Bicolor Threat escrita por Luh


Capítulo 2
Descubro Que Sou Procurado


Notas iniciais do capítulo

Postando de madrugada, só porque eu posso.



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Sempre quis saber o que meu pai tinha na cabeça de me dar o nome de Jack.


Devon, Dylan, Jonathan, Kevin, John. Todos esse nomes no mundo e eu recebo nome de um pirata alcoólatra, um esqueleto que acha que pode mudar o Natal e um cara que morreu no Titanic. Um nome bem "pra cima".

Desde os meus sete anos, quando meu pai decidiu me contar sobre os deuses e tudo o mais, já tivemos mais de dez mudanças relacionadas a fugir de monstros. Quinze, se quiser mais detalhadamente. Tenho quinze anos, mas posso ter sete, setenta ou trinta, dependendo da situação. Meu passado é mais escuro e profundo que o Tártaro, cheio de monstros que devem ser enterrados e nunca mais vistos. Um pianista razoável. Um semideus rebelde. Nada de mais.

Estamos na estrada a mais de dez horas. Bufei de tédio e comecei a abaixar o vidro do carro. Depois subi, e em algum ponto eu comecei meio que a ficar subindo e descendo o vidro tentendo imitar aquela música que tem antes dos filmes da Fox.

–Legal, acho que já tá bom - disse meu pai. Ergui as mãos em rendição, pegando o meu celular pra ouvir música. Apesar de ser perigoso para semideuses e tudo o mais, meu pai insiste que eu use para que eu possa avisar se acontecer alguma coisa. Coloco no volume máximo, e um tempo depois meu pai puxa os fones.

–Você não tem medo de ficar surdo?

–Não.

Ele ri e continua a dirigir. Em algum ponto eu devo ter caido no sono, pois logo começo a ver o horizonte de uma cidade. Em alguns instantes estamos passando por Nova York, e não consigo evitar me arrumar no banco e observar a cidade melhor. Eu só havia ido para cá uma vez, em 2010, quando menti para meu pai que ia passar o fim de semana numa praia qualquer, quando na verdade eu ia no show da Broadway do Green Day. Alguns instantes e entramos em Nova Jersey, e algum tempo depois no nosso novo apartamento. Claramente não era tão grande quanto o nosso anterior - aliás, nenhum dos nossos anteriores - e o lugar tinha uma aura de alguém-morreu-aqui. A janela do meu quarto tinha vista para Hoboken inteira, o que provavelmente seria fantástico de noite.

–Onde você arruma essas expeluncas? - gritei da sala, recebendo uma risada forçada de volta. Rolei os olhos e me concentrei no horizonte, pensando quando finalmente eu vou poder chamar um lugar de lar.

~

É uma verdade universal que sempre que você quiser que uma coisa acabe rápido, ela vai demorar.

Meu TDAH estava tomando o controle. Peguei minha caneta e comecei a clica-la várias vezes, fazendo um barulho irritante, mas melhor de se ouvir do que a minha professora hippie falando sobre o futuro. No meio de um dos cliques, a caneta se desmontou completamente, voando para todos os lados possiveis. Risadas encheram a sala, e a professora cruzou os braços para mim. Dei um sorriso forçado e comecei a catar os pedaços de caneta que voaram. Enquanto tentava consertar, o sinal tocou e um mar de alunos saiu correndo para a liberdade. Joguei os restos mortais da caneta pela janela e segui o resto dos estudantes.

Enquanto pegava minhas coisas do armário, ouvi meu nome ser gritado do fim do corredor, chamando minha atenção.

Minha melhor amiga, Kestrela, acotovelava os estudantes que estavam no seu caminho com uma força que deveria ser desnecessária, pela cara que eles estavam fazendo e os resmungos que eram seguidos de massagens nos lugares em que foram agredidos. Eu não me surpreenderia se um deles falasse que ela os havia machucado pra valer: a mãe de Kestrela é do exército, então deve ter sido ensinada com base em força e mão firme.

Ela pulou do meu lado e começou a abrir seu armário. Kestrela tem cara de durona, e quem a considerar como uma valentona, está certo: Ela é a rainha bully dessa escola. Metia terror em todo mundo que olhasse para ela por tempo demais ou que ela não fosse com a cara. Egocêntrica, egoísta, resmungona, sarcástica. Sua personalidade deveria influenciar em sua aparência: Os cabelos castanhos nunca ficavam quietos num lugar. Os olhos azuis lhe davam uma aparência assustadora. Seu físico era perfeito para dar socos e chutes, sendo num beco ou num jardim de infância.

Como eu fiquei amigo dela é um caso ainda não resolvido pelo meu pai.

