Opposite escrita por Giovana Marques


Capítulo 11
Tragédias


Notas iniciais do capítulo

Eu disse que ia tentar escrever até hoje e consegui. Yay!
Vou tentar escrever o próximo capítulo o quanto antes. É certeza que Domingo ele estará pronto, mas se eu conseguir escrever antes, postarei antes.
É isso aí, espero que gostem desse!
Beijos e boa leitura :3



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Neste exato momento estou jogada no chão. Algo empurra o barco para baixo com muita força, fazendo com que eu seja lançada para o outro lado do quarto, infelizmente longe da porta.

Minhas costas se chocam contra o chão e começam a doer imediatamente. Respiro fundo, tentando me acalmar e arrasto-me até a cama. Agarro-me à ela sem hesitar.

O barco balança com força e eu tento levantar, o que é inútil, já que caio novamente.

Estico minha cabeça e através da parede de vidro consigo ver uma grande criatura alaranjada. É alongada como a serpente leão, mas bem maior. E o mais estranho é que possui ventosas em sua extremidade.

Um outro barulho me assusta, como um tiro de canhão e então me dou conta que vem do nosso barco.

Nina abre a porta do quarto com um chute e cambaleia até mim. Ela se segura à cama com força, assim como eu, e passa um de seus braços por baixo dos meus, ajudando-me a ficar de pé.

– Você se machucou? – Nina parece nervosa, mas controlada. Como se tivesse sido treinada para uma situação como essa.

– Estou bem. – Respondo, um tanto confusa.

Parece aliviada, embora ainda tensa. Uma ruga de preocupação surge sentre seus olhos, fazendo com que meu estômago se revire por completo.

– Estamos sendo atacados? – Pergunto tentando manter-me o mais calma possível. Ou pelo menos, parecer que estou calma.

Outro estrondo acompanhado por um chacoalhão do barco nos pega de surpresa e eu levo um susto tão grande que um grito em minha garganta morre antes de sair pela minha boca. As mãos de Nina envolvem um de meus braços com força e ela ainda continua presa à cama, ao nosso lado.

– Certamente. – Suas palavras saem tão rápidas que tenho de fazer um esforço extra para entender o que diz. – Pegue sua mala e ficaremos com os meninos na ala do leme. Luke está tentando matar a criatura com mísseis, mas caso não funcione, teremos de sair do barco!

Um arrepio percorre toda a minha espinha e meu estômago fica ainda mais embrulhado com as informações. Tento não demonstrar o meu aparente desespero, para não preocupar ainda mais Nina, e apenas concordo com a cabeça. Nos equilibramos uma na outra até o guarda-roupa. Abro-o com pressa e puxo minha mala lá de dentro. E por fim, corremos até a ala do leme.

Luke, Jeremy e Peter se encontram em volta do grande bloco de metal, perto da poltrona preta. Luke move o leme com dificuldade enquanto Peter e Jer apertam os botões, atirando mísseis na criatura lá de fora. Agora sim entendo para que os misteriosos botões servem.

Eu e Nina nos sentamos nos sofás, segurando-nos firmemente neles. É nesse exato momento que eu sinto falta do bom e velho cinto de segurança. Nos movemos de maneira violenta e eu fico tentando imaginar como é que aquela criatura alongada e laranjada pode ser tão forte a ponto de fazer-nos sentir os movimentos altamente bruscos do barco.

Mas então minha dúvida fica esclarecida quando eu resolvo colocar os olhos para fora. Minhas mãos, já trêmulas, fecham-se em punhos quando eu finalmente percebo que a criatura não é apenas uma cobra alaranjada e que aquilo é um dos milhões de tentáculos de um polvo gigante. Kraken, conhecido pelo folclore nórdico. Já tinha visto-o em filmes antes quando pensava ser uma simples humana.

– Droga! – Jeremy choraminga, errando um dos mísseis.

Nessa mesma hora, vários dos tentáculos do Kraken envolvem o barco e o chacoalham com tanta força que não sou forte o suficiente para me segurar ao sofá e acabo voando até a cozinha, me chocando fortemente ao balcão.

Uma dor percorre minha costela e eu torço para que não tenha quebrado nada. Olho para os lados e percebo que meus amigos também foram arremessados na mesma direção que eu. Graças a Deus, consigo ficar de pé, já ignorando um corte não tão profundo em minha perna.

Os outros também se levantam, com tanta dificuldade quanto eu, exceto por Luke. Ele aperta as mãos em sua testa, horrivelmente ensanguentada. Dou alguns passos em sua direção, para ajudá-lo a se levantar, mas então o maldito polvo faz de novo: envolve o barco com seus enormes tentáculos e o chacoalha. Somos arremessados para a sala novamente e Nina bate a cabeça no móvel com tanta força que acaba ficando inconsciente.

