Coming Wave escrita por Hi there Lívia, Licurgo Victorio


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Aqui é a Cassandra de novo, saudades? Não? okay kk
Lembrando que no último capítulo narrado por ela era a noite anterior da colheita, certo?



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Eu acordo cedo aquela manhã, mesmo tendo custado a dormir. Pensei nas palavras de Caio, como disse que já estão infectados e me perguntei por muito tempo como ele poderia saber disso. Esses pensamentos eram tão perigosos aqui. Não sei se eu mesma os teria se não fosse pelo meu tio, mas acho que nós, por sermos crianças adotadas de Clareff e Rendall, aprendemos a ver os Jogos com outros olhos, mais duros. Consigo me lembrar bem de quando Caio me contou a verdade, de como ele ouviu uma conversa entre nossos pais e me disse de onde eu realmente vinha e os horrores que haviam acontecido que me levaram até ali. Eu tinha 11 anos e ele 13. Aquilo nos mudou e ao mesmo tempo nos uniu. 

Tudo que eu queria era esquecer que existia um mundo fora da minha cama e do meu cobertor, mas Wellie já está acordada e vestida, pedindo-me para arrumar seu cabelo. Não sei por que ela me pede isso, eu sou péssima. Só fico escovando seus cabelos longos e ruivos. Levanto da cama, tentando forçar uma animação. A maioria das famílias adia aquele momento, mas a nossa trata tudo como uma preparação para uma festa. Nós temos que ficar ansiosos pela colheita.

Ela quer alguns enfeites no cabelo e, como faço todas as suas vontades, saio do quarto para pegar alguns no banheiro.

Há uma toalha no chão e a pego, pensando ser outra coisa largada de Wellie, mas a toalha está manchada de vermelho. A preocupação e o medo me atingiram como um tapa. O sangue na toalha faz minha visão ficar turva e saio esbarrando em tudo pelo caminho, procurando por Sam. Será que os Collinray se zangaram por ele se recusar a se voluntariar? Eles não fariam isso, fariam? Ou os pacificadores haviam escutado nossa conversa de ontem? Minha preocupação só aumenta até que, ainda ziguezagueando pela casa sem direção, trombo na porta do quarto dele. O alívio que me inunda quando o vejo dormindo tranquilamente em sua cama e aparentemente bem é tão grande que quase desmaio. Mas ainda há algo errado e como que para reforçar esse pensamento, ouço um barulho vindo do quarto de Caio e, relutante, me dirijo para lá. O primeiro pensamento que me ocorre quando entro foi que esse não é um bom jeito de começar o dia.

Caio está sem camisa, portanto é fácil ver seu ferimento, que começa debaixo do braço e desce até a barriga. Ele retira as ataduras cheias de sangue revelando um ferimento costurado às pressas. Quando ele me vê, tudo o que diz é:

— Você não sabe bater?

— E você não sabe esconder um rastro de sangue pela casa? – retruco e, percebendo que ainda segurava a toalha ensanguentada, a jogo para ele. Ele estica o braço para pegá-la e esse pequeno movimento parece ter necessitado muito esforço. Eu o faço sentar na cama, seus cabelos loiros, tão semelhantes aos meus, molhados de suor.

— Deixe-me ver, – digo delicadamente. – Você não fechou direito, pode infeccionar.

— Desculpe, mas quando se está sangrando até a morte é difícil se concentrar.

Eu o encaro, lembrando com quem eu aprendi o meu deboche, mas ele desvia o olhar e sinto que ele quer evitar o assunto. Mas eu não.

— O que aconteceu?

Ele não responde a princípio, mas depois fecha os olhos e se recosta nos travesseiros da cama enquanto eu aplico uma pomada na região do ferimento, tirando a sensibilidade da área.

— Eram três. Três pacificadores. Eles me pegaram.

Ele para quando começo a tirar os pontos malfeitos.

— Depois que você e Sam foram dormir eu, – ele hesita. – Eu fui encontrar uma pessoa. Uma pessoa do Capital.

Eu tenho que usar todas as minhas forças para me manter concentrada no que estou fazendo, mas sei que havia mais por isso me contive.

— Essa pessoa está me ajudando, me passando informações, – continua ele – Nós estávamos certos, a rebelião está começando, mas sem forças ainda. Eles ainda precisam de uma fagulha, um meio de contagiar os outros. Nós nos encontramos na fronteira do distrito onde era mais seguro para a pessoa, pois tinha um aerobarco logo atrás à disposição dela.

— Mas não era seguro para você, – observo.

— Parece que não, – ele concorda, olhando amargurado para o machucado que eu já havia retirado os pontos e limpado para não infeccionar. Eu tratava delicadamente, pois sei como cuidar de situações assim devido ao treinamento, mesmo que nunca tivesse acontecido nada dessa proporção.

— Um pacificador nos viu e chamou mais dois que estavam por perto. Ela sumiu no mesmo instante e me deixou sozinho, o que tornou tudo ainda mais suspeito para os pacificadores. Ele, – nova hesitação. – Ele viu o aerobarco partir.

