Vitória escrita por Ephemeron


Capítulo 7
RECONSTRUINDO LARES




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Miro arqueou uma sombrancelha, tentando entender o que estava acontecendo ali. Porém, havia esquecido o quão impulsivo Aioria poderia ser, ainda mais se tratando de uma provocação após um dia exaustivo naquela terra distante.


 


Alcançando a cabeça do pequenino, ele fez seu pior olhar ameaçador:


 


 - Quem é vo...?


 


Mas não houve tempo. Quando percebeu, estava apenas com um chapéu esquisito na mão e o duende estava em cima da cama, dando uma risada engraçada.


 


Miro não resistiu e gargalhou alto diante da frustração do amigo, recebendo um olhar fulminante de Aioria, e tratou de disfarçar um pouco. Foi algo inesperado, claro. Mas nunca iriam se dobrar a um duende. Isso seria, no mínimo, humilhante.


 


- Vocês acham mesmo que eu diria algo a dois paspalhos? Nem mesmo conseguiram quebrar a barreira de cosmo que a Niké criou!


 


E mal o rapazinho falou isso, Miro o segurou pelo pescoço. Sem machucá-lo, no entanto, pois pretendia tirar dele o que procuravam: informações sobre onde Niké estava prendendo Mú.


 


- Fica esperto, salva-vidas de aquário! Com quem você acha que está falando?


 


No momento que as capas caíram e o anão viu as armaduras de ouro, percebeu que se meteu numa grande enrascada.


 


(...)


 


Estávamos de volta ao templo de Niké e o seu cansaço se mostrou visível. Assim como toda a sua dor. Era perceptível que utilizava algum tipo de máscara enquanto estivera no Olimpo e que, o mais surpreendente, sentia algum medo interior de algo que eles pudessem fazer. Ou interferir.


 


- Infelizmente meu objetivo não foi alcançado nesta visita, Mú. Algumas coisas nem os deuses têm controle.


 


- Espero que entenda o que está fazendo com você mesma, Niké, ao menos.


 


Vi que existiam algumas frutas e água no móvel ao lado. Estendi-lhe uma taça, pois era necessário acalmá-la.


 


- Se somos assim tão iguais, não há motivos para que você também não seja feliz.


 


Percebi que alguma coisa cedeu dentro dela naquele instante. Seu silêncio foi tão ou mais revelador que qualquer palavra que ela falasse naquele momento.


 


O olhar, que até então estava fixado na entrada do templo, voltou-se para mim e achei que pude ver algo como lágrimas presas entre seus longos cílios negros. Mas era só minha imaginação.


 


- Você é muito diferente de todos os que já conheci.


 


E suspirando profundamente após tomar todo o líquido refrescante da taça, ela se encaminha para seus aposentos:


 


- Vou me retirar alguns instantes. Fique a vontade para ir à vila.


 


Já atrás da longa cortina de veludo, escuto-a dizer:


 


- E se ainda insiste na idéia de construir sua própria morada, solicite à Brielle os materiais necessários.


 


Parado naquela ante-sala repleta de objetos luxuosos, eu comecei a fazer um esforço imenso para recordar das cenas vividas a pouco. E percebi que as imagens dos deuses se desvaneciam da minha mente... Minha memória estava pregando uma peça em mim mesmo para esconder uma passagem surpreendente demais do meu cérebro.


 


Mas eu descobriria que não se tratava de nada disso. E quando me dei conta, estava estatelado no chão os olhos revirados e uma escuridão crescendo ao redor. Eu estava desmaiando e não tinha forças sequer para chamar ajuda. O corpo tão enfraquecido que nem mesmo meu cosmo parecia despertar... Um pânico agigantou-se em meu peito, achando que aquilo era obra de um dos olimpianos...


 


Mas era muito mais simples do que eu imaginava. Era fome. E desidratação. E tudo ficou escuro.


 


- Acho que ela deve ter esquecido o quanto isso poderia afetar você, rapaz.


 


Minha visão retornava aos poucos.


 


- Aquele lugar não é feito pra humanos. Vocês ficaram fora por um mês!


 


- O quê?!!


 


Os olhos estalaram e ergui-me tão depressa, que quase desmaio novamente pela tontura que essa tolice causou. Brielle apoiou meu corpo, batendo em minha cabeça em seguida – numa bronca incontida.


