Coming Wave escrita por Hi there Lívia, Licurgo Victorio


Capítulo 5
Capítulo 5


Notas iniciais do capítulo

Licurgo de novo aqui! Aproveitem!



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L

I

C

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Eu, quando brinco com Eletricidade, tendo a tomar muitos choques. Não digo choques comuns, mas choques elétricos realmente poderosos. Vivo a brincar com Tasers que crio e acabo armazenando neles eletricidade demais. Isso é um problema, pois quando vou testar em mim acontecem alguns deslizes não-planejados. Em um dia especial, acabei concentrando energia demais em um Taser de Supra-Eletricidade - Que serve apenas para dar um choque capaz de paralisar o corpo de alguém durante dois segundos -, e testei em mim. Que erro terrível.

Acho que fiquei umas seis horas, deitado no chão, esperando que alguém entrasse em meu quarto e me visse. Não só estava paralisado, mas com muita dor. A dor vinha de um lugar completamente desconhecido, tomou conta de todo o meu corpo e só aos poucos foi se definhando.

É a dor que sinto no momento. Um raio inteiro atravessou o meu corpo. Eu não tenho reação, só sinto a dor interna. Tudo dói. Consigo entrar em um estado de puro silêncio e ouvir meus pais, Europa, Circe, Anomália, Beetee... Peacekeppers chegam ao meu lado e eu me movo instintivamente. Eu fui selecionado para os Hunger Games. E eu vou morrer.

Expressão neutra. Eu não vou me render tão fácil. Eu simplesmente não vou me deixar levar. Eu posso até perder esta porcaria de jogo, mas não deixo de viver. Eu vou lutar. E minha luta acabou de começar. A partir deste exato momento, eu não posso mais me queixar da minha antiga vida. A minha vida, aquela em que brinquei com vários colegas da escola e ainda armamos para fugir do Distrito 3, aquela em que começaria a mexer com Tecnologia como um bem para a humanidade em uso defensivo, aquela em que casaria com Europa e viveríamos felizes para sempre. É um flashback extremamente dolorido de se assistir. Essa vida morreu. Esse Licurgo morreu. Agora nasceu um segundo Licurgo. Um Licurgo que só tem um único objetivo: Sobreviver. Sobreviver ao nojento Capitol. E, a partir de agora, eu tenho que começar a me lembrar de que sou um novo Licurgo, e isso significa controle total dos meus atos. Eu não costumo ser frio, sou completamente levado pelas emoções. Mas agora eu não posso me entregar ao emocional e começar a chorar dramaticamente, esta é uma atitude que o Licurgo morto faria. Eu preciso manter o novo Licurgo vivo, e são e salvo. Por isso, expressão neutra.

Começo a caminhar com passos firmes e diretos. As pessoas ao meu redor, como sempre fazem todos os anos, estão chocadas, boquiabertas, críveis, sensibilizadas. Silêncio. Anomália caminha saltitante pelo palco, me analisando atentamente com seus olhos esbugalhados cadavéricos.

— Licurgo! - Ouço Europa gritar atrás de mim, e o trote rápido de alguém vai aumentando de velocidade. Alguém me puxa bruscamente, e sinto que são as mãos delicadas de Europa. Decido não me virar para vê-la chorando. Ela puxa ainda mais minha manga, obrigando-me a encará-la. Ela não para de chorar, e segura as minhas mãos com a força de um torniquete. Europa me encara com uma tristeza mortal, e eu não posso deixar de me comover. Ocorreu uma pequena confusão; Os Peacekeppers a jogam no chão e um deles se encarrega de afastá-la. Eu tento me aproximar dela, penso em enfrentar um Peacekepper, mas não posso começar a nova vida enfrentando problemas. Eu tenho que relevar. E eu vou morrer. Distante, eu a vejo chorando, a joia que são seus olhos negros estão lacrimosos e o rosto pálido está em pura vermelhidão. Ela tenta lutar com o Peacekepper, mas finalmente resiste, sabendo que é inútil. O que está ao meu lado direciona com ferocidade a minha cabeça para frente. Vejo que no palco Circe está desesperada. Anomália sorri radiante, e Beetee e Makivel estão um pouco nervosos. Eu vou morrer. Subo as escadas automático, e Anomália me recebe com enorme alegria. Vadia desgraçada.

