Coming Wave escrita por Hi there Lívia, Licurgo Victorio


Capítulo 3
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Olha quem finalmente deu às caras! O Licurgo, narrando sua nova trágica experiência! Apreciem!



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Hoje à noite, me lembro perfeitamente de um sonho caótico. Infelizmente, as imagens não se complementam, são aleatórias e avulsas ao extremo - Pelo menos ao meu modo -, mas todas com conteúdo sanguinário e violento. Quanto sangue, quantas mortes... Deus, como estou assustado, suo frio e tremulo um pouco; Cobri-me imediatamente com o mofado cobertor de pelos e virei para o outro lado do colchão, estando de cara com a parede.

Respiro rapidamente e sinto meu coração bater rápido - Detesto este sonho. Uma quantidade exagerada de crianças sendo assassinadas cruelmente, desde lanças no coração até decapitações. A expressão de terror e desconsolo, todas acabam por atribuí-la como o último truque para evitar a morte eminente. Tento esquecer, porém não é possível, já que toda noite é o mesmo processo. Adormeço tarde, enlouqueço entre estes malditos pesadelos e não tenho mais coragem de dormir. Encarar a parede suja e poeirenta da inóspita madeira sintética e transmitir meus pensamentos a ela serve quase como um desabafo. Os pesadelos sempre se tornam mais frequentes, na medida em que a Colheita se aproxima.

Não faço ideia de que horas sejam - Provavelmente próximo às 5h30min, visto uma cortina fina e decadente de luz que adentra o quarto -, mas terei de levantar logo. Abriremos a loja por pouco tempo, pois hoje vai ocorrer a Colheita. Finalmente e felizmente, a minha última Colheita.

Regular os Sistemas, consertar aparelhos, remodelar acessórios eletrônicos e me arrumar para a Colheita. Não vejo motivos para continuar estático aqui no quarto, então me levanto silenciosamente e visto uma roupa. Desço as escadas fazendo o máximo de esforço para não fazer um alarde, mas acabei esmagando um maldito piso rangente. Sempre me esqueço dele, e o barulho que faz é irritante demais, capaz de acordar meus pais. Espero que eles já estejam acordados. O ressoar do rangido concluiu seu trabalho, pois ouvi meus pais resmungarem em seu quarto.

Já no Térreo, observo pela janela da nossa esmera sala o breu costumeiro em que o Distrito 3 ainda se envolve durante estas horas. Uma faixa solar fraca e sonolenta ameaça resplandecer o dia, mas ainda não se encontra brilhante o suficiente para tal trabalho. Distrito 3: Distrito da Tecnologia, onde as pessoas são tão ocupadas em criar maneiras eletrônicas de divertir o Capitol que nós padecemos em casa e tornamo-nos transparentes. O 3 ainda dorme tranquilo e ao mesmo tempo inquieto, agora com a terrível expectativa que os aguarda logo, logo. Os primeiros Tecnólogos aparentemente febris dão seu sinal de vida e cruzam a rua, a caminho para suas contribuições para o Capitol.

Hunger Games. Logo, logo, daqui a algumas horas, o reality show obrigatório mais famoso de Panem vai começar sua sexagésima quinta edição. Fantástico; Esse ano os Gamemakers devem inovar na Arena. Na última edição, a Arena Desértica rendeu pouca popularidade, muitos morreram desidratados, foi uma lástima - Uma vitória para aqueles que odeiam o Capitol. E, pensando que a edição passada fora a sucessora de um dos piores Hunger Games, imagino que eles queiram explodir em audiência agora. O 65° Hunger Games. Mais cidadãos do Capitol e do resto de Panem vidrados em Hunger Games. Mais alienação e mortes. Eu sou quem está se tornando alienado, pensando a esta hora na futura edição dos Hunger Games. Um jogo psicótico e cruel, criado pelo Capitol, a fim de apaziguar qualquer sinal de rebeldia entre seu povo. É uma maneira bem nobre de governar. Digna.

Acho o sistema de Capitol um tanto interessante: Colocar este casal de crianças, de cada um dos doze Distritos, para lutarem até a morte, televisionando tudo para cada vez mais espectadores. Não vejo como os habitantes de Capitol respeitam isso - Sem esquecer os Distritos 1 e 2 - Até o Distrito 4 -, os filhos amados dele. É tudo tão vazio, tão frio e desalmado, que não consigo acreditar. Mas quem se importa? Eu sou só mais um, mais um entre milhares de pessoas que provavelmente pensam desta maneira. Obviamente que pensar deste modo é a coisa mais clichê existente. E, mais claro ainda que, eu não vou ser o causador de uma revolta - E ser o responsável por uma fracassada Segunda Rebelião, já não basta o Distrito 13 como exemplo.

— Licurgo, venha um instante para o quarto, por favor! - minha mãe chamou com a voz rouca. - Europa quer falar contigo!

Adiantei-me com passos atrapalhados e, já no quarto abafado e pequeno de meus pais, tomei o Telefone da minha mãe sem pensar, mas sibilei um ‘’Bom dia’’ para ela, que me encarava rabugenta. Olhei de relance para o relógio: Já eram 6h30min.

