Odeio Amar Você escrita por Narcissa


Capítulo 27
Vingt Sept


Notas iniciais do capítulo

Provavelmente postarei aos finais de semana.
Aí vai, boa leitura.



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– Emma?

Um zunido tomava conta de meus ouvidos.

– Emma?

Reconheci meu nome ser proferido pela voz do médico (o qual eu constantemente esquecia o nome) calmamente.

Abri os olhos lentamente, tudo que fazia era devagar. Até respirar havia se tornado um hábito constantemente perceptível, não mais algo que deveria ser involuntário e imperceptível.

O rosto do médico entrou em foco e ele parecia tranquilo.

– Ótimo. Emma, eu quero que você faça uma coisa para mim, ok?

Eu fiquei levemente apreensiva, mas assenti minimamente. Ele então levantou meu leito, de modo que eu fiquei sentada quase ereta.

– Certo. Eu estive observando sua recuperação ao longo das semanas e notei que para um coma tão longo, você está progredindo bem depressa, fora dos padrões. O que eu quero fazer é um pequeno teste.

Ele tirou do bolso um bloco de papel e um lápis.

– O que quero testar primeiramente são as suas habilidades motoras – ele me entregou o lápis – pegue.

Como não podia usar o braço direito, ele apoiou o bloco na “mesinha” a minha frente, onde colocavam a minha “refeição” (qual é, gelatina e sopa não entram na categoria de refeição).

Peguei o lápis com a mão esquerda, incerta. Eu não era canhota, ia foder com o teste todo. Olhei para ele incisivamente.

– Está tudo bem, não importa a mão que você vai usar, dadas às circunstancias. Apenas pegue o lápis com firmeza e tente o máximo que conseguir.

Respirei fundo e fechei meus dedos ao redor do fino cilindro. Meus dedos obedeceram, o que foi uma surpresa. Levantar o braço ia ser a parte difícil.

Surpreendentemente rápido, estava com a ponta do lápis sobre a folha.

– Ótimo, Emma, perfeito. Agora leve o tempo que for necessário para escrever seu nome, do jeito que quiser.

Pus pressão no lápis de forma meio desajeitada, mas consegui uma linha vertical quase reta. Parecia que eu estava tomando um tempo enorme apenas para sair uma letra “E” meio torta. Já era um progresso, o que me fez sentir-se mais animada a continuar.

Os “M” foram mais difíceis e custaram toda precisão que era possível no momento. Levantei a cabeça sorrindo para o médico ao mostrar o nome “EMMA” meio garranchada e fora de escala. Eu tinha conseguido!

– Muito bom! Isso foi excelente, Emma!

Sorri, orgulhosa de mim mesma e me dei conta que não sabia da ultima vez que havia feito isso.

– Ótimo. Agora vamos exercitar um pouco os sentidos. Sua audição, tato, paladar e olfato parecem ótimos. Vamos só checar novamente seu campo de visão.

O teste com cores e luz foi fácil e o resultado pareceu agradar o médico (Dr. Whale segundo o jaleco).

– Emma, agora eu vou exigir um pouco mais de você, ok? Eu vou te mostrar alguns objetos e você vai tentar me dizer o nome deles, tudo bem?

Falar; estava aí meu maior desafio. As palavras chegavam a minha mente, mas eu não era capaz de proferi-las.

Assenti.

– Bom, vamos lá – ele então pegou o copo sobre a mesa.

– Qual o nome disso, Emma?

Minha mente gritava “Copo! Copo, sua imbecil”.

Abri a boca, porém minha língua parecia travada.

– Tudo bem, Emma, leve o tempo que precisar.

Fiz o formato do “o” com a boca e forcei a voz.

Óco – saiu.

Foi estranho ouvir minha própria voz.

Óco – repeti enfaticamente.

– Isso, quase lá – incentivou o médico.

ÓCO! – com a emoção do momento o bloco de folhas foi ao chão, assustando a mim e ao Dr. Enquanto ele pegava, eu virei a cabeça para o lado, de olhos fechados, totalmente desanimada.

Será que um dia eu voltaria a falar? Suspirei.

– Está tudo bem, Emma, essas coisas levam tempo e prática. Não se desanime, tudo bem? Você está progredindo rápido, teve mudanças repentinas e estamos muito surpresos e orgulhosos. Você está motivada.

Nesse exato momento abri os olhos e me fixei no motivo da minha ”motivação”. Na dona de toda minha força de vontade. Ali, inerte, sem nenhuma mudança, pálida e machucada.

E lá estava eu, chorando novamente. Virei-me para o Dr. Whale e peguei o lápis novamente. Ele, entendendo, apoiou o bloco. Com um pouco mais de facilidade escrevi o que queria.

– Regina – leu ele e então olhou para mim. Com certeza ele notou que eu havia chorado.

– Emma, eu sinto muito, mas a Regina não parece estar bem. Ela não responde aos remédios, não apresentou melhoras. Ela está... – ele hesitou – ela não está aqui.

Mesmo sabendo de todas aquelas palavras, o choque de recebê-las não foi menos pior.

Estiquei o braço em direção a ela. O médico pareceu confuso.

–Hmm – resmunguei me esticando em direção a ela.

– Ok, entendi – ele disse indo para trás do meu leito.

Ele me empurrou para o lado do leito dela, bem próximo. Tão próximo que eu podia ouvir a respiração dela.

Com um pequeno esforço, peguei a mão fria dela. Era a primeira vez que eu a tocava desde o acidente.

Eu queria tanto que ela estivesse ali comigo, se recuperando como eu estava, quem sabe até me dando ordens; era o que ela fazia de melhor. Nós teríamos discutido e ela venceria pelo cansaço.

E então nós ficaríamos bem, ela me convidaria para jantar, nós iriamos ensinar nosso filho a andar de bicicleta e ela brigaria comigo por não ter comprado joelheiras para o garoto. Eu o levaria para comer sorvete escondido e ele nos denunciaria ao derrubar calda de chocolate no suéter favorito. Íamos ver a primeira peça dele do colégio, onde ele seria o melhor ator para nós.

Eu iria ao escritório dela, atrapalha-la como dizia, apenas para apreciar como ela ficava bonita com aquela camisa azul.

Até que chegaria o dia em que eu apareceria em sua casa tarde da noite, no meio da chuva, a beijaria e diria que a queria. Nós faríamos amor a noite toda e, na manhã seguinte, ela me daria um bronca por ter deixado minhas roupas espalhadas pela escada. Eu prepararia seu café da manhã e nós diríamos ao garoto que agora éramos uma família.

Mas nada disso era possível, nada disso iria acontecer.

Porque ela não estava ali, ela não iria acordar e não havia nada que eu pudesse fazer.

Ainda agarrada firmemente a mão dela, eu fechei os olhos e deixei o peso dos remédios me atingir. Antes de apagar, uma coisa ficou fixa em minha mente e eu soube que era verdade no momento que me ocorreu: Eu amava Regina Mills de uma forma que nunca havia amado ninguém.


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Notas finais do capítulo

É isso, escrevi no ônibus voltando para casa