônico, mas parecia preocupado.
- Sim, sim... Eu acho. – Falava enquanto balançava a cabeça para cima e para baixo em um gesto positivo.
- Show, e bem... Então. Eu sou Renji, prazer.
Renji havia estendido a mão para a novata, que demorou um pouco para apertá-la. Ainda estava tentando esquecer o que havia visto e entender como aquele rapaz poderia ser algo tão horrendo.
Orpheu pousou sua mão no ombro de Gizele, como um pai orgulhoso antes de apresentar o filho.
- Quem bom que conheceu a jovem, Renji. Ela será sua nova parceira.
O sangue de Gizele gelou ao ouvir aquilo, iria ser a nova “parceira” daquele monstro? E Renji também parecia não estar muito alegre com tudo aquilo. Era possível notar em sua face um pouco de desdém para com a nova integrante da associação.
- Vamos conversar lá dentro, Big boss. Só nos dois, pode ser? - A fala de Renji foi curta e o tom brincalhão havia mudado para o áspero e ranzinza.
 Orpheu fez que sim com a cabeça e eles entraram em seu escritório, deixando a garota sozinha no corredor.
Gisele olhou de um lado para o outro, não havia ninguém ali. O corredor era fechado e a única porta era a de Orpheu, que estava no final do mesmo. Tijolos vermelhos e alguns baldes com terra e planta criavam uma ambientação agradável, assim como os pequenos chafarizes feitos em calcário, intercalados em cada lado do corredor.
Belas moças que trajavam roupas simples e despejavam a água de seus potes. Ao ver aquilo, Gizele logo as identificou com o símbolo astrológico de Aquário. Não tinha para onde ir, então decidiu esperar, sentando-se em uma das cadeiras confortáveis com almofadas em seu acento. Quem diria que teria aquele luxo naquela instalação dentro do edifício Castelo no centro da cidade. Quem diria que estaria ali, mas depois tudo que havia passado, não era estranho. Soltou um leve suspiro e sentiu que o cansaço a tomava, mas subitamente um estrondo cortou a porta e um grito, na verdade um xingamento muito bem dito e alto a fez quase saltar da cadeira pelo susto. Voltou sua atenção para a porta, parecia que a conversa não ia bem.

- Porra, Orpheu, 'tá de sacanagem?! Querendo me colocar de babá, cacete?! - Renji estava em uma pilha de nervos e rondava a sala como um tigre ansiando por um confronto.
- Acalme-se e reduza seu tom de voz, lembre-se que ela esta lá fora e pode nos ouvir caso você se exalte. - As palavras de Orpheu eram sempre polidas e calmas, mas cheias de autoridade.
- Você 'tá levando uma garota que ainda fede a leite, e que provavelmente ainda é virgem 'pra a morte e quer que eu me acalme, porra?!
- Quando você se juntou a nós era tão novo quanto ela, Renji. Dê uma chance à garota.
- Uma chance 'pra que?! Para ela ser devorada por alguma coisa? Nem fodendo.
- Ela decidiu, Renji. Ela escolheu, assim como você.
- Não me venha com esse papinho de pílula azul e vermelha. Você 'tá atirando uma garota de quinze anos para morte, caralho!
- Está decidido Renji, e você será o parceiro dela. Encare como se ela fosse uma estagiária.
Renji balançou a cabeça para um lado e para o outro, enquanto passava sua mão por cima de seus cabelos curtos e prateados, tentando se manter calmo diante a aquela situação inadmissível. Mas falhou.  A fúria lhe tomou com tamanha força que o fez avançar em direção a Orpheu com voracidade. Mas talvez seu senso de certo e errado desse o ar de sua graça, coisa rara de acontecer, ou quem sabe, Orpheu sabia o que iria acontecer. Sua faca nova, que havia sido tirado de sua cintura com tamanha velocidade, encontrava-se cravada a mesa e não pescoço de seu chefe.
- Esse é o mundo das trevas. Aceite ou seja engolido por ele. - Essas foram as palavras finais de Orpheu.
Orpheu em nada se abateu com aquela situação. Estava acostumado com tudo aquilo, ele se lembrava do quanto era ameaçado por aquele empregado problemático. Sua família, principalmente sua filha, na qual foi jurada de estupro enquanto ele se divertiria cortando-lhe a garganta, eram os alvos favoritos dos blefes de Renji, isso sempre acontecia quando era contrariado. Mas no final, sempre era facilmente dobrado, ele certamente não era totalmente maligno. Era assim que Orpheu pensava, mas ele não sabia quanto rancor o rapaz havia guardado todos aqueles anos, onde ele havia o colocado em situações estúpidas e letais, apenas para manter o bom nome daquela maldita empresa. Queria ele não ter tomando a decisão de ficar, queria ele não ter tomando muitas decisões em sua maldita vida.
A porta se fechou de maneira tão brusca que a maçaneta partiu-se ao meio.

