"A bailarina é um anjo

de asa fina."

Fábio Rocha

Nova York, 19:45 PM, quarta-feira. Selena.

Durante três dias fui firme e mantive minha distancia de Demi, sempre procurando não dar muitas indiretas via twitter para que meu plano não fosse descoberto préviamente e todos os meus sonhos fossem por água abaixo. Eu estava basicamente esperando a oportunidade perfeita para começar a, anonimamente, dar pistas de que eu estava irreversivelmente atraída por aquele sorriso e aqueles olhos. A oportunidade caiu e minhas mãos nessa quarta-feira depois de um dia de treino puxado, quando tomei banho e fui para o twitter, deparando-me de cara com a foto que eu passava tantas horas admirando. O novo tuite de Demi dizia “estou me sentindo muito sozinha, me amem” e em seguida o número de celular da mesma. Primeiramente senti uma certa pontada no peito que me pareceu ser ciúme, afinal agora centenas de outras pessoas sentiriam-se no direito de “amar” Demi de certa forma, porém por outro lado eu finalmente poderia conversar com ela e desabafar sobre a forma como ela me deixava apenas por sorrir. Decidi que não mandaria mensagem naquele dia para não parecer muito afim, acabei não tendo tempo na quinta-feira e a mensagem ficou para a sexta, o que acabou por ser uma tremenda desculpa. Eu estava com medo de ser ignorada. Digitei e apaguei a mensagem diversas vezes e acabei por enviar uma que dizia “Sei que você pediu pra ser amada quarta-feira, mas como gosto de exclusividade resolvi te amar hoje. Ainda dá tempo?”

– Selena, vem aqui. – deixei o celular sob o travesseiro e segui até o quarto da minha mãe – O Samuel pediu para você ir até o centro comprar o cabo para o vídeo game dele.

– Como é? – franzi o cenho antes de dar um passo para dentro do quarto – O Samuel o que mãe?

– Pediu para você ir até o centro comprar o cabo do vídeo game dele, qual é o problema? – o olhar desviou do livro para encontrar o meu –

– O problema é que o Samuel tem pernas e pode comprar essa porcaria. – balancei a cabeça em tom negativo – Eu não vou.

– Não faça isso com o seu irmão. – afastou o óculos do rosto provavelmente para olhar-me melhor – O que te custa?

– Me custa, me custa bastante. Custa porque se eu pedir para ele ir na cozinha pegar água ele vai simplesmente ignorar e vai continuar deitado naquela merda de cama vendo televisão como ele sempre faz. – revirei os olhos antes de respirar fundo – Enfim, não vou.

– Muito obrigada. – minha mãe sorriu ironicamente – Muito obrigada mesmo. Não precisa mais, eu vou. Depois de passar o dia cozinhando e arrumando a casa você vai mesmo me fazer andar até o centro, não é? – fechei os olhos e engoli a seco pedindo a Deus paciência – As suas pernas vão cair se você for.

– A questão não é se minhas pernas vão cair ou não, até porque eu jamais faria algo que pudesse prejudicar minha carreira. A questão é que o Samuel é imprestável para mim e eu vou passar a tratá-lo da mesma forma. Se a senhora está cansada, então a senhora não vá. Se ele quiser ele vai dar um jeito de comprar, deixe de ser boba.

Voltei para o quarto e peguei o celular na cama, sentindo meu coração contorcer e apertar em meu peito quando vi a nova mensagem na tela. Deslizei o dedo através da mesma e a mensagem foi exibida, deixando-me com um frio ainda maior na barriga. “Claro que dá tempo, eu ainda me sinto sozinha. Qual é o seu arroba? (: “ Mordi meu lábio inferior enquanto raciocinava e decidi que manter meu anonimato pelo menos nos primeiros dias era fundamental afinal Demi era uma garota, e era hetero. Dizer que eu também era uma garota era um dos motivos pelos quais ela poderia querer se afastar, e eu definitivamente não queria aquilo. “Hmmm, prefiro manter isso em segredo por enquanto, sou uma pessoa tímida. Mas digamos que você nunca vai ser amada melhor =p a propósito, você é linda”. Não percebi a movimentação na porta do meu quarto até meu celular quase ser retirado da minha mão pela minha mãe. Puxei-o na direção do bolso e sentei-me na cama, esfregando o rosto com força já sabendo o que viria a seguir.

– Com quem você está falando, Selena? Me dá esse celular!

– Eu não vou dar, e eu estava falando com a Taylor. – suspirei –

– É mentira sua. – joguei a cabeça para trás enquanto minha mãe falava – Você é falsa, sabe disso? Bem que o Samuel diz. Você é dissimulada, garota.

– Você já acabou? – indaguei sem muita paciência e já de pé –

– Já, já, com certeza. – minha mãe voltou a sorrir ironicamente e eu apenas coloquei meu chinelo que estava próximo da porta – Estou saindo.

