Capítulo 8

“Por trás da morte de Alliz – Parte 2”

Em plena noite nublada de sexta-feira, eles discutiam mais uma vez. O que não sabiam é que essa seria a derradeira conversa, a última chance de se evitar o irreversível, bastava que a escolha certa fosse feita. Uma simples escolha; entretanto, os meros seres humanos sempre conseguem complicar, impondo suas tolices, essas que sempre custam um preço impagável. E mais uma vez seria assim.

– Não Atena, isso está fora de questão. Alliz não vai pra acampamento nenhum, ela é muito criança ainda. – Kurt disse, impassível.

– Talvez ela não tenha tempo mais tarde Kurt, isto é sério. Eu já lhe contei sobre a profecia, e você sabe que é real, você vê! Nossa filha precisa de treinamento, o quanto antes. Há muitas variáveis a considerar. – Atena estava visivelmente nervosa. A seu ver, Kurt não compreendia a gravidade da situação, que para a deusa era praticamente palpável, visto que ela tinha predições nada animadoras sobre o que viria a acontecer.

Kurt suava frio enquanto se mexia freneticamente de um lado para o outro no apartamento em que vivia com a garotinha, em Nova Jersey. A ideia de se separar de Alliz o assombrava já que ele nunca havia ficado sequer um dia distante da filha, e embora Atena lhe dissesse que sua escolha de mantê-la consigo poderia ser irrevogavelmente fatal, ele se sentia capaz de protegê-la.

Fora o seu maior engano, no entanto, ele continuou irredutível.

– Não me interessa. Ela não conhece ninguém nesse lugar, eu não sei o que podem fazer com ela por lá, e o fato de eu não poder entrar no local não inspira o mínimo de confiança. Eu já disse, Alliz não vai.

Atena tentou contra argumentar, mas a expressão raivosa de Kurt lhe dizia que seria em vão mais uma vez. E o tempo estava acabando... Ela respirou fundo e decidiu contar um pouco mais, para tentar convencê-lo definitivamente de que não havia outra alternativa se quisesse que a garota continuasse viva.

– O acampamento é o melhor lugar pra ela, justo porque existem rumores de que uma guerra se aproxima e Alliz é uma semideusa especial. Eu quebrei um juramento sagrado e ela é a prova física disso, e se não for ao acampamento agora, ela poderá se virar contra os deuses. E eu já te avisei Kurt, os grandes não terão clemência com alguém que esteja ajudando a derrubá-los.“ Cortar o mal pela raiz”, conhece? Ela pode ser uma arma contra o Olimpo, se conseguir sobreviver mais algum tempo no mundo mortal. – Ela disse apenas em um fôlego. Depois tapou a boca em sinal de arrependimento, mostrando a Kurt que falou mais do que deveria. Ele apenas soltou uma risada sarcástica, com claras incertezas impregnadas ao som, denotando a incredulidade ao que Atena acabara de falar.

– Eu vejo através da névoa, e até agora não reparei em absolutamente nada estranho. Você não se importa com sua filha, apenas quer se livrar do estresse de uma eventual confusão no Olimpo, porque aparentemente são os próprios deuses que estão querendo brigar entre si por algo totalmente sem fundamento. – ele balançava a cabeça em sinal de que desaprovava o que havia dito, caso fosse verdade, o que de fato não era.

– Você ás vezes perde a consciência de que o futuro de vocês depende de nós. Acha que eu brincaria com uma coisa dessas? Alliz ir para o acampamento é a única maneira de livrá-la da morte. Pense Kurt, pense no bem da menina. – Atena suplicou as últimas palavras.

– O que foi, Zeus ainda está irritado com você por ter quebrado a promessa que lhe fez? – Kurt retomou a fala como se não tivesse ouvido Atena anteriormente. O mortal agora falava em um tom mais sombrio, mas suas palavras ainda assim carregavam ironia.

– Eu não me darei ao trabalho de retrucar essa provocação infantil vinda de você. Minha filha corre perigo e você bem sabe que por ser apenas um mortal, não pode fornecer a proteção que ela necessita. Se a ama mesmo, deixará ela no acampamento se possível amanhã de manhã, pois cada minuto no mundo mortal é uma gota de vida a menos pra ela. – Atena recobrou o controle e agora mantinha-se cética. Ao que parece, ela se convenceu de que fez o que podia, e agora a vida de Alliz ficaria a mercê de uma atitude de Kurt.

– Pense bem, ou o remorso lhe acompanhará pelo resto da vida. A culpa será inteiramente sua se ela morrer.

A deusa da sabedoria desapareceu em uma nuvem de fumaça cinzenta e um tanto densa, enquanto um Kurt atordoado decidira se deitar, afinal, já eram duas horas da madrugada e ele estava em dúvida se deveria ouvir a mãe divina de sua filha.

No outro dia acordou ainda em dúvida sobre o que fazer, mas afirmando para si mesmo que qualquer que fosse a sua decisão, Alliz ficaria bem, mesmo que sentisse a sombra da morte pairar sobre ela. Era sábado e ele se lembrou de que havia tirado o dia de folga para ficar com a garota. Ela não iria ao acampamento, não hoje.

Eles foram à praia e se divertiram como nunca antes, e em seu interior Kurt temia que essa fosse a última vez. Ele estava certo. No caminho de volta, o acidente provocado pela fúria aconteceu, e o pai sentiu sua vida se esvair junto ao corpo inerte de Alliz. Para piorar de vez a situação, um mortal azarado também fora prejudicado – Carl Hidell morreu atropelado, enclausurando na prisão um potencial inocente.

Durante todo o tempo na cadeia, Kurt tinha em mente as palavras da mãe da sua filha. A culpa era dele, ele sabia. Mas também lembrou-se de outra coisa que Atena havia falado: os grandes... Hades, Zeus e Poseidon. Em seu âmago deduziu que seriam eles os provocadores da morte da menina.

Então decidiu se vingar. Ainda que demorassem muito tempo para conseguir seu intento, ele somente iria parar quando lavasse seu ódio com o sangue de quem os três maiores deuses amassem.

Ele desejou a emboscada por anos a fio, e Ares apareceu para tornar esse desejo real.