Opposite escrita por Giovana Marques


Capítulo 9
Controle


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoas. Primeiramente, peço desculpas por não ter postado na semana passada. Eu fiz de tudo mesmo para ter postado, mas a minha vida escolar conseguiu me atrapalhar... De novo.
Peço também para que comentem, dando suas opiniões, sejam elas negativas ou positivas. Eu quero realmente saber o que vocês estão achando da história!
E eu fiz um desenho, usando a mesa gráfica, da Emily e do Luke, mais ou menos como eu os imagino. Não ficou como eu esperava, mas o que vale é a intenção: http://giiii16.deviantart.com/art/Opposite-321217703
Bom, é isso aí. Espero que gostem do capítulo e do desenho. Boa leitura :3
P.S.: Se houver algum errinho ortográfico ou de concordância verbal, por favor, me avisem. Obrigada.



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Nina já está preparada para atirar sua primeira flecha, quando finalmente dou permissão para que o faça. De repente uma onda de arrepios sobe pela minha coluna e eu sinto minhas mãos se tornarem levemente trêmulas. Eu conheço bem essas terríveis sensações: Ansiedade e nervosismo.

“Por que estou fazendo isso mesmo?!” – Penso, incrédula. Nunca fui a maior amante das atividades físicas, e agora, de uma hora para outra, estou sendo treinada para uma missão!

Mordo o lábio inferior, tentando desviar-me desses devaneios de fraqueza e negatividade que eu sempre costumei ter. Se tem uma coisa que eu não suporto me sentir é incapaz. E convenhamos, tenho sentido isso com uma certa frequência aqui em Opposite.

A feiticeira baixinha e ruiva baixa seu arco e flecha, percebendo minha insegurança. Ela está tão assustada quanto eu. E é claro que Katherine parece um pouco mais cansada que o normal quando diz:

– Está tudo bem, Emy! Seus reflexos de feiticeira não deixarão que as flechas de Nina a atinjam! É só golpeá-las com a espada, utilizando tudo o que eu ensinei até agora.

Decido seguir os conselhos da minha treinadora e tento ignorar o fato de que sou completamente inexperiente em qualquer tipo de luta, apesar de ter aprendido alguma coisa ou outra no dia de hoje. Então sem pensar em mais nada, meus lábios se movem:

– Tudo bem, atire.

– De verdade, fique tranquila. Se você não conseguir, estarei bem aqui. – Katherine se coloca a cerca de uns cinco metros de mim. – Vou incinerar com meus poderes qualquer flecha que deixar escapar. Nada vai te machucar, lembre-se disso. Boa sorte.

Isso me conforta, um pouco, é claro. Preparo-me repassando em minha mente alguns dos golpes ensinados por Katherine. Nina parece tão ansiosa quanto eu quando mira em minha direção novamente. E então, tudo acontece em fração de segundos.

A flecha é disparada e eu me concentro em seu movimento, pensando nos golpes aprendidos. Está na altura dos meus olhos quando brando minha espada, involuntariamente. E para a minha surpresa, parto a flecha em duas com apenas um movimento.

Katherine me aplaude e Nina sorri, mas eu continuo tão assombrada quanto antes. Como, diabos, consegui fazer isso? Eu nem ao menos senti meu braço se levantar e destruir a flecha, ele simplesmente fez tudo sozinho.

– Uau!– Murmuro ainda surpresa, com os olhos arregalados e fazendo as meninas gargalharem. – Juro que não sei como isso aconteceu.

– Eu disse! – Katherine diz entre um riso e outro. – Você tem reflexos de feiticeira.

***

Continuamos praticando por um bom tempo e eu ainda continuo conseguindo me defender das flechas de Nina, o que é completamente impressionante. Ela atira duas, três, quatro flechas seguidas e ainda assim não falho.

É claro que Katherine está orgulhosa de mim e de si mesma, por seu belo trabalho como treinadora. Nina já não parece tão assustada quanto antes. Muito pelo o contrário, ela parece se divertir ao lançar as flechãs em minha direção.