Arrasto-me com desespero até ela e quando consigo alcançá-la, a seguro com força. Os meninos parecem preocupados, mas já estão a atirar no Kraken novamente, percebendo que tenho quase tudo sobre controle em relação à Nina.

Luke parece ignorar o corte bem feio em sua testa, assim como todos nós ignoramos as nossas dores. Para ser bem sincera, eu não consigo sentir mais nada além do meu coração pulsando exageradamente acelerado.

– Esses mísses não estão causando dano algum. – Luke berra em uma mistura de ódio e desespero. – Temos de tentar outra coisa!

Jeremy olha para baixo, decepcionado, e para de atirar já que é inútil. Passa a encarar a mim e Nina, em meus braços. Ele solta-se do bloco de metal e corre até nós.

Minha boca fica seca diante de sua atitude, já que o que tem de fazer é ajudar Luke. Jeremy senta-se ao meu lado e envolve a cabeça de Nina com as mãos.

– Jeremy, vá ajudar Luke! – Berro, não me importando em ser rude. – Eu cuido dela.

– Nina não pode ficar desacordada numa hora dessas. – É a única coisa que responde.

Então suas mãos começam a pegar fogo, me deixando assustada num primeiro momento, mas depois entendo o que faz. Lembro de quando estava sendo arrastada pelos lobisomens em New York, quando a minha mão tocou acidentalmente uma poça de água e me senti incrivelmente mais forte, podendo afastar os lobos com meus poderes.

Os cabelos ruivos de Nina combinam com o fogo que se espalha por eles. Na mesma hora, os olhos dela se abrem e ela levanta, em chamas. Parece tão forte que eu posso jurar que sou capaz de sentir sua energia.

– Obrigada, Jer. – Ela agradece apesar de estar enfurecida, de um jeito que nunca vi antes. – Estou tão forte que seria capaz de matá-lo. Kraken nojento!

– O pior é que estamos embaixo d’água, nossos poderes são inúteis aqui. – Peter resmunga em resposta, concentrado em atirar na criatura.

Nina parece um pouco distante diante do que Peter acaba de dizer, mas de repente seus olhos brilham, como se tivesse acabado de pensar em algo brilhante.

– Eu poderia sair e tentar ferí-lo do bote por onde entramos.

Luke vira-se em nossa direção com uma ponta de esperança no olhar, mas depois balança a cabeça e volta a se concentrar no leme.

– Não deixaria você se arriscar. Se caísse no mar, morreria.

– Não vou cair! – Nina grita, me impressionando. Eu nunca tinha a visto gritando desse jeito. – Luke, a situação é séria!

– Eu sei que é! Mas não vou deixar você se sacrificar por nós. Esqueça Nina! – Luke responde na mesma altura. – Venha nos ajudar com os mísseis.

Nina parece aborrecida e tentada a discutir ainda mais com Luke, mas eu posso ver seu espírito pacifista impedindo-a de fazer isso. Apenas respira fundo e morde o lábio inferior, insegura. Ela é extremamente inteligente para ver que estamos prestes a morrer e que se não tentarmos algo diferente, não vai demorar muito até que o Kraken faça o nosso barco em pedaços.

O que nós precisamos é de uma tática nova de ataque, então eu fecho os meus olhos e coloco o cérebro para funcionar. Passo a relembrar tudo o que aprendi desde que cheguei em Opposite, até que penso nas aulas práticas de controle do meu poder. O meu poder de controlar a água.

– Luke, estou pensando em algo. – Informo com cautela, com receio da minha ideia ser desprezada. – Você conseguiria manter o barco seguro se por acaso eu formasse um redemoinho?

Ele vira-se para mim imediatamente. Posso ver, debaixo de todo o sangue e suor que cobrem seu rosto, um brilho em seus olhos. Ele me encara como se eu fosse a salvação de todos os nossos problemas.

– É uma ótima ideia! – Ele diz, e por incrivel que pareça, sorri um pouco. – Talvez eu consiga manter o barco, mas tente controlar e afastar o redemoinho de nós o máximo possível.

Me coloco de pé, usando o sofá vermelho como apoio para meu corpo. Nina está bem ao meu lado e infelizmente, não parece muito segura com o novo plano de ataque. Ela pousa sua mão em um dos meus braços por um momento.

– Emily, você não pode perder o controle. – Ela me encara com seus olhos negros e pela primeira vez percebo o quão eles podem ser intimidadores. – Entendido?