— Adorável! Veja, que sorte a sua, com 18 anos e podendo participar de um Hunger Games! Isto é histórico em nosso Distrito, sabia?

Se esta vadia maldita não calar a maldita boca, vou dar um jeito de eletrificá-la até fritá-la por dentro. Eu vou morrer. Estou participando dos Hunger Games e vou morrer. Junto com Circe. Encaro a Circe, que direciona os olhos brancos assustadores para mim com um profundo pesar. Ela sabia, e Europa também. Europa sabia que eu ia ser selecionado, junto com Circe. Eu vou morrer. Aproximo-me de Beetee e Makivel, que me cumprimentam com expectativa e receio unidos. Eles sabem que vou morrer. Todos sabem que eu vou morrer. Assim como todo ano os Tributos do Distrito 3 morrem.

Mas eu não posso me contradizer! Eu tenho que ter não só esperança, mas coragem também! Eu preciso me manter vivo! É uma questão de necessidade!

Licurgo, você está sendo filmado. Posso avistar dezenas de câmeras apontadas para mim. Eu tenho que disfarçar o que sinto. Não quero ser conhecido por todos os outros Tributos como uma presa fraca. Eu não vou desistir tão fácil. Não vou atuar como meu primo, morto na Batalha da Cornucópia. Eu vou tentar lutar até o fim. Eu não vou desistir da vida tão facilmente. Nem que eu destrua toda a Arena, eu vou viver. Vou viver por mim, e por Europa. Eu vou transfigurando ainda mais meu rosto, deixando-o mais leve, calmo e amistoso. Não posso pensar que vou morrer. Mas... Eu vou morrer? Será? Eu mereço isso? Todos merecem isso?

— Este será um grande ano, eu anseio! E aqui, os nossos Tributos! - Anomália fica em frente ao palco e nos coloca cada um de seu lado. Observo rapidamente Circe, que também me encara. Voltamos para avistar a população, que se encontra deprimida. - Palmas para estes dois vitoriosos! - Ninguém ousou se mover.

Todos gostavam de Circe, ela sempre fora uma pessoa gentil e doce. Nunca arranjou problemas, nunca confrontava aos outros, só vivia na dela, em seu mundo misterioso e bonito. Na escola, acabamos caindo na mesma sala, e a sua beleza afrontava com a de todas as garotas, assim como a inteligência. Circe é uma ótima Tecnóloga, conhecida como Tecnóloga Sensitiva - Faz invenções que ajudam ou habilitam os nossos cinco sentidos. Devido a sua cegueira, ela se dedicava a criar um Olho Biônico, para que voltasse a enxergar - Circe não nasceu cega. Ocorreu um acidente em seus olhos que o queimaram e deixaram as suas íris e pupilas cinza. Seu olho perdeu a cor e a vida.

Beetee nos encara com extrema alegria no momento. Não sei se ele se sente mal por nos ver como Tributos, ou se encanta com nossa aparência, ou seja lá o que for que o tenha atraído. Mas ele nos analisa com seu olhar clínico através de seus óculos com muita aprovação.

— Veja-os, Anomália: São bem treinados fisicamente, estão em boas condições de luta, e parecem que são ótimos no que fazem! Já ouvi falar dos dois, suas invenções são grandiosas! - Beetee comemorou sorrindo para nós, como se enxergasse esperança ou coisa do tipo em nós. Ele já ouviu falar de nós? Como assim? - Veja este Fone de Ecolocalização! - Como ele reconhecera o Fone? Era especialmente feito para Circe! Beetee se aproxima da orelha de Circe com extrema satisfação. - Isto aqui é Tecnologia de nível Industrial! Depois tenho que conversar com você, moça...

Anomália batia palmas de exaltação e Makivel continuava estático. A população estava esgotada em nos ver, e eu já estava com vontade de sair dali e muito mais de fugir de todos e me encontrar com Europa. Eu posso nunca mais ver Europa novamente. Eu tinha uma vida planejada com Europa. Eu me casaria com ela após esta Colheita. Será que meus pais podem contar a ela este fato? Ou eu sobreviveria à Arena e finalmente viveria minha vida feliz com ela? Se bem que, viver todo ano, sendo um Mentor de duas crianças que provavelmente seriam assassinadas? Cadê a vida que planejava com Europa? Como ela tinha ficado fora de questão tão rapidamente?! Tudo foi tão rápido, está sendo muito rápido, e eu nunca mais vou vê-la. E nem os meus pais... Não se distraia Licurgo! A partir de hoje, você tem uma nova vida!