Estou totalmente maravilhada com minhas habilidades até então não descobertas. É incrível saber como sou rápida! O mais esquisito é que em todos esse anos de vida humana, eu nunca me senti tão ágil. Talvez o desuso dos meus poderes houvessem afetado as minhas outras habilidades em geral... Talvez tudo o que eu sempre precisei foi um estímulo, um empurrão.

E o frio na barriga, ao sentir as flechas se aproximarem cada vez mais, age como um forte estimulante sobre mim. Tanto, que não tenho vontade parar e peço para Nina atirar cada vez mais rápido e em lugares mais complicados de defender. É esquisito explicar mas é como se eu precisasse de maiores dificuldades e novos desafios.

– Nina, acho que estou pronta. Quero que atire dez flechas seguidas em minha direção. – Peço, tomada pela adrenalina. – O mais rápido que conseguir.

Ela arregala seus olhos negros fazendo-me rir e, então, olha para Katherine esperando por alguma reação negativa. Porém tudo o que minha treinadora faz é sorrir e dar de ombros.

– Sua confiança me deixa feliz. – Incentiva-me. – Vai nessa, Nina.

Nina fica mais relaxada com a resposta e até sorri. Entendo seu medo, o medo de me ferir... Mas depois de perceber o quão rápida sou, é visível que nenhuma daquelas flechas podem realmente me atingir. O sangue sempre vai subir na última hora e eu sempre vou saber o que fazer.

As flechas são disparadas. Todas em minha direção, porém de jeitos diferentes. Uma vem acima, outra abaixo, outras dos lados e isso me deixa levemente perdida. Defendo-me de quatro das flechas com um só movimento e de outras três com outro. Mais duas vêm na direção de meus pés e com um salto consigo desviar-me.

Coloco os pés no chão, aliviada por ter acabado e conseguido. A sensação de orgulho me enche novamente e eu levanto minha cabeça com um sorriso nos lábios, mas então me assusto com um grito. É de Nina.

Tudo acontece tão rápido, que mal percebo. Uma única flecha ainda está no ar e eu não noto que ela voa em direção ao meu rosto. Vejo Katherine tentar reduzir à pó, a flecha que está prestes à me ferir, mas é inútil, já que estava despreparada e lança suas chamas na direção errada.

Não tenho tempo de tentar sair do caminho, nem mesmo de fechar os olhos. Então espero até ser atingida, o que para o meu alívio não acontece. Uma mão que surge completamente do nada e segura a flecha que passou despercebida por mim, incendiando-a no mesmo momento e a tranformando em cinzas que caem sobre o chão.

Fico completamente paralizada, com o coração batendo tão rápido, que de repente tenho a impressão de que vai sair pela minha boca. Para a minha desgraça, minhas mãos já estão trêmulas de novo. Droga.

Saio do aparente estado de choque para agradecer quem quer que tenha me salvado de levar uma flechada bem no meio da testa, mas então levo outro susto quando me deparo com Luke bem ao meu lado. Ele me encara de forma preocupada e eu dou uns dois passos para trás instantaneamente.

– Luke?!

– Você está bem? – Ele ignora minha reação exagerada conferindo se há algo de errado comigo além da minha inutilidade de quase ter sofrido um sério acidente, claro.

Katherine já está ao meu lado, examinando-me como se a flecha tivesse realmente me acertado. Nina parece nervosa e assustada, talvez até mais do que eu e me abraça de forma tão inesperada que nem consigo responder a Luke.

– Meu Deus! Me desculpe, Emy! – Ela me chacoalha com desespero. – Eu achei que você tinha visto a última flecha! Eu não queria te machucar. Você está bem?!

– Está tudo bem. – Solto-me de Nina um tanto quanto zonza e forço um sorriso. Ainda estou sob o efeito do susto e não quero demonstrar. – Não precisa se desculpar, Nina! Fui eu quem pedi para você atirar, e ainda bem, não aconteceu nada. Pode ficar tranquila.