Passo minha mão pelos meus cabelos levantando minha franja instantaneamente, tomada pela ansiedade. Controle é o meu ponto fraco, é o que geralmente me faz falhar.

– C-certo. – Gaguejo.

O fato de eu ser a única chance de destruir o Kraken também não me ajuda emocionalmente. Acho que a palavra “nervosismo” é pouco para me descrever, estou parecendo mais alguém à beira de um ataque de pânico.

Luke ainda segura o leme, mas parece mais concentrado em mim do que no barco.

– Vai dar tudo certo, Emily. – Ele diz. Sua voz de repente passa do desespero para a calma, tentando me tranquilizar.

Fecho os olhos e respiro fundo. Concentro-me e tento lembrar do dia em que Luke ensinou-me a controlar os poderes. Tento sentir a água, ser a água. Mas é difícil, porque apesar de estar embaixo dela, não estou em contato com ela.

Já estou começando a sentí-la, quando de repente, sinto meus pés molhados. Ok, tem alguma coisa errada. – penso, já abrindo meus olhos e encarando a grande poça de água ao meu redor.

– Emy, você está conjurando água. Tente controlar água lá de fora. – Luke me instrui, um pouco tenso.

Ele solta o leme, passando-o para Jeremy e anda até mim, tentando não cair devido aos constantes movimentos do barco. Luke chega bem perto e segura minhas mãos com força. Suas irís e as minhas se encontram e eu não sei porque, mas isso me transmite algum tipo de calma. Seu olhar é sério, confiante. Como se Luke dependesse de mim para viver. E depende.

– Emy, eu sei que um oceano é muito maior que um lago, mas você consegue. – Suas palavras meio que me fortalecem, fazendo com o que eu acredite mais em mim mesma. – Vamos, você consegue!

Concordo com a cabeça, determinada a nos salvar e então fecho meus olhos de novo, soltando-me de Luke. Estico minhas mãos para o alto, com as palmas viradas para cima.

– Seja o Shadow Ocean. – Luke sussurra. – Seja ele e nos tire do perigo.

Essas palavras se repetem na minha mente e eu me concentro cada vez mais até que consigo. Finalmente sinto o oceano e tudo o que ele toca. Existem mesmo milhares e milhares de criaturas marinhas. Apesar de não poder vê-las, consigo sentir sua existência. Sinto o mar tocar as terras de Kingswood e até mesmo terras de ilhas que desconheço. Sinto cada onda e cada movimento da água, tudo de uma forma tão complexa que seria impossível explicar. Sinto também o Kraken e o nosso barco. E também sinto raiva.

Raiva desse maldito polvo gigante que pensa que vai conseguir acabar com a nossa missão. Raiva de Blake Darkbloom ter me largado no mundo humano sem nenhuma explicação. Raiva de todos os feiticeiros que me julgaram após o meu incidente com a Fogueira da Fortuna.

Meus sentimentos vingativos mais obscuros se fundem e por um momento, sinto minhas mãos tremerem. Uso da força da minha raiva e imagino um redemoinho começar bem ao lado do Kraken. Não sei dizer como, mas eu o crio com tanta agilidade como se já tivesse feito isso outra vez. Sinto a água girando cada vez mais, como se eu conseguisse moldar cada movimento dela.

– Luke, está ali! – Ouço a voz de Nina. Ela parece bem assustada. – O redemoinho está bem próximo de nós.

Imagino que Luke esteja nos movendo para longe nesse exato momento, então continuo fazendo o redemoinho crescer cada vez mais. Expando-o com tamanha facilidade e isso me faz sentir satisfeita. Não tenho muita certeza, mas acho que estou sorrindo.

– Uau! – Ouço Peter exclamar.

É uma das únicas vezes em minha vida, talvez a primeira, em que me sinto tão forte, tão poderosa, tão viva, tão intensa! Nunca tive ideia dos limites dos meus poderes, nunca soube até onde eu poderia chegar. Mas agora tenho a impressão que eles simplesmente não existem, os limites. Eu posso fazer esse redemoinho crescer até o tamanho que eu desejar!

– Emily! Controle-se! – Luke interrompe meus pensamentos aos berros, para a minha surpresa.

Escuto gritos, algumas coisas caindo e acabo percebendo que fui longe demais. Percebo que sensação de poder me tomou por completo e eu acabei exagerando. Continuo de olhos fechados e tento mover nosso barco para longe, mas nessa mesma hora, ele faz um movimento tão brusco que eu acabo sendo lançada para longe, perdendo toda a minha concentração.