Prefeito Makivel começa a recitar o Tratado da Traição, que é a documentação oficial mais sórdida que já ouvi. Pelo menos tenho tempo de me reestruturar. Europa não para de chorar, eu posso vê-la daqui de cima, ela não está tão distante. Meus pais estão separados, mas não se encontram tão longe também. Os dois choram silenciosos, e são consolados por um grupo de pessoas à sua volta. Eu vou morrer. Não vou morrer! Eu vou morrer!

Olho de relance para o lado procurando Beetee, mas só observo Circe. Oh, Circe... Que mal que fiz a ti, garota? Por que tenho de relembrar estes monstros do passado? Isso em nada me ajuda. Saber que tenho uma dívida eterna, impagável, e deplorável com Circe é o que mais me afeta no momento. Eu não posso sequer cogitar em matá-la (Eu não tenho coragem para matar ninguém mesmo) que já me sinto traindo a mim mesmo.

Eu fui o culpado pela cegueira de Circe.

Tento esquecer, tento deixar isso de lado, mas é impossível. Lembrar dela é tão fácil, e das coisas pela qual passamos juntos... Fomos namorados, e por muito tempo. Claro, éramos jovens, mas o sentimento do amor é algo em que não vejo datas e números, eu realmente amava Circe. Ela era atraente envolta de sua cabeleira negra, o corpo delineado rosáceo, os traços clássicos joviais no rosto e a expressão de seriedade constante. Ela era atraente envolta de seu cérebro evoluído, ideias geniais para invenções e criação de planos e eventos. Ela era atraente quando sorria me ironizando, quando andava feito uma mulher nobre, quando gesticulava ao falar sobre assuntos importantes, quando arrumava o cabelo disfarçadamente enquanto estava ansiosa. Os olhos azuis me encantavam. Seu olho azul era chocante em relação ao nosso mundo de azul vazio, inerte e morto. Era um azul ciano tão mágico, brilhante, resplandecente e vivo que tinha desejos de entrar dentro dele, ser levado pelo mar que ele era. O azul mais lindo de todos. Mas Circe era teimosa, e provavelmente ainda é. Meticulosa, exigente, arrogante. Seu egocentrismo era enorme, e a sua razão absoluta e infalível também. Era difícil discordar dela. Não só sendo uma menina jovem, mas também muito estressada. Ficava confusa quando as coisas não saíam de seu jeito, e se descontrolava. Detestava quando as coisas fugiam do controle ou quando não podia simplesmente controlá-las. E Circe, adoradora da Tecnologia, sempre foi fã de Armas Químicas. Circe era rebelde, revoltada, furiosa, fula. Tinha nojo e esgar do Capitol - Assim como eu -, mas a sua ira ia longe do que poderia ser uma mera fúria. Sentia ódio. Nunca perguntei o que ela já havia vivenciado no Distrito 12 - Ela partiu com sua família de lá com sete anos -, entretanto provavelmente foi de lá que surgiu tanto desgosto. E, uma de suas concepções para a liberdade, era a criação de um estoque imenso de Armas Químicas, para que destruíssemos as forças dos Peacekeppers e pudéssemos reestruturar o Distrito 3 contra Capitol. Mas a ideia era absurda demais, e eu discordei. Eu tinha apenas 14 anos, e ouvir isso de uma criança de 12 anos é uma coisa alarmante. Circe planejava com convicção a sua própria rebelião. Mas eu me submeti a não fazer nada, oras! Por que iria comprar uma briga em que sabia que sairia perdendo?! Eu não era nem maduro o suficiente para sair de casa! Ela avançou em mim provocadora, e me ameaçava com um frasco incendiário. Eu impedi-a de jogá-lo em mim, mas quebrei um frasco que não demonstrava qualquer importância nesse meio tempo. Seu gás ácido agia na região cutânea, e os olhos dela estavam completamente desprotegidos; Diferentemente de mim, que trabalhava com os óculos e decidi por raiva usá-los no projeto. Circe aguentou uma dor insuportável, e quando fui vê-la novamente já no hospital, seus olhos estavam simplesmente brancos. Eu me senti - E me sinto, com muito pesar, até hoje - a pior pessoa do mundo. Circe sentiu-se derrotada diante da vida. Sem a visão, não poderia fazer nada. Tentava mexer nos equipamentos, mas acabava levando choques e se estressava. Tentava estimular nervos cerebrais a funcionarem e descobrirem outros modos de enxergar, mas não tinha sucesso. Sentia-se fracassada, nula. Seu primeiro ano com a cegueira foi terrível. Ela demorou para se acostumar no mundo negro e eu não sabia como ajudá-la. Carregar este peso quase me levou ao suicídio, no qual ela interrompeu. Eu iria queimar meus olhos e depois ingerir um líquido venenoso, mas Circe me salvou no exato instante. Nunca soube como ela surgira em meu quarto tão repentinamente - Ela coloca a culpa em um sonho que teve comigo, em que eu queimava meus olhos e me matava. Circe se esgotou de nossa relação, dizia que eu a prejudicava assim como ela fazia o mesmo comigo. Ela sempre dizia que a culpa não era minha, foi um contratempo do destino, e que eu estava me flagelando. Eu ficava próximo demais dela, ela se sentia insegura e fraca. Ela acabara de perder os pais em uma viagem emergencial para o Distrito 12, o seu lar verdadeiro. Sua irmã mais nova era a sua única parente, e ela me odiava - Com razão. Éramos muito jovens, e ficamos muito confusos - Principalmente ela, que também tinha que lidar com a cegueira, que a irritava por deixá-la inútil. Depois de tantos problemas e indagações, Circe disse para eu desistir dela. Eu não quis, mas ela resolveu tomar a atitude de uma maneira conclusa, final, irreparável.