Ela ainda parece branca feito papel, mas diante das minhas palavras dá um sorrisinho, mais calma.

– Puxa, Emily! Eu até tentei destruir a flecha com minhas chamas, mas como achei que você fosse pegá-la, estava despreparada. Se não fosse Luke... Não sei o que teria acontecido. – Katherine diz, suspirando.

Ele ainda está ali e ainda olha para mim com um ar preocupado. É claro que ainda estou chateada pelas coisas horríveis que me disse na noite anterior, mas o cara acabou de me salvar! Acho que devo ao menos um agradecimento.

– Obrigada, Luke. – Digo, de forma seca e baixo meus olhos.

Não consigo deixar de transmitir o quão magoada estou com a nossa briga, o que era para eu ter disfarçado ao máximo. É claro que ele percebe. Nina e Katherine também.

– Sem problemas. – Ele diz, dando de ombros. Sua expressão então se transforma em um misto de ansiedade e frieza. – Preciso conversar com você, Emily.

Meus olhos se erguem na mesma hora e meu estômago se revira dentro de mim. Pensei muito, durante a noite, no que Luke fosse decidir diante de todo o problema da Fogueira causado por mim. Tinha até pensado na ideia dele querer me descartar da missão. E agora ele chega e diz que precisa que conversar comigo, com esse ar de alguém que vem dar uma péssima notícia. Bem provável que esteja prestes a me expulsar... Ainda mais agora acabei de comprovar minha inutilidade, quase sendo ferida em pleno treinamento!

Meu coração acelera e minha garganta seca com toda a situação. Quer dizer, Luke não pode fazer isso! Poder ele até pode, mas entenda: Eu preciso ir até Arcanum Island e encontrar Blake Darkbloom! Eu tenho de conseguir consertar o estrago feito na Fogueira da Fortuna. E ainda mais, encontrar meus pais. São as coisas que eu mais quero no mundo: Resolver todos esses problemas para ter uma vida normal em Opposite.

Nina e Katherine se entreolham e, como eu previa, anunciam suas saídas. Desespero-me para valer e encaro Nina, pedindo com apenas o olhar para que não saia. Talvez se estiver junto de mim, consiga convencer Luke do contrário, caso ele queira mesmo me impedir de ajudar na missão. Mas é claro que ela me ignora e despede-se com tamanha rapidez que não tenho nem tempo de pensar em pedir para que fique. As duas finalmente andam até sumir de nossos campos de visões, me deixando a sós com Luke.

– Emily... – Ele começa, ainda com aquele ar de negatividade que só me deixa ainda mais nervosa.

Isso é ruim, muito ruim! Algo dentro de mim diz que Luke vai mesmo pedir para que eu fique longe de sua missão. E eu preciso estar nela! Eu preciso reparar meu erro! Eu preciso ficar em Opposite! Jamais conseguiria aceitar viver no mundo humano, não depois de descobrir toda a verdade sobre mim, sobre o mundo de onde eu vim.

– Não faça isso. – O interrompo, sentindo minha garganta arder. – Por favor, não faça!

Luke parece incrédulo com as minhas palavras, como se eu tivesse adivinhado exatamente o que iria dizer. Ele respira fundo e vai recomeçar a falar, mas eu interrompo novamente.

– Não diga nada! – Advirto-o. Talvez, se eu explicar minhas intenções, ele não seja tão radical. – Eu sei que agi com imensa irresponsabilidade em sair ontem à noite, mas por favor não me diga para ficar longe da missão. Eu imploro, Luke! Você não tem ideia de como quero muito encontrar meus pais biológicos! E também Blake Darkbloom, para que me ajude a reacender a Fogueira da Fortuna. – Minha voz de repente fica um tanto quanto esganiçada e eu tento mudá-la, mas estou tão desesperada, perdida em palavras, que não consigo. – Não me faça voltar para New York, por favor! Opposite é meu lugar, e é aqui que eu quero ficar, independente se eu vou ter que atravessar Shadow Ocean e chegar até Arcanum Island. Não importa se vou ter que lutar com um milhão de criaturas, entende? Eu prefiro morrer do que voltar para o mundo humano e...

