O Espelho escrita por CK Bellini


Capítulo 3
A Mais Bela


Notas iniciais do capítulo

Malz pela demora. Meio que um "bloqueio" me impediu de continuar escrevendo :S
Mas voltou como uma avalanche e, se der, vou postar um capítulo por semana ^^



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De banho tomado, alimentadas, trocadas. Eram assim que se encontravam Nana, Math e Billy. A bondosa Rainha os levara para seu quarto, dizendo que leria uma história. As crianças se sentaram na cama, enquanto a “boa senhora” ia pegar o livro na estante.

Um relâmpago iluminou o quarto e sua luz deslizou sobre a estrutura metálica do espelho, transformando-o num flash. Lady Ray hesitou por um momento, estendendo os dedos em direção à superfície vítrea e imaculada do grande objeto prateado. A inscrição no topo arqueado fulgurou por um momento e voltou à opacidade do brilho refletido das velas em seus candeeiros.

A rainha deu de ombros. Seguiu seu caminho até uma gigantesca estande de madeira de carvalho escovada, com uma camada brilhosa de cera de abelha. Peça finíssima e de igual valor, seja financeiro, seja sentimental. Seus falecidos pais costumavam ler histórias de cavaleiros, contos de fadas, e até histórias mirabolantes e assustadoras sobre demônios e vampiros. E foi um desses que ela escolheu.

A Sacada de Elizabeth” era o título. Um belíssimo exemplar encadernado em couro preto, com letras douradas. Ela própria ja confundira o livro com um grimório, mas o salvou da fogueira reconhecendo a caligrafia de editorial dourada.

As crianças sentaram-se em sua majestosa cama de espaldar alto, com cobertura de véu branco e cortinas em ambas as pilastras de sustentação de madeira negra. Billy entretinha-se em cutucar Nana, que por sua vez o dava tabefes doloridos. Math encarava o espelho, mortificado.

A rainha percebeu o olhar.

— O que foi, querido? — Perguntou, enfiando o livro embaixo do braço esquerdo e avançando para o menino.

Ele apontou em direção ao espelho. Lady Ray seguiu seu aceno e vislumbrou um rápido movimento na tela do espelho.

As crianças gritaram quando a janela ao lado da cama se abriu e um vento congelante, acompanhado de uma chuva torrencial igualmente fria, apagaram as velas. O lustre ficou pênsil, balançando de um lado à outro. Lady Ray se levantou lentamente, abalando-se por dentro. Um frio pegajoso invadira seus pulmões.

— Crianças, fiquem aqui. Vou fechar a janela.

E foi aos tropeços em direção aos vidros abertos que vomitavam vento, água e um estranhíssimo assobio lacrimoso, como se um pássaro chorasse.

Mas então ela sentiu. A presença, seja lá o que fosse, entrou dentro de seu coração com uma fisgada e sua visão se anuviou. Em sua mente, uma voz incrivelmente venenosa e maligna sussurrou, fatal.

Rainha... Eu enxergo sua alma. Eu vejo o que desejas. Desejas ser a mais bela. A mais poderosa. A mais amada. Eu posso transformá-la em tudo isso.”

A Presença lambia sua mente com sussurros venenosos, cegando-a e ensurdecendo-a. Ela apenas sentia. Sentia o gélido abraço da morte. Ou seria a chuva ensopando-a.

“Dê me-os. Permita-me satisfazer-me, vossa majestade, e eu servirei-a pela eternidade”

“São três desejos...” Pensou a Rainha.

Basta fazer os corretos.”

Uma sombra perpassou nos olhos da Rainha, e ela despertou de seu estorpor com um gigantesco relâmpago, ao fundo, e a explosão do trovão. Estava completamente molhada e enregelada.

Fechou a janela com um estalo, girando o gancho da trava. A sala continuava na penumbra, fracamente iluminada pela tremeluzente luz do candelabro de velas. Ela olhou para o espelho, que fulgurava malignamente. Não, tentadoramente.

servirei-a pela eternidade.

O sussurro lhe veio novamente.

Desejas ser a mais bela. A mais poderosa. A mais amada. Eu posso transformá-la em tudo isso.”


— / \ —


— DEIXE-ME ENTRAR! POR FAVOR!

Kelly acordara com os gritos masculinos vindos de fora da pensão.

