Do lado de fora do reerguido Templo de Atena, Shion se perdia em pensamentos enquanto fitava o céu apinhado de estrelas daquela noite de primavera. A noite era fresca e agradável, não sentia frio ou qualquer desconforto.

A brisa grega tinha algo diferente no ar, algo que jamais sentira. Era uma brisa de renovação, muito diferente de quando, mais de dois séculos antes, retornara ao Santuário, recém-empossado Grande Mestre, com a dura missão de reconstruí-lo praticamente sozinho após tantas dolorosas perdas entre seus companheiros.

Em vez de luto, o Santuário transpirava vida. Atena novamente havia se saído vitoriosa da Guerra Santa contra Hades; mas, daquela vez, havia conseguido no Olimpo um valiosíssimo espólio de guerra: as vidas de seus guerreiros.

Ao final, graças a prolongadas negociações com os outros deuses, o Exército de Atena não teve nenhuma baixa. Amazonas, cavaleiros de ouro, prata e bronze, que sacrificaram suas vidas e suas almas pelo bem da Terra, tiveram a chance de retornar à vida. Shion ficou extremamente surpreso em ser também ressuscitado, uma vez que havia sido morto muito antes; Aioros também estava de volta, para a felicidade do irmão.

Shion sorriu. Diferentemente da outra Guerra Santa, aquela realmente parecia ter tido um "final feliz", daqueles que se liam em livros e que pareciam impossíveis demais para a vida real. Aliás, surpreendentemente feliz para ele, que agora tinha a aparência que Hades lhe havia devolvido. Gozava novamente de seus dezoito anos, o que era no mínimo inusitado para um homem de mais de duzentos anos de idade.

Não tinha sono no momento. Optou por descer as escadarias, passando pelas Doze Casas Zodiacais e refletindo sobre o reerguimento do Santuário de Atena. Gostava de ver a união entre todos durante esse processo tão complicado – mulheres, homens, jovens e idosos, cada um fazendo sua parte para reconstruir o Santuário e Rodório. Não havia diferenças, não havia patentes; cavaleiros de ouro e servos davam o melhor de si para terminarem o trabalho tão breve quanto possível.

A vila das amazonas já estava totalmente reconstruída, bem como boa parte das moradias dos cavaleiros de prata e bronze. O norte de Rodório ainda continha escombros, mas seus moradores estavam adequadamente alojados enquanto as obras não eram concluídas.

Por decisão dos próprios cavaleiros de ouro, as Doze Casas não estavam sendo reparadas com maior prioridade. Parte de seus aposentos pessoais havia sido reconstruída de forma a acomodá-los, mas os grandes salões ainda eram ruínas. Habituados a situações rústicas em tempos de missões e batalhas, optaram por aplicar maiores esforços na reconstrução de lares civis e de seus colegas de armas.

Shion percorria os templos semidestruídos enquanto pensava em tudo que havia acontecido. Utilizou suas habilidades psíquicas para ocultar sua presença e não incomodar os cavaleiros que descansavam depois de mais um dia de trabalho.

Peixes, Aquário, Capricórnio, Sagitário... em todas as casas que percorria, não encontrava nenhum ocupante desperto. Parecia que o Santuário todo havia se rendido àquela sensação de paz e agora desfrutava de um sono reparador, aguardando pelo dia seguinte...

Shion franziu levemente a testa. Nem todos estavam dormindo; um pouco adiante, podia sentir uma aura muito conhecida plenamente desperta. Sorriu, curioso, e continuou sua descida até Áries.

O teto do salão de Áries ainda não tinha sido reconstruído, de forma que do pátio se tinha uma visão completa do céu estrelado. Duas figuras estavam deitadas no chão, apreciando as estrelas e conversando.

Shion se aproximou um pouco mais, ainda incógnito, e se surpreendeu ao ouvir parte da conversa que os dois travavam.

- ... fazendo a nossa parte para manter a justiça e a bondade no mundo, Kiki, damos o exemplo às outras pessoas. Somos estandartes de Atena e lutamos pelo que ela professa, evitando ao máximo mortes desnecessárias...

- Mestre Mu... agora que Hades se foi, vamos ficar em paz para sempre?

Houve um momento de silêncio.

- Não, Kiki. Ainda há muito a fazer. As pessoas ainda fazem coisas ruins, ainda propagam o mal. Ainda haverá muita luta e muitos anos irão se passar até que as pessoas finalmente aprendam que o melhor caminho é sempre o da paz e da harmonia.

- Isso é meio... desanimador, né?

- Não pense assim... pense que você jamais irá permitir que as coisas erradas prevaleçam sobre os valores corretos defendidos por nossa deusa. Antes de se preocupar em ser um cavaleiro poderoso, preocupe-se em ser uma pessoa de bem, honesta e honrada. Um cavaleiro de Atena, Kiki, não é definido por sua força, mas pelo seu caráter...

Shion não conseguiu conter um sorriso radiante e orgulhoso.

- Mestre Mu, posso dormir aqui fora?

- Venta muito, Kiki. É melhor dormir lá dentro, sim? Por sinal, já está tarde, é melhor nos recolhermos...

- Aah...

- Não fique assim. Hoje vou lhe contar uma bela história antes de dormir, que tal?

- Oba! Com piratas?

- Piratas, Kiki? – Mu sorriu desconcertado – Bom, vou ver se me lembro de uma...

Shion não resistiu e saiu das sombras em que se encontrava, sorrindo suavemente para o discípulo e seu jovem pupilo.

- Pois eu conheço uma história muito divertida com piratas e posso contá-la, se vocês quiserem.

Mu e Kiki, após se entreolharem com um sorriso surpreso, fizeram uma respeitosa reverência ao Mestre do Santuário.

- Seria uma honra ouvi-la do senhor, nobre Patriarca... – Disse Mu com um sorriso.

- Vamos loooogo! – Apressou-os o mais novo, praticamente arrastando os outros dois para o interior da casa de Áries.

Shion sorriu satisfeito. Uma semente que havia plantado em uma noite longínqua, anos antes, dava frutos. Sabia que a próxima batalha não tardaria mais do que uns cinco ou dez anos, mas tinha certeza de que cada batalha, cada gota de suor tinha seu valor. Mas mais gratificante do que esse pensamento era saber que essa ideia encontraria eco nas novas gerações de cavaleiros, levando esperança até o futuro... até quando esta enfim se concretizasse.

Mas aquela não era a hora de divagar sobre futuras batalhas. Tinha uma missão mais importante naquele momento, e da qual chegara a sentir falta em algumas noites. Sereno, repassou mentalmente todas as histórias de aventura que conhecia...

FIM