Vitória escrita por Ephemeron


Capítulo 6
PERDAS E GANHOS




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As pequenas musas pulavam ao redor de Mú, tocando seu corpo como um brinquedo novo e com os cosmos inflados de curiosidade nem deixavam chance para que ele pudesse se “defender”.

Niké até estaria se divertindo, não fosse pela hostilidade de outros deuses que se encontravam no recinto e de sua total falta de expressão na face... Aquele era um esforço relativamente fácil de suportar.

- Nunca vi um lemuriano antes!

- Eles são sempre assim tão branquinhos?

- Olhe! O que será que fazem essas manchinhas lindas?

- Podíamos ficar com ele e descobrir se as cores inusitadas são em todo o seu corpo, não acham?

Vermelho de vergonha, ele murmura uma resposta enquanto se desvencilhava de suas “admiradoras”...

- Senhoritas, estou aqui para proteger alguém e para isso preciso acompanhá-la.

- Você não vai a lugar algum.

Uma pressão imensa fez com que o Cavaleiro pela primeira vez tivesse que usar seu cosmo naquele salão. Bom, pelo menos tentar. Dificilmente conseguiria algo diante de tamanho poder, porém a tentativa foi válida. Pelo menos, Niké não teria mais trabalho para chamar a atenção para si.

Ártemis lançara sua energia para Mú, e sua intenção não era nada menos que mata-lo. E, possivelmente, a maior humilhação do rapaz naquele local seria aquilo. Pois Niké se colocou entre os dois, com a lança de sua irmã impedindo o pior.

- Não podes atingi-lo. A não ser que queira ser derrotada novamente por um Cavaleiro de Ouro.

- Ele está em meu território agora!

- Mas a Vitória está ao lado dele.

Niké não sorri, não mostra expressão alguma. Sua força era tão densa que quase poderiam tocá-la, e assim ela faz Ártemis se afastar relutante. Mas quando digo afastar, são apenas alguns passos.

Só o suficiente para que ela assistisse a batalha que se iniciava agora.

CAPITULO V – Perdas e Ganhos

- Não pense que poderá fazer o que quiser aqui. Ambos não deveriam pisar neste terreno sagrado.

A deusa com seu vestido verde escuro, observa com um tom divertido sutil o Deus da Guerra avançar entre os pilares madrepérola.

- Errado. Ninguém pode tocar nele.

- Senhora Niké, não acho que isso seja necessário.

Mú estava indignado por ser tratado daquela forma vil até mesmo por quem acabara de intencionar proteger. Porém, o que tem como retorno é ainda mais incômodo: a deusa dá as costas ao cavaleiro, olhando diretamente os olhos de Ares enquanto caminha placidamente ordenando a Mú através de um elo mental:

- Seja inteligente e fique calado.

Mas era tarde demais. Um gesto de Ares, e Mú já havia perdido sua fala.

- Que ser insignificante fica se intrometendo em uma guerra que não é dele?

Não houve reação nenhuma por parte da deusa, apenas o desprezo na frase ácida seguinte:

- Um ser que não se coloca no lugar.

E ela falara sério, tão sério que fez o ariano tremer de desgosto. Até que ponto ela estaria provocando uma reação, ninguém sabia ou imaginava. Fato é que, tão logo ele ficou para trás, os ataques vieram para cima da deusa da vitória.

- Zeus baniu você, infiel. O que pensa que está fazendo? Veio só para nos mostrar o novo mascote? Ele sabe de suas aventuras sensuais com os centauros?

Um rapaz de aspecto insano, insanamente deslumbrante, se aproximou de Niké sem que ela mesma percebesse. Rindo e tocando o corpo da deusa com dedos afinados e tão brancos que se arroxeavam perto das unhas compridas. De todos, era de quem Niké nutria mais asco...

- Continua tão repugnante quanto há séculos atrás, Anteros. Aconselho que saia do meu caminho.

