"Na majestade do seu bailado
E na elegância da sua postura,
Baloiça em movimento ondeado
O corpo afogado em ventura."

José Rafael

Los Angeles, 5:20 PM. Sexta-feira. Selena.

Depois de uma semana de trabalho árduo Nicol prometeu que nos levaria ao restaurante de um amigo como recompensa por termos nos dedicado tanto. Secretamente eu sabia que o resultado havia aparecido porque Nicol foi uma instrutora muito mais carinhosa e paciente do que Agatha, porem não ousei abrir a boca para dizer nada. Como éramos um grupo grande tivemos que começar a tomar banho e trocar de roupa cedo, e quando eram aproximadamente 7 horas da noite duas vans brancas estacionaram de frente para o hotel e nos acomodamos dentro das mesmas, conversando em voz baixa ate o destino. Era um restaurante mais parecido com um bar de aparência rustica, mesas e cadeiras bem dispostas para que a maioria das pessoas tivessem vista do mar, e a enorme mesa que estava reservada apenas para as meninas da companhia era totalmente privilegiada por dois motivos. Primeiro, todas conseguiam ver o mar perfeitamente, e segundo, a área do couver era bem próxima da mesa. Sentamo-nos sem fazer muito barulho e começamos a debater sobre a apresentação que aconteceria no dia seguinte. Todas estavam bastante ansiosas, mas empolgadas, e nada melhor do que musica para relaxar. Um senhor que aparentava uma idade mediana aproximou-se de nossa mesa e trocou poucas palavras em francês com Nicol antes de cumprimentar-nos. Não consegui prestar muito a atenção no homem pois atrás dele havia um casal de pé e ambos eram insuportavelmente bonitos para que qualquer outra coisa pudesse ser notada. A garota tomou a frente e apresentou-se como Demi, enquanto o garoto apresentou-se como Nick, e novamente fiquei dividida sem saber para qual dos dois deveria olhar primeiro. Há alguns anos eu já havia me conformado com o fato de ser lésbica, tive uma conversa longa com a minha mãe sobre isso e chegamos a um acordo apesar de a mesma me tratar com certa indiferença hoje em dia, e ver Demi falando e gesticulando graciosamente fez com que eu sentisse certa necessidade de ser mais notada do que as outras garotas.

– Mas me digam, qual de vocês e a melhor? – questionou alternando os olhares entre todas as meninas da mesa – Sempre tem uma que se destaca mais, ou aquela que nem é tão boa mas é a queridinha.

– Depende. – Naya tomou a iniciativa da conversa – Em alguns passos umas são melhores, em outros passos outras são boas, mas as que sempre conseguem fazer tudo com perfeição estão bem ali, são Selena e Taylor.

A garota encarou-nos por uma fração de segundos e em seguida sorriu. Um sorriso que deixou a mostra os dentes extremamente brancos e brincou na face já bonita, provocando um arrepio involuntário em minha espinha. Eu nunca soube como agir diante de garotas bonitas, e ao mesmo tempo em que pensava em alguma forma sutil de pegar o telefone dela eu sabia que não teria tanta coragem para executar os planos que se formavam em minha mente. Um leve empurrão em minha coxa me trouxe de volta a realidade e percebi que Demi e metade da mesa me encarava.

– Oi? – senti meu rosto aquecer quando a timidez finalmente me atingiu –

– Eu perguntei quantos anos você tem. – Demi repetiu a pergunta e o garoto ao lado dela riu parecendo entender o que estava acontecendo, então ergueu a sobrancelha grossa com um olhar divertido –

– Eu tenho 18, vou fazer 19 em julho. – forcei um sorriso –

– Eu sempre invejei as bailarinas, vocês andam sempre tão retas... Mas eu não sou boa com isso. Quer dizer, eu sou totalmente desastrada e eu ia acabar causando um acidente no meio de uma apresentação porque eu pisei no meu próprio pé. – algumas meninas da mesa riram e Demi acompanhou – Meu talento é todo da música mesmo, fazer o que. – deu de ombros – Bom, eu vou nessa. Espero que gostem de clássicos e espero que gostem do show. Boa sorte na apresentação de amanhã, garotas.