Meu falatório é interrompido por Luke, que tapa minha boca com uma de suas mãos já que pedir para que eu me cale é insuficiente. Assusto-se com a reação, fazendo com que minhas bochechas ardam. Para a minha maior surpresa ainda, Luke sorri.

– Só assim para você ficar quieta. – Ele diz dando uma risadinha, mas depois volta a ficar sério. – Pode me escutar agora?

Luke me solta e eu cambaleeio para trás, balançando a cabeça positivamente.

– Eu não vim pedir para que você saia da missão.

Essas palavras causam mais ou menos o mesmo efeito do que o um soco em meu estômago. Então estava sendo ridícula esse tempo todo para nada? Muito legal!

– Não?! – Me afasto um pouco, mas Luke segura uma das minhas mãos.

– Não, Emily. – Ele me puxa para mais perto fazendo com que eu encare suas irís esverdeadas com alguns tons de azul. Confesso que por um breve momento, eu perco o ar. – Na verdade, eu vim pedir desculpas pelo que disse ontem. – Baixa sua cabeça desfazendo nosso contato visual, envergonhado pela atitude da noite passada. – Eu fui longe demais... Ter apagado a Fogueira foi um acidente, a culpa não foi sua. Você só queria sair e conhecer Opposite, o lugar de onde você veio e eu nem me importei com isso! Eu fui um egoísta, medíocre e coloquei os meus problemas acima de tudo. Até mesmo do que é mais importante para você, que é conhecer seus pais...

Isso sim é algo inesperado, quer dizer, não sei nem como responder. Então resolvo dizer o que sinto. Acho que é a melhor coisa a se fazer, no fim das contas.

– Confesso que fiquei bem chateada, mas o que eu fiz também não foi lá a coisa mais inteligente do mundo. Eu sai quando me disseram que não era para sair e acabei estragando tudo. – Suspiro, magoada com os últimos acontecimentos. – Também peço desculpas por isso, Luke, e eu prometo que vou reparar meu erro.

Ele sorri levemente e eu não deixo de imitá-lo. Levo um pequeno susto ao perceber que ainda estamos de mãos dadas. É claro que eu o solto imediatamente, um pouco mais vermelha do que o normal. Luke baixa os olhos novamente, parecendo mesmo arrependido pelos seus atos e tão chateado quanto eu.

– O que aconteceu foi um acidente, eu é que não deveria tê-la culpado. – Ele repete, mas faz uma pequena pausa para respirar fundo. – A verdade é que sou uma pessoa explosiva e impulsiva. Faço as coisas sem pensar quando estou nervoso. Aquilo que eu disse... Eu estava completamente fora de controle.

– Entendo. Álias, conheço uma pessoa igualzinha a você. – Digo, já olhando em seus olhos que voltam a me encarar. – Eu.

Ele sorri e eu o acompanho, não que isso tenha alguma graça, mas realmente entendo o que Luke está dizendo. Controle é algo que eu não tenho quando estou tomada pelas minhas emoções e acabo agindo impulsivamente.

– Isso quer dizer que você me perdoa por eu ter dito aquelas coisas terríveis a seu respeito?

– Só se você me prometer que vai me deixar ajudá-lo com a busca da “garota perdida”. – Faço uma chantagenzinha, já me garantindo.

– Então eu prometo.

***

Olho para a imagem da garota refletida no pequeno lago à minha frente. Seus olhos azuis estão inquietos e, neste momento, parece não ser tão corajosa assim quanto diz ser. Balanço a cabeça para os lados, um pouco tensa, e volto a olhar para Luke.

Ainda estamos na campina em que Katherine estava me treinando, só um pouco mais afastados de Raven Place.

– Você quer mesmo que eu entre aí? – Pergunto, um tanto receosa. Me refiro ao lago à minha frente, claro.