Abro os olhos e me assusto com o estado do barco que balança freneticamente, ainda mais do que antes. Os cômodos estão nada mais nada menos que um caos, com todos os móveis fora do lugar e muitos deles quebrados. Meus amigos estão no chão, assim como eu, fracos e um tanto inertes devido as pancadas violentas.

– Emy, o que você fez?! – Nina pergunta aos berros, totalmente fora de si. Por um segundo eu a não reconheço e não encontrando resposta alguma, permaneço em silêncio.

Sinto minha cabeça queimar de dor e meus batimentos cadíacos mais rápidos do que nunca. Minha garganta arde e eu não sei o que fazer. Nosso problema que era o Kraken já é outro, o meu redemoinho. Eu, na intenção de nos tirar de um perigo, acabo de nos colocar em outro.

Me agarro ao balcão do que era uma cozinha e tento permanecer ali enquanto o barco gira, vira de cabeça para baixo, balança violentamente e às vezes que faz tudo isso ao mesmo tempo.

– Desculpem! – Grito, enquanto me encolho numa tentativa de me proteger dos móveis que voam de um lado para o outro.

Estão todos tão concentrados em proteger a si mesmos, que nem me respondem. A culpa preenche cada centímetro do meu ser e ela pesa tanto que tenho de segurar uma vontade enorme de berrar.

Eu tenho que fazer algo de útil e consertar o que a minha falta de controle acaba de destruir, de novo! Fecho os olhos e tento me concentrar no oceano pela terceira vez, o que é difícil devido aos movimentos violentos do barco.

Fico assim por alguns minutos e meus amigos percebem, já que não dizem mais nada. Não conseguir me concentrar me deixa tão furiosa que deixo escapar um palavrão.

Tento pensar em mais alguma outra solução relacionada aos meus poderes e algo que Nina sugeriu há alguns minutos atrás me vem a cabeça. É arriscado, mas necessário se quero salvar meus amigos. E certamente, não tem outra coisa no mundo que eu queira nesse exato momento.

Resolvo não dizer nada e fazer tudo bem rápido, caso contrário, serei impedida. E então, com a minha pouca agilidade devido aos recém-obtidos ferimentos, ando, agarrando-me aos móveis pelo caminho até a escada por onde entramos no barco.

Torço para que nenhum deles perceba o que eu estou fazendo, e para o meu desespero Luke o faz. Ele tenta se arrastar até mim, já que está no chão.

– Emily, pare! Não! – Ele grita, tão espantado que me sinto levemente tentada a ouví-lo.

Tudo o que quero é parar e obedecer a Luke, já que ele é o líder da missão, mas se o fizer, todos morreremos. E pior, por minha culpa.

Todos os outros já perceberam o que eu pretendo fazer e passam a berrar comigo, implorando para que eu não faça o que estou prestes a fazer. Peter consegue se levantar e corre em minha direção na intenção de me impedir, deixando-me mais nervosa ainda. Subo a escada o mais rápido que consigo, tropeçando em tudo o que vejo pela frente e antes de qualquer outra coisa eu digo:

– Vou nos salvar, vocês vão ver.

Uso da minha força para retirar o pequeno quadrado de madeira por onde entramos e pulo para fora, na direção do oceano.

***

A sensação de estar sendo sufocada debaixo d’água me lembra muito do episódio do meu afogamento nas férias de verão, quando eu era pequena. Sinto como se estivesse revivendo aquele dia tão abominado por mim, por tanto tempo. Uma das diferenças desse para aquele dia, é a força com que a água me puxa, fazendo-me girar, girar, girar e girar sem parar. Outra, é a a intensidade do meu desespero. Diferente de quando eu estava sendo afogada quando era pequena, estou completamente calma e confiante.

Acho que já engoli uns três litros de água ou mais, sem falar na água que entra pelo meu nariz. Mas isso não me incomoda tanto assim, já que sou uma feiticeira branca, aliás, estar em contato da água e do ar é bem mais fácil para me concentrar e faço isso de forma bem rápida.

Logo já estou no controle novamente e sinto tudo o que o redemoinho toca: O barco, eu, diferentes tipos de plantas , peixes e algo que não consigo identificar. Ou melhor, alguém. Consigo sentir sua energia e seu poder e logo descubro se tratar de um feiticeiro negro.

Minha ficha cai de que o feiticeiro é Peter em um segundo, fazendo com que meu coração quase pule para fora da minha boca. A calma que me preenchia antes se esvai e agora estou tão preocupada quanto furiosa.

Como é que diabos Peter havia saído do barco?! A única explicação plausível que consigo chegar no momento é que ele deve ter pulado do barco logo depois que eu sai, numa tentativa falha de me impedir.

