A Maldição Do Corvo E A Benção Do Tigre. escrita por rafasms


Capítulo 4
WALK


Notas iniciais do capítulo

Vamos começar a viagem nesse universo onde o Rio de Janeiro e o grande cenário, espero que gostem e boa leitura.o/



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Walk.

Mal dia havia começado . Inúmeros repórteres estavam cercando a delegacia, havia ocorrido um incêndio em prédio pelas redondezas, o promotor de justiça e até mesmo o “porta-voz” do governador haviam ido até seu gabinete para lhe dar um “papo de amigo”, o que na vida real é chamado de esporro. A manhã não havia chegado nem perto das nove horas e Marcelo já estava com sua cabeça a ponto de explodir.
Havia acontecido ali, bem no centro da cidade, outro homicídio que havia escapado por entre seus dedos, outra obra do serial killer conhecido por todo o Rio de Janeiro. O Corvo havia atacado novamente, e bem de baixo do nariz da Delegacia de Homicídios.
Marcelo estava estressado, sua pele caucasiana estava avermelhada de tamanha raiva que sentia, como isso havia acontecido?! Estava no encalço desse infeliz há quase seis meses e até agora não havia conseguido nada! Zero! Nada! 

Todos os jornais exibiam notícias e mais notícias sobre a incompetência da polícia e é claro se a segurança é horrível , a culpa é do governador, o que lhe trazia uma dor de cabeça maior do que má publicidade.

Ajeitou sua gravata, puxando seu nó para um lado e para o outro, afrouxando, para que o sangue corresse por sua cabeça, talvez isso ajudasse, mas claro que era só uma mera ilusão de sua cabeça em uma tentativa desesperada. Afinal , isso não traria a identidade do assassino para ele, porque isso nem o babaca incompetente tinha!
Em um ataque de fúria, varreu todos os papéis que estavam em sua mesa, em um empurrão que quase a virou, soltando uma espécie de grito.
Levou suas mãos sua cabeça, fazendo-a deslizar sobre a careca que tinha. Menos de cinqüenta anos e já estava quase completamente sem cabelos, tendo apenas as costeletas grossas nas laterais de sua face, essas que lhe deram o apelido de Marcelo Costelinha, ou apenas Costelinha para os mais íntimos. Em geral Marcelo era gente fina. Tinha todas as qualidades que um bom detetive de policia deveria ter. Paciente, ponderador e positivo. O que ele chamava dos três “Pes”, porém nenhum deles estava atuando sobre ele agora.
Respirou fundo tentando se acalmar, e não tardou ate ouvir o bater em sua porta. Não foi preciso que ele dissesse que poderia entrar, pois Álvaro adentrou o gabinete de seu superior tão logo quanto havia batido. Álvaro era sua braço direito, garoto novo. Havia passado no teste para perito criminal, formado na UFRJ em física, e já havia terminado seu mestrado. Com menos de trinta anos já havia casado e sua esposa esperava o seu primeiro filho, seu futuro era promissor, mas desde que ele havia entrado no caso Corvo, já não tinha certeza se seu futuro ainda era tão brilhante assim.


–Chefe, você esta bem?-Seu modo de falar era liso e polido, tal como um doutor.

–Estou, quer dizer, não muito...-Marcelo recompôs-se antes de sair de sua cadeira reclinável, tinha que pegar os papéis que havia espalhado pela sala.
–Bem, eles estão lhe esperando para a reunião, quer que eu diga para eles esperarem?-Álvaro era simpático e realmente estava preocupado com seu chefe.
–Não, não. Estou a caminho, pode ir, eu vou pegar esse papéis que deixei cair.-Marcelo já estava no chão, engatinhando, pegando o que havia caído por de baixo de sua mesa.
–Ok, com licença.-Falou de modo calmo mas preocupado antes de fechar a porta.
Quando Marcelo ouviu o fechar da porta, um suspiro escapou e ele se encostou na lateral de sua mesa, uma posição deplorável para alguém como ele. Um perito criminal, na verdade delegado daquele departamento, estava sendo enganado por um meliante.
–Onde você estiver agora, Corvo. É bom que curta, pois eu vou te pegar, ah se vou!