— Fale Europa. Não me diga que está com ‘frio na barriga’... - Pensei em completar com um ‘amor’, mas tenho muita vergonha de falar ao telefone com a minha mãe ao lado, me pressionando. Eu sei que é uma atitude triste de tão infantil.

— Não, não é isso. Eu só, eu só fiquei sabendo de uma coisa... - Sua voz ressoava quase histérica, e eu já imaginava as barbáries que se passavam na cabeça dela. A Colheita realmente abala a todos no Distrito 3, visto que ser um Tributo é sinônimo de morte certa.

— Ficou sabendo de uma coisa... Onde é que você está? - Gesticulei para minha mãe se afastar e ela puxou meu pai semi-acordado da cama minúscula e o levou para a direção da cozinha. Ele nem me encarou, passou reto e foi-se. Privacidade, graças a Deus.

— É que eu acordei muito cedo para ir à escola! Estou ansiosa demais, e depois do que a Circe tem falado na nossa sala... - Ah, não, Circe não. Por que Europa tem andado com Circe? Justamente com a Circe?

— Você não tem conversado com ela, né? - Perguntei preventivo, mas já temendo a resposta.

— Ah... É que, você sabe, as previsões dela têm ficado cada vez mais pesadas e certas. - Sim, Europa acredita nas ‘visões’ que Circe tem. Quanta inutilidade.

— Não creio que você acredite nas bobagens em que ela diz que vê. - Bradei irritado.

— Você sabe que a maioria das coisas que ela sente enquanto dorme realmente acontecem. - Ela protegeu autoritária, quase como se Circe fosse uma filha.

— Por que você a defende? Você se esqueceu do que já aconteceu no passado, pois...

— Pare com isso! Licurgo, você não faz ideia do estresse que ela tem passado! Ela está muito nervosa, tem sonhado que vai ser chamada como Tributa.

Silêncio. Ouço meus pais quebrarem este entre cochichos na cozinha.

— Como é que é? A Circe, nos Hunger Games? Ela certamente ia morr- Mas que conversa é essa?! Vai ficar se intrometendo na vida da garota?! - Respondi confuso e um pouco alto; Não sabia o que sentir. Imaginar Circe, em uma edição sanguinária dos Hunger Games, é tão horrível quanto perder um parente - Imaginar o quanto o problema de Circe poderia prejudicá-la é tão pesaroso... Quando tinha acabado de fazer doze anos, um primo distante da minha pobre família foi selecionado para participar dos Hunger Games. A 59° Edição foi uma das mais chocantes, era uma réplica de um Distrito 13 envolto de destroços e lixo. Ele foi decepado na Batalha da Cornucópia, por um Tributo do Distrito 07. ‘Perder’, perder mais um conhecido... Principalmente a Circe... Só não sei se sentiria tristeza ou pena. Pena é tão indigesta e desgraçada, e tristeza me parece tão insossa.

— Eu não queria me intrometer, mas entenda: Se você não tiver compaixão, ninguém terá. Você sabe que toda a população está mais silenciosa e desconfiada. Ultimamente, os Peacekeppers têm prendido gente demais, gente que falava mal do Capitol. - Europa diminuiu a voz para dizer, e senti insegurança vinda dela.

— É uma pena Circe ter sonhado com algo tão horrível. - Disse perdido, sem nem saber com o que responder.

— Você poderia agora parar de brigar comigo e me encontrar na minha casa? - Ela pediu em um tom magoado e melodramático. Ela sabe jogar sujo.

— Tão cedo? - Perguntei ao mesmo tempo em que a ouvi dando uma risada folgada.

— Você sabe que é perto da escola, e eu só voltaria a te ver na Colheita, o que é muito triste. Só não liguei ontem para você porque fiquei até tarde construindo um Transmissor Eletromagnético; Preciso estudar, você sabe.

— Posso ir até a Praça da Justiça correndo e nos encontramos lá, se você quiser. - Sugeri brincando com uma voz ‘sedutora’. - Apesar de tudo, nos sentimos mais livres...

— Estou te esperando. - Ela respondeu do mesmo modo e desligou. Parece que ela entendeu o recado.

Fui em direção a um cômodo que deveria ser uma cozinha, pelo menos decente, mas não é de tão vazia. Meus pais se tocaram de que eu estava presente e pararam de cochichar. Observei-os com certa suspeita, mas eles me ignoraram novamente. Estão sentados, apáticos, comendo o café da manhã especial: Pães e cereais. Ultimamente, eles têm conseguido comprar alimentos caros, já que eu também comecei a ajudar nas despesas da casa. O vazio no rosto deles me incomoda e chega a assustar. Meus pais não demonstram quaisquer emoções perto de mim, acho que não gostam muito da minha companhia. É por este e outros motivos que não falo muito com eles. Nunca estão receptivos o suficiente para trocarem uma palavra qualquer.

— Pai, mãe?

— Fale Licurgo. - Meu pai disse estável enquanto mordia um grande pedaço de pão.

— Eu... Eu... - Não posso dizer que estou indo para a floresta me encontrar com Europa. A Praça da Justiça é um código que usamos para nos encontrarmos na floresta conífera que circunda o Distrito 3. - Poderia ir até a casa de Europa e...