Conto até três tentanto voltar a ficar tranquila, pelo simples fato de não conseguir fazer nada direito quando estou nervosa.

Eu não posso salvar Peter, porque se o fizer, os outros que permaneceram no barco não sobreviverão. E então o fato de eu eu ter pulado para salvá-los terá sido em vão.

Tento esquecer que um dos meus amigos está bem aqui, perto de mim e prestes a morrer, para voltar o foco para o redemoinho que ainda está bem violento.

A sensação de poder retorna aos poucos e ao contrário do que fiz algum tempo atrás, uso-a para diminuir cada vez mais a agitação do oceano. Permaneço do jeito que estou por quinze ou vinte minutos, e sinto que o redemoinho vai se reduzindo cada vez mais até parar.

E quando para, estou tão cansada, tão acabada e tão destruída que sinto minha consciência falhar gradativamente. Tento me mover, recusando-me a desmaiar, afinal, eu tenho de salvar Peter. Acredito que ainda tenho tempo para salvá-lo!

Mas pelo fato de eu ter usado toda minha energia, simplesmente apago contra a minha própria vontade.

***

Abro os olhos e tudo o que vejo é o céu estrelado, tão maravilhoso como sempre. Só quem me conhece de verdade sabe como sou uma eterna adoradora do céu, especialmente estrelado desse jeito.

Estou deitada no chão e sinto a relva tocar meus braços e pernas, fazendo-me cócegas.

Levanto-me, meio entorpecida, tentando reconhecer esse lugar tão perfeito, mas simplesmente não consigo. Estou em um amplo jardim de flores brancas, em uma clareira, em meio há uma floresta densa e fechada. O local é iluminado somente pela luz da lua, grande e exuberante no alto do céu. O azul dele é tão maravilhoso que só posso estar em Opposite... Mas durante toda minha estadia eu tenho mais do que certeza de que não visitei esse jardim.

Com um arrepio, me dou conta que estou usando um longo vestido de seda branca e meus cabelos estão presos em uma trança tão complicada, que eu não conseguiria ter feito. Passo meus dedos pelos meus cabelos trançados, confusa, tentando imaginar como é que fui parar aqui.

Sem encontrar resposta alguma, fico um pouco assustada e quero fugir, mas não sei como sair daqui sem ter de atravessar a floresta, aparentemente mais assustadora e sinistra que o jardim.

Estou completamente confusa e por um momento me lembro de tudo. A missão, o barco, o oceano, o Kraken, o redemoinho, meus amigos... Pelo amor de Deus, onde é que tudo isso foi parar?

E então algo completamente absurdo me vem a cabeça: Será que estou morta?

Olho para o chão e encaro meus pés descalços com desgosto. Um sentimento de vazio e tristeza me atingem em cheio, fazendo minha garganta arder. E sem poder fazer mais nada, começo a chorar.

Morta, eu só posso estar morta! É a única explicação para eu ter vindo parar nesse lugar esquisito. Seria o céu? O inferno? Alguma espécie de limbo ou purgatório? Devo estar bem perto de descobrir...

Minha respiração acelera, assim como meus batimentos cardíacos e quando percebo já estou soluçando. Esse é o meu fim e agora não posso mais encontrar meus pais, nem ajudar meus amigos. Nem dar notícias minhas a Logan ou até mesmo à Rachel, que aos poucos irão se esquecer de mim até que eu vire nada mais que uma simples lembrança.

Caio sentada no chão e cubro meu rosto com as mãos, desacretidada. Isso não pode estar acontecendo! Não pode ter acabado assim, de uma hora para a outra. Eu tinha tudo sob controle, eu acabei com o redemoinho! Será que o sobreuso do meu poder me desgastou tanto ao ponto de me levar a morte?

Mas não consigo concluir minha teoria, pois sou interrompida.

– Não chore, minha pequena feiticeira. – Uma voz grossa e masculina, que nunca ouvi na vida, surge completamente do nada.

Abaixo minhas mãos e olho para frente, me assustando com a figura alta, coberta por um manto branco e a alguns metros de mim. Não consigo ver nada além de seus olhos azuis brilhantes, na sombra embaixo do manto.

Afasto-me subitamente, fazendo-o rir. Minhas mãos já estão gélidas e tremendo novamente. Não vou negar, estou muito espantada.

– Quem é você?

Ele não responde, só chega mais perto. Eu me levanto e ando para trás, conforme ele avança.

– Oh, não tenha medo Emily. Você não tem nada a temer.

E a pior parte é que ele tem razão. Não tenho mesmo nada a temer, porque estou morta. Mas será que estou mesmo?