Niké elevou pouco seu cosmo, até o ponto que o outro deus pudesse queimar-se ao tocar-lhe a pele. Como um animal acuado, ele afastou sua mão da deusa. Mas nada seria suficiente para livrar-se da personificação do mal que era Anteros.

- Ahá! Agora está com gracinhas! Vamos ver o que faz a respeito disso...

As unhas compridas atacaram rapidamente o rosto de Vitória. Ela não moveu um músculo sequer. Nem mesmo os olhos mudaram. E Anteros já havia sido lançado para longe, sem força para qualquer defesa... Não chegou a cair no chão, mas foi por pouco.

A ira tomou conta do deus do ódio. Do rancor. Mas ele não sabia o quanto àqueles sentimentos também estavam enraizados dentro de Niké.

E Mú era apenas espectador. E estava completamente irritado com isso. Não tinha cabimento algum ele, após escutar toda a história de sofrimento da deusa, continuar deixando-a agir sozinha. Ele precisava renovar suas forças, sentir-se como cavaleiro novamente, como um guerreiro vivo que não se deixava abater por qualquer empecilho.

O problema é que não era qualquer empecilho. Eram deuses. E ele se via preso dentro da força que isso representava.

- Não acho que você irá querer iniciar uma batalha aqui, querida. Você sabe que não tem chances.

- Diferentemente de você, Afrodite, não suporto que qualquer um fique a tocar meu corpo.

Para Mú, estava ficando cada vez mais perigoso o estado que o salão se encontrava. Mas se ele pudesse, naquele momento, ver o que se passava na mente de Niké... Perceberia que ela estava se divertindo.

Era tudo o que sempre sonhara. Todos eles reunidos e cheios de raiva por ela enfrentar a decisão do patrono Zeus. Seus mais profundos medos escancarando-se na sua alma, sua força mostrando que podia enfrentá-los. Sua razão aflorada segurando o cosmo para que não tomasse atitudes precipitadas... Como se alguma vez após o exílio tivesse feito isso.

- Hunf, você deveria se envergonhar de falar algo assim. Você foi exilada, meu bem, mas não está celibatária, presumo.

Afrodite, em seu imenso cinismo joga os cachos negros para trás numa atitude absolutamente calculada para suscitar inveja. Sua mão pousa na própria boca, fazendo um “oh!” sarcástico...

- Oh, desculpe! Esqueci-me que você ficou tão traumatizada com o tamanho de Apolo que não se atreveu a ter outro alguém!

Mas Niké já estava preparada para isso. Acreditava mesmo que o deus era tão baixo a ponto de falar aos quatro ventos o que havia acontecido no vilarejo. Porém, mesmo a impassível Vitória, podia se alterar, não podia? E foi com esse pensamento que Afrodite continuou o ataque.

- Mas sabe...

E o cheiro de rosas, jasmim e orquídeas se espalharam ao entorno de Mú que desesperadamente tenta não focar-se naqueles pensamentos maliciosos que invadiam sua mente.

- ...eu duvido que esse rapaz seja algum tipo de eunuco!

O leque de penas passou pelo rosto do cavaleiro, que fechou os olhos num impulso de não mais sentir. O que deixou a deusa da luxuria ainda mais excitada. Os lábios dela roçaram o ouvido do cavaleiro, e nem mesmo o mais poderoso deus poderia evitar arrepios.

- Não me incomodaria de descobrir, Mú... Tenho certeza de que é um amante excelente.

- Seja pelo menos mais sã, Afrodite. Esse ser tentou matar outros deuses. Humanos são a escória de tudo o que foi criado, você se sujaria.

Quando ela entrou no recinto, o tempo pareceu se distorcer. O tamanho do poder dela era absurdo... Impressionante. Servos e semi-deuses curvaram suas cabeças perante Hera. Menos ela. Ah, não... Niké jamais se curvaria a qualquer um deles novamente. E sua maior vitória foi poder erguer seus olhos acima da deusa das deusas.

- Não se sinta assim, menina. Você não é nada aqui. É como eles. Exatamente como eles. Joguetes em nosso mundo.