Renji respirou fundo, tentando se acalmar, tinha que bolar um meio de tirar a garota da jogada e ao mesmo tempo não deixar isto aparente.
Avaliou-a de cima a baixo, e balançou a cabeça negativamente. - Uma metaleirinha ruiva. Excelente. - Pensou o rapaz se aproximando da jovem, que estava com os olhos esbugalhados, possivelmente pelo que havia acontecido.
- Então, vamos nessa? – A felicidade forçada e a falsidade eram mais do que aparentes.
A garota não sabia o que fazer, mas ela no final de tudo havia aceitado, então, como o chefe daquele grupo havia dito, ela agora fazia parte de uma equipe, e aquele rapaz seria seu parceiro. Uma palavra engraçada, “parceiros”. Sempre ligava a isso a casais, mas nunca se imaginou sendo uma detetive sobrenatural, afinal era idiota demais pensar em algo parecido com isso. Era melhor deixa-lo lhe guiar e ficar longe para não atrapalhar. Além do mais aquela conversa havia lhe assustado, e muito. Ela poderia morrer. Ela poderia morrer de alguma forma horrível.
 Gizele fez que sim com a cabeça de maneira um pouco tímida tentando forçar um leve sorriso sem graça que surgiu após de bastante esforço.
Ela o seguiu até o final do corredor e esperou de maneira ansiosa pelo elevador. O rapaz nada dizia e o clima estava tão tenso que poderia o cortar com uma faca. Talvez pudesse falar algo e criar um assunto, mas ela não fazia à mínima ideia do que falar. Na verdade, até fazia, mas tinha mais do que certeza que não era hora de abrir a boca. Preferiu engolir qualquer palavra a soltar algo que pudesse irritá-lo.
A seta feita em ferro girava com a calma de um relógio milenar e nunca avançava para chegar ao topo, a falta de palavras estava deixando a jovem completamente apavorada, inúmeros pensamentos lhe bombardeavam a mente, sobre seus fatos passados e sobre sua situação atual, mas a insegurança e o bom senso mantinham seus lábios tão fechados que pareciam ter sido costurados.
A porta do elevador que mais lembrava um mosaico não se abria, e a imagem em barroco lhe chamava a atenção. Todo aquele lugar era feito com obras de arte. Desde a porta do elevador até as pinturas modernistas na parede de gesso. Orpheu provavelmente adorava arte, na verdade, possivelmente idolatrava-a.
A luz do andar se acendeu, e as portas com desenhos entalhados se abriram, o elevador havia chegado.
Ele foi o primeiro a entrar e ele apertou o botão para o térreo, e tão rápido quanto ele o fez ela entrou, encostando-se ao lado oposto ao que ele estava. Sua curiosidade havia vencido.
- Vampiros existem? – Perguntou sem controlar sua própria boca.
Ele ficou calado por um instante, ela congelou achando que ele a estava ignorando ou havia o incomodado começando com o pé errado.
- Infelizmente sim... Heh, estão por toda parte. – Respondeu em tom sarcástico.
- Lobisomens?- Perguntou logo ao final da resposta.
- Sim, em quase toda parte. – Novamente o sarcasmo em tom de piada.