Enquanto Katherine me ensina a lutar e manejar certas armas, Luke decidiu me ensinar a controlar meus poderes. Não só para que mais acidentes sejam evitados, mas para que eu consiga usar o controle da àgua e do ar a meu favor.

– Sim. No Shadow Ocean seus poderes serão mais do que úteis para nos guiar até a ilha. – Ele confirma o que eu mais temo no momento. – Mas é claro que para isso você precisa treinar.

Respiro fundo e olho para o céu, já alaranjado com devido ao pôr-do-sol. O céu do mundo humano pode ser bonito, mas não é igual ao céu de Opposite. Mesmo que não consiga descrever com palavras concretas a diferença entre os dois, certamente o céu de Opposite é muito mais admirável. Se bem que sou meio suspeita para fazer essas comparações entre os dois mundos em qual tenho vivido.

Cruzo meus braços, ainda tensa. Acontece que não quero entrar nesse maldito lago de jeito nenhum! Não pelo fato de ser fresca, porque eu não sou. Bom, talvez um pouco... Mas o problema são algumas imagens e sensações de um terrível trauma que já enchem minha mente. Eu balanço minha cabeça com força, esquecendo-me da presença de Luke.

– Está tudo bem? – Confere, preocupado com o meu aparente estado de choque.

– Desculpe, Luke. – Suspiro, derrotada. – Mas não vou conseguir entrar nesse lago. Eu sei que pode parecer ridículo, mas eu não sei nadar.

Suas sombrancelhas se juntam como se não entendesse o que quero dizer, mas até que entendo sua reação, afinal, sou uma feiticeira branca que controla a água e ainda assim não sei nadar. Isso é de espantar qualquer um. Ou melhor, de decepcionar qualquer um.

– Mas você é uma feiticeira branca. – Ele diz o que é óbvio, me deixando ainda mais envergonhada.

A verdade é que eu abomino a água em grande quantidade, por exemplo, uma piscina ou um riacho. Pode parecer algo pequeno para certas pessoas, mas para mim não é nada simples. Quando era pequena aconteceu algo que me traumatizou de uma forma extremamente intensa, e depois disso, nunca mais tive vontade nenhuma de aprender a nadar.

Eu sei que isso é ruim para a minha participação na busca da “garota perdida”, afinal, teremos que atravessar um mar repleto de monstros. Mas não importa, Luke me prometeu que eu participaria de qualquer jeito.

– Eu sei, Luke. – Digo, voltando a encarar o azul do lago próximo de mim. – Tenho fobia da água em grande quantidade.... Quase morri afogada quando era pequena.

Ele bagunça seu cabelo de forma chamosa e estuda minha expressão, como se entendesse tudo o que digo.

– Todo mundo tem uma fraqueza, Emily. – Ele diz, compreensivo. – Mas acredito que essa sua fraqueza existe por causa de um trauma, e certamente, traumas podem ser curados. – De repente ele sorri, fazendo com que eu sorria junto. – Só espero poder ajudá-la com isso, mas você vai ter que me contar o que aconteceu.

Fico feliz pelo fato de Luke querer me ajudar, mas ao mesmo tempo estou agoniada em falar sobre aquele dia. Assim como fiz ao deixar Nina atirar suas flechas na minha direção, paro de pensar e simplesmente coloco as palavras para fora.

– Eu tinha dez anos e havia acabado de sair de férias. – Começo a contar, fechando meus olhos e visualizando cada detalhe daquele dia. Ele havia estado em boa parte dos meus pesadelos durante os anos que se passavam. – Como Carl Parker sempre me detestou, decidiu viajar com Logan e me colocar em outro acampamento de férias. É claro que sempre fora assim, todos os anos.

Faço uma pausa e abro meus olhos. Luke não parece muito feliz com o fato de eu ter tocado no nome de Carl.