O despertador berrava, música alta acompanhada com rifes de guitarra, o Sol já adentrava a casa bagunçada e remexida do rapaz que estava dormindo de maneira calma sobre um colchão com focos de mofo em sua lateral. Seu travesseiro era uma garrafa de uísque e sua coberta era o frio da noite o calor do dia seguinte. Se levantou, sonolento, tonto e ainda um pouco cansado, mas se o despertador estava tocando significava que já passava das duas da tarde. Antes de levantar-se, estendeu sua mão para direita, tateando até encontrar um vidro com pílulas de cor avermelhada, depois que os encontrou não fez cerimônia e levou a boca grande parte do medicamento de uma só vez, alguns caíram de sua boca e foram para sua cama e para o chão, mas parecia não ligar, os mastigou como se fosse um aperitivo e se levantou.

Andou por seu apartamento chutando todos os lixos e trapos que havia a sua frente, o que não era pouca coisa, era quase como andar em um lixão. Copos, revistas, peças de carro, caixas -desde de cereal até de um vídeo game-, panfletos e outras porcarias. Não era apenas ao chão que havia poluição, o teto também, mas não eram copos e outros lixos,eram mapas, fotos e recortes de jornais e revistas todos espalhados por toda parede e teto, fotos de mulheres, homens e crianças. Mapas de todos os tipos desde topográficos ate mesmo os de rodovias, todos riscados, marcados e pintados, era algo quase que assustador ou psicótico.

Abriu a janela, deixando os raios solares tomarem de vez a casa, virou sua face e xingou pois sua visão ainda não havia se acostumado, se colocou na sacada e olhou para o grande estádio a sua frente. Morava em Engenho de Dentro em frente ao Engenhão, o apartamento era pobre e bem simples, na verdade uma sobre-loja ou melhor uma sobre-oficina, dois andares e três quartos por andar, não tinha colegas de quarto e muito menos vizinhos ao seu lado, era perfeito, tinha aquele pedaço apenas para ele, ao pensar nisso um sorriso de felicidade veio a sua face enquanto se espreguiçava. Começava agora mais um dia de sua vida medíocre.

Ligou o rádio com o som alto e a tevê também, em um tocava agora sua playlist favorita, munida das músicas da banda Pantera , e a outra estava sintonizada no canal de notícias e por sorte uma reportagem sobre o Rio de janeiro estava acontecendo.
No banheiro, levou uma porção de água generosa em sua face para lavá-la e depois se olhou no espelho. Cabelos grisalhos mesmo tendo apenas vinte e dois anos, sorriso cínico que o marcava a todo momento. Corpo esbelto, atlético e jovem que era seu trunfo para se divertir quando queria. A tatuagem negra vinha de suas costas até seu torso frontal- uma marca do que havia feito a tempos, que não iria desaparecer - a ave negra com pescoço longo e asas desenhadas ao estilo tribal, essas corriam até aproximadamente a altura dos ombros, e as penas da cauda eram espadas que somavam três no total. Em volta de seu dorso cicatrizes vinham por todo ele e ao redor seu corpo, eram marcas desde finos cortes de lâminas ate queimaduras, que agora havia somado mais uma, um pouco acima do peito. O disparo que aquela idiota havia feito. Não tinha transpassado, mas mesmo assim havia deixado uma marca, que iria demorar uns dois dias para desaparecer.

Jogou a água em sua face novamente, novamente e mais uma vez, até que seu ritual estivesse completo. Se olhou ao espelho, alguns resquícios da noite haviam desaparecido, mas as olheiras e o olhar incrédulo continuavam no mesmo lugar, um sorriso de satisfação se fez em sua face, estava perfeito.

Voltou para a sala esbarrando sobre o lixo e xingou quando tropeçou em uma garrafa de vinho feita de vidro, saltou sobre o sofá para ver o noticiário, era sempre bom estar atualizado, ao seu lado um resto de pizza se encontrava sobre o braço do sofá, não lembrou qual foi a última vez que havia pedido, e deu de ombros para isso, o importante que ainda havia pizza, pensou enquanto tirou o último pedaço da caixa, o alimento estava enegrecido com o tempo e a calabresa havia perdido o tom avermelhado para adquirir um novo, cinza, mas isso não foi motivo para fazê-lo parar, muito pelo contrário, devorou a fatia em duas mordidas e sua mão engordurada limpou sobre o móvel.