- Vocês precisam de mim, Hera. Não há como duvidar disso. E enquanto não me tiverem novamente aqui no Olimpo, jamais poderão brincar com a humanidade novamente.

A antiga deusa mãe, com seus cachos castanhos caindo-lhe pelas costas, se aproximou da pequena Niké.

- Então é isso? Quer apenas que a acolhamos novamente?

Um silêncio incômodo se seguiu e um princípio de sorriso se fez na face de Niké. Durante séculos ninguém chegou a ver expressão no rosto de Vitória, mas agora... Agora, ensandecida pelo destino, ela gargalhava. Um riso louco de desdém, falsidade e humilhação. Constrangendo a própria criadora da vida na Terra.

No momento seguinte, o olhar afinado e frio da deusa de cabelos negros por luto faz Hera suar frio. O poder acumulado se liberava em uma cosmo energia hostil.

- São vocês que precisam que eu os acolha, infeliz deusa.

E com apenas alguns passos ela estava no mesmo patamar da deusa das terras férteis. Seus olhos vazios e o medalhão negro de ódio.

- Porque eu sou a Vitória. E a Vitória tem um preço, Hera, que vocês não podem pagar.

- Calados! Todos!

Era ele. O único que ela não desejava rever. Não ainda. Possivelmente ele também não queria vê-la agora, estava preparando algumas surpresas para a antiga amante... Seu mais fiel e delicioso brinquedo.

Andando de forma que todos pudessem perceber sua terrível força e imponência, Apolo se encaminhava na direção de Vitória.

E então, naquele instante, Mú retirou forças de algum ser divino. Realizou seu maior feito, e talvez o mais tolo. Mas não importava. Ele não deixaria acontecer nada novamente. No momento que falou que Niké não estava mais sozinha...

Era porque ela não estava.

Os olhos verdes de Mú encaravam frios os azuis profundos do Deus do Sol. Sua cosmo energia alcançando níveis que nem mesmo em Hades conseguiu.

- Ousado.

O deus Apolo sorri, para logo transformar sua fisionomia em um antro de maldade.

- Louco.

Elevando apenas um pouco o cosmo, é possível perceber os pés do cavaleiro se arrastando para trás com a força de Apolo. Niké, impassível, mas chocada, não se atrevia a fazer um movimento sequer. Apenas sentia o perfume dos cabelos lilases de Mú logo a sua frente.

- Não preciso estar com minha voz para acabar com você.

A telecinésia de Mú fez com que sua provocação ressoasse direto na mente do deus a sua frente, e só na dele.

- O que pensa que pode fazer, criança?

Os olhos de Mú faíscam de ódio. Mas tentou se concentrar em tudo o que já havia escutado ali, naquele antro de serpentes que era o Olimpo. Entendia perfeitamente o porquê de Niké ter de passar por tantas dificuldades... E no meio daqueles pensamentos, uma sensação de reconhecimento entrou em seu coração. Não soube de onde vinha até escutar:

- O que um descendente de Hefesto pode fazer, Apolo. Tirar de você tudo o que ele já lhe deu.

Foram palavras de Eros, um deus que já estava cansado de ver a luta entre Olimpo e humanidade. Estava cansado da crueldade de alguns dos seus, principalmente seu irmão desvairado. Ele só não imaginava que aquela frase daria início a uma das maiores cenas que o Olimpo presenciara. O despertar do poder de Hefesto em Mú.

Apolo quase não teve tempo de reagir, mas para um deus que sempre esteve em guerra, sua primeira atitude foi um ataque. Uma explosão de cores, ilusões e poder se embrenharam no salão. Era perceptível que Niké não esperava por essa situação, mas tentou manter sua postura altiva perante o cavaleiro a sua frente.

Uma grande parede de cristal protegera-os do pior. O fogo consumia agora apenas o deus do sol, que cheio de ira sorria para Mú, ainda confuso com o poder que tinha dentro de si. E antes que seus sentimentos pudessem trazer o caos, o cavaleiro falou seriamente:

- Não pretendo lutar. Tenho outra função aqui.