- Anjos? Demônios? Espíritos?! - As possibilidades vinham em sua cabeça e ela precisava saber cada uma das respostas.
- Espíritos, esses sim 'tão em todos os lugares. Demônios? Sim, mas nunca vi um de verdade. Anjos? Nem fodendo.
O apito anunciou a chegada do elevador e a porta se abriu e ele saiu na frente em passos rápidos.
- Por que não? - Perguntou assustada e afoita.
- Se Deus existisse, pirralha, eu não teria que fazer o trabalho dele.
Gizele ficou muda, não sabendo responder a aquele dito. Na verdade ficou irritada quando ouviu o apelido recém-imposto. Naquele instante em que saia do elevador e ultrapassava todo o corredor da capela, apenas pensou nele e quão era injusto, como se ela fosse uma filhinha de mamãe que nem ao menos sabe atravessar a rua por si só.

Seus passos rápidos tentavam acompanhar os despreocupados de Renji, e aqueles sons ocos eram ecoados por todo aquele castelo. Os vitrais coloridos que demonstravam em passagens toda a vida de Jesus Cristo pareciam que os negligenciavam por fazer tanto baralho em solo sagrado, as imagens com vários santos, alguns que ela mesma não sabia quem eram, os observavam com olhares críticos, ignorando por completo a piedade normalmente exposta em suas faces.
Aquele monumento se encontrava no fim da Presidente Vargas, no centro do Rio de Janeiro. Era algo maravilhoso, contendo uma arquitetura europeia, desde sua cúpula com vitrais desenhados e coloridos até mesmo as paredes cinzas e negras que compunham seu corpo de palácio. O monumento ficava sempre cheio perto do fim de semana e até mesmo em feriados, mas em dias úteis, em determinadas horas era possível não encontrar nenhuma alma viva, exceto os guardas noturnos, contudo Gizele agora sabia que realmente as aparências enganavam. Uma sala secreta onde o líder de uma organização controla o destino do sobrenatural e do surreal estava em suas listas de coisas mais improváveis de se acontecer. Depois daquela noite ela nunca mais iria observar um canto escuro da mesma maneira. Agora tudo era realmente possível.
Os passos cessaram quando Renji parou perto de um balcão. Uma atendente muito bonita estava ao outro lado. Gizele havia visto seu nome pelo crachá que vinha escrito : “Olá meu nome é Claudia, como posso lhe ajudar?”.  Os cabelos da moça eram cacheados e dourados, sua pele era branca apenas avermelhada nas bochechas pela maquiagem e seus lábios carnudos poderiam fazer qualquer pai de família cair em tentação para consegui-los.
- Como vai a minha loira favorita?- Renji visivelmente não era nenhum pouco sutil em suas entradas.
A moça que estava digitando nada disse, e apenas ficou a teclar e teclar, cada vez mais rápido, como se tentasse de alguma forma excluir ou abafar a existência de Renji daquele local.
Mesmo ao longe, a garota ruiva conseguiu ouvir a entrada do rapaz para um papo, mas ao ver que não rendera, não conseguiu segurar um leve sorriso. - Se fodeu - Pensou a jovem enquanto tentava controlar seus espasmos faciais.
- Qual foi gata? Vai fingir que eu não existo? – Renji teve de dar três batidas leves ao balcão para que ela se virasse para ele, mas quando ela o fez, ele mesmo desejou que ela continuasse a ignorá-lo, sabia que iria ouvir.
- “Qual foi, gata?” Você por acaso acha que sou uma prostituta ou o que? Faz mais de uma semana que você não atende minhas ligações e não retorna minhas mensagens, se quiser me dar um fora, fala logo, e não me enrola, okay?
Como ele suspeitava, era melhor ela ter lhe ignorado, mas não era primeira vez que ele fazia isso e possivelmente não seria a ultima.
- Qual é Claudia? Tu sabes que ‘to me fodendo 'pra caralho para trabalhar pro teu chefinho, eu não te ligo há uma semana e também não durmo há uma semana. - Havia pensado rápido, a lábia sempre foi o seu forte, ainda mais quando precisava de brinquedos para uma noite.
As suas olheiras estavam profundas e sua aparência realmente estava um pouco mais abatida do que ela lembrava. Realmente não se lembrava de tê-lo visto por ali há mais de uma semana.