Sofremos por tanto tempo, separados, que eu não gosto de relatar este passado. Eu sou o responsável por um dos maiores adversários da vida de Circe. Um dos meus únicos consolos é saber que ela sabe enxergar sem usar os olhos. Ela não necessita dos Fones de Ecolocalização - Eles são um mero instrumento que aumenta a sua capacidade de distinção ‘visual’ -, pois agora sabe enxergar através do som. Circe descobriu uma maneira natural de Ecolocalização: Ela estala sua língua no céu da boca, e pelo som que escuta do eco consegue descobrir e identificar a distância, a forma, a densidade e a posição de corpos pelo espaço. E ela passou a enxergar melhor do que eu.

Distanciamo-nos drasticamente, e voltei a ouvir sobre ela quando ocorriam boatos de que ela via coisas em seus sonhos que acostumavam ocorrer de verdade. A sua Clarividência ficou famosa, assim como os seus Fones de Ecolocalização, mas resolvi não me aproximar. E agora, estamos aqui, juntos, nos Hunger Games. O Destino é a coisa mais improvável e ilógica que conheço.

O Hino de Panem acaba - Eu nem ouvi o momento em que ele começou a ser tocado -, e Anomália me encara e Circe com estranha afeição.

— Vamos, caros Tributos do Distrito 3! Sejam receptivos com seu companheiro e dêem um aperto de mão! - Ela bate palmas com extrema dissimulação e nos encara fixamente. Circe me observa atenta e dá a sua mão. Eu a pego e nos cumprimentamos friamente. A população nos encara com expressões vazias. - Muito bem!

Um grupo de Peacekeppers irrompe o palco e nós dois somos levados sob uma costumeira custódia até as portas dianteiras do Palácio da Justiça. Encaramos o prédio mal-cuidado e somos separados por diferentes salas. Fico sozinho, aguardando algo irromper e quebrar meu silêncio agradável e terrível.

A sala é riquíssima e luxuosa - Talvez seja o lugar mais rico e bonito em que entrei. Os tapetes são grossos e de aparência macia e fofa e os sofás e cadeiras são de um veludo vermelho brilhante. Veludo. Que tecido delicioso, apalpo-o incessantemente, como forma de relaxar. Tudo bem. Respire. Acalme-se. Lembre-se das câmeras, elas estão em todos os lugares. Não fique tão amável, soa bobo. Esteja apático, as pessoas gostam da apatia. Aborda mistério e curiosidade. Exatamente assim, o rosto frio, firme e forte. Estou aqui, aguardando parentes e familiares. Eu vou morrer. Não posso pensar assim, eu não posso morrer! Não. Eu vou tentar viver. Eu vou tentar sobreviver. Meu peito dói, meus olhos ardem. Não consigo respirar direito, e tenho uma vontade desgraçada de engolir o seco. Odeio engolir o seco. Não é só uma sensação de culpa, mas de tristeza, arrependimento ou medo. Covardia. Eu não posso ser covarde. Os minutos passam, e eu não posso chorar. Meu corpo quer me fazer chorar, mas eu não posso. Simplesmente não posso chorar. Engula a fraqueza, a covardia, e seja forte. Você vai tentar sobreviver, Licurgo.