Mú percebe que, além de sua voz ter voltado subitamente, todos os objetos de metal e armas que adornavam Apolo estavam destruídos a seus pés. Não soube quantos deles eram apenas enfeites e quantos eram artefatos mágicos... Mas todos eles agora estavam inutilizáveis.

Eros sorriu. Viu a movimentação de todos os outros deuses, alguns com medo do que acabara de acontecer... Outros aprovando uma possível revanche do deus do sol.

- Acredito ser melhor irem agora.

O deus que comanda o amor em todas as suas formas tocou suavemente o braço de Mú, acordando-o de um transe estranho e real. Enfim Eros descobrira o que poderia fazer com que toda essa discórdia terminasse. E intimamente se aliara com Niké e o sacerdote de Hefesto.

Niké deu alguns passos na direção dos fundos do grande salão olímpico. O rapaz olhou os olhos multicores de Eros apenas por um instante, e – entendendo exatamente o que ocorreria se permanecessem ali – seguiu a deusa.

Foi muito difícil conseguir controlar minhas emoções depois do que aconteceu. A energia de Hefesto percorria meu corpo e a vontade era utilizá-la a meu favor, para que tudo enfim terminasse. Mas não era racional. E a racionalidade era um trunfo num lugar como aquele.

Andávamos a esmo entre aquelas entidades perfeitas. Meu corpo retesava a cada novo olhar, mas aos poucos fui deixando de me incomodar para me orgulhar. Um sentimento tanto quanto egoísta, mas era o que acontecia naquele momento.

Eu não era apenas um cavaleiro e muito menos um arauto de Niké. Ali eu estava como igual, como havia descoberto, naquele momento eu era - pura e simplesmente - o sacerdote de Hefesto. E com isso, força renovada, minha intenção era descobrir exatamente o que este fato significava.

Os mistérios dessa afirmação na minha vida deixavam minha mente acelerada e com bastante receio do que eu sentia. Porque cada vez mais eu queria entender o que se passava com aquela presença imponente, frio e calculista na minha frente.

Niké podia querer parecer misteriosa para todos. Mas não para mim. Não para aquele que refez seu próprio coração.

Por muito tempo, durante o período em que apenas esperei seu retorno, eu me questionei qual era o sentimento que eu possuía em relação àquela entidade. Naqueles anos todos, acreditei que o respeito por tamanha força era o que aquecia meu peito. Mas não era.

E se, com esse novo status, eu poderia... Talvez... Ter o direito de possuir esse sentimento?

Nos meus devaneios, percebi que nos aproximamos de mais uma deusa, que tinha os ombros tensos e estava de costas para nós.

Foi quando Niké amansou sua expressão pela primeira vez dentro dos recintos olímpicos. Pude até perceber um meio sorriso formado na face da deusa... E então ouvimos a divindade dizer:

- Agora me diga... Se eu nasci de uma dor de cabeça do meu pai, o que é que sairá da minha dor de cabeça?

Ela estava de costas, diante do sol claro daquela manhã que nunca terminava no Olimpo. Aquele local era inebriante e absolutamente perfeito.

E subitamente me dei conta. Aquela deusa a minha frente, de cabelos castanhos e com vestes das mais tradicionais entre as mulheres olimpianas... Aquela era a verdadeira razão da minha vida. Foi por ela que eu lutei em toda minha existência.

Era Athena.

Niké parou ao lado dela e eu, chocado, fiquei aguardando um pouco atrás. Jamais imaginaria encontra-la, em minha mente eu acreditava que a Srta. Saori era a própria deusa. Pelo visto sempre seriamos enganados pelo Olimpo.

Ambas olhavam os infinitos montes em um tipo de sacada daquele enorme templo. As nuvens se assemelhavam a pequenos cordeiros subindo e descendo o verde campo. Tudo era tão lindo e eu estava tão embriagado pela beleza das duas divindades que não me atentei que Niké mudou seu jeito de ser ao lado da – porque não? – amiga. Talvez a única que tinha naquele antro de víboras.