— E faltar ao trabalho de hoje? Querido? - Minha mãe perguntou ao meu pai como se esperasse uma confirmação oficial. Ela também se encontrava inexpressiva.

— Por que não? Seu aniversário foi semana passada, ele merece um pouco mais de independência. Fique à vontade, Licurgo.

Juntei-me à mesa e com eles comi alguns dos pães frescos e outros cereais; Fazia um tempo desde a minha última farta refeição... Todo este ‘luxo’ é uma comemoração direta aos meus 18 anos e a véspera da minha sobrevivência a todos as Colheitas. Saí de casa logo em seguida, respirei fundo, admirei o céu cego e comecei a caminhar.

Minha casa fica no Centro Comercial, pois meus pais são Tecnólogos Emergenciais: Quase nunca temos tempo livre, pois ocorrem os maiores problemas absurdos com os aparatos de alguns cidadãos (Como se eles realmente não conseguissem mexer com tais mecanismos. Inúteis. Um cidadão de um Distrito que não sabe compreender e utilizar seus maiores bens locais não pode ser chamado como tal). Eu me apresentei oficialmente como um Tecnólogo Experimental, aqueles que criam e investigam novos equipamentos para o bem da população. O problema é que só tenho criado algumas coisas perigosas, e digamos que o que faço não seria muito usado pelo nosso povo.

O Centro Comercial é uma região de destaque no Distrito 3, onde Tecnólogos aposentados ou inexperientes podem lançar ou produzir em grande escala aparelhos tecnológicos que poderão dificultar ainda mais a nossa vida. O consumismo completamente desnecessário entre as classes mais pobres é banal. Cruzo as ruas e vielas azuladas e o tom fantasmagórico que envolve a região é de dar calafrios. Não que me dê, mas, se observar, é como se eu cruzasse um antigo cemitério. O céu que nunca se abre em uma tarde de sol alegre - O que é impactante, logo que vivemos em uma área de desolada escuridão envolta de nuvens densas que demonstram nunca sair do lugar -, a fúnebre brisa fria que alimenta covardemente a nossa respiração, o clima úmido e chuvoso... Todos os fatores climáticos que criam um ar de penosa depressão. Vivemos aonde a padronização da pele pálida e de corpos cobertos por pelos e cabelos pretos é feita a partir do nosso triste mundo azul.

Agora eu tenho de cruzar o Centro Industrial - Onde as verdadeiras máquinas monstruosamente tecnológicas são criadas e realizadas, além de todas serem enviadas para o Capitol -, o que me dá certa tensão, pois é onde se concentra o maior número de Peacekeppers, e eles detestam Tecnólogos Experimentais, como eu.

Eu nunca pensei em criar armas de destruição em massa e nem em armadilhas muito perigosas - Apesar de, constantemente, fabricar alguns modelos delas em tempos de fome, onde a clientela desaparece do Centro Comercial e tenho que me virar para sustentar meus pais. -, mas existem certas vantagens em se criar armas. Também faz parte de meu receio íntimo com os Peacekeppers: Eu quebro várias leis deles, e tão facilmente que chega a ser esnobe, mas é verdade. A sua indestrutível cerca de arame eletrificado é burlada com uns pequenos ajustes em seu campo eletromagnético com poucos instrumentos e está feita a armação; Posso pular a cerca livremente e caçar alguns animais com minhas armadilhas. A Eletricidade é a minha melhor amiga por aqui - É melhor dizer que é a melhor amiga de todos, só que muitos não sabem usar este belo instrumento ao seu favor. Também já fiz armas puramente elétricas, Arma de Supra-Eletricidade e de Confusão de Nervos Cerebrais são de minha autoria por aqui, fato que só Europa conhece.

Cheguei ao sombrio Centro Urbano, onde se concentram quase que 70% da população do Distrito 3. Moram em torno de 19 mil habitantes, todos à mercê de Capitol. A luz solar parece nunca estar presente por aqui, a utilização de lâmpadas é maçante e necessária - De noite, não enxergamos o que está a um palmo de nosso nariz. As montanhas colossais recheadas de pinheiros que envolvem o Distrito nos traz um clima de prisão natural. Até a natureza nos fecha em nosso mundo azul - Sem falar da poluição marcante que envolve o céu e os pequenos riachos imundos que cruzam o local. Mundo negro e azul.

Caminhei vagarosamente, observando as milhares de casas pateticamente parecidas, até um sobrado criado por mogno sintético e de aparência rústica e aconchegante, mas com o número 75. Parei por alguns instantes para observar a casa de Europa. Ela mora aqui apenas com o irmão mais velho - Seus pais foram mortos em uma explosão industrial -, envolta de problemas financeiros que sempre tento controlar. Continuei a caminhar, apressei os passos e logo estava defronte a uma cerca de arame eletrizado, com uns cinco metros de altura. À distancia, sou capaz de ouvir um zumbido forte e quase tangível. Eletricidade é usada com muita potência por aqui. Ajustei a minha faca companheira entre o arame e, logo depois de alguns ajustes em seus botões que eu havia criado, desligo a eletricidade da área. Retirei a faca guardada de meu Canivete Suíço (Não faço ideia do porquê recebe este nome, engraçado.) e a guardei no bolso novamente, escalei gatuno a cerca e logo estava do lado de fora. E este é o meu único acesso à liberdade. Liberdade proibida. Um tanto genuíno.