Meus pais irrompem a sala, desesperados. O Peacekepper na porta diz rude:

— Vocês têm 3 minutos.

Eles me abraçam com força, com calor. Eu os agarro fortemente. Não existe nenhum assunto urgente ou importante para se abordar. Eles são adultos, com uma vida normal estabilizada, obviamente vão conseguir viver sem mim - Chega até a ser mais econômico. É uma despedida. Eles podem nunca mais me ver. E, se isso acontecer... Será que sentirão a minha falta? Eu não sei, não quero me preocupar com mais uma situação mal resolvida. Eles continuam intactos, me abraçando, e lágrimas e gemidos escapam involuntariamente deles. Não existem advertências, conselhos, dicas, pedidos... Nada demais. Só tenho esse último tempo que me resta para desejá-los uma boa vida, sem mim.

— Cuidem de Europa, por favor. - Eles começaram a escutar atentamente, evitando o choro. - Ela necessita de cuidado e atenção, lembrem-se que ela tem depressão. Tentem convencê-la de morar em casa - No meu quarto, se possível -, e a sustentem com uma quantia de dinheiro que deixei guardada em minhas coisas. Por favor, façam isso por mim. Eu amo vocês.

— Desculpe filho... Eu, se fui uma pessoa ruim para ti... - Meu pai começou, mas cortei.

— Pare! Os dois! Apenas, continuem a...

— Nós te amamos. Vamos te amar até o fim. - Minha mãe soltou entre um soluço seco e dolorido.

— Filho, faça um último favor para nós. - Meu pai me observou, com seus olhos verdes escuros e invólucros. - Você não precisa vencer este jogo.

— Licurgo, você é tão hábil e forte, tem um intelecto fenomenal e é um gênio. Você não precisa vencer, derrotar todos os seus inimigos e ser campeão dos Hunger Games. Apenas viva.

Os abracei com mais força, e vi a porta abrir. O Peacekepper chegou. Soltei-os rapidamente, e os olhei pela última vez. Eles me olhavam também quando o Peacekepper fechou a porta, e minha mãe sibilara ‘’Eu te amo’’. É isso. Sento-me no sofá.

Seu apoio moral foi motivador. Todavia não é o suficiente para me manter vivo. Eles não são idiotas, sabem que eu vou morrer muito cedo. As habilidades exigidas para os Hunger Games estão fora do meu alcance. Existem Tributos que passaram as suas vidas treinando para os Hunger Games, e alguns até se voluntariam para participar. Existem Tributas que conhecem facilmente 20 maneiras diferentes de me matar usando uma arma branca. E existem os outros Tributos, que morrem tão cedo que os Hunger Games ainda nem começaram a exibir a sua real diversão. A sua real e macabra diversão.

Surge na sala uma pessoa que até então nunca imaginaria mais ver. Meu professor de Nanotecnologia, Pirineu. É um homem idoso, corcunda, careca e maltrapilho. Mas não deixa de ser um homem bom e inteligente. O que será que ele faz aqui?

— Licurgo, você é tão azarado e sortudo, não é mesmo? - Eu não o interrompo, ele sabe que estou confuso. - Eu vou te contar um segredo: Eu fui o professor de Beetee, sabia? E ele foi o meu melhor aluno em Eletrologia.

Uma coisa que detesto em idosos é que são metidos a sabidos e também são muito enrolados. Não explicam o que pensam direito e não sabem chegar ao ponto chave da conversa de uma vez. E, neste momento, estou sem um pingo de paciência para ouvir as lamúrias de um velho professor.