 


- Claro! O tempo de um deus é diferente do tempo de um homem. Vamos, você precisa tomar muito líquido e se alimentar... Veja só, até emagreceu!


 


Procurei meu rosto com as mãos, tentando assimilar o que ela acabava de me dizer. As imagens voltavam depressa na minha mente, junto com o sentimento e o medo de tudo o que vivi.


 


Mas existia algo mais forte que isto... Muito mais. Era a lembrança do que ocorrera no Olimpo. O momento em que tive pela primeira vez os poderes de Hefesto. O momento que tive pela primeira vez o poder suficiente para ajudá-la.


 


- Brielle, será que poderia me explicar algumas coisas?


 


(...)


 


O vento cortava o rosto deles e o frio era algo beirando ao insuportável. O mar castigava as pedras e eles se perguntavam até quando ficariam pulando de local a local assim...


 


- Eles mataram mesmo Kraken? Porque eu adoraria dar um petisco para aquele bichinho adorável...


 


Leão erguia o duende a uma altura não muito segura do mar, apenas pela corda que o amarrava. Ensandecidos com todas as peripécias do pequeno ser, eles preferiram levá-lo daquela forma para não terem tantos problemas...


 


- Aioria, por favor, não faça eu dizer pela milésima vez que precisamos desse traste vivo.


 


Miro há muito tempo perdera, em algum lugar celta, aquilo que chamavam de paciência. Os cabelos armados, as capas rasgadas, o rosto sujo e barbado... Ah, claro, muito molhados também.


 


- Acho que agora sei como um viking se sente...


 


O duende gargalhou com sua voz irritantemente estridente, fazendo Miro pegá-lo no ar, pois o amigo acabara de soltá-lo sem piedade.


 


- Amiguinho, pode parar com essas suas gracinhas e falar agora onde estamos indo, ou eu não vou me segurar para salvar a sua pele!


 


E talvez somente naquele momento o duende efetivamente percebeu, envolto na cosmo energia dos cavaleiros de Leão e Escorpião, que ali ele não passava de uma simples, singela e saborosa... Presa.


 


(...)


 


- Você quer dizer que todos nesta vila são...


 


- Eu poderia dizer que ela barganha com os deuses pela nossa libertação, mas ela jamais admitiria isso.


 


- Acho barganhar uma palavra forte.


 


- Sim, mas foi o que fizeram com ela também. Para mim, depois de tantos anos, é fácil perceber que essa é a forma dela se vingar de tudo o que aconteceu.


 


- Se é assim, essa é a vingança mais pacífica e bela de que já tive conhecimento.


 


Brielle me sorri. Aquele seu sorriso de fada. Ah, sim, ela era uma fada. Um daqueles seres maravilhosos de cabelos azulados, fala gentil e magia alegre. Os olhos dela, o próprio arco-íris em meio a um rosto já marcado pela idade, se iluminam mais com o que falo.


 


Ela levanta-se, deixando a tigela já vazia na mesa ao lado da cama. Respiro profundamente, renovado depois de tão farta refeição. Ela trazia uma grande caixa que eu imaginava saber o conteúdo.


 


- Nós todos fomos salvos por Niké. Retirados da angústia de uma vida marginalizada e finalmente tratados como iguais. E ela não sabe que, realizando nosso maior desejo, que foi nossa liberdade, ela nos deu mais um.


 


Então pude observar com muito mais clareza a verdadeira intenção daqueles seres e também perceber que todos nós tínhamos exatamente o mesmo sentimento.


 


E, um pouco irônico sim, mas acredito que tudo aquilo o que Niké deixou para trás recluso em seu artefato estava espalhado por todos aqueles a quem ajudou.


 


As peças de metal dentro da caixa eram de uma magia antiga que contava a história de toda a minha linhagem. Naquele momento percebi o motivo real de eu estar naquele vilarejo.


 


- Nós desejamos lutar.


 


Espanto-me com a franqueza pouco comum da idosa fada, até porque ela segura em minha mão fortemente. Suplicava.


 


E eu não sabia que as rodas do destino começavam a girar. Eu não sabia que ali, naquele instante, eu estava começando a mais que fazer parte da rede... Eu também a teceria.


 


- Senhor Mú, nos ajude... Porque nosso maior desejo é salvá-la.


 


(...)



 


- Eu n...não... não sei!


 


- O QUEEÊ?


 


Aioria estourou uma pedra para não fazer isso com o pequenino.