–Na noite passada foram encontrados três corpos em um prédio na Avenida Rio Branco, Centro do Rio, tudo indica que foram assassinados de maneira brutal, nossos repórteres foram enviados para lá e falam agora de frente para a Delegacia de Homicídios.-Falou o âncora de maneira formal e imparcial como sempre.
A atenção perdida foi voltada para a tevê quase de imediato, estavam falando dele.
–Bom dia, Roberto, bom dia Brasil – Agora a palavra era de um integrante que estava realmente em frente a delegacia, mas devido a todos os carros e jornalistas era impossível dizer qual.

– Noite passada houve outro massacre, seguido de um incêndio em um prédio aqui mesmo no Centro do Rio, foram encontrados três corpos, mas de acordo com a polícia foram vistos cinco pessoas adentrando a residência.
O rapaz soltou uma risada em forma de deboche. -Não vão encontrar nunca. - Pensou, ainda assistindo a reportagem.
– O fogo destruiu quase que por completo o terceiro andar inteiro, de todos foi o que foi atingido com mais significância. Não houve outros feridos – A cena alternava mostrando outras imagens do acidente, o incêndio, os bombeiros tentando subjugar as chamas- O delegado Marcelo não quis gravar entrevistas, mas foi dito que a tarde uma coletiva com a imprensa iria acontecer, envolvendo ele e outros peritos, é tudo Roberto. Estaremos esperando aqui para novas informações.-A imagem foi jogada de volta para o âncora.

–Essas foram as informações do incêndio da Rio Branco.

Antes de a notícia terminar, o rapaz já havia se aprontado e saído batendo a porta emitindo um som seco da madeira podre em choque. Já pronto para sair, havia colocado uma calça jeans de barras já gastas na altura do seu calcanhar, dessa forma, a bota preta que usava se encaixava perfeitamente deixando a extremidade do calçado visível. Uma blusa preta bem ajustada e sem qualquer gravura ou inscrição. Possuía um brinco na orelha esquerda, uma corrente de prata com uma cruz em sua ponta, outro acessório era seu cordão também prateado, nele havia uma cabeça de corvo entalhada a mão, tamanho eram seus detalhes que era possível observar os contornos das penas.


O prédio era visivelmente velho e abatido, o papel de parede já estava podre, a cor verde havia se tornado algo pastoso como o musgo, havia fontes de mofo por todo lugar. Desceu as escadas com pressa, passando direto pelo segundo andar e finalmente pelo vazamento no encanamento que projetavam certa poças em alguns dos degraus que o jovem descia com tanta pressa. Ao chegar no primeiro andar se dirigiu a porta do prédio, era simples, havia sido confeccionada em ferro e estava tão velho e acabado como todo o resto da casa. O empurrou e isso foi o suficiente para fazê-lo ranger, o portão arrastava-se no chão, suas dobradiças faziam um som quase infernal, deixando um rastro de folículos de ferrugem que se desprendiam. Não havia dado nem cinco passos para chegar ao portão –de - aço que marcava o que ali um dia havia sido uma oficina, estava acabado e destruído e as pichações de vândalos até mesmo davam vida ele. O encarou por um tempo enquanto procurava por algo no bolso traseiro de sua calça, até finalmente encontrar um pequeno controle remoto, típico para portões automáticos. O apontou em direção a porta de aço e pressionou o botão direito que possuía uma letra “A” prensada. Não demorou muito para o portão se levantar, as hastes aos poucos se içavam e enrolavam-se em um bolo feito com camadas e mais camadas do alumínio que o formavam. A ansiedade o fez puxar um cigarro que havia tirado a caixa do bolso do peitoral de sua blusa, não possui isqueiro, mas quem disse ele precisava? Levou o cigarro a boca e levantou seu dedão como se fizesse um sinal de "o.k", e então dele uma chama se criou, como que por passe de mágica. O fogo queimou a ponta do cigarro, e ele inspirou fundo para trazer aquela fumaça carbônica aos pulmões, e imitando o movimento feito para apagar-se um fósforo, sacudiu o pulso estalando seus dedos e o fogo se desfez.