Caminhei adentro a floresta silenciosa e leve. Aos poucos, o número de pinheiros e outras espécies de árvores cresciam, a floresta ficava mais escura e fria. Entre os meus passos delicados sobre a grama verdejante, ouvi o som de água corrente. Um rio. Continuei a caminhar até chegar à beira de um rio límpido e doce, puro e intocado. Retirei minhas roupas e um súbito ar gélido me alfinetou. Espero que Europa não esteja me esperando, ela ficaria roxa de frio - e raiva. Guardei-as em uma árvore oca que vandalizei há anos e segui a direção da água, deixando apenas a faca próxima de mim, enfiada na grama. Calmaria. Paz. Que sensação boa.

— Está atrasado, sabia? - Ouvi a melodia de sua voz ressoar pelo cenário perfeito.

— Eu me atrasei? Você sabe que nunca me atraso quando o assunto referente é você.

— Não me venha com esse papo! Estou congelando! A água está muito fria! Mas, como eu fui tonta e achei que você fosse chegar rápido, já mergulhei a sua espera.

— Europa, eu já cheguei, eu te esquento.

— Não tem como você me esquentar, né? Se nós dois estamos dentro da água...

— Nós podemos apenas relaxar na companhia do outro. - Finalizei sorrindo. Europa deixou seu olhar intrincado e retribuiu o gesto, indo ao meu encontro e me beijando. Europa, Europa... Que sorte a minha ter encontrado você. Pode até parecer ideia de um homem romântico, mas Europa é simplesmente única. Explique-me como poderia surgir uma beleza de cabelos louros a ponto de serem acinzentados em um Distrito onde só se vivem pessoas de cabelos negros. A sua pele é de um rosa macio e de aparência cuidada, diferente da minha palidez seca e assustadora. O sorriso cativante e misteriosamente branco e arrumado - Seu irmão não tem condição de pagar um Tecnólogo Dental -, pertence um rosto fino, leve e limpo, de uma cor rosa bebê que lhe trazem uma feição mais delicada. E seus olhos? Ah, seus olhos... São assustadoramente negros, e forma um contraste belíssimo entre estes e seu rosto vivo.

— E então... Parece que a senhorita também aprendeu a utilizar da minha faca. - Apontei para a sua faca, de prata com adornos dourados, que estava fincada no tronco rústico de uma árvore próxima. A faca era mais uma dos utensílios do Canivete Suíço retráteis, idêntica a minha, que eu mesmo produzi.

— Eu consegui! Hoje eu desativei a eletricidade tão facilmente que você tem que chorar de orgulho! - Ela vangloriou esbelta, e me abraçou.

— Ah, é mesmo? - Perguntei duvidoso, esperando a sua reação revoltada.

— Por que você nunca acredita nas coisas certas que eu faço?! Tem vezes que eu acerto, tudo bem? Eu até posso ser o poço da ignorância em forma de gente, mas dê um pouco de crédito! - Europa explodiu irada, e fiquei um pouco preocupado.

— Calma, Europa, eu só estava brincando, não falei nad-

— Vai brigar comigo agora? Agora, justo hoje? E se este for o nosso último dia juntos, já parou para pensar nisso? E se hoje mesmo, daqui a algumas horas, eu sou escolhida como Tributa para o Distrito 3? Você faz ideia da minha tristeza? Você teria uma ideia formada do meu sofrimento, separar de você? Imaginar que nós poderíamos nos separar repentinamente? E, eu esperar a minha morte certa em uma Arena no qual um monte de gente me mataria em pouquíssimos segundos, como se eu não tivesse valor algum?! Eu me recuso a me separar de você só para morrer! - Lágrimas começaram a se formar em seus olhos, e ela ficou vermelha. Chorava com facilidade, e podia ficar triste com a mesma velocidade. Um profundo peso achatou meu peito e minha garganta. Não quero me separar de Europa, nunca vou me separar dela. Vou casar-me com ela assim que a Colheita de hoje acabar, já combinei com meus pais. Provável que este foi um dos outros motivos para me deixaram ir andando até a ‘casa dela’. Nunca vamos nos separar, isto é certo e claro.

— Europa, é claro que eu já imaginei se a gente pudesse ser escolhido. Eu sempre imaginei, durante todos esses anos, se isso realmente podia acontecer. Nunca pedimos nenhum tesserae, nossas chances são pequenas. - Ela ia continuar a desabafar, mas interrompi. - Sim, existe uma chance de nós entrarmos, mas... Por que pensar nisso? E se isso realmente acontecer? Quer passar seus últimos momentos comigo remoendo esta dor tão próxima? Vamos aproveitar este momento! Se, como você disse, pode ser o nosso último, que o aproveitemos de uma maneira especial.

Ela abriu um sorriso tímido, com o rosto ainda às lágrimas, aproximou-se ainda mais de mim até nos abraçarmos, e falou:

— ‘’Que as chances estejam sempre ao seu favor’’. - Europa congratulou para mim, sorrindo.