— Ele quem?

— O primeiro pacificador, que chamou os outros dois. Ele queria me levar para fazer algumas perguntas, mas, bem, você já deve ter imaginado como...

Uma batida na porta me faz dar um salto e a voz que se prossegue não diminui minha apreensão.

— Vamos logo, Caio querido. A colheita é uma vez por ano e você ainda chega atrasado. – O riso estridente de Clareff soa alto e claro.

Naquele momento, termino de costurar o ferimento e começo a  envolvê-lo em novas ataduras, os panos que usei durante o processo encharcados de sangue.

— Ninguém conseguiu me ver, – ele diz em um tom mais baixo. – Estava com máscara, Cassie, não sou assim tão burro, – acrescenta ao ver minha expressão. – Eu deixei o primeiro cara inconsciente. E consegui fugir antes dos outros se aproximarem. Chegou a hora. Na verdade, é a hora perfeita.

— Para quê? – Eu estou aturdida. Caio nunca escondia nada de mim e de repente isso? Eu não entendia como ele achava que seria uma hora boa nem onde ele queria chegar com isso.

— Para fugir, chegar até onde a rebelião está. Eu sei que ainda é cedo, mas eles precisam de alguém para começar, certo? Posso te dizer como contatar essas pessoas, fazer elas te tirarem daqui...

— Caio, você nunca nem me falou nada sobre essas pessoas, por que? Por que se encontrou com elas? Por que agora? Sei que quer informações, mas se arriscar desse jeito…

— Eu estava tentando fugir ontem.

Eu paro. Encaro seus olhos buscando algo que nem ao menos sei o que é, pois sei que ele não está brincando, mas também não posso acreditar no que ouço.

— Eu… – Caio hesita, desviando o olhar do meu. Pela primeira vez ele parece não ter certeza do que diz. – Ontem, quando ouviu eles falarem sobre se voluntariar com Sam, bom, eu conheço bem aquela conversa, eu já a ouvi bem. Esse é meu último ano, Cass. Tenho que me voluntariar esse ano, ou pelo menos é o que me dizem.

— O que? – esqueço por um momento de tudo e quase grito. Olho para a porta antes de continuar. – Você não pode, está maluco?

— Eu tenho que fazer isso, Cass. Fugir ontem no aerobarco era minha única chance e agora… não tenho escolha. Eles nos adotarem, nos treinarem, não é por acaso. Tem tanto dinheiro envolvido nisso, apostas, bens. Se eu não me voluntariar hoje, pessoas vão se machucar.

Eu sinto a cor deixar meu rosto. Apenas ontem eu havia entendido o que havia levado meus irmãos a serem adotados e agora isso deixava tudo ainda pior. Eu não podia deixar Caio… o pensamento era terrível demais para eu sequer conseguir formar os contornos dele na minha mente. 

— Não, isso não pode acontecer. Não se voluntarie hoje e amanhã procuraremos alguém, esse seu amigo, alguma coisa…

— Cassie…

— Não me venha com “Cassie”. Você nunca me disse nada, depois de tudo que já compartilhamos, você sabe tudo sobre mim e me escondeu tudo isso. Por que?

— Eu não confiava neles ainda, mas agora os conheço, sei o que pensam, Cassie… – ele pausa me olhando, – enfim sabemos que não estamos sozinhos nessa angústia de perder as crianças. Mas agora perdi a chance, é tarde pra mim. Mas não pra você. Ele sabe sobre você, vai te levar embora, depois que eu me for.

— Mas quem vai cuidar de Wellie, Kareen e Sam? E a minha família? Eu...

Ele coloca a mão no meu queixo e me faz olhar para ele.

— Estamos fazendo isso por eles, lembra? E você teria que fugir do distrito quatro de qualquer forma para ver sua família. Pode ser a oportunidade que esperávamos. 

— Mas então tem que ir comigo. Não se voluntarie hoje e partimos.

— Você iria mesmo? Quero dizer, você vai?

Eu olho fundo em seus olhos e vejo a determinação e paixão pelo que acredita que sempre admirei nele brilhando e sei que não conseguirei convencê-lo do contrário. Percebo também que não quero e que, se ele está mesmo disposto a ir, eu não tenho dúvidas do que vou fazer.

— É claro que vou com você.

— Me prometa, independente do que aconteça.

— O que pode acontecer?

— Eu posso ser sorteado, mil possibilidades, não importa. Só prometa que não vai desistir disso.

— Prometo.

Ele me dirige um dos seus sorrisos mais brilhantes ainda sem quebrar nosso olhar e não consigo evitar sorrir de volta, apesar do absurdo da situação. Me desvencilho dele e pego os panos ensanguentados, colocando-os em uma sacola. Caio se levanta, gemendo enquanto o faz. A pouca cor que havia em seu rosto some.

— Onde você pensa que está indo?