A sua garagem estava bela como sempre, pensou enquanto adentrava o cômodo, manchas de óleo aqui e ali, o chão possuía um leve camada de poeira cinza mas era possível ver que ele antes fora negro. Poeira por todo o canto, mas a arrumação não era das piores, as peças ficavam sobre um balcão, algumas estavam dentro de baldes com gasolina para serem limpas em um futuro próximo, ferramentas estavam dependuradas e presas em um painel de madeira. Nas escotilhas para a passagem de ar havia ninho de pombos, por isso era possível ver algumas penas flutuarem com o ar para lá e para cá algumas vezes. Correntes perto do balcão com ganchos em sua pontas, presas nas paredes de chapisco subiam até o teto, se enrolando em uma das pernas do balcão, assim ele as mantinha presas ao solo. Somavam três ao todo e todas estavam presas com roldanas, dependuradas a mais ou menos quatro metros do teto, elas caiam tranquilamente até a metade do percurso, sobre elas havia uma grande lona que cobria algo de porte grande. O rapaz caminhou até a lona sem pressa alguma e a puxou, revelando o seu meio de transporte e único amor de vida, uma moto Harley Davidson customizada. Era tão nova que até os pneus reluziam em um brilho especial, era uma Wilde e Glide, prateada com chamas desenhadas em seu tanque.

O rapaz deslizou a mão pelo couro negro do estofado soft , as rodas eram as duas de fatboy . O aro havia sido cortado em forma de uma cruz de malta, os amortecedores eram especiais para os veículos urbanos, o escape havia sido cromado para dar mais retoque a cor negra da motocicleta. Aquela obra de arte havia lhe custado uma nota, pois o modelo que seria uma estreia para o ano de dois mil e treze, mas quando se conhece um cara que conhece um cara, tudo fica mais fácil.
Saltou sobre o banco e tomou sua jaqueta que tava sobre o guidão, revelando as luzes frontais da moto, como o aspecto típico de uma Harley, era clássica ao estilo arredondado. Levou sua mão a ignição, mas não precisava de uma chave, deslizou seu dedo por ela e a moto se ascendeu. Os faróis ligaram e ponteiros se levantaram.

–Bom dia, Renji.- Disse uma voz em tom robótico vinda da moto-
–Bom dia, meu amor.-Falou o rapaz se ajeitando, tomando seu capacete de cor negra que estava dependurado no outro braço do guidão.
–Para onde vamos, senhor?-Perguntou a voz de maneira apática e mecânica.
–Vamos rodar, meu amor, vamos rodar.-

Apagou a ponta do cigarro ainda na metade em sua calça e o arremessou ao longe, ajustou o capacete sobre sua cabeça, levantando o descanso de sua obra de arte e girou o punho no acelerador fazendo o pneu cantar por um instante antes de sair em disparada.

Cortava as ruas à cem por hora, ultrapassando os outros veículos em alta velocidade, não ligando para os pedestres que quase eram atropelados e para os acidentes que quase aconteciam, não se importava com a autoridade das placas e muito menos para os faróis vermelhos e para outras leis de trânsito.
Em questão de alguns poucos minutos havia alcançado Piedade, o bairro era humilde, bem simples para dizer a verdade, tinha esse nome pela igreja que estava em um alto de um morro.
Cortava por dentro de ruas que não estavam no mapa, por becos que apenas os gatos e as crianças conheciam, as ruas eram seu quintal e as conhecia como a palma de sua mão.
Não tardou até finalmente passar por Cascadura e Madureira, finalmente alcançando a Avenida Brasil, onde ousou acelerar ainda mais. Se antes cortava e se esquivava de carros, agora o fazia com caminhões e ônibus, o som do motor de sua moto era ouvido ao longe alertando os motoristas que alguém vinha correndo como um cavalo descontrolado.
A velocidade alta o fazia sentir-se bem, o liberar da adrenalina lhe deixava levemente extasiado, leve e um bem estar lhe tomava conta, era viciosa essa sensação, tanto que geralmente gostava de dirigir por poucos minutos com os olhos fechados, deixando sua vida na mão do destino. Afinal, o que ele poderia perder?

Quando deu-se por si, já havia passado por Bonsucesso e seus devaneios terminaram antes de entrar na ponte Rio Niterói.
Um símbolo da arquitetura brasileira, uma obra de quase quatorze quilômetros de comprimento, apenas oito estavam sobre os mares, cortando assim toda a Baía de Guanabara e a Ilha das Cobras, era até mesmo possível enxergar o marco da cidade dali, o Corcovado e a seu lado o Cristo redentor com seus braços abertos acolhendo toda a cidade e os condenados que ali viviam. Em seu ponto mais alto ela possuía setenta e dois metros de altura, uma obra exagerada pelo bem do povo, mas todo potencial de sua beleza era demonstrado apenas ao cair da noite, onde todas luzes faziam aquela enorme serpente de asfalto e concreto parecer uma enorme árvore de Natal.