— ‘’Que as chances estejam sempre ao nosso favor’’. - Corrigi esperançoso, e eu a beijei.

***

Fiz Europa faltar à escola, pois não sentiriam a sua falta - Hoje era um dia especialmente infame, todas as pessoas do Distrito 3 eram convidadas a prestigiar uma palestra, que falava sobre a importância dos Hunger Games e os Tributos que morreram em outras edições -, e ficamos às margens do rio sozinhos, aproveitando o período de descanso. Depois de cochilarmos juntos, ficamos deitados sobre a grama, observando as copas das árvores e o céu chuvoso. Europa com sua cabeça encostada sobre meu colo, enquanto eu acariciava teus cabelos cacheados e sinuosos.

— A Circe disse para mim ontem que sonhou que era uma Tributa. - Europa desabafou, pelo jeito estava ansiosa em contar.

— Você já me disse isso. A Circe, às vezes, pode ser fantasiosa, você sabe.

— É, só que... - Ela parou de falar repentinamente, como se omitisse algo importante.

— Europa. - Comecei calmo.

— Fale. - Disse desentendida.

— Fale você.

— Eu, falar o quê? - Ela perguntou cínica.

— O que mais a Circe tem sonhado? - Perguntei um pouco menos calmo.

— Ela disse... Não, não vou falar, é besteira, como você disse.

— Ela disse...?

— Disse que... Ah, ignore-me, estava só brincando. - Ela riu nervosa. Europa mente muito mal.

— Tudo bem, vou ignorar. Mas se for algo importante, você vai se arrepender. - Sorri sádico.

— Você não faz ideia do medo que sinto de você. - Com uma careta assustada, ela me puxou para seu lado e nos entreolhamos. Posso ver meu reflexo em teus olhos negros.

— É bom que eu não tenha, senão poderia usá-lo para te assustar.

Nós rimos e ficamos deitados ali, trocando olhares e sensações, sem nos tocarmos.

— Eu te amo, sabia? - Ela disse exaltada, entusiasmada, e muito radiante.

— Você sabe que é recíproco, certo? - Perguntei o mais sincero possível.

— Diga então.

— Eu te amo, Europa Bynaria.

— Eu também te amo, Licurgo Victorio.

Antes de tocar seus lábios finos, um sinal estrondoso ressoou provavelmente pelo Distrito inteiro. Ficamos congelados, com certo receio tangível, e uma parte de mim entrou em um transe irreal. Era a hora de todos se reunirem para a Praça da Paz, em frente ao Palácio da Justiça, para nomearem os Tributos em mais uma Colheita. Esta é a minha última Colheita, e é a antepenúltima de Europa. Depois desta, eu terei a garantia de viver em paz com ela, para sempre. Isso está para acontecer. Eu terei uma vida plenamente feliz com Europa. Juntos. Para sempre.

— Está na hora de nós irmos. - Cochichei em seus ouvidos, e ela também escapou de seus pensamentos.

— Jura que me ama?

— Juro.

— E que vai ficar para sempre comigo?

— Eu juro.

Acabamos ficando emocionados, e nos abraçamos, como se fossemos um ser só.

Então trocamos um beijo final, o que selara a nossa relação eterna e feliz.

***

— Que horas são? - Ela perguntou timidamente, enquanto tentava andar sem tropeçar.

— Ainda são 12h30min, não precisa ter pressa, não caminhe rápido, temos um longo tempo. - Tranquilizei ao mesmo tempo em que tomei em meus braços seu corpo, que ia de encontro ao chão se não fosse meu reflexo. - Europa! Que susto! Você tem que parar de ser desengonçada, menina!

Estávamos caminhando sem pressa no Centro Industrial - Seu ar estava mais denso e pesado do que o normal -, em direção a Praça da Paz, e algumas pessoas ao redor também seguiam o mesmo destino.

— Desculpa! Eu, eu realmente não queria te atrapalhar! Ia sujar meu vestido novo, Maom comprou com tanto zelo... - Ela disse carinhosa, enquanto se observava atentamente, desde as botas country negras e sinuosas até o vestido rosa agridoce, em formato clássico. Parecia pronta para um casamento rural. E eu, com uma roupa casual verde-musgo, acabei mais espalhafatoso que o normal e parecendo seu noivo.

— Seu irmão tem trabalhado bastante?

— O que ele faria da vida se não fosse trabalhar? Não precisa mais freqüentar a escola - Assim como você, seu sortudo! -, não consegue arranjar uma namorada sequer, e nem com os Hunger Games precisa ficar preocupado. - Europa se interrompeu disfarçadamente, é provável que esteja pensando nos Hunger Games.

— Você não tem o que temer, sério! Se você for selecionada para os Hunger Games-

— Jamais brinque com isso! - Ela gritou histérica, e algumas pessoas ao redor se assustaram com o grito.

— Calma, deixe-me terminar! - Europa me encarou com raiva e respirou fundo. - Se você for uma das selecionadas para os Hunger Games, você pode matar a todos jogando com o seu trunfo maquiavélico!

— E qual seria o meu desconhecido trunfo maquiavélico? - Ela perguntou irônica.