– Eu estou morta? – Confiro, soando um pouco idiota demais do que eu espero.

A figura encapuzada para de andar, provavelmente incrédulo com a minha pergunta. E volta a rir, com desdém desta vez.

– Você? Morta? Não poderia morrer tão fácil assim, querida.

Isso me deixa momentaneamente feliz.

– Então, eu não estou morta?

– Claro que não.

Ficamos em silêncio por um minuto e confesso que ainda estou com medo, já que não faço a menor ideia de quem essa pessoa sinistra possa ser. Sem falar na sua voz grossa e assustadora, de arrepiar os cabelos.

– Mas onde estão os meus amigos? – Pergunto, torcendo para que o cara misterioso seja uma pessoa legal e confiável, o que eu acho bem difícil...– Que lugar é esse? Quem é você?

Ele sorri com malícia por baixo do manto e balança a cabeça, intolerante.

– Você não sabe de nada mesmo, não é?

– Não, não sei. Por favor, me explique.

– Isso vai ser um pouco difícil de aceitar, mas seus amigos... Eles não dão a mínima importância para você.

Aquilo me pega totalmente de surpresa. Não pensei que fosse tentar me atingir emocionalmente, não que eu acredite no que está dizendo, afinal, é só um estranho. Quando pequena, Logan me dizia para não confiar em estranhos.

– O que você disse?

– Isso mesmo, querida. Olhe, esqueça essa missão suicída. Esses feiticeiros negros só querem sua ajuda porque você é mais forte que todos eles juntos. Esqueceu de como todos te trataram depois que você apagou a Fogueira da Fortuna? Aliás, devo parabenizá-la completamente por aquilo.

Não respondo. Quanto mais ele fala, mais eu fico espantada.

– Emily, esqueça esses feiticeiros negros e se junte a mim. Você é a chave para conquistarmos Opposite. Poderemos ter tudo o que quisermos, entende? – Ele me propõe, sério. – Esse lugar é só uma parte do meu lar e ele pode ser seu, querida.

Estou confusa, assustada e quero sair daqui o mais rápido possível, embora não saiba como. Mas por mais que esteja com medo, algo me intriga e instiga a ficar. Quer dizer, porque esse cara está dizendo todas essas coisas?!

– Por que eu deveria deixar meus amigos? Por que deveria me juntar a você? Não me importo com poder, ou riqueza, mesmo porque já tinha isso antes de vir para Opposite. – Digo, com a voz falhando de vez em quando. – E porque tenho certeza que não posso te ajudar com isso. Sou só uma simples feiticeira branca que procura por seus pais, você deve estar me confundindo com alguém. Não tenho todo esse poder que você diz.

– Você não sabe o quão poderosa é, querida. Tentei te contatar nos últimos anos, mas ela sempre me deteve. Falar com você através do seu subconsciente foi a minha única opção.

– Quem é ela? E para quê precisa tanto assim falar comigo? Isso é um sonho?

Não entendo porque ele continua agindo dessa maneira misteriosa e irritante. Seria muito mais fácil se fosse direto e me explicasse tudo claramente. Meus pensamentos são vagos e cheios de dúvidas e eu ao menos sei se tudo isso é real.

Ele abaixa sua cabeça, por debaixo do manto e diz as seguintes palavras:

– Preciso de você pelo simples fato de ser minha filha.

***

Abro os olhos em um flash, sufocada. Alguém empurra meu abdômen para baixo e já estou sentada, vomitando toda a água que estava em meus pulmões.

Olho para cima e encontro duas íris azuis-esverdeadas e repletas de preocupação. Luke parece aliviado quando eu volto a respirar e suas mãos passam do meu abdômen para os meus ombros. Ele me envolve em um abraço apertado e eu desabo em seus ombros.

Luke me sustenta com sua força, um pouco maior do que o normal, até ficarmos de pé. Estamos ambos encharcados e gelados. Olho para cima, por trás de seu ombro e me dou conta que estamos no que parece ser uma gruta. Está escuro por estar de noite e percebo uma vela acesa ali no chão.

Nos soltamos e nos encaramos por um segundo. Ele parece bem mais acabado do que antes, com seu corte terrivel na testa e outros machucados espalhados pelo rosto e braços.

Minha cabeça dói e levo minha mão à ela quase que imediatamente.

– Você bateu a cabeça no barco quando o redemoinho acabou. Achei que não fosse mais acordar. – Ele diz, soando preocupado.

Tiro a mão da cabeça e a encaro enjoada, já que está coberta de sangue.

– Sente-se Emily. – Luke diz, preocupado. – Nina foi procurar por algum curativo em sua mala para colocar nesse seu machucado e já deve estar chegando.