Ela dormia atrás do balcão da recepção, sobre um colchão de palha forrado com um lençou esfiapado creme. Uma grande pele de urso a protegia do frio. Uma vela derretida pela metade sobre o balcão lançava uma fraca e tremeluzente luz, que se avolumava em sombras compridas e sinistras sobre as paredes e através das colunas.

Um trovão.

Mais gritos, dessa vez indefinidos. Alguém socando a porta.

Kelly ainda sonolenta, registrou Donnovan descer as escadas ao lado do corredor, resmungando sobre a incompetência de alguém e o abrir da porta da frente.

Um homem entrou cambaleando, ensopado e ferido.

— Kelly, me ajude aqui! — Gritou Donnovan, o dono da pensão.

Kelly despertou. Levantou-se rapidamente e seguiu onde Donnovan estava. Ele segurava o homem, que vomitava sangue. A garganta fora rasgada. Ou melhor, dilacerada.

— Meu Deus! O que houve com o homem?

— Cale-se e me ajude aqui, idiota! Pegue um pano limpo.

Kelly seguiu pelo corredor mal iluminado ao som de trovões e dos engasgos do homem ferido. A porta continuava aberta.

— Onde está?

— No último quarto. O viajante saiu ontem a noite e eu troquei os lençóis da cama. Pegue-os.

E Kelly entrou no quarto. Mas não enxergava nada. As velas estavam apagadas.

— Não tem luz.

— Venha aqui e pegue um vela. Por Deus, menina inútil.

Magoada, Kelly seguiu pelo corredor.

— Feche essa porta! — Ordenou Donnovan ríspidamente.

Kelly fechou.

— A vela está na quarta gaveta à esquerda, no gabinete ao lado da poltrona.

Kelly pegou a vela.

A porta tornou a bater.

O homem tossiu mais sonoramente.

— Atenda.

Kelly atendeu.


E tomou um susto. Uma garota incrivelmente bela encontrava-se em sua frente. Tinha cabelos muito negros à altura dos quadris. Usava um simples vestido de cetim negro e pés descalços. Estava completamente molhada. Ela era muito branca, como a neve, se não mais. Lábios excepcionalmente vermelhos e olhos com um estranho brilho. Eram de íris e pupilas negras, como um só. A garota não devia ter mais de 16 anos. E parecia com muito frio.

O homem engasgou ainda mais, cuspindo sangue e tremendo um braço. Desesperado para sair dali.

— Posso entrar? — Perguntou a garota num sussurro rouco, quase espectral.

— VÁ BUSCAR A PORRA DO LENÇOL, ENERGÚMENA! — Gritou Donnovan, segurando o homem em choque. Estava empapado de sangue do outro.

Kelly não respondeu. A garota olhou para o homem agonizante, ligeiramente curiosa. Seus olhos brilharam estranhamente em direção ao escarlate que escapava da ferida aberta.

A loira corria pelo corredor, com a vela apagada. Acendeu em outra e adentrou no quarto, arrancando o lençol imaculadamente branco da cama e voltou, correndo sonoramente de volta ao Hall de entrada e lançando o pano na mão ensanguentada de Donnovan.

A garota continuava na porta, quase sob a soleira. Ainda na chuva. Um relâmpago iluminou a ruela e lançou luz para dentro do recinto.

Kelly congelou. A luz passara direto pela garota. Não criara sombra.

— Ainda está aí? Entre de uma vez! — Disse Donnovan à garota

— Não...

Mas a garota entrara, curvando a cabeça. Os longos cabelos negros cairam em cascata sobre seu rosto, ocultando-o.

Foi tudo muito rápido.

Ela caminhou displicentemente em direção à Donnovan e ao homem agora desmaiado. Colocou suas delicadas mãos alvas em torno do pescoço de Donnovan e girou seu pescoço com incrível rapidez. O homem caiu morto no chão, ao lado do outro desmaiado.

Kelly gritou. A garota lhe lançou um olhar aterrorizante e, numa voz gutural, ordenou:

— CALE-SE! E NÃO SE MOVA!

Ela assistiu, calada e imóvel, a garota se debruçar sobre o homem desmaiado e ... Oh meu Deus! Comê-lo.

Um último e estrangulado grito se seguiu, gorgolejante, por sua garganta aberta. Então, com um gracioso movimento, sua bela devoradora arrancou a cabeça, salpicando a camisola branca de Kelly com o quente e escarlate sangue.



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