Meus músculos pareceram relaxar apenas quando Demi virou-se e caminhou em direção ao seu banco, ajustando-se com o garoto ao seu lado. Minha postura na cadeira começou a modificar-se constantemente e Taylor estendeu um copo d’água para mim.

– Uau Selena, você precisa se controlar mais. É só uma garota. – sussurrou ao meu ouvido e riu –

– Você deve estar brincando. – encarei-a séria – Ela é a garota mais linda que eu já vi, Taylor. – escondi o rosto entre as mãos e suspirei pesadamente – Eu preciso dela.

– Eu acho melhor você se conformar com a Ashley Benson, Selena. Ela também é linda, e está ao seu alcance. Essa Demi... – desviou meu olhar para observar melhor a garota distante de nós – É melhor se acostumar com a idéia de que ela só será sua no seu sonho. Ela é insuportavelmente hetero, está na cara dela.

– Esse garoto do lado dela sabe de algo. – afirmei com determinação – Assim que o show acabar eu vou falar com ele.

Decidi que iria esquecer o quanto aquela garota era atraente e resolvi encontrar algo para distrair-me na mesa. Acabei por entrar no assunto das garotas e cada vez que Ashley sorria para mim eu ganhava outro empurrão na perna vindo de Taylor, que ria disfarçadamente e virava o rosto para o lado. Eu sabia há algum tempo que Ashley queria algo mais comigo, e na verdade metade das garotas da companhia sabiam disso, afinal ela pedia ajuda a praticamente qualquer um para ter uma forma de “chegar” até mim e me convidar para sair. Comecei a retribuir os sorrisos da mesma e percebi que em certo momento ela levantou-se e olhou-me consideravelmente antes de ir até o banheiro, porém no exato instante em que cogitei a hipótese de levantar a luz acendeu-se sobre Demi novamente, e toda a tensão pareceu voltar ao meu corpo. Ela e o garoto deram boa noite e uma melodia suave começou a preencher o local. Minha boca abriu lentamente quando a voz firme acompanhou a música, engoli a seco e apertei o copo de coca-cola em minha mão com força, tentando descontar nele a reação que a voz melodiosa de Demi causou em mim. No primeiro instante eu queria vomitar. No segundo instante eu apenas constatei que Taylor olhava-me tão surpresa quanto eu deveria estar.

– Cara, ela canta muito!

– Taylor... Eu preciso dela.

Durante o show de Demi parecia que eu estava envolta em uma bolha diretamente ligada a ela, e tudo o que eu era capaz de pensar era sobre como eu iria falar com o garoto que possivelmente seria a minha ponte. Antes que eu pudesse me dar conta, Taylor chegou a cadeira para o lado e deu espaço para que alguém se colocasse entre nós.

– Posso falar com você?

Encarei o garoto que me fitava ainda sorrindo e levantei lentamente, precisando parar algumas no trajeto até onde ele me guiava. Paramos em uma pequena sala que parecia ser um escritório e ele sentou-se na mesa, mantendo o olhar em mim por uns segundos.

– Ela é linda, não é? – virou-se na mesa e pegou um bloco de papel – Eu entenderia você se gostasse de mulheres. – ergueu a sobrancelha por um breve instante –

– O que você quer? – cruzei os braços abaixo do peito e suspirei –

– Bom, eu percebi o quanto a Demi chamou sua atenção. – sacou uma caneta do bolso e começou a anotar algo na primeira folha do bloco – Ela é namorada do meu irmão, e eu deveria apoiar esse relacionamento. – franzi o cenho e dei um passo a frente para entender melhor o que ele estava dizendo – Mas eu sei o quanto é ruim quando alguém realmente nos atrai e nós não temos nenhum meio de chegar nessa pessoa. – virou-se para mim novamente e estendeu o papel em minha direção – Ela não é muito ligada nessa coisa de SMS, mas passa o dia inteiro no twitter, então aí tem o arroba dela e tem o número do celular, caso você ache melhor assim. Tem o número do meu celular também, caso você precise de alguma ajuda. Eu não sei se vai funcionar, mas não custa tentar.

– Por que você está fazendo isso? – peguei o papel da mão dele e passei o olhar rapidamente pela caligrafia bem feita antes de guardar o bilhete no bolso –

– Por que eu sei que você ficou interessada de verdade nela, e eu gostei de você. Você me parece ser uma boa pessoa, espero que eu não esteja errado. – pulou da mesa e passou a mão rapidamente pelo meu ombro – E também porque eu sou gay, adoro essas coisas de ver alguém hetero caindo por outra pessoa do mesmo sexo. – riu – Consegue guardar segredo?