Obedeço e volto a me sentar no chão, um pouco confusa em relação aos últimos acontecimentos. Os ocorridos enquanto eu estive dormindo, quero dizer.

– O que aconteceu? – Pergunto, assustada pelo som terrível de minha voz.

Luke encara ao oceano, próximo de nós, sério demais para o meu gosto. Tenho a impressão de que lá vêm as más notícias...

– Depois que você deixou o barco, Peter foi atrás. Tentei alcançar vocês, mas o barco foi inundado. Eu, Nina e Jeremy esperamos você parar o redemoinho e depois quebramos as vidraças do submarino para conseguirmos sair. – Ele faz uma pausa e depois continua. – Então eu te encontrei desacordada e com esse machucado na cabeça.

As imagens dos três quase morrendo afogados dentro do barco surgem em minha mente, fazendo-me arrepiar.

– E aí?

Luke suspira olhando para o chão, como se tivesse algo terrível para me contar. E eu sei que ele tem!

– A parte do submarino invisível foi destruída devido ao redemoinho. Mas ainda temos a canoa. – Ele faz um longa pausa e depois se vira na minha direção. Seus olhos cravam-se nos meus e ele volta a falar. – Bom, depois de encontrarmos você, tentamos procurar por Peter. Nós realmente tentamos, Emy! Mas ele simplesmente sumiu e...

Engasgo e olho para Luke com horror em meus olhos, torcendo para que eu não tenha escutado direito, torcendo para que ele tenha dito outra coisa completamente diferente e eu tenha escutado errado.

– O que você disse?

– Sinto muito Emily. – Luke confima o que eu estava temendo, abaixando sua cabeça como se sentisse por mim.

E meu mundo simplesmente cai.

Tudo vem à tona como um baque. É como se eu tivesse batido a cabeça no barco outra vez, mas com muito mais força agora. Meus pensamentos tornam-se ainda mais confusos, fazendo minha cabeça doer exageradamente. Meu estômago arde com tanta intensidade que passo a respirar de forma acelerada. E para completar, tenho a sensação de que vou ter um ataque cardíaco.

Minhas mãos se fecham em punhos e eu sinto uma coisa tomar conta do meu coração: Ódio. De quem? Eu não sei. Talvez de mim mesma, da minha falta de controle. A verdade é que eu causei aquele redemoinho. A aparente morte de Peter tinha sido por minha culpa.

Se eu já não estivesse sentada no chão talvez tivesse caído agora, já que sinto minhas pernas bem mais bambas abaixo de mim.

Estou completamente paralizada, sem reação, sem saber o que dizer. Luke me encara preocupado, apesar de meio distante. Minha garganta passa a queimar cada vez mais, então de repente minha visão fica embaçada por causa das lágrimas já saem dos meus olhos e escorrem pelo meu rosto.

Minha cabeça cai e eu passo a encarar ao chão de pedra enquanto choro profundamente. Cubro meu rosto com as mãos assim que começo a soluçar. Eu simplesmente detesto chorar na frente dos outros, me faz parecer fraca. Porém desta vez não consigo controlar.

Peter está morto! Ou pior, perdido pelo Shadow Ocean, isso se já não foi devorado por uma das milhares de criaturas marinhas. E tudo por minha culpa! Se eu não tivesse feito o redemoinho crescer tanto, não teria que me atirar para fora do barco para poder pará-lo, assim Peter não teria ido atrás de mim. Ou se não nos conhecêssemos, talvez não quisesse participar da missão e estivesse são e salvo uma hora dessas.

Pressiono meu rosto cheio de lágrimas em minhas mãos mais trêmulas do que nunca, numa tentativa falha de controlar minha respiração.

Luke não se move. Ele continua sentado e encarando ao chão, como se não soubesse o que dizer ou fazer para me consolar. Mesmo porque, qualquer coisa que ele tentasse fazer seria insuficiente para me reanimar.

Nina chega de repente e me abraça, o que me faz chorar ainda mais. Apesar de também estar chorando (Muito menos escandalosamente do que eu, claro), ela passa a mão pelos meus cabelos, acalmando-me. Eu demoro um pouco para parar de soluçar, mas quando finalmente o faço, a pequena feiticeira pede para que Jeremy traga os suprimentos que conseguiram salvar da inundação do barco.

Deito-me no chão de pedras frias e deixo que Nina faça um curativo em meu machucado no alto da cabeça. Estou tão arrasada, que mal sinto o ferimento arder quando é limpado. Enquanto isso, Jeremy e Luke montam duas barracas, pois passaremos o resto da noite aqui.