— Do jeito que você é estabanada, é só você começar a correr em frente de um Tributo inimigo bem na Batalha da Cornucópia até você cair no chão e ele tropeçar em você. Ele tropeçará em um saco puro de ossos e quebrará os pés, e você vai ficar à vontade para matá-lo usando a sua belíssima voz. Repita o processo com todos os outros Tributos até ser a vencedora. - Ri com meu falso desdém, entretanto ela estava séria. Europa morreria muito rápido nos Hunger Games, se eu for parar para calcular. Assim como todos os outros Tributos do Distrito 3. Pensar nisso é horrível.

— Eu não achei graça nenhuma. Minha voz não é tão fina, e eu não sou tão magra.

— Ah, você é sim. E, aliás, o vento da Arena poderia ser um ótimo artifício para voar! Era só você pular de barriga para o ar e abrir os braços, e você pegaria um ótimo impulso e planaria por toda a Arena enquanto os outros Tributos se matam. Quer que eu teste agora? - Ameacei pegá-la em meus braços novamente, mas ela se afastou entre uma risada boba e uma careta nervosa.

— Você também pode se fingir de morto na Arena: Todos já vão ter achado que você morreu de medo dentro da Cápsula e vão te ignorar.

— Por quê?

— Toda esta sua palidez; Você chega a ser transparente, é quase invisível... É isso! A sua invisibilidade é a sua vitória! Imagine em uma Arena Glacial! Você com certeza seria o campeão, com toda esta sua translucidez corporal, você encarnaria um fantasma ártico e mataria a todos sem que ninguém o visse! Seria fantástico!

Começamos a rir descontroladamente no meio da multidão, o que é um pouco vergonhoso, mas em nada nos afeta. Às vezes é bom se distrair e brincar um pouco, coisa que não tenho feito ultimamente. E, gargalhar com as piores besteiras é um remédio eficaz contra a depressão que acolhe o Distrito 3 - Principalmente quando a pior besteira são os Hunger Games.

Chegamos até as filas que iniciavam o campo vasto da Praça da Paz, e demorou um pouco até que chegasse a minha vez. Um Peacekepper mal-humorado quase arrancou o meu braço para coletar meu sangue e assinei meu nome com rispidez. Fiquei na entrada esperando Europa sair da fila. Ela caminhou até mim com certo receio e disse:

— Licurgo, o que você acha que acontece quando a gente morre?

Ela me pegou tão despreparado que fiquei sem palavras.

— Eu... Eu, sinceramente, não sei. Acho que pensar na vida após a morte não está nos meus planos sobre o que fazer enquanto estiver vivo. - Relatei um pouco confuso, mas sincero.

— E se nós vivermos por pouco tempo?

— Nós vivemos por pouco tempo, isso eu garanto. Só acho que, temos que aproveitar tudo ao máximo.

— E se nós formos selecionados? - Europa me encarava pesarosa, e quase chorava.

— Eu garanto, novamente, que nós aproveitamos um ao outro cada segundo. - Ela me observou atentamente, e começou a chorar. - Não chore, vai dar tudo certo, realmente não existe nada que possamos temer. E lembre-se.

— ‘’Que as chances estejam sempre ao seu favor’’?

— Não. Tenho um pedido importante, após a Colheita. Aguarde. E eu te amo.

Sorri, e dei um beijo em sua testa. Pegamos nossas mãos por breves segundos e, sacrificando este momento, finalmente seguimos nossos caminhos opostos.

Já era 13h00min e uma multidão estava reunida na arruinada e extensa Praça da Paz, esperando a mulher séria e lunática que sempre seleciona os nomes nos Globos da Colheita. Estou no primeiro bloco dos garotos, já que tenho 18 anos, e os mais velhos ficam em frente, atrás apenas dos adultos e idosos que não estão no perímetro de catalogação. Existem alguns milhares de jovens, todos com rostos aflitos e angustiados. Dentre esses milhares, um garoto e uma garota vão batalhar até a morte com outros 22 jovens, e apenas um irá ganhar. Ainda chegam várias pessoas, todas atoladas nas filas e assinando seus nomes. Controle maldito do Capitol. Olho ao redor da Praça e vejo dezenas de Câmeras espalhadas, reunidas como as monocromáticas bandeiras de Capitol e do Distrito 3, como corvos esperando suas presas. Só captando as reações exageradas de Anomália Krausner e de desespero completo dos Tributos. Estas câmeras, traidores de sua própria terra. Mais gente entrando, menos espaço disponível. Enquanto os jovens temem o anúncio, alguns adultos têm o prazer de realizarem apostas, e outros só caem na lamentação pelos filhos perdidos.

Consegui encontrar Europa, e fiquei esperando que ela fosse me localizar no meu pelotão. Aparentemente, ela estava distraída demais conversando com dezenas de garotas em sua volta. Mas não deixo de olhar para ela, de costas, com seu vestido rosa claro como de uma nuvem bem iluminada ao fim do dia. Lembro-me de sua vontade de vesti-lo, pois, como disse anteriormente:

— Você com esta roupa quase formal verde brega, e eu usando este vestido caipira magenta; Nós somos opostos tão complementares, não acha?