Limitei-me a balançar a cabeça em afirmativo e Nick saiu da sala, deixando-me sozinha com um sorriso satisfeito no rosto.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.

          Cecília Meireles

Los Angeles, 11:30 PM. Sexta-feira. Demetria.

Quando o show acabou eu pedi a Nick que esperasse enquanto eu falava com Joe, ele apenas assentiu com a cabeça e aproximou-se da mesa das bailarinas, falou algo no ouvido de uma delas e então ela levantou-se da mesa e o seguiu.

– Joe. – forcei-o a ficar quieto – O seu irmão está pegando uma das bailarinas que vieram aqui hoje.

– Eu já sabia que ele não era gay. – ouvi Joe rir através da linha – Ela é bonita?

– Bonita? Você deve estar brincando, Joe! Existe alguma bailarina feia? Mas ele escolheu bem, ela é linda. – assenti – Mesmo.

– Eu sabia! – a risada dele ecoou ainda mais alta –

– Já era de se esperar isso, ok? Ela passou o show inteiro olhando. – revirei os olhos – Talvez ele só tenha feito isso tentando manter as aparências. – dei de ombros – Ela deu mole demais, até eu chegaria nela se fosse homem.

– Aparências? Que aparências, Demi? O Nick não tem cara de gay, muito pelo contrário. E você chegaria nela como chegaria em qualquer outra coisa que usasse saias, foi por isso que Deus te fez mulher.

– Eu sei. – ri – Esse cabelo dele, e essas manias que ele tem de... Espera, ele está voltando. Droga Joe, eu acho que ele pegou mesmo ela! Ele está rindo! – franzi o cenho quando a menina saiu apressada de algum lugar e segurou-o pelo braço – Ai. Meu. Deus.

– O que está acontecendo? Demi? Demiii?

– Espera! Ela está falando algo no ouvido dele, e agora ele concordou com alguma coisa e... Ela beijou o rosto dele. – apertei mais os olhos ao ver a cena –

– Parece que você errou mais uma vez. – riu –

– Por que eu não consigo dar uma dentro? – mordi o lábio inferior contendo a risada – Oi Nick.

– Demi, eu sei que amanhã é sábado e você costuma acordar às duas da tarde, mas nós fomos convidados para ver a apresentação delas, o que você acha? – ergueu a sobrancelha –

– Eu não sei, qual é o seu percentual de interesse nessa apresentação? – minha voz soou indiferente –

– Demi, eu ainda estou aqui. – Joe –

– Fique quieto.

– Meu percentual de interesse é... Bem, você sabe. É a Selena. – riu divertido –

– Então vá você sozinho. – dei de ombros e Nick revirou os olhos –

– Será que pode só uma vez fazer o que eu estou pedindo? Não vai ser nada demais, ela me pediu que fosse e disse que eu poderia levar você, então eu vou levar.

Balancei a cabeça em concordância apenas uma vez antes de voltar a concentrar-me no celular enquanto ia com Nick até a minha casa. Como era de costume minha mãe já estava dormindo quando cheguei, então peguei qualquer coisa que tivesse na geladeira e comi enquanto assistia televisão, sempre fazendo pequenas notas mentais de que não poderia dormir tarde já que havia prometido ir com Nick a apresentação das meninas. Aproveitei antes de dormir para checar mais uma vez meu twitter e troquei alguns twets rápidos com algumas pessoas antes de desligar a TV. Fui até o meu quarto, peguei meu pijama e segui para o banheiro, escovando os dentes com um pouco de pressa afinal o relógio já marcava duas da manhã e sabe Deus que horas o Nicholas iria aparecer aqui. Não lembro de ter tido nenhum sonho, e parece que minhas 7 horas e meia de sono foram apenas 10 minutos. Acordei com a voz baixa do garoto soando próxima ao meu ouvido e sinalizei com a mão para que ele soubesse que eu já estava acordada. Não levei muito tempo para trocar de roupa, tendo em vista que já sabia do que se tratava e não seria nada muito formal eu e Nick concordamos que só um vestido cairia bem, e combinado com uma maquiagem leve pareceu perfeito para a ocasião. Durante o caminho até o teatro o garoto ao meu lado não parou de falar um só minuto sobre o quão bonita, inteligente, meiga e simpática ela era, ganhando como resposta um suspiro insatisfeito de minha parte. Eu ainda achava que ele era gay. Quando chegamos lá o local estava parcialmente cheio, o que fez Nick rodar em círculos até encontrar duas poltronas vagas na fileira de frente para o palco, e novamente ele começou a elogiar a beleza, a simpatia, o charme e bla bla bla. Estava começando a ficar cansativo.