Desceu a ponte seguindo pela Avenida Jansen de Melo e seguiu para Icaraí.
Niterói é um cidade bela porem pequena, formada por inúmeros bairros.A elite estava mais próximos do centro já que as barcas, a rodoviária, shopping e centros urbanos e comerciais se encontravam ali, e claro, outros benefícios como morar a duas quadras da praia. Porém, o negativo era algo tão horrendo que faria os corretores de imóveis terem infartos fulminantes. A cidade de Niterói possuía a maior quantidade de vampiros em todo o estado do Rio de Janeiro.

Se os vampiros fossem idiotas iguais ao seriados e livros que a nova geração conhece, não haveria motivos para se preocupar, mas infelizmente não são. Eles são máquinas de matar demoníacas, possuem o olfato apurada e a audição quase sônica e são ótimos em esconder corpos. Mas o pior de tudo é encontrar um deles e saber distingui-los dos meros mortais. Essa era uma coisa que os filmes não mostram, eles podem fazer o coração bater novamente, podem fingir o calor da vida em seus corpos e claro, eles podem encenar a respiração, maior erro e talvez o melhor mito criado para eles, eles podem andar sobre a luz do sol. Assim a única coisa que os diferencia dos humanos são as presas, mas quando você descobri-las já será tarde demais.

Renji soltou uma leve risada por de baixo do capacete, lembrando ter ouvido um boato que vários autores de grandes best sellers pertencerem a essa raça maldita, mas apenas criavam estórias fantásticas para “amaciar” a carne da população. -E eles conseguiram– Ele admitiu enquanto balançava a cabeça para cima e para baixo em um gesto positivo, concordando consigo mesmo, pois agora a moda do “vampirismo” havia retornado e com ela, inúmeros casos de desaparecimento de jovens.

Pela Avenida Marquês do Paraná passou pelo Motel Sparta, onde o letreiro em neon mostrava um guerreiro da mitologia sobre uma biga, virou mais a frente para a direita, na rua Miguel de Frias, mesmo estando de capacete, era possível sentir o cheiro da maresia, o clima por aquelas bandas sempre era daquele jeito, fresco como brisa de verão.
Parou em um sinal e aproveitou o tempo para olhar em volta. Prédios e mais prédios, árvores e mais árvores, lojas e mais lojas, e assim se repetia ate onde a vista alcançava. Moças esbeltas passavam levando suas pequenas mascotes para passear e aos seus lados os velhos maridos, sempre com óculos escuros e protetores solares em suas cabeças carecas, crianças corriam a frente de suas mães e alunos passavam de lá para cá, apressados, e às vezes desesperados pelo atraso. A vida era tão tediosa e enjoada ali - Pensava o rapaz voltando a acelerar e seguindo viagem.
Depois de mais alguns minutos, finalmente chegou ao seu destino, uma loja ao final da rua. Era grande, feita em grande parte de madeira com grandes retoques e várias camadas de verniz, por trás do vidro as mercadorias eram reveladas, em geral, quinquilharias como pratos, copos, jogo de talheres e pequenas estatuetas parecendo feitas todas a mão, e em grande maioria com aparência velha e acabada. Sobre a porta o nome da loja revelava em madeira seca “Loja de antiguidades”. O nome já deixava bem claro o que ali era comerciado. Lúcio, o dono da loja dizia que era tudo questão de marketing.

Havia estacionado sua moto perto da porta de entrada, e abrindo a porta, o som dos inúmeros e pequeninos sinos foram ouvidos, revelando que algum cliente havia entrado. Quando adentrou a loja retirou o capacete e colocou em baixo do seu braço direito. O cheiro de coisas velhas de dentro da loja invadiu suas narinas, tal como quando adentramos pela primeira vez um sótão depois de esquecê-lo por anos.

Para todos os lados haviam prateleiras, todas com peças uma mais antigas que a outra, e claro, quanto mais Jurássica ela, era maior o seu preço. Renji olhou um vaso que estava sobre um pequeno mosaico, esse custava em torno de dezoito mil dólares.