— Você obviamente o conhece, acabou de cumprimentá-lo. Enfim, eu só queria te dar o meu apoio. Licurgo, eu sempre achei que você era um jovem promissor, com uma carreira brilhante. Infelizmente, Anomália, aquela velha vadia - Ele soltou um riso abafado, e senti como se alguém tivesse lido meus pensamentos -, escolheu você. Mas você tem capacidade o suficiente de ganhar este jogo, meu jovem! E não digo isso jogando estas palavras ao vento, eu realmente confio em você e Circe! - Ele me encara sorridente, enrugando o rosto desgastado com o tempo, esperando que eu entenda algum código que ele tenha soltado. - Você não só pode ganhar a Arena, como até mesmo escapar dela! Pense nisso, garoto! Vocês dois são a dupla imbatível do Distrito 3! Boa sorte!

Pirineu levantou-se com dificuldade, me deu um beijo na testa e se foi.

E é assim que se surpreende e choca alguém, ao mesmo tempo. Como eu poderia vencer os Hunger Games? Não, ele estava só me motivando, assim como meus pais. ‘’Você não só pode ganhar a Arena, como até mesmo escapar dela’’? Como isso é possível? De onde ele tirou uma ideia tão surreal? De onde todos começaram a tirar estas frases batidas para um Tributo prestes a morrer? Que droga Licurgo, eu já disse que não vou morrer!

Mas eu preciso manter um pouco de sanidade. Eu não sou ignorante a ponto de me deixar desligado em motivacionais tão importantes, principalmente se tratando do mesmo assunto. Então, eu sou capaz de sobreviver à Arena, mas não de ganhar os Hunger Games? O que isso significa? Só pode ser delírio, ou não. Escapar da Arena é praticamente impossível, e insano.

— Você tem três minutos.

Só consigo visualizar uma garota se jogando em meus braços e nossa queda no sofá. Europa está me apertando com tanta força desconhecida que sinto minhas costelas quase quebrando - Se eu não resisto a pressão da força da Europa, como sobreviverei a um ataque de um Tributo do Distrito 1? Ela não me larga, e não diz uma palavra.

— Licurgo. - Com a sua cara estampada na minha camisa, sua voz sai cortada.

— Europa. Europa, olhe para mim. - Ela me observa desolada, desconsolada. O rosto inteiro está vermelho, e os olhos marejados. - Por favor. Acalme-se. Eu prometo, eu juro, juro, que vou viver e vou viver contigo.

— Você jura?

— Juro, porque te amo.

— Casa comigo? - Europa questiona delicada, enquanto limpa as lágrimas com as mãos.

— É claro que caso. - Eu sorrio, chorando, enquanto ela tira do bolso dois anéis aparentemente avulsos. Colocou um deles no meu dedo anelar, e eu coloquei o anel dela em sua mão fina e esbranquiçada.

— Estamos casados, pronto. - Ela sorriu, e aproximou a mão enfeitada da minha. De repente, uma estranha força une as duas mãos, os dois anéis.

— Ímã? - Perguntei impressionado, com um sorriso bobo na cara.

— Estava fazendo isso ontem, mas era para ser uma surpresa. - Europa correspondeu ao sorriso com um ainda mais belo que o anterior.

— Eu vou sobreviver, por nós.

— Você vai mesmo. E não vale morrer. Você está proibido de pensar em morrer, Licurgo.

— Eu te amo, minha noiva.

— Noiva?

— Sim, tecnicamente, não estamos ainda casados. - Ela ri um pouco e me abraça com força, e eu correspondo à altura.

— Então você volta vivo para se casar comigo?

— Exato.

Voltamos a nos abraçar, e nos beijamos. Levantamo-nos. Ela me encarou, com uma depressão facilmente detectável. Europa me beijou mais uma vez.

— Eu te amo, Licurgo, meu noivo.

— Eu te amo, Europa, minha noiva.

Demos um último beijo, e estávamos chorando em prantos. O Peacekepper apareceu e ela me agarrou subitamente. O Peacekepper teve de levá-la à força fora da sala, mas sem antes dos nossos anéis terem se atraído por uma última vez.

E essa foi a última vez que vi o amor da minha vida.


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Notas finais do capítulo

Todos choram com o drama do Licurgo! T__T
E agora, o que vai acontecer com os nossos pobres Tributos, Licurgo e Circe, Cassandra e Finnick? Você só vê no próximo Capítulo! ~0~



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