– Oi! – virei-me de sobressalto com o susto – Que bom que vieram. – a garota sorriu –

– Ainda bem que nós viemos, eu acho que não ia agüentar o Nicholas falando sobre você até que o assunto fosse esquecido. – bufei – Espera... Você é a Selena, né?

– Sou sim. – o sorriso em seus lábios aumentou consideravelmente –

– Então... Falta quanto tempo pra começar? – Nick olhou o relógio – Preciso de mais algum motivo para te elogiar e falar de você para a Demi o tempo todo. – riu –

– Só alguns minutos, duas meninas estão terminando a maquiagem. – observei-a de cima a baixo no collant rosa, ela não tinha aquele corpo esquelético que a maioria das bailarinas tem –

– Você é linda, mas ficou mais sexy assim. – ela sorriu tímida e as bochechas ganharam um tom rosado – E você tem um corpo bonito. Não é, Demi?

– É, é sim. Estava reparando nisso agora. – olhei-a diretamente nos olhos, fazendo o sorriso da garota aumentar – Você malha?

– Não, não. É genética, eu acho. Você também tem um corpo muito bonito, e você canta muito bem.

– Obrigada. – sorri – No meu caso é genética e academia três vezes por semana quando eu estou realmente afim. – ela riu – E quanto a cantar, isso com certeza é um talento porque se você ouvir a minha mãe cantando. – passei o indicador de um lado a o outro do pescoço – Ela é um desastre.

– Não exagere Demi, a tia Dianna pelo menos tenta. Não são todos que tem uma estrela tão brilhante assim como você e Selena. – Nick cutucou-me –

– Selena! – uma mulher loira e alta acenou um pouco distante de nós – Vem!

– Bom, eu... Preciso ir. – suspirou – Nos vemos depois, Nick?

– Não sei, mas por via das dúvidas, até a próxima Selly. – ele ficou de pé e abraçou-a rapidamente – Quebre as pernas.

– Hm... Eu não sei se você tem twitter, mas se tiver e quiser, me segue lá. – ela piscou rapidamente para mim – @selenagomez.

– Ah, pode deixar! Eu vou te seguir.

Peguei o celular no bolso e conectei no twitter enquanto a apresentação não começava. Eu nem gostava tanto assim de balé, mas não poderia negar isso ao Nicholas depois de tantas coisas que ele fez por mim. “esperando a apresentação de balé começar... o que eu não faço por você @nickojnas” Procurei por Selena e sorri ao ler o tweet mais recente da menina. “Se eu te der uma flor de plástico você fica comigo até a flor morrer? #brega” Será que aquilo era para o Nick? Alguma coisa estava estranha naquela situação, mas uma hora ou outra Nick iria acabar soltando sem que eu precisasse forçar nada. “@selenagomez seguindo você linda (:” Ainda pude ficar algum tempo dando RT antes de as luzes diminuírem. Guardei o celular no bolso e observei com atenção quando o primeiro holofote iluminou o centro do palco e a mesma menina que estava ao lado de Selena ontem aproximou-se da luz na ponta dos pés como se estivesse flutuando. Aos poucos e sem que pudéssemos perceber, todas as garotas estavam no palco, e assim a apresentação seguiu até o momento em que só restou um holofote direcionado para Selena e ela finalizou a apresentação com um solo que surpreendentemente me deixou fascinada pela forma com que os pés dela se moviam numa sincronia perfeita com a música. Talvez fosse apenas o clima em si, ou talvez fosse ela. Ela parecia ter uma luz própria no palco, e definitivamente aquilo tornava-a ainda mais atraente. Nick teve, pela primeira vez, sorte na escolha.