– Não, você não está. Onde pensa que vai?

– Vou comprar coca-cola.

– Ah, quer dizer que sair para comprar coca-cola você pode e para comprar o cabo do seu irmão não? Então eu só tenho uma notícia para te dar. – a chave foi retirada de minhas mãos – Você não vai a lugar algum.

– Tudo bem, mãe. – cuspi com certa grosseria antes de devolver o chinelo a seu lugar – Não tem o menor problema.

Subi a escada em passos firmes e fechei a porta do meu quarto sem fazer muito barulho, trancando-a em seguida antes de cobrir o rosto com ambas as mãos e esfregar o mesmo até sentir minhas bochechas levemente quentes. Retirei o celular do bolso e deixei que meu corpo caísse na cama outra vez, sentindo toda a raiva ser subitamente transformada em algo muito maior. “Hahahaha adoro segredos, sabe? Eu também tenho os meus. Quanto a nunca ser amada melhor, não posso dizer nada, só que to esperando pra ver todo esse amor rsrsrs e obrigada pelo elogio, mas eu não sou linda.” As batidas na porta do quarto trouxeram-me de volta para a realidade forçadamente, o que obrigou-me a levantar da cama e destrancar a porta, dando de cara com meu irmão encarando-me com certa dúvida no rosto.

– O que aconteceu com a minha mãe? – as sobrancelhas grossas franziram –

– Discutimos por palhaçada e agora ela está fazendo o show particular de sempre. – afastei-me da porta e voltei para a cama –

– Mas o que começou a discussão?

– Ela disse que você pediu para eu ir comprar o cabo do seu vídeo game e eu disse que não ia. – dei de ombros –

– Como assim? Eu disse que era só se você fosse ao centro hoje, você não precisava ir lá só por isso. – meu irmão permaneceu de pé na porta –

– Não foi isso que me foi passado. – balancei a cabeça em afirmação ainda olhando meu irmão – Enfim, você sabe como ela é. Daqui a pouco isso passa.

Esperei até que a figura alta desaparecesse por completo para tomar meu celular e digitar uma nova mensagem para Demi. “Linda e modesta, mais alguma qualidade que eu deveria saber?”

"Sua voz macia e doce ritmada com a canção

Me deixou encantada, quase sem ação."

Alexandra Soares.

Los Angeles, 18:34 PM, sexta-feira. Demetria.

“Linda e modesta, mais alguma qualidade que eu deveria saber?” A mensagem fez com que um sorriso aparecesse involuntariamente em meu rosto, e abaixei a cabeça balançando a mesma negativamente enquanto Nick esticava a cabeça para ver acima do meu ombro.

– Quem é?

– Também gostaria de saber. – suspirei – Seja quem for, é de Nova York.

– Como você conversa com alguém que não conhece? – o garoto sorriu antes de voltar a olhar-se no espelho e passou a mão entre o cabelo recém molhado –

– Eu postei no twitter que estava me sentindo sozinha e pedi para alguém me amar. – retomei meu lugar ao lado de Nick – Na quarta-feira. Daí hoje essa pessoa apareceu e disse que não me amou na quarta porque gosta de exclusividade, perguntou se ainda dava tempo de me amar hoje e eu disse que sim, e agora nós estamos conversando.

– Achei que o amor do Joe era o suficiente. – observei o sorriso irônico se formar no rosto do garoto –

– Ah Nick, você sabe... – deixei o celular sob a penteadeira para terminar a maquiagem – Eu não amo o Joe.

– Mas ele te ama, e eu não acho justo que faça o meu irmão de bobo enquanto se derrete por um desconhecido que vive do outro lado do país.

– Nicholas... – meus ombros caíram quando o olhar de tédio tomou meu rosto – Por favor, você sempre foi contra o nosso namoro. – revirei os olhos ao ouvir a gargalhada rasgar a garganta dele – Palhaço.

– E esse tal “amante” é bonito?

– Eu não sei, ele disse que prefere manter o anonimato por enquanto. – mordi meu lábio inferior para conter um sorriso, porém foi em vão –

– Deve ser feio. Se ele fosse bonito já teria feito questão de se gabar. – em um estalo Nick pareceu dar-se conta de algo – Espera, você disse que ele é de Nova York?

– Sim, qual é a surpresa? – franzi o cenho –

– Nenhuma, nenhuma. – logo ele voltou a rir e eu ergui apenas a sobrancelha esquerda – É que a Selena é de Nova York, eu apenas lembrei disso.

– A bailarina? – ele concordou com um sorriso – Hum, e como vocês estão?

– Deveríamos estar de alguma forma? – fiz um sinal positivo com a cabeça – Conversamos um pouco por sms, mas não acho que vai dar em nada. – olhei-me uma última vez no espelho e peguei o celular novamente – Vai responder o que?

– “Tenho qualidades que você nem imagina rs”.

– É possível terminar essa paquera depois? Nós estamos ficando atrasados e você sabe que o Charles detesta atrasos.