- A senhora é a própria sabedoria e, ainda assim, continua superestimando suas escolhidas.

- Por todas as amazonas, Niké! Saori ainda é uma menina, o que você esperava?

- A postura de um receptáculo de deusas.

Percebi a deusa da sabedoria com as mãos nas têmporas.

- Também estou feliz de te ter de volta, Niké.

Cinismo era algo que eu não esperava ouvir dela. Mas é isso o que ocorre, e Athena sorri abertamente, pela primeira vez virando-se para a aliada.

Toca-lhe o ombro gentilmente, enquanto continua:

- Mas jamais esperaria isso de uma menina de 15 anos, e você também não. Sei quais foram os verdadeiros motivos de escolher esse momento para fazer seu ritual.

As mãos de Niké apertaram sutilmente o apoio em que se encontrava. E quando digo sutilmente, é algo como uma leve brisa num dia abafado de verão. E tão breve quanto. Mas eu não poderia ver seu olhar amargurado e cheio de ira para Athena de onde eu estava.

Então as palavras ficaram baixas demais para que eu pudesse escutar.

Athena. A única que me auxiliou após o exílio. Aquela a quem recorri quando precisei, mais uma vez, me esconder entre os humanos. Ela conseguia me desconcertar em uma única frase.

- Você me conhece o suficiente para saber que isso faz parte de algo maior, Athena. Mas não consigo entender porque você escolheu alguém tão fraca para ser sua protegida nesta era.

Uma pequena risada me mostra que, realmente, a sabedoria dela estava muito distante do que eu queria para mim.

- Achas Saori fraca? Ah, Niké...

Não consigo esconder meu descontentamento naquela afirmação. Eu realmente achara a humana escolhida bastante ingênua, mesquinha e até mesmo cruel em seus primeiros anos. É fato que, se não fosse sua personalidade, possivelmente nenhum dos últimos acontecimentos teria acontecido...

- Você acha que eu interferi em algum momento, caríssima? – Athena sorri enigmática – Tudo pelo que ela lutou foi de seu próprio coração. Inclusive a proteção que ela ofereceu a você.

- Não posso dizer isso dela agora, deusa, afinal ela desdenhou a Vitória e em breve irá tentar reaver seu cavaleiro.

Percebo que a deixo irritada. Possivelmente minha manobra com Mú não foi algo que ela efetivamente gostara.

- Não foi justo o que fez, Niké.

- Minha irmã e eu temos muitas diferenças, Athena.

Permiti-me esta brincadeira cínica, mas o olhar da mulher a minha frente me fez lembrar que ela também era deusa da guerra.

- A menina não está pronta. O rapaz não está pronto. É visível! Você ousou demais e não sei se conseguiremos estar aptos a tempo de realizar...

Coloco a mão em seu braço, sutilmente e apenas o suficiente apenas para ela perceber.

- Não acho que isso deva ser falado por nossas vozes aqui neste lugar.

- Teremos que ganhar tempo agora, Niké. Não poderemos agir enquanto ele não concluir o sacerdócio...

Uma pausa, e o semblante de Athena se entristece.

- E Hefesto não está no Olimpo.

Um punhal nas costas doeria menos do que aquela informação. Meu autocontrole estava no limite das forças. O ar me falta um instante e sei que tanto ela, quanto Mú podem ver.

- Prefiro ganhar tempo com o treinamento dele e a audácia de Saori do que perder tudo novamente, Athena. Não posso arriscar perder tudo novamente...

Niké nos deixa sozinhos, eu um tanto mudo com a visão daquela a quem imaginava proteger na Terra. Quando iríamos imaginar que tudo não passava de um teatro dos deuses? Quando teríamos a sutil noção de que os títeres estavam tão distantes de nós, mexendo os fios de nossas vidas... Sonhos.

Quando eu conceberia que Niké, em seu recluso espaço e sua expressão de amor pela humanidade, era aquela que trabalhava para que fossemos livres somente?