Nunca entendeu por que raios aquilo era tão caro, uma porcaria de vaso preto com um dragão desenhado ao estilo barroco devorando uma cabra. Por que alguém compraria aquilo?-Pensava o garoto enquanto sua curiosidade o fazia analisar o vaso, tomando em suas mãos.

–Se tocar tem que pagar.-Falou uma voz ao fundo da loja.
Renji reconheceu seu colega e soltou uma leve risada enquanto ajeitava a antiguidade em seu espaço.
–Fico devendo, pode ser?-Perguntou de maneira irônica enquanto se virava para encarar o proprietário da loja.
Lúcio era já era um senhor com a idade avançada, entre seus sessenta e setenta anos. Seus cabelos grisalhos estavam amarrados em um rabo de cavalo que descia um pouco abaixo de seus ombros e uma enorme costeleta descia nas laterais de sua face até um pouco acima do queixo. Um par de óculos estava preso em sua jaqueta vermelha que parecia ser o uniforme da loja.
– É só você.- Falou em tom de decepção enquanto tomava seus óculos e os colocava.
– O que veio fazer aqui?
Renji ainda estava vislumbrando as peças encontradas na loja, em um nível de distração tão grande que nem o respondeu. Uma antiguidade em especial havia lhe chamado a atenção, um pergaminho de tom amarelado e com inúmeras manchas em seu corpo, o tempo foi cruel com o papiro e inúmeras ranhuras estavam à mostra, pedaços que pareciam faltar.
–O que é isso?-Perguntou, batendo com o dedo sobre a vitrine.
Com passos calmos, Lucio se aproximou, tirando as mãos do jovem que se apoiava sobre o vidro.
– Não toque no vidro. -Disse enquanto encarava o jovem por alguns segundos como um pai que acaba de subjulgar seu filho desobediente.

–É um papiro datado da Dinastia... Han, se não me engano, duzentos antes de Cristo.

–Sério? Que foda! E 'tá inteiro desse jeito?-O rapaz parecia surpreso, mesmo estando várias vezes naquela loja, não se cansava de saber da variedade de mercadorias que haviam ali.

– Claro, ele passou por uma série de reconstruções, pela sua data e pelo seu valor histórico ele esta em torno de oitocentos e quarenta mil dólares.
Um golfada foi expelida por Renji, ironizando o dito do velho vendedor:
–O que essa porra tem de valor histórico, hein Lucio?-Perguntou de maneira mais curiosa que agressiva.

– Conta a história de quando o imperador Wu Liu enlouqueceu, e em sua fúria ateou fogo em grandes florestas que formavam seu império, mas você não quer saber sobre isso, quer? Me diga logo garoto, o que veio fazer aqui?

O rapaz abriu um leve sorriso vendo que o senhor já havia perdido a paciência, achava graça em atazaná-lo.
– Você disse para eu buscá-la em vinte e cinco dias, bem, aqui estou. -Falou de maneira confiante e arrogante.
Um suspiro foi expelido pelo senhor quando se lembrou do que o garoto estava falando, não que ele não tivesse terminado a encomenda, mas pelo simples fato der não lembrado de algo simples como aquilo, realmente estava ficando velho e odiava isso.

– Claro claro. Os dias estão passando tão depressa que nem reparei, vou buscá-la para você, por que não se senta ali enquanto me espera?-O senhor tentava ser educado apontando para um assento perto ao balcão.
Renji sabia o que ele estava fazendo, ele não gostava que as pessoas ficassem zanzando pela sua loja sem nenhuma companhia, e desde que Janna, sua sobrinha, havia saído do cargo de ajudante, pois havia ganhado uma bolsa para estudar artes na França ele estava um tanto quanto sozinho. Entendia a dor do velho, perder uma ajudante e um membro da família de uma só vez, mas para ele mesmo, havia apenas perdido uma de suas amantes.
O velho Lúcio era quase obsessivo com seus artefatos, era compreensível, todos eram extremamente caros e cada qual era absolutamente único, mas não tinha motivo para tanto alarde, pensava Renji, já que todos que estava ali não passavam de cópias baratas, o velho Lúcio escondia as verdadeiras em algum cofre, suas fontes sempre chegavam com contradições, alguns dizendo que estava na Suécia e outras em algum banco em Pequim.