Talvez eu estivesse sendo injusta, pensou Cláudia enquanto respirava fundo, ligando os pontos.
 -Então, podemos conversar 'numa boa?- Renji se aproximou, descendo o pescoço para encarar aqueles fundos olhos azuis. Ela havia cedido e ele sabia.
 - Desculpe, eu estou muito estressada, tem muita coisa acontecendo, minha mãe 'tá doente meu irmão foi 'pra cadeia, minha vida está um caco, eu... Eu não aguento mais. – A jovem estava aponto de desabar em choros. Era até mesmo possível ver o brilho dos olhos anunciando a água que iria descer.
 - Se acalme, gata. Depois do trabalho de hoje eu passo aqui e a gente sai para conversar, o que você acha? – Na fraqueza se aproveite. Regra número um de caçador.
Gizele arqueou suas sobrancelhas tentando entender o que havia acontecido ali? Ele conseguiu inverter toda aquela situação com apenas uma frase? Ela jurava que iria ver uma briga das boas.
As mãos de Renji desceram pela cintura de Cláudia, ficando perto do seu bolso traseiro, Gizele acompanhou todo aquele movimento como se ele fizesse para que ela mesma observasse e então os dedos se fecharam deixando apenas o dedo médio estendido, ele estava lhe mostrando “o dedo”, mas como?! Era impossível ele saber que ela havia sorrido ao inicio daquela conversa, quando parecia que ele estava entrando maus lençóis. Era pelo menos para ser impossível. A mão se transformou agora se abrindo e com um movimento do pulso ele a chamava para mais perto. Talvez tenha sido apenas coincidência. Apenas talvez.
Decidiu fazer como ele pedia e foi se aproximando. Agora a conversa que geraria explosões de gesto e xingamentos altos, foi convertida em gracejos e risos.
- Obrigada Renji, muito obrigada mesmo. – Cláudia agora não parecia mais que iria cair em prantos, na verdade sorria com esperança.
Renji também sorria, pois havia conseguido um lanche para meia noite.
- Essa aqui é a nova mascote do grupo, vem aqui Gizele. – Renji a abraçou pelo ombro trazendo-a para mais perto, dando-lhe um beijo em cabeleira ruiva.
A garota, que não sabia que fazer, apenas acenou dizendo oi de maneira tímida e tão baixo que parecia que ela era muda.
-Não havia a conhecido ainda! Muito prazer e bem-vinda ao grupo.
Gizele não sabia se os sorrisos das mulheres significavam o que realmente deveriam expressar, apenas sorriu, e retribuiu com um “obrigada” tão baixo quanto seu “oi”.
- Bem gata, eu preciso voar, mas antes eu sem querer deixei minha agenda com você, você guardou? - Agora ele bancava o galanteador das ruas, apoiando seus cotovelos sobre o balcão em uma pose.
Não demorou para que Cláudia encontrasse a agenda em sua bolsa, mas chamar aquilo de agenda era algo errado, um bolo de papel juntos e amassados, onde os arames quase se passavam por  cordas entrelaçadas como cadarços, que tentavam arduamente manter aquelas folhas juntas como uma papiro em agonia.
- Aqui está, e coloquei meu número nele, para você me ligar quando quiser. - Não era preciso dar mais dicas para que ele entendesse, e claramente ele havia entendido.
- Pode deixar, gata. - Sem delongas tomou a agenda quase morta das mãos da secretária e finalmente se dirigiu a saída. Até agora Gizele se perguntava como ele havia feito tudo aquilo.
Antes de o seguir novamente, chamou por um dos seguranças, pedindo sua mochila de volta, a segurança rígida do local impedia que os visitantes andassem por ai com suas bolsas e até mesmo para ela, uma convidada de Orpheu, não foi diferente. A mochila jeans estava completamente surrada, ela sabia que precisava trocá-la, mas por algum motivo ela tinha certo afeto em relação àquele trapo, para disfarçar os estragos a enfeitava com botons e algumas costuras.

Correu para alcançar Renji que já estava do lado de fora, conseguiu o alcançar no estacionamento dos funcionários e ficou perplexa ao ver a motocicleta do rapaz, ela não entendia de motos mas sabia que aquele era uma muito especial.
 -Eu sei, ela é foda. – Renji tomou o capacete que estava preso ao guidão e jogou para a garota - Pensa rápido!
 Gizele por pouco não o deixou cair, pegando de forma desajeitada. Ela encarou o acessório confusa e perguntou arqueando as sobrancelhas:
 - Para onde vamos? - Ela perguntou.
- Surpresa, minha jovem, surpresa.


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