Finalmente Anomália Krausner apareceu em frente a todos, no palco onde se encontravam também os dois grandíssimos Globos e três cadeiras espalhafatosamente arrumadas. Anomália era a mulher que selecionava sortidamente os dois Tributos e que, geralmente, os levavam para a morte. Antes das câmeras iniciarem o registro da real diversão e Colheita, sempre ficava muito antipática e irritadiça, com seu salto alto de 12 centímetros e a roupa da moda laranja abóbora de Capitol. A peruca desgrenhada que percorria as costas inteira até chegar aos joelhos era o ápice de sua horrenda aparência, já que também combinava com o vestido laranja. Anomália Krausner, a Mulher Cenoura. Sentou-se delicadamente na primeira cadeira e esperou o Prefeito Makivel chegar e aconchegar-se em seu lado. O Prefeito Makivel é um homem pálido de aparência idosa e cansada, mas nunca se encontra mal-disposto. Digamos que ele não é uma má pessoa, apenas deve seguir as ordens de Capitol ou pode ser incrivelmente assassinado. Os dois trocavam olhares simpáticos e pequenos sibilos em uma desanimada conversação. Ainda havia um assento vazio, na qual os dois observavam com curiosidade.

14h00min, Anomalia mudou de humor instantaneamente e começa a sorrir como uma maníaca sem escrúpulos, enquanto Prefeito Makivel direcionou-se até o microfone e leu a fantástica história anual de Panem. Panem é o nome dado a um país que surgiu das cinzas de um lugar chamado anteriormente de América do Norte. Makivel não deixa de citar catástrofes e desastres que ocorreram neste lugar antecedente - Desde furacões e maremotos que engoliram parte desta terra, a guerra que era a disputa entre as pequenas reservas de alimento. E então, surgiu Panem, Capitol e seus Treze Distritos, trazendo a paz e a prosperidade de nossa terra. Vieram os Dias Negros, quando os Distritos revoltaram-se contra Capitol. Resultado: Doze Distritos derrotados, e o Décimo Terceiro completamente destruído. Houve então o Tratado da Traição, contendo novas leis que vigoravam a ordem e a paz, e o lembrete anual de que os Dias Negros nunca devem ser repetidos pelos cidadãos: Presenteou-nos com os Hunger Games.

É uma punição pela revolta ocorrida nos 12 Distritos restantes: Providenciam um casal de crianças de cada Distrito, entre 12 a 18 anos, proclamadas Tributos, para que lutem contra todas as outras até restarem apenas uma. Toda a carnificina em busca da sobrevivência ocorre em Arenas, cada ano em uma diferente. Um lembrete claro e simples. ‘’Tentem se unir contra nós novamente, e todos serão destruídos; Tão facilmente como fizemos no Distrito 13’’.

E assim ficamos, todo ano perdendo crianças, e os Hunger Games vigorando em uma 65ª edição - Que tende a ser mais sanguinária e tenebrosa do que as anteriores. É claro, o Tributo sobrevivente retorna como uma pessoa vitoriosa e com uma vida tranquila e feliz pela frente, até o seu Distrito é feliz com o seu retorno - O Distrito de um Tributo Campeão é presenteado com alimento tenro e rico durante o ano de sua vitória. E o resto dos Distritos - Pelo menos a maioria deles - morre de fome. O Capitol transmite os Hunger Games em toda Panem, e temos de encará-lo como uma ‘Olimpíada’ (Como diriam meus pais, apesar de eu desconhecer este termo), uma grande e divertida festa, a espera de nossa vitória distrital. Uma completa lástima.

— É tanto um ato de penitência quanto um ato de arrependimento. - Clama o Prefeito.

A seguir, ele lista todos os Tributos vencedores do Distrito 3. Apenas quatro venceram, e dois deles já se encontram mortos. Então, sobra apenas um casal de vencedores, uma senhora meio fora de órbita chamada Wiress, e um homem adulto chamado Beetee. Os dois são de baixa estatura e são muito pálidos, assim como todos os outros Tributos que já foram selecionados, e com os cabelos negros também. Beetee, como estou o vendo, está precisando de óculos. Pobre homem, vivendo em torno de uma tarefa impossível... Sendo Beetee o vencedor de um Hunger Games mais recente, ele é o Mentor dos Tributos deste e de outros anos passados, até que outro Tributo do Distrito 3 vença e o substitua. Beetee surge um tanto educado e tímido e é de fato ovacionado. Senta-se amigável e cumprimenta Makivel e Anomália, que logo se levanta e arruma ligeiramente a sua peruca horrível laranja.

— Feliz Hunger Games! - Anomália entoa incrivelmente empolgada. Ela sabe mesmo como ir da antipatia para a animação em poucos segundos. - E que as chances estejam sempre ao seu favor! - Ela entoou sorridente. Assustador.

Volto a encarar Europa, que finalmente retribui o meu olhar. Ela sorri, um pouco nervosa, um pouco independente, mas sei como ela não está se sentindo bem. Sorrio de volta, e a vejo mais feliz. Isso é bom. É só esperar a Colheita passar e finalmente a terei como minha mulher.

