Capítulo 9

“ Oportunidade de improviso: uma fuga.”

O frio em Highlands fazia o dia parecer escuro. Pela janela embaçada, Annabeth conseguia ver um terreno muito íngreme com capim congelado em volta, e mesmo que o vento parecesse forte lá fora, as copas das árvores mal balançavam.

A filha de Atena se perguntava quanto tempo ainda ficaria ali, e principalmente, se haviam notado seu repentino sumiço, embora tivesse a certeza florescendo dentro de si de que Percy não a abandonaria. Como havia feito quando ela fora levada pela Mantícora, três anos antes.

A cabeça de Annie ainda doía, devido à pancada que levara algum tempo antes, tempo este que ela não conseguia medir. Ela mal sabia determinar se fazia um dia ou uma semana que estava ali, só via de relance uma velha de rosto retorcido sentada tomando algo, que parecia ser chá. Seus olhos se fixaram por um instante nas mãos da senhora, onde cresciam grandes unhas amareladas e incrivelmente mal cuidadas, que mais pareciam garras e faziam Annabeth ter certeza: antes de ser uma velha nojenta, aquilo era um monstro – uma Empousa.

A garota comprimiu os olhos mais uma vez. Mexeu uma das mãos e a trouxe até seu rosto para verificar algo saliente por ali, que segundos depois, notou ser um corte de no mínimo sete centímetros. Não parecia ser fundo, mas foi o suficiente para fazer dispersar uma considerável quantidade de sangue, sangue este que agora estava seco e impregnado na testa dela.

A velha monstra não pareceu notar os movimentos de sua prisioneira, pelo contrário, estava aturdida em seus pensamentos, ainda que Annabeth duvidasse que ela realmente pudesse pensar. Annie decidiu esperar mais um pouco para estudar a postura da criatura que estava ali para vigiá-la, coisa que até agora ela estava fazendo muito mal. Ao correr os olhos pelo local, ela viu no canto da mesa algo que lhe era muito familiar: sua faca de bronze celestial, que sem dúvidas, estava bem mais próxima da Empousa - que atendia por Sra. Complain - do que dela própria. Ela teria que arrumar um jeito se quisesse chegar até ela e matar a monstrenga.

Pensou um pouco. Finalmente se deu conta que seus pés estavam atados, e ela não conseguiria soltá-los silenciosamente, como deveria fazer para surpreender a tal velha. Começou a atritar um pé no outro vagarosamente, na tentativa de fazer a corda ceder, o que pareceu dar certo, já que ela havia afrouxado um pouco. Sra. Complain agora ronronava com a cabeça escorada na mesa e o corpo semi inclinado, mas percebia-se que ela não cochilava completamente, pois uma parte de sua atenção ainda insistia em se prender à função de vigilância.

Annie tomou impulso e em poucos segundos soltou quase por completo um dos pés, porque antes de soltar o outro, a criatura sonolenta despertou surpresa. Antes que a velha pusesse a cabeça em ordem, Annie cortou o silêncio.

– Por que interrompeu seu magnífico sonho? Parecia dormir tão bem... Prazer, sou Annabeth Chase. – ela disse entendendo a mão, porém, ainda sentada no colchonete.

O monstro continuou paralisado. Talvez estivesse considerando um tanto estranha a atitude da garota, e por isso desconfiava de que havia algo por detrás de toda a simpatia da prisioneira. Sra. Complain voltou a sentar como se não tivesse acontecido nada por ali, enquanto Annabeth ainda sorria falsamente.

– Kurt logo voltará, então é melhor que não tente nada menina. Vai ser pior pra você. – A velha respondeu com sua voz tipicamente esganiçada.

– É mesmo? E por que ele te deixou aqui sozinha comigo? Acho que ele subestima minha inteligência ao acreditar que eu não seria capaz de fugir, ou confia cegamente no seu potencial. A segunda opção é mais provável, não? – Annie falou em tom casual, como se não fosse alguém que estivesse em plena situação de vítima de sequestro.

Sra. Complain pareceu pensar nas palavras da garota, tornando-se distraída diante dos olhos da semideusa – um erro sumariamente infantil. Annabeth estava sem armas, mas pegou uma cadeira que estava ao lado de si e avançou rapidamente, mas o poder de reação do monstro estava em nível alto.

As duas agora lutavam , com a criatura tentando acertar Annabeth com sua própria adaga de bronze celestial que a meio-sangue bloqueava com a cadeira. Em uma pequena distração, Sra. Complain conseguiu fazer um corte no braço da garota fazendo-a largar a cadeira em algo como um ato reflexo. A monstra viu a possibilidade de encurralar a semideusa ferida e correu para cima dela mais uma vez, que procurou desviar o mais rápido que pode.

Annie tentava pensar em algo para tomar sua faca. Decidiu por algo simples: enquanto a monstra a perseguia, pegou a xícara de chá que ainda se mantinha