Trocamos de roupas, pois felizmente Nina conseguiu salvar nossas malas, e acendemos uma fogueira para assarmos alguns peixes que Jer acaba de pescar. Sentamos e jantamos em um silêncio mórbido e enlouquecedor. Mas a verdade é que estamos todos cansados, machucados e magoados com a aparente morte de Peter.

– Eu sei que tudo isso é muito desanimador. – Nina quebra o silêncio e todos viramos em sua direção. – Mas não podemos desistir agora. Nós vamos conseguir! Eu ainda tenho esperanças...

– Isso que aconteceu – Luke diz tão baixo, que praticamente sussurra. Ele se refere a morte de Peter, obviamente. – deve nos servir de estímulo. Entendido? Peter se foi como um guerreiro. E essa, com certeza, é a melhor maneira de deixar a vida: Lutando por alguma coisa.

As bonitas palavras de Luke mexem com o meu emocional novamente e faço um grande esforço para conter novas lágrimas de escaparem dos meus olhos. O silêncio toma conta de nós de novo, mas graças a Deus, Nina percebe meu estado de fragilidade e rapidamente diz alguma coisa para me distrair.

– Falta muito para chegarmos, Luke? – Pergunta.

– Já estamos bem próximos de Arcanum Island. – Ele responde sabiamente, mexendo no grande curativo em sua testa. – Só mais algumas horas com a canoa, nada muito complicado. O problema mesmo são as criaturas. Teremos de fazer um silêncio extra sem o submarino.

– Não vejo problema com as criaturas. – Jeremy diz, sorrindo com o canto dos lábios. – Temos Emily e ela é extraordinária!

Balanço a cabeça em negação. Jeremy não pode dizer que sou extraordinária, ele está totalmente enganado! De que adianta ser poderosa mas não ter controle o suficiente sobre os meus poderes? De que adianta ser capaz de destruir, se posso acabar machucando meus amigos?

– Não sou extraordinária. Sou um monstro, isso sim. – Murmuro, de cara fechada. – Um perigo para todos vocês.

– Está brincando? – Jeremy retruca, inconformado com as minhas palavras pessimistas. – Eu daria tudo para poder fazer com o fogo o que você conseguiu fazer com a água, hoje.

Tenho vontade de rebater o que Jer acaba de dizer, mas estou tão arrasada que as palavras não saem pela minha boca. Tudo o que faço é observar as chamas dançarem pela fogueira à minha frente.

A breve discussão me faz lembrar do sonho que tive poucas horas atrás. Lembro-me do cara misterioso e sinistro que disse ser ninguém mais ninguém menos que meu pai. Será que ele havia me contatado através do meu subconsciente mesmo? Ou será que tudo não passou de obra da minha imaginação? Ele também mencionou o fato de ser mais poderosa do que todos os feiticeiros juntos, ou algo assim.

– Não se martirize desse jeito, Emily. – Luke murmura, encarando-me do outro lado da fogueira. – Você sabe que Jeremy tem razão. Seus poderes são incríveis.

– Você parou aquele redemoinho enorme! – Nina observa. – E foi você mesma quem o criou. Pare de se lastimar, qualquer um quer ter a mesma força que você tem. Tudo o que precisa é de mais um pouquinho de prática. Podemos praticar amanhã de manhã, ou durante nossa estadia em Arcanum Island.

Os elogios me fazem sorrir um pouco, apesar de estar destruída por dentro. Além disso, gosto da ideia de praticar e então concordo com a cabeça.

– É uma boa ideia, Nina. – Suspiro entre as palavras. – Eu não vou conseguir usar meus poderes outra vez se não praticar.

– Calma, Emy. A gente vai conseguir resolver isso. – Ela responde, sorrindo amigavelmente.

Eu queria poder discutir sobre novas técnicas para o controle dos meu poderes, mas nesse exato momento uma outra coisa perturba meus pensamentos: O sonho. Minha mente berra cada vez mais alto que eu necessito de contar para os meus amigos. E é isso o que eu decido fazer.

– Pessoal, eu preciso contar uma coisa.

Os três param de fazer o que quer que estejam fazendo e olham para mim na mesma hora, intrigados com o que eu acabo de falar.

– O que houve, Emy? – Nina é quem pergunta.

– Pode parecer meio estranho, mas foi muito real... Então, por favor, não me julguem, ou muito menos me rotulem de louca, tudo bem?

Nina, Jer e Luke se entreolham com certa curiosidade e então voltam a olhar para mim, como se não fizessem ideia de onde eu pretendo chegar. Mas então, eu finalmente digo:

– É o seguinte: Eu acho que falei com meu pai.


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