– Nunca gostei de acampamentos de férias, daquelas atividades e brincadeiras chatas. Sempre que conseguia, fugia dos monitores e ficava próxima ao rio. Parece que desde pequena, por ser uma feiticeira branca, tinha uma ligação com a àgua. Ficar ali com os pés enfiados na àgua fresca e tomando um ar era o remédio para qualquer frustração que eu tivesse. É claro que isso era antes de acontecer... Era mais um dia de acampamento e eu estava deitada na grama, próxima ao rio. Tinha conseguido escapar, o que não era lá tão difícil. Estava cansada e acabei dormindo ali mesmo, ao lado do rio. Não sei o que houve, mas só sei que acordei assustada, por estar afundando cada vez mais. Devo ter rolado para o lado e caído no rio, claro, mas eu não sabia nadar... E então...

Luke abaixa a cabeça, pensativo, e eu não sei se está ainda prestando atenção no que digo, então eu simplesmente paro.

– Entendo. – Ele confirma de forma vaga e estranha, como se estivesse se lembrando de algum acontecido semelhante... Ou talvez ele só esteja usando esse ar misterioso de sempre por que isso, sinceramente, o deixa ainda mais atraente. Ai meu Deus! Foco, Emily.

– É horrível lembrar do quão desesperada eu fiquei. – Minha voz falha por um momento, afinal, é a primeira vez que falando em voz alta sobre o ocorrido.– Quanto mais me debatia, mais afundava e mais água enchia meus pulmões. A sensação de estar sendo sufocada... É indescritível, Luke. Tudo foi ficando apagado e quando abri os olhos, uma multidão de crianças e monitores me cercavam.

Paro de falar de repente e ficamos nos encarando em silêncio. Luke ergue sua cabeça e volta a estudar meus traços, pensativo. Confesso que isso me deixo meio sem graça.

– É... Vai ser mais complicado do que eu pensava. – Ele suspira ao meu lado. – Eu disse complicado e não impossível. Você está mesmo disposta a enfrentar esse seu medo para encontrar seus pais e a “garota perdida”?

– O que? É claro que sim! – Digo, indignada. Como já havia pensado antes, desistir não é uma opção. Nem que eu tenha de ficar na água novamente...

Luke sorri e isso me deixa mais confortável com a situação.

– Então vamos começar agora! – Ele diz, me puxando pelo braço. – Esse lago não é tão fundo, a água vai no máximo até seu abdômen. E eu vou estar aqui, qualquer coisa eu entro e te salvo.

Um riso curto escapa pelos meus lábios e continuo sendo guiada por Luke. Não estou mais com tanto medo assim, o que me deixa surpresa.

– Você não se cansa de me salvar? – Pergunto ainda sorrindo.

Mas Luke não responde, apenas ri e revira os olhos ao mesmo tempo.

***

– Tudo bem, nada de pânico.

Olho para a água que já está na altura de meu abdômen bem como Luke disse. É claro que isso me deixa um pouco nervosa. Quer dizer, bem nervosa.

Luke está a mais ou menos dois metros de mim. Ele me encara preocupado, como se eu fosse afundar e morrer a qualquer momento.

– Nada de pânico. – Concordo, já mantendo-me calma.

Ficamos em silêncio por um momento. Luke parece bem distante, como se pensasse em algo importante.

– Está vendo aquele graveto? – Ele aponta para o outro lado do lago e eu realmente consigo ver um pequeno graveto boiando.

– Sim...

– Quero que você tente trazê-lo até aqui, usando apenas a mente. – Ele para de falar quando eu faço uma expressão de descrença, quer dizer, eu não sei nem por onde começar. – Não sei como vai fazer isso, já que sou um feiticeiro negro e não consigo controlar a água. Mas feche os olhos e se concentre.

Mesmo estando ciente de que não vou conseguir, fecho os olhos. Não custa tentar, afinal. E além do mais, não quero discutir com Luke.

– Deve ser mais ou menos como eu faço para controlar o fogo e até mesmo a terra... Bom, concentre-se nos movimentos da água e pense também no graveto.