— Arrumar-me para a colheita. Só posso ficar em casa se estiver com 90% morto e eles vem checar se é o caso. Não posso deixar que os pacificadores venham ver como estou.

— Você consegue andar? – pergunto notando os outros machucados e hematomas por seu corpo.

— Claro, – ele responde sarcasticamente. – Nunca estive melhor.



Caio está disfarçadamente se apoiando em mim enquanto anda e meu delicado vestido verde não ajudava muito. À medida que nos aproximamos da Praça da Cidade, mais alto o barulho de conversas e risadas fica. Parece um festival ou algo assim.

As crianças e nossos pais se dirigem à multidão enquanto eu, Caio e Sam caminhamos para a fila. Eles tiram nosso sangue para marcar na lista de presença e nos separam e só tive tempo de dizer que tudo vai ficar bem.

Eu não podia estar mais errada.

A apresentadora Eda Cadmon está mais azul do que nunca sentada ao lado do prefeito e dos vencedores anteriores. Não seria estranho se seus olhos ou roupas fossem azuis, mas seu cabelo e sua pele também eram. Ela tem olhos afoitos como se seu cérebro fosse vazio e ela é constantemente animada. Mags está lá também e por um momento eu sorrio. Mags era uma senhora já idosa com mais de 60 anos acho e era uma boa pessoa. Ouço dizer que ela será a mentora esse ano, quem orienta o tributo quanto ao que fazer dentro e fora da arena. Talvez nosso tributo tenha chance.

O prefeito começa a falar, o mesmo discurso todo ano, sobre como o Capital nos tirou das sombras e nos reergueu, como os Jogos Vorazes são essenciais para a paz em Panem e mais várias coisas patriotas.

Um vídeo contando a história de Panem começa a passar na grande tela que transmitia colheita para quem estivesse longe demais para ver. A voz animada de Eda soa, anunciando o início da escolha dos tributos.

— Garotas primeiro.

Um nó se forma na boca do meu estômago e olho em volta, e encontro o olhar de Caio. Ele desvia rapidamente, encarando o palco com a mandíbula cerrada e a sensação de vertigem aumenta. As palavras dele de mais cedo vem à minha mente. Independente do que aconteça. Prometa que não vai desistir. Finalmente entendo. Ele vai se voluntariar. Queria se certificar que eu seguiria adiante, mas nunca desistiu de se voluntariar. Seja lá o que ele descobriu sobre o que vai acontecer se ele não participar, foi o suficiente para convencê-lo dessa loucura. A solução vem, simples porém muito difícil. Eu sei o que fazer. Se eu me oferecer, ele não poderá ir. Nossos pais nunca poderiam colocar dois cavalos na corrida. Meu coração bate acelerado. Sei que estou com mais medo do que já tive na vida, mas minha decisão não vacila. Estou com os lábios abertos, prestes a gritar quando ouço a voz de Eda:

— Cassandra Collinray.

O primeiro pensamento que me ocorre foi que aquele não era meu nome. E isso me irritou.

Mas eu não demonstro. Ao invés disso sorrio como se tivesse recebido uma agradável surpresa, em um grande esforço para me recuperar de meus pensamentos anteriores, agora desnecessários. Ajeitando a seda do meu vestido encantadoramente com a ponta dos dedos, eu caminho até o palco. Eda pega minha mão e a ergue no ar.

— Palmas para Cassandra Collinray.

Todos aplaudem entusiasticamente.

Eu não procuro rostos na multidão, apenas imito Eda, sorrindo como se não tivesse cérebro.

Dentro de mim algo morre lentamente. Nunca verei minha família de novo. Se eu morrer, obviamente não os verei, mas se eu vencer os Jogos serei vigiada pelo Capital para sempre. Serei conhecida por todos e terei que viajar para o Capital todos os anos, o que realmente estraga meus planos de chegar até minha família e a rebelião discretamente. Eu não posso nem vou vencer.

Estou tão absorta em pensamentos que sequer tenho tempo de recear pelo garoto cujo nome Eda está tirando do globo de vidro dos garotos. Como que para confirmar o quanto eu estava errada ao dizer que tudo ficaria bem, Eda lê o último nome que posso imaginar.

— Finnick Odair.

Bom, penso, eu já não planejava vencer, de qualquer forma.

O garoto de cabelos cor de bronze que eu conheço tão bem sobe ao palco. Vejo medo passar por seus olhos, mas, inteligente como era, Finnick se recupera logo e lança um olhar sedutor às câmeras. Nós apertamos as mãos sorrindo, como se competíssemos quem tinha o sorriso mais encantador.

Isso será ótimo.

— Que as chances estejam sempre ao seu favor, – Eda conclui.


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Notas finais do capítulo

Vocês já esperavam isso, né?
Pra quem leu a versão antiga desse capítulo, eu tentei mostrar um pouco melhor a conexão entre Caio e Cassandra, porque é bem especial.
Espero que tenham gostado, chuchus :)



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