O Espelho escrita por CK Bellini
Notas iniciais do capítulo
Desculpa desculpa desculpa a demora. Provas atrás de provas e sem tempo :S Mas o quinto capítulo está "quase" pronto, prometo que posto rapidinho ^^
Lady Ray caminhou decidida até os degraus de pedra fria que separavam o palco do espelho do resto do dormitório. Nana acompanhou-a com os olhos brilhantes.
— Vais para onde, boa senhora?
— Vou limpar este espelho. Não parece sujo? — Respondeu Ray, gentilmente. Um sorriso lambeu os lábios vermelhos da bela Rainha.
Ela subiu vagarosamente os degraus. Algo em sua consciência prendia seus passos no chão. O quarto, fracamente iluminado pelo candelabro pênsil (única chama sobrevivente da súbida lufada de ar molhado que deixara o quarto nas trevas). “A Sacada de Elizabeth” jazia sobre uma poltrona confortável. A capa entreaberta revelava parte de uma gravura celta. Um deus chifrudo, com a língua bifurcada estirada, provando o ar como uma serpente. A mão esquerda acima da cabeça chifruda, com o indicador e o dedo médio estendidos sobre os outros flexionados.
Vossa Majestade encarou a superfície opaca e perolada do espelho. Como vapor d’água grudado no vidro. A luz tremeluzente alongava e encurtava as sombras sinistras do quarto. As três crianças permaneciam caladas. Ambas encarando a Rainha, que mirava pensativa a peça de prata, hipnotizados.
A mão pálida, de dedos longos com unhas pintadas de escarlate e levemente trêmula, estendeu-se em direção a superfície vítrea. Por um breve momento, tocou-a.
Então todo o mundo pareceu congelar. Lady Ray ficou imóvel, sem nem ao menos conseguir piscar. As sombras engoliram a luz emitida pelas velas que se azularam no candelabro pênsil, congelado no ato de retornar de mais um balanço. Inesperadamente, o reflexo acentuou-se no vidro embaçado e Lady Ray conseguiu ver as crianças atrás.
Tudo isso por um instante. O reflexo começou então a borbulhar e ondear, como quando se joga uma pedra no lago e ele cria ondas circulares e perfeitas. As ondas aumentaram e lamberam os dedos esmaltados, abrangendo as molduras e, como metal líquido e reflexivo, saiu do espelho, abriu duas abas, como asas de um morcego, e alongou, planando, na direção oposta da Rainha imóvel. Os olhos fixos, mas conscientes do que acontecia.
Alguns instantes e, não tendo desgrudado da moldura, o metal liquefeito voltou, da mesma maneira, mas ao contrário. O reflexo do quarto se agitou por um momento e tudo entrou em foco. Três massas sangrentas “sentavam-se” em cima do estofado de cetim branco do leito real. O que era Math não tinha pernas nem rosto. A cavidade abdominal estava aberta e oca. O que era nana não tinha a pele e os ossos do torso. Os órgãos continuavam na disposição correta, desnudos. O rosto também faltava. As órbitas vazias do crânio sinistramente sorridente estavam enegrecidas. A mandíbola arrancada toscamente. Três molares solitários povoavam a periferia do maxilar da caveira. A de Billy era a mais grotesca. O corpo do garotinho continuava como fora. As mesmas vestes e até o fantasma de uma perna balançando nervosamente. Mas não havia cabeça. Tendões, artérias murchas e músculos eram as sobras do pescoço da criança.
O Espelho foi lentamente perdendo seu reflexo até novamente se anuviar.
O sangue escarlate esguichou das deformidades dos corpos sobre o cetim alvo do estofado, que imediatamente mancharam-se em círculos que aumentavam. Os órgãos do corpo de Nana amontoaram-se disformes e as órbitas do crânio da mesma e do de Math lançaram uma substância espessa e escura.
A Rainha notou que apenas permanecia congelada pelo choque no momento. Ela caiu sentada, abismada com a brutalidade dos acontecimentos. O sangue caia em cascata da cama, mas estranhamente era guindado para o centro do piso de pedra do aposento. As manchas secavam, ou melhor, transportavam-se até a extremidade do lençol e pingavam insistentemente, até tudo sair e se concentrar na elipse de sangue. Até que um tênue fio estendeu-se da poça e correu em direção à moldura de prata do espelho, que cintilava faminto. O fio subiu a parede e alocou-se nas inscrições em relevo do espelho.
A névoa emitiu um brilho fraco e disperso, espiralando-se. Encolhendo e expandindo, como água. Tornou-se líquida e escorreu para a base do espelho opaco. Depois voltou a sua forma comum e grudou no vidro, como hálito de alguém num dia frio.
Um relâmpago iluminou a sala, seguido de um trovão, quando as palavras apareceram desenhadas na caligrafia fina e inclinada, como se uma mão invisível desenhasse de trás para a frente com sangue, dentro do espelho.
“Sussurre seus desejos.”
Lady Ray observava atônita a névoa intensificar seu abraço gelado no vidro e desaparecer, como se algo respirasse do outro lado, embora fosse tolice, é claro. Não existe nada do outro lado de um espelho.
Ela se levantou calmamente, oscilando o olhar assustado dos corpos secos das crianças sobre a cama e o Espelho vampiro, que agora lhe pedia três sussurros. O que deveria fazer?
“Eu as matei.”, pensou. “Nada mais justo que pegar estes três desejos em troca, não? Não... Não é justo. Elas morreram e é culpa minha. Mas eu poderia trazê-las de volta, não poderia?”
A Rainha sorriu ante a este pensamento, mas algo lhe dizia que era tolice acreditar que este artefato traria as crianças de volta. “Não custa tentar...” Ela se levantou e caminhou lentamente para o espelho. “Na verdade, custa sim. Um desejo. Eu só tenho três. Que se explodam essas crianças! Nunca gostei de pirralhos. Por isso nunca me casei nem tive filhos!”
Ela mirou novamente a superfície vítrea e gelada do espelho. Resolveu tocar com os lábios, pois talvez o que estivesse do outro lado só poderia escutar se falasse através do vidro. O toque foi surpreendententemente frio. Mais frio do que o vidro em sí. Era como beijar gelo.
— Desejo ser a mais bela, a mais amada e a mais desejada.
Os olhos da rainha foram violentamente forçados a abrir, junto com sua boca. O vidro todo ondeou ao seu redor e saiu da moldura mais uma vez, engolfando agora a cabeça da mulher.
Ela atravessou o vidro
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