 


- Explique-se melhor, senhor duende.


 


Um Miro irritado e altamente explosivo frisou muito as últimas palavras. O encantado, mal teve forças para continuar...


 


- O lugar é protegido por cosmo energia... Vocês t-tem uma f-força muito grande! Aí e-elas se misturam! Eu não consigo achar o caminho!


 


- E só agora você fala?!


Os dois se olham por um instante. A cabeça quente e o cansaço transformam o rosto dos dois e Aioria acabou fazendo o que sempre fez de melhor: ser impulsivo.


 


- Tá bom. Ok... Se é cosmo energia que ela procura...


 


- Aioria, não faça isso!!!


 


- ...É isso o que ela vai ter!!! OOoooohhh!


 


Não há tempo para impedi-lo.


 


O mar se afastou alguns metros diante da força do poder de Leão. As nuvens se retiraram, mostrando um céu azul cobalto e as aves da região se agitaram. O ar ficou quente e Miro teve um pouco de trabalho em se proteger. Ainda mais segurando um “pacote” debaixo do braço.


 


Alguns segundos se passam até que eles percebem algo diferente na paisagem. Onde antes se encontrava um precipício, de repente se mostrou um vale de verde abundante, pontilhado com um amarelo vivo da época das flores.


 


A umidade característica desaparece e eles têm uma estranha sensação de reconhecimento das montanhas ao fundo.


 


- Eles nunca vão me perdoar! Por favor, por favor! Não matem ninguém!


 


Aioria parou o que fazia no mesmo momento e olhou para Miro, cheio de dúvidas. Eles pensavam que o duende clamaria por piedade por sua própria vida, mas ele falava isso querendo dizer...


 


- Quantos mais de você existem por aí?


 


O pequenino se desespera, antevendo no rosto dos cavaleiros coisas que não eram a verdadeira intenção dos rapazes. Enquanto ele via aura assassina, os amigos na verdade começavam a questionar os objetivos daquela missão e o que haviam descoberto.


 


- Por favor! Somos seres de paz! Não nos matem, Guerreiros de Apolo! Não destruam nossa vila mais uma vez!


 


- Guerreiros de Apolo?


 


Os amigos falam ao mesmo tempo.


 


A tensão diminuiu, os dois caminharam alguns passos e ficaram pela primeira vez frente a frente com o vilarejo. Seus olhos cheios de espanto não conseguiram entender o que sentiam. Porque o motivo de estarem ali ia de encontro a tudo o que era falado pelo pequenino e a mente racional de ambos trabalhava no que Apolo tinha a ver com aquilo.


 


Miro colocou o duende choroso no chão, desamarrando-o, mas segurando-o firme pelos ombros.


 


- Nós somos Cavaleiros de Athena. Não desejamos o mal de qualquer criatura. Queremos apenas saber do paradeiro de nosso companheiro, Mú... Que também é um cavaleiro.


 


É provável que se tivessem dito isto antes, poderiam evitar tudo o que passaram. Mas também, que jamais teriam a oportunidade de ter aquela visão.


 


De repente se sentiram presos no chão. Não por qualquer hostilidade, mas porque a força que sentiram foi grande demais. Os olhos claros de ambos com um brilho diferente... Eles sabiam que estavam na presença de um deus.


 


Ou melhor, uma deusa.


 


A face fria de Niké os desconcertava, mas também amedrontava e – contraditório ou não – tranqüilizava.


 


- Pode ir agora, Mischief.


 


(...)


 


Por muitos dias depois de meu retorno eu fiquei a pensar naquilo que li e vi nos objetos de Hefesto. Estudei-os minuciosamente e o que descobri, foi mais do que minha mente agüentaria.


 


Toda a minha raça descendia daquele primeiro garoto. Aquele menino que, ao ferir Niké, entrou em contato com o seu sangue divino. O rapaz que foi marcado pelo fogo de Hefesto a fim de proteger as pessoas. Aquele que se ligou a Athena pela primeira vez e passou a construir para ela armas e armaduras em seu nome.


 


Minha existência, meu dever em proteger, minha alma guerreira. Eu herdara tudo isto desse meu antepassado. Era estranho perceber isso em mim. Era surreal. Irreal.


 


- Mú, acho que já está bom, rapaz...