Já sentado, observava pela enésima vez a loja, o rapaz nunca foi de esperar, ainda mais por algo que pagou para receber, aquilo apenas aumentava sua ansiedade. Soltou um leve suspiro enquanto encarava o vidro que revelava as pessoas na rua, estampado nele estava o nome de loja em cores chamativas e alegres, talvez o velho Lúcio pensasse que isso chamaria atenção dos clientes, mas era em vão, agora aquela loja apenas servia como ponto de encontro para um cafezinho, e graças a isso ela não havia falido ainda. O rapaz riu sozinho lembrando-se do dia que Janna havia proposto essa idéia, e claro que seu tio tinha sido contra, mas agora ele agradece sua sobrinha sempre que pode.

O tempo passou e o som do Relógio Cuco dependurado sobre as portas dos funcionários apenas deixava-o ainda mais inquieto.

Finalmente a porta se abriu e o senhor saiu das entranhas do interior do estoque, trazendo consigo uma pequena caixa retangular envolta por um veludo negro.
– Desculpe a demora, eu tive que ir ao banheiro - Disse em meio a um pigarro, era mentira ele havia esquecido onde havia a colocado.
O rapaz a sua frente apenas arqueou as sobrancelhas em resposta aos dizeres do velho.
– 'Tô sabendo. Então, me mostra essa belezinha logo. –A voz de Renji era eufórica e ansiosa.
Com seu pedido, Lucio abriu a pequena caixa sobre o balcão, revelando seu presente tão esperado, uma faca estilo borboleta.
Lucio a retirou do veludo com tamanha calma e delicadeza que só podia se comparar com a de uma mãe ao retirar seu bebê do berço, e em um movimento rápido a abriu, fazendo o corpo da faca saltar revelando a obra-prima. Seu corpo era prateado e liso mas a curva da lâmina era negra, letras minúsculas e avermelhadas estavam entalhadas por toda ela, um ótimo trabalho feito a mão, era linda nos mínimos detalhes.
– Lâmina mista de prata e ferro puro, para esfolar qualquer metamorfo ou ser quimérico e uma reza do próprio papa João Paulo Sexto entalhada por todo seu corpo para fazer qualquer sanguessuga tremer nas bases só de vê-la, confere?
O sorriso de felicidade de Renji era impressionante, a satisfação era visível em sua face.
– Confere, velho. –Disse estendendo a mão para que ele desse a faca para ele.
O senhor sorriu de volta para o garoto, sabia que ela estava louco para ter aquela faca em mãos por isso tornava tardia o seu entregar, mas Renji não aguentou sua ânsia e a retirou de sua mãos.
A abriu e fechou de maneira rápida inúmeras vezes, testava seu peso, seu equilíbrio e tamanho do cabo. Pela pequena fortuna que estava pagando ela deveria estar perfeita, mas como imaginou ela estava melhor do que ele esperava. Terminou seu teste levando a faca já fechada ao seu bolso, onde deu alguns tapinhas de maneira carinhosa.

– Então qual vai ser o nome dela?-Perguntou o velho ainda sorrindo com as atitudes infantis do garoto.
– Hum..-Ficou pensativo um tempo- Lucille. Esse vai ser o nome dela.
– Belo nome, de onde veio? Traçou alguma com esse nome?-O velho riu soltando um pigarro logo em seguida.
– Não, apenas veio na minha mente, e eu nunca tracei uma Lucille, seu velho broxa.-Respondeu de maneira debochada.
– Olha o respeito rapaz, então, mais alguma coisa?-Lucio não gostava muito de brincar e agora que estava velho alguns tipos de comentários o deixavam realmente incomodado.
– Na verdade tem sim, vou me encontrar com Ághata hoje e sabe como é, né? Preciso trocar informação por informação se não a princesinha me fode. E então? O que você pode me dizer?

Lucio pegou um banco que estava próximo de si e soltou um leve suspiro ao se sentar, a maldita idade novamente. Cruzou os braços e finalmente se pois a falar.
– Vou cobrar um adicional por isso, tudo bem?
.Maldito velho mesquinho dos infernos- pensou Renji, enquanto esboçava seu sorriso cínico de sempre.