Assim, quando a vi indo de encontro a um pequeno amontoado de flores naquele extenso campo, imaginei que abria suas grandiosas asas douradas... E assim também percebi um rapaz se aproximar, abraçando-a longamente. A dor no meu coração durou alguns poucos segundos.

Esqueci-me que os deuses são deuses porque não se pensam. Ao contrário, eles entram em nossas vidas e o fazem por nós.

- Hermes é meio-irmão de Niké, cavaleiro. Não se preocupe. Não com ele.

Aquelas palavras me fizeram olhar pela primeira vez para os olhos de Athena. E eles tinham uma profundidade que nunca mais encontrei em toda minha vida. Toda a sua sabedoria estava naqueles olhos castanhos, como um carvalho antigo.

- Ela não deseja seu mal. Aliás, é exatamente o inverso. Ela deseja que você a conheça, conheça o que ela sentiu há tantas eras atrás.

Desprezo? Humilhação? Isso era fazer bem a alguém? Eu não tinha escapatória ante aos olhos de Athena. Seu sorriso era um bálsamo em meus momentos de verdadeiro terror.

- Niké sofreu isso por dias intermináveis, Mú. E apenas porque acreditou tanto na humanidade, acreditou tanto no amor que foi traída. Pelos de sua própria raça.

Ao longe, Hermes coloca uma grinalda de flores na irmã, pairando no ar e indo de encontro às nuvens. A deusa da vitória move os ombros, trôpega. Niké chorava sem lágrimas.

- Para amar uma deusa é preciso ser forte, meu protegido.

Meu coração parou de bater por alguns segundos e o olhar de Athena era triste.

- Caso você a ame verdadeiramente, este é o seu teste. Mas qual é o teste que será imposto a ela por você, Mú?

Ela coloca a mão sobre a minha por alguns instantes, muito breves, mas que – para mim – foram uma vida inteira.

- É como se ela dissesse a você que é isso que o aguarda. É como se ela lhe perguntasse se você carregaria esse fardo com ela. E eu lhe peço, cavaleiro, se esse não é o seu desejo... Então não transmita isso com tanta intensidade.

Pois ela jamais agüentaria novamente. Era isso. A deusa não precisava completar aquela frase. Meu coração já sabia. E decidira. Muito antes de qualquer um desses fatos.

Taberna de São Patrício – Irlanda do Norte

- Eu juro pra vocês! Era uma coisa metade homem e metade cavalo!

- E lá também tem fadas, fadas azuis que comem os sonhos da gente quando dormimos.

Os bêbados importunavam-nos há horas, mas era a única coisa que tinham de sobrenatural naquele lugar. A rede de informações da Fundação tinha levado os cavaleiros até aquele fim de mundo... Mas pelo tom da conversa, não sabiam mais com certeza se estavam certos.

As capas os cobriam até os pés e mesmo assim a chuva os encharcara até os ossos... Aioria estava de mau humor.

- Não que eu não considere Mú um amigo, Miro. Mas eu já to ficando de saco cheio dessa busca! Isso ta me dando nos nervos!

Ele falava enquanto tentava se livrar da lama em suas botas. Entravam mais uma vez nos quartos e desta feita sentiram que tinha algo estranho no lugar.

- Esse local que procuram não é deste mundo.

Das sombras um pequeno ser saiu e por mais espantados que os dois cavaleiros de ouro estivessem, não havia como negar: era um duende.

- Mas não tem problema não é? Afinal...

Os olhos brilhantes dele apareceram na escuridão.

- ...vocês também não são.

CONTINUA...


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Notas finais do capítulo

Bom, acho que esse foi um dos maiores desafios que já escrevi. Envolver tantos deuses numa mesma fic foi um parto de fórceps (apesar de ter saído em um dia).

Quem tinha esquecido dos cavaleiros de ouro que foram incumbidos de “socorrer” nosso colega ariano? o

Não percam o próximo capítulo, pois ele estará cheio de novas aventuras!

Abraços,

Ephe-chan



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