– Ok, vamos.

No caminho para o bar, chequei meu celular diversas vezes esperando uma resposta do meu novo “amigo” e no entanto, nada. Posicionei-me em meu lugar no canto mais destacado e enquanto Nick afinava seu violão meu celular acendeu e denunciou a mensagem que eu tanto esperava. “Será que eu poderia saber quais são essas qualidades? Ou são seus segredos?” Mostrei o celular a Nick, que apenas sorriu e balançou a cabeça em negação enquanto observava meus dedos correrem na tela digitando a resposta. “Digamos que eu tenho um dom que se destaca mais do que todos os outros, mas eu não quero me gabar por enquanto rsrs e você, tem algum dom especial?”

– Aí estão vocês. Achei que nunca chegariam. – Charles aproximou-se de nós com um semblante sério – Tratem de começar logo isso, não mandei que chegassem cedo por nada. O produtor musical da BMG está ali, e talvez essa seja a oportunidade que vocês dois queriam para mergulhar de vez no mundo da música, então façam logo isso.

Naquela sexta-feira em especial eu estava com a voz mais rouca do que o habitual devido ao fato de estar começando a ficar resfriada, mas não foi um empecilho para o meu desenvolvimento durante o show, e no fim da última música a primeira coisa que fiz foi procurar o celular e checar a nova mensagem. “Não, não tenho nenhum dom, só pessoas legais e bonitas recebem dons rsrsrs.” Senti uma mão tocar meu ombro de leve e virei o rosto de lado deparando-me com um senhor alto de cabelos grisalhos, que sorriu e cumprimentou Nick antes de estender a mão para mim.

– Boa noite...

– Demi. – sorri –

– Isso, Demi. Meu nome é Simon Cowell, eu sou produtor musical, você provavelmente já ouviu falar sobre mim. – eu assenti e sorri timidamente – Eu estive te observando durante o show e eu fiquei interessado na sua voz. Você tem um horário livre semana que vem na terça-feira para ir até a gravadora conversar comigo?

– Eu... Eu... É claro. – apertei o celular entre as mãos na intenção de controlar o nervosismo – Eu só preciso do endereço e... Saber o horário.

– Anote o seu endereço aqui e eu mandarei um carro ir te buscar lá. – ele sorriu e estendeu o celular em minha direção –

– Eu preciso levar alguma coisa? – mantive minha concentração no teclado enquanto digitava o endereço –

– Não. Apenas tente não forçar muito a voz até lá, certo?

– É, é... Certo. – devolvi o aparelho e mordi meu lábio inferior tornando a olhar o homem parado diante de mim –

– Você é ótima, Demi. Espero que possamos trabalhar juntos. Te vejo na terça então. Com licença, boa noite.

Esperei até que Simon estivesse distante o suficiente para abraçar Nick e correr até Charles, que apenas riu da minha euforia e disse que eu deveria ter fé, mas não ficar triste se não tivesse resultado algum, pois sabia que cedo ou tarde minha hora chegaria. Durante o percurso até em casa liguei para o Joe e contei a novidade, que foi recebida com um “precisamos sair para comemorar, tenho certeza que ele vai adorar você”, o que deixou-me ainda mais eufórica e sem sono. Ao chegar em casa tomei banho e fui direto para a cama, checando uma última vez meu twitter e minhas mensagens, e só então percebi que não havia respondido a mensagem da pessoa com quem estava conversando. Olhei o relógio, que marcava 23:43 e decidi que por ser uma sexta-feira talvez ele ainda estivesse acordado. “E você não é uma pessoa bonita e legal o suficiente pra receber um dom? duvido...” Deitada em minha cama percebi que apesar de ser algo recente eu ficava de certa forma ansiosa esperando que uma nova mensagem chegasse, e acabava por verificar a caixa de entrada de mensagens diversas vezes mesmo sabendo que a resposta ainda não estava ali. Alguns minutos depois senti meu celular vibrar sob minha barriga e olhei-o, sorrindo satisfeita ao ver o número sem nome aparecer na tela. “posso ser legal o suficiente pra receber um dom, mas quanto a ser uma pessoa bonita... sei lá, você roubou toda a beleza do mundo só pra você rs eu deveria te processar por bulling contra pessoas feias.” Ri alto com a resposta e franzi o cenho ao digitar de volta. “Hahahahahaha eu não roubei toda a beleza do mundo, fala sério rs vai lá, me processa, pelo menos assim vou saber quem você é =p ei, eu vou dormir ok? ser bonita cansa sabe u.u rsrsrs boa noite pessoa anônima, nos falamos amanhã (; xo.” O boa noite demorou pouco para chegar. “boa noite princesa, até amanhã.” Coloquei meus fones e deixei que meu corpo finalmente relaxasse, e acabei adormecendo com a sensação de que o dia seguinte traria muitas novidades para minha vida.