 


Disperso em pensamentos, novamente me pego exagerando na ripagem da madeira em minhas mãos. Suspiro pesadamente e o velho fauno ao meu lado ri-se divertido. Obviamente ele sabia de tudo. Como não saber? Com a magia em torno de nós agindo como a chuva num dia de verão.


 


- Nennius, você tem a capacidade de me deixar realmente sem jeito...


 


- Caro herdeiro de Hefesto, você tem que aprender a lidar com todos os materiais e não só o metal.


 


- Sei disso, meu amigo. Mas acredito que é bom darmos uma pausa por hoje.


 



Secando o rosto com um pedaço de estopa que sobrara de nosso trabalho, me encaminho diretamente à bica de água mais próxima. Não admitiria minhas preocupações e jamais falaria sobre o juramento inscrito em todos os materiais avaliados por mim e que foram forjados diretamente pelo Deus Ferreiro.


 


Se ele fosse honesto consigo mesmo e deixasse o orgulho de lado, afirmaria que tinha medo de assumir tamanho poder.


 


- Senhor Mú, poderia nos ajudar com isso?


 


Um pequeno encantado apontava esbaforido para um pilar rochoso que, a muito custo, meia dúzia de centauros tentavam mover. O ariano dá um olhar exasperado para o grupo, esqueciam-se que esse tipo de atividade para Mú era muito mais simples e fácil do que lixar um batente de madeira. Em menos de um minuto, o pilar está no lugar escolhido e os cascos dos novos amigos batem no chão com força em agradecimento puro, simples e feliz.


 


A vila inteira estava em reconstrução. Tudo era reformado, arrumado ou efetivamente construído com muita alegria e amor. Tanto homens quanto mulheres, de todas as idades, de todas as raças, ajudavam naquele recomeço. Tanto para aqueles que ali se encontravam desde os primórdios da Terra quanto para aqueles que há pouco chegaram no vilarejo, aquele momento era de pura libertação. Libertação de temores, realização de sonhos... Um reencontro com o próprio lar.


 


A única coisa que sentiam falta, era da presença de Niké. Muitos sabiam que aquilo era uma forma de preparação para ela realizar seus antigos objetivos - e isso os fazia sentir um frio ameaçador percorrer suas espinhas, acabando por deixar este pensamento escondido no recôndito de suas mentes. E Mú era o único que tinha certeza do motivo que a fazia recolher-se num momento de tão grande felicidade para seu vilarejo.


 


Niké fugia de seus próprios sentimentos, pois era incapaz de sentí-los.


 


Foi quando aconteceu. E enquanto todos riam-se de felicidade, Mú sentiu-se subitamente desprotegido. Ao seu redor, o ar ficou parado e o cheiro do mar pôde chegar às suas narinas. Então a viu se encaminhar para a entrada do vilarejo e tomou por isso a causa de todas as suas sensações.


 


A deusa fazia isso com ele. Conseguia deixá-lo vulnerável.


 


Tão grande erro ainda viria dessa situação.


 


(...)


 


Por um único instante, eles conseguiram ver através dos olhos da Deusa. Por um único instante, os orbes esmeralda lhes pareceram tristes e angustiados.


 


Por um único instante.


 


- Lighting bolt!!!


 


- Scarlet Needle!!!


 


O afeto pelo amigo Mú é maior que qualquer outra coisa e eles agem. A força é mantida por alguns instantes, mas os cavaleiros se percebem aumentando a energia do golpe em desespero, ao ver que ela ao menos se movera diante do cosmo de ambos.


 


- Tão previsíveis.


 


Uma semente se desprende de um dente-de-leão, a gota de suor presa no rosto de Miro cai devagar. Os dedos de Aioria atingem o solo num apoio e os cílios longos de Niké protegem seus olhos num longo piscar.


 


E os Cavaleiros de Ouro são derrotados.


 


CONTINUA...


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Notas finais do capítulo

N/A: Ufa.. essa foi uma das experiências mais terríveis e fantásticas da minha vida! Caramba, Medeia, realmente precisamos fazer isso de novo!

A cada capitulo dessa historia percebo que ela tem vida própria. Esse capítulo não era pra ser um capítulo, e algumas etapas foram puladas agora para serem retomadas adiante. Sim, será praticamente um épico... Mas eu não ligo e, espero que você leitor também não ligue. Existem muitas brechas ainda a serem preenchidas. E serão. Aguarde.

Por favor, comentem! Estou carente de reviews! ^^



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