– 'Tá tudo pago, então desembucha vovô.
Lucio ficou imóvel por alguns segundos, como se estivesse usando suas energia para encontrar algo perdido em sua memória.
– Um camarada meu, bem, ele me disse que ela está colocando sangue em algumas coisas.
– Que coisas, velho? Fala logo.-Falou de maneira impaciente.
–Drogas, garoto, drogas. Ela está colocando o sangue em algumas drogas, e você sabe como nós ficamos depois de um gole de sangue de sanguessuga.
– Inúmeros zumbis apaixonados pela rainha da noite, saquei.-Disse enquanto fazia um "sim" com a cabeça.
Esse era um dos mitos verdadeiros dos filmes de monstro, se um humano saborear o sangue de um vampiro ele se torna seu brinquedo, um zumbi viciado em sangue que adora seu mestre e faria de tudo por seu senhor, em outras palavras um carniçal.


– Ela já começou a repassar os grandes lotes, ela esta usando o Óxi, essa coisa é tão potente quanto o crack e por ser nova no pedaço...
– Ela se torna barata..-Renji suspirou, depois de completar a frase do senhor ao perceber o quão maquiavélica era a idéia.
– Exato, você vai querer saber de onde os caminhões vem?
– 'Cê vai cobrar mais, não vai, seu velho maldito? Mas dane-se, fala aí que 'tô curioso.
– Os caminhões saem do porto com a droga, de onde ela vem , eu não sei. Eles seguem por ali mesmo, entrando na ilha das Cobras e somem dentro dos galpões.

– Que piranha do caralho, ela faz tudo isso na porta de casa.- Exclamou, mais surpreso do que indignado.
– Exato, essa garota realmente tem classe, Renji, você tem que admitir - O velho brincava com ele.
O garoto nada disse, apenas assentiu com a cabeça, torcendo os lábios enquanto concordava.

–Mas e você, eu lhe vi no noticiário, foi você mesmo, não foi? - Lúcio sabia que era ele, mas perguntou da mesma forma.
– Em carne e osso - Renji falou com todo orgulho de si.
– Então, por que fez aquilo? - A voz do senhor se tornou penosa e cansada.
– Eles estavam bagunçando o equilíbrio das coisas, e você sabe, isso é meu ganha pão.-Respondeu com seu cinismo.
– Quem lhe contratou?- Ele já sabia a resposta, mas queria ouvir da boca do garoto.
– Ághata, porque acha que vou vê-la?- Novamente cinismo.
– Garoto, garoto, trabalhar para vampiros? Você chegou a esse nível, tudo pelo o que? Querer ving-
Antes que pudesse dar-se por si, estava sendo içado pelo garoto. O banco em que estava caiu para o lado com aquela ação bruta, estava dependurado por apenas um braço do jovem e seus pés estavam a quase dez centímetros do chão.

–Não, não é só por isso, e você sabe. É bom que escolha bem suas palavras velho, se não mando essa loja para puta que pariu e você sabe que eu faço, Lúcio.
A gola estava apertada, mas felizmente o senhor conseguia respirar. Seu sangue agora fervia pela tensão, sua face estava vermelha e suada. A adrenalina cortava seu corpo, fazendo suas mãos e pernas tremer em nervosismo.

–Me sol...ta garoto, sabe...mos que vo...cê não quer fa...zer isso.- Lúcio segurava o pulso do meliante, mas era em vão, ele era muito forte.
Não demorou para ser liberto, a pernas do senhor estavam bambas assim como seus braços. O ar aos poucos voltava para os pulmões do velho e seu sangue esfriava aos poucos.

Renji nada disse, apenas se virou para sair da loja, enquanto abria a porta fazendo o sino tocar. O vento balançou e o som agradável daquele acessório foi tocado como se tentasse acalmar os nervos e esvair com as energias ruins que ali surgiram. Renji parou seus passos por um segundo.
– É melhor 'tu sair do país Lúcio. A chapa vai esquentar por aqui, é melhor 'tu ir morar com tua sobrinha ou sei lá, vai por mim, uma merda gigantesca 'tá vindo.
Lucio nada entendeu no início, será que ele o estava ameaçando? Não, ele não seria tão indireto, então aquilo era uma espécie de aviso? Se era um aviso, por quê agora?

Antes que o senhor pudesse indagar sobre aqueles ditos, a porta já havia se fechado e não demorou para ouvir o roncar da moto do rapaz.
Lucio havia voltado a ficar só naquela loja, apenas ele e seus amigos de longa data.















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