–Ei, Jacker. O que você vai fazer mais tarde? - ela pergunta jogando os livros, cadernos e folhas de qualquer modo na mochila que tinha aparência de costurada em várias partes.

–Não sei - respondo - Mas tenho a impressão que vou sair com você.

–Isso foi um teste - ela sorriu - E você passou. Vamos naquela sorveteria.

–Aquela daquele dia?

–Não, aquela do outro.

–Ótimo. Te vejo lá em meia hora.

Ela saiu com o skate pela rampa de acesso ao deficiente, fazendo algumas pessoas tropeçarem e gritarem com ela. Como briga de graça era sua coisa favorita no mundo, ela voltou até lá e começou uma algazarra. Sai antes que eu acabasse afetado por aquilo. Conseguira ficar seis meses numa escola sem arrumar problemas: um novo recorde.

Cheguei em casa em cerca de dez minutos depois. Um bilhete do meu pai na mesa da cozinha dizia que ele iria se atrasar. Joguei o bilhete fora e tateei debaixo da mesa da cozinha. Um pouco depois, senti o bronze celestial frio. Puxei a faca de debaixo da mesa, com o barulho da fita adesiva que prendia a arma enchendo o lugar. Guardo a lâmina na minha mochila e me encaminho até o ponto de encontro que marquei com Kestrela. Em algum ponto, sinto que sou observado, mas olho para trás várias vezes e não encontro ninguém.

Na entrada da sorveteria, Kestrela está entretida numa briga com um cara com o dobro da idade dela. Eles estavam prontos para se bater, mas eu levei ela pelo braço. Mesmo com a minha intromissão, ela se virou para o cara e gritou "Te pego na saída!". Entrei na sorveteria puxando a garota enfurecida atrás de mim.

–Eu ia acabar com aquele cara!

–Depois de se matar! Você sempre consegue se meter com alguém perigoso aonde quer que você vá. Deve ser um dom.

–Se isso te faz se sentir melhor, eu pago os sorvetes.

Não faço ideia de como pagar um sorvete possa me fazer sentir melhor, mas eu não tenho dinheiro algum nos bolsos.

Ela saiu até o caixa e eu fui até uma mesa, largando minhas coisas. Mantive o olhar fixo em Kestrela, até notar a cara afetada da atendente.

Monstro.

O pânico tomou conta de mim. Naquele momento, eu só conseguia pensar que minha melhor amiga estava cara a cara com um monstro mitológico que iria rasgar a cara dela. Mas apesar disso, Kes voltou inteira. Mantive meu olhar fixado na atendente. Ela chamou uma outra e disse alguma coisa, e depois apontou para mim. Naquele momento, eu soube que estava morto. Fiquei tão concentrado nas atendentes e seus sorrisos afetados que não notei Kestrela fuxicando as minhas coisas.

–Nossa!

A animação em sua voz me chamou a atenção. Nas mãos, ela tinha a minha faca de bronze celestial.

–Ah - eu disse, começando a ficar nervoso - Sim, isso. Melhor você largar isso antes que...

–Isso é incrível! Onde você arranjou?

–Sério, Kestrela. Vão me achar um assassino serial killer.

–Relaxa, Schmidt. Não é como se...

De repente, ela largou a faca e fez uma careta de dor. Soltou um palavrão e pegou alguns guardanapos da mesa. Assim que os colocou na mão, eles se tingiram de vermelho.

Ah, não.

Eu não posso ter tanto azar.

Oh, Atena, por favor, que eu esteja sonhando!

–Você vai vomitar?

Só então eu noto que minha cara deve estar horrível. Até agora, eu tinha o pensamento de que eu iria embora somente se um monstro atacasse, o que seria em pouco tempo. Minha amiga, que antes eu pensava ser apenas uma mortal, estava sangrando por causa da minha faca de bronze celestial.

Já que eu vou me mudar em algumas horas, acho que Kestrela tem o direito de saber a verdade.

–Kes, você tem que saber de uma coisa. Se lembra de todos aqueles mitos da mitologia grega que você já ouviu?

–Sim, mas o que isso tem a ver com...

Como sempre na minha vida, um momento importante é estragado pelo ataque de um monstro.

A grande vidraça da sorveteria quebrou. Cacos de vidro se espalharam por todos os lados, e todos que estavam dentro do recinto tiveram a plena consciência de se esconder em um bom lugar. Foi tão repentino que eu puxei Kes para debaixo da mesa com a intenção de proteger aquela psicopata, mesmo que uma mesa tombada não fosse o melhor escudo do mundo. As atendentes gritaram e se esconderam atrás do balcão, o que quer dizer que elas nada a ver tem com a minha futura mudança.