— Damas primeiro! - Anomália despertou-me drasticamente, e voltei a minha atenção a ela. Posso sentir o suspense e o terror de todas as garotas, e principalmente de Europa. Lembrei-me dela dizendo que Circe sonhou com ela ser escolhida como Tributa. Deve ser horrível sonhar sendo escolhido para os Hunger Games. Será que Circe terá razão? O que será que Europa guardou para si e não quis compartilhar para mim, o que será que Circe disse a ela? Todos congelam quando finalmente Anomália conseguiu pegar uma dentre milhares de tiras de papel onde está a Tributa azarada do Distrito 3. Todos prendem a respiração e ficam mais pálidos do que já são. Sinto tontura, e tenho vontade de vomitar. Por favor, não seja Europa, não seja Europa, não seja Europa...

Anomália volta ao microfone. Abre a tira delicada e meticulosamente. Não é Europa Bynaria.

— Circe Cael!

Eu sinto no momento uma onda de terror e pânico. Cambaleio um pouco e logo tento me recompor, disfarçando o choque. Circe estava certa. Europa também. Circe é uma Tributa dos Hunger Games. E, certamente, ela morrerá. O rosto corajoso e firme de Circe Cael é mostrado em todos os Telões que tem em volta, e encontra-se intimamente em um misto de profunda tristeza e aparente agonia, mas disfarçando magistralmente rígida e tensa. Eu, eu não consigo acreditar. Circe estava certa. Esteve sempre certa. E, eu nunca nem movi um dedo para ao menos relaxá-la de uma situação cada vez mais presente. Não falei nenhuma boa palavra a ela, não a consolei e disse que poderia ser mentira, sonhos mentirosos que pudessem enganá-la. Não fiz nada.

Circe continua a caminhar entre dois Peacekeppers, e está se atrapalhando cada vez mais. Fraqueja em alguns momentos, e em outros posso captar o medo e o horror. Porém, ela também se recompõe, e agora está decidida, ávida, preparada - Disfarçando muito bem por agora o que deve estar sentindo. Mas, será que os sonhos dela a apaziguaram? Ela, ao menos, esteve preparada para ser escolhida? Ou então seria ao menos idiota eu querer consolá-la sobre algo que ela estava certa que ia acontecer? Não, não é possível, é irreal! Vejo que Europa está me encarando, o rosto vermelho e os olhos chorosos. Ela dubla a distância algo que, no início, eu não entendo. Depois, capto que a mensagem é ‘’Eu sempre vou te amar’’. Por que Europa também está triste? Eu sei, Circe era uma amiga de Europa, assim como já me relacionei com ela há tempos. Mas, qual foi o motivo do ‘’Eu sempre vou te amar’’? Será que o que Circe e Europa sabiam eram algo sobre mim? Será que... Será que tem a ver comigo e com os Hunger Games? Circe está chegando ao palco, subindo as escadas um pouco atrapalhada, e não deixo de ouvir as lamentações. Todos murmuram tristes e deprimidos, posso ouvir daqui mesmo. Circe era conhecida por todos do Distrito 3: Era uma Tecnóloga Auditiva. ‘’Circe, a Garota dos Olhos Vagos e da Alma Profunda’’.

Circe é cega.

Isso não pode estar acontecendo. Ela é uma entre milhares de garotas. ‘’E que as chances estejam sempre ao seu favor’’. O quão sádica pode ser esta frase para um Tributo?

— Ora, ora! Circe Cael! Nossa amável e adorável Circe! Que oportunidade única, não? Uma Tributa, a nossa Tributa do Distrito 3, quanta felicidade! - Anomália se acende em felicidade, enquanto observo pelos telões a expressão correta e quase heróica que Circe expõe. Mas, nem ela consegue disfarçar. Sabe que será impossível. Como que ela vai se virar sem seu Fone de Ecolocalização? Como poderá viver em uma Arena, com 23 Tributos sabendo que ela é cega? Ela não diz nada, apenas cumprimenta com um pouco de dificuldade o Prefeito e Beetee, que está em um misto de orgulho e choque. Ele com certeza já identificou os Fones dela, e ficou satisfeito em encontrar um Tributo tão competente em Tecnologia. Circe inovou o Centro Comercial criando estes Fones para cegos, que apesar de poucos, vivem muito mal e em condições precárias no Distrito 3 - E não posso dizer que sua população tem aumentado, devido aos diversos gases que emitimos. Queimamos nossos olhos por Capitol. Mas essa é outra história.

Ela ficou estática ao lado de um Beetee controlado, enquanto Anomália retornara ao microfone.

— E, sem mais delongas, os cavalheiros!

E logo Anomália começou a vasculhar saborosamente as milhares de tiras de papel contidas no Globo. Finalmente tirou uma e voltou ao microfone. Por favor, não seja Licurgo, não seja Licurgo, não seja Licurgo...

— E o nosso Tributo Masculino é...

... Não seja Licurgo, não seja Licurgo, não seja Licurgo, não seja Licurgo, não seja Licurgo...

E se, Circe e Europa tivessem conversado anteriormente, pensando que eu seria um Tributo dos Hunger Games? EU? Um Tributo dos Hunger Games?!

— Licurgo Victorio!


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Notas finais do capítulo

No próximo Capítulo, Cassandra voltará com tudo!



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