Respiro fundo e faço a primeira tentativa. Concentro-me na água abaixo de mim e movo minhas mãos já mergulhadas. E de repente sinto algo acontecer.

Uma sensação diferente, como se eu pudesse sentir o que a própria água sente, como se eu pudesse movê-la para onde eu quisesse. Mas para variar, perco o controle e acabo fazendo mais uma besteira.

Quando abro os olhos, vejo um pequeno redemoinho em volta de mim e de Luke. Eu ainda me encontro onde estava antes de fechar os olhos, mas Luke não. Ele está bem próximo de mim e parece assustado com a força de meu poder.

O redemoinho vai diminuindo cada vez mais, mas Luke ainda me encara assustado.

– Eu fiz isso?

– Fez. Você é forte até demais para uma feiticeira que quase nunca usou seus poderes, o que é bem estranho. Geralmente, se o feiticeiro não usa seus poderes, eles ficam lá sem aflorescer, intocados. – Ele explica, se afastando de mim novamente.

Balanço minha cabeça, sem entender.

– E isso é bom?

– Em parte. Vai nos ajudar bastante. Será que você já consegue respirar embaixo d’água?

Levo um susto, sobressaltada com a informação. Respirar embaixo d’água? Sou realmente capaz disso?

– Como?

– É, alguns feiticeiros brancos sabem controlar tão bem seus poderes que conseguem “respirar” embaixo d’água. Eu tenho bastante controle dos meus poderes, mas como sou um feiticeiro negro, consigo ficar em contato com o fogo sem me queimar. Você consegue me entender?

Balanço a cabeça positivamente e então voltamos ao irritante exercício do graveto. Fecho meus olhos e Luke continua a me orientar, dizendo para que eu não perca o controle novamente. Concentro-me, e consigo sentir a sensação de poder sobre a água como antes. Consigo sentir os movimentos da água e tudo o que ela toca como algumas pedras, pequenos peixes de espécies bem diferentes, o graveto e até mesmo Luke. Volto meu pensamento para o graveto e sinto que consigo trazê-lo até mim, como se eu estivesse segurando-o.

– Emy... Continue assim.

O fato de Luke me chamar pelo meu apelido pela primeira vez me distrai e eu, infelizmente, perco o foco, mas isso me dá forças para que eu o recupere rapidamente.

Consigo sentir o graveto novamente e continuo o processo de trazê-lo até mim. Abro os olhos, ansiosa e a primeira coisa que vejo é Luke. E em suas mãos o maldito graveto.

Eu e Luke sorrimos um para o outro na mesma hora, de forma sincronizada. Estou tão feliz, que não consigo nem definir com palavras o que realmente sinto. Uma mistura de felicidade com orgulho e esperança? Talvez. Isso não é importante, afinal, eu finalmente consegui controlar os meus poderes.

***

O resto da semana passa bem mais rápido do que eu espero.

Todas as manhãs Katherine me passa séries e mais séries de exercícios e golpes. No final, lutamos. É claro que ganhar dela não é nada fácil, mas para o meu ânimo, consigo tal proeza umas duas ou três vezes.

Às tardes, Luke, Nina e Jeremy revezam para me ajudar com o controle da àgua e claro, com algumas aulas básicas de natação. Às vezes, lutam comigo também, corpo à corpo.

Confesso que os três são mais do que habilidosos na arte de lutar, mas Katherine me ensina que se encontrar o ponto fraco de cada um, posso usar isso a meu favor. Por exemplo, Nina, sem seu arco e flecha, fica mais na defensiva. É mais fácil vencê-la se encurralá-la e depois disso atacá-la.

Passeamos bastante por Opposite, durante a semana. Fomos até mesmo à Dove Land, onde vivem os feiticeiros brancos. Onde eu deveria viver, aliás. É tão lindo e arrumado quando Raven Place, diferenciando somente pelo fato das casas e do castelo serem de cores bem mais claras. E claro, a Fonte da Fortuna.

Também fomos até Hawkslane e até acabei comprando algumas roupas novas para a viagem que faremos em breve. Li três livros da livraria do pai de Luke e simplesmente os adorei. “Feitiços Antigos” é o próximo de minha lista e sim, foi Luke quem me emprestou.

De noite, ou jantamos na casa de Nina ou na casa dos Gray. O único problema mesmo são algumas grosserias de Sra. Gray, a mãe de Jeremy, principalmente após meu incidente com a Fogueira da Fortuna. Não que eu realmente me importe com o que ela diz.

Em relação a esse assunto, do incidente com a Fogueira, posso dizer que os feiticeiros negros ainda estão bem aborrecidos comigo. Therion Darkbloom tentou “consertar” o meu erro. Porém como todos esperavam, não funcionou.

É claro que quis conhecer a infeliz que destruiu o bem mais precioso dos feiticeiros negros e, para minha supresa, veio ao meu encontro cercado por vários dos seus guardas reais. Talvez com medo de que eu causasse algum outro acidente...

Confesso que fiquei assustada de início, mas Therion, na verdade, não é nada daquilo que eu imaginava que fosse: Um homem grande e forte, com cara de mau e talvez até um pouco esnobe. Ele não é muito mais alto do que eu e não está em lá em sua melhor forma. Sua barriga é meio grande demais e tem um pouco de calvíce. E sua risada é tão engraçada que tive de me beliscar para não rir.

Therion foi até gentil demais comigo, de uma forma que eu não merecia. Pedi desculpas pela Fogueira e prometi que faria o necessário para que ela fosse consertada. Ele apenas disse para eu deixar para lá, pois tentaria reparar meu erro sozinho. Só não sabia como o faria, afinal, a única que é poderosa o suficiente para isso é sua desaparecida ex-mulher, Blake.

Quando passo na rua, muitos feiticeiros negros me encaram e alguns mais revoltados até me xingam de longe. É claro que sou defendida pelos meus amigos, mas ainda assim isso me deixa um pouco chateada.

Quanto à busca da “garota perdida”, Fred conversou com o rei Therion, que autorizou nosso plano de atravessar o Shadow Ocean para chegarmos até o Oráculo Mágico, em Arcanum Island. Ele ainda cedeu um de seus barcos mais fortes para que consigamos chegar até lá vivos.

Também tenho conversado bastante com Peter, o cara que conheci no dia do acidente com a Fogueira. Descobri que seus pais são donos de uma grande loja de poções em Hawkslane e é claro que fiz questão de conhecê-la.

Exceto pelo incidente com a Fogueira da Fortuna, estar em Opposite, é sem dúvida a melhor coisa que já aconteceu em toda minha vida.

Às vezes sinto raiva de meus pais e Blake Darkbloom por terem me colocado no mundo humano. É claro que estou sendo um pouco injusta, já que não sei o real motivo de terem feito isso.

***

– Emily. – Nina me chama em meio à escuridão. – Já está acordada?

Antes que eu possa respondê-la, sinto outra pontada em meu estômago. Como se eu tivesse realmente conseguido dormir tranquila esta noite.

– Sim.

Ouço Nina se levantar e caminhar pelo quarto e logo depois, acende as luzes ao estalar seus dedos. A claridade repentina incomoda meus olhos, mas logo isso passa. Nina arruma suas coisas e mal olha para mim quando diz:

– Emy, levanta! Logo pegaremos o barco.

Balanço a cabeça assustada. Não sabia que saíriamos tão cedo. Quando Luke disse “Estejam de pé, pela manhã.” pensei que estava realmente se referindo exatamente pela manhã, e não pela madrugada.

– Agora?!

– Sim. Muitos dos monstros e demônios do Shadow Ocean devem estar dormindo agora. Vai ser mais fácil passar por eles sem sermos percebidos, entende? Fred nos deu essa dica.

Assinto ignorando as outras pontadas doloridas que surgem em meu estômago e levanto-me para me arrumar.

Mal posso acreditar, mas sim, chegou finalmente o grande dia.


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