O monstro em questão era esquisito. Tinha rosto humanoide, corpo de leão e um cauda de escorpião que eu sabia - por milhares de livros de monstros mitológicos que eu havia lido - que poderia lançar espinhos venenosos. Tinha um olho azul e o outro castanho, o que me deixou meio desnorteado. Estávamos sendo atacados por um manticore.

Seus olhos vagaram pelo estabelecimento, e quando o seu olhar se fixou em mim e Kestrela, eu soube que estaria morto. Minha respiração acelerou e o pânico tomou conta. Senti uma mão agarrar meu braço com força, e só mais tarde eu notei que foi Kestrela num ato de medo. Ele se aproximou de mim, e tateei o chão atrás de minha faca, mas ela deveria estar muito longe. Senti algo frio nas mão, e joguei o que quer que fosse no monstro. Infelizmente, era só um porta guardanapos, e isso só o deixou mais irritado. Ele lançou espinhos contra nós, mas eu consegui nos tirar do caminho a tempo de não morrermos. Infelizmente, eu senti uma dor lancinante no ombro.

O manticore se aproximou perigosamente. Fechei os olhos esperando pela morte. Sempre pensei como eu iria morrer, mas nunca na minha vida me passou pela cabeça de que eu iria morrer pelas mãos de um monstro. Esperei por um tempo, e então tive coragem de abrir os olhos. Não havia sinal do monstro em lugar nenhum. As pessoas já estavam se recuperando. Na parede atrás de mim, uma faca estava cravada. A única coisa diferente além de uma fina camada de pó dourado pelo lugar era uma loira com a testa franzida e um cara que aparentava estar nervoso, sempre olhando para os lados. A loira se voltou para o pequeno grupo, estalou os dedos e os convenceu de que estava tudo bem, e explicando uma história qualquer. O outro nos identificou atrás da mesa e estendeu a mão.

–Vocês estão bem? - perguntou enquanto nos ajudava a levantar. Kestrela estava com uma expressão chocada, mas eu já havia passado por isso várias vezes.

–Eu já lutei com um cão infernal. Não tenho medo de mais nada.

Ele pareceu chocado quando eu disse isso, mas ignorei. Felizmente, Kestrela saiu do choque.

Mas que porra foi aquela?!

Infelizmente, ela sempre foi escandalosa.

–Sua discrição me choca.

Ela me mostrou a língua com seu jeito infantil de lidar com as coisas. A loira foi em nossa direção e nos mediu com os olhos. Ela me deu uma sensação de segurança, e então notei que era porque ela era assustadoramente parecida com meu pai.

–Jack Schmidt?

–Desde que nasci.

Ela bufou como se não fosse essa a resposta que ela esperava. Meio segundo depois, notei que ela só estava frustrada.

–Estamos procurando você a meses! Onde você se escondeu?

Meses.

–De quanto meses você está falando?

–Dezoito - diz o outro.

Eu fui procurado por dezoito meses.

–Dezoito. - repito, ainda não crendo no que acabei de ouvir.

–Mason, estamos indo. Diga a Quíron que achamos ele - ela diz para o outro. Ele assente e sai correndo num passo estranho. Pela primeira vez, ela olha para Kestrela.

–Quem é essa?

–Kestrela. Acabei de descobrir que ela é semideusa.

–Semi o que? Rei do Horror, você tá no crack?

A loira franze o rosto. Não se explicar se é por causa do apelido de Kes ou se ela simplesmente está surpresa por eu já saber sobre os deuses.

–Semideusa. Jack está certo. Como você sabia disso?

–Meu pai é um. - digo, como se ter um pai semideus fosse a coisa mais normal do mundo. A loira assente.

–Certo. Não temos muito tempo antes que os outros monstros sintam o cheiro de vocês. Vamos embora.

–Não.

Eu tenho que me segurar para não socar Kestrela.

–Eu não sei quem você é. Não sei o que acabou de acontecer. Eu não saio daqui sem uma explicação.

–Você é uma semideusa. Foi atacada por um manticore. E temos que sair daqui agora. Satisfeita, Kestrela? Vamos embora. - digo, pegando minha faca do chão e cruzando os dedos para que ela não abra a boca. A loira me encara, e eu tenho quase certeza que ela sorriu.

–Curioso. Meu nome é Annabeth. Agora vamos antes que os mortais chamem a polícia.

E saímos os três do lugar onde a pouco mais de dez minutos atrás era apenas o ponto de encontro entre dois adolescentes, que nem sonhariam em pensar que seriam atacados por um monstro mitológico e provavelmente levados para o único lugar seguro no mundo para os semideuses - o Acampamento Meio Sangue.


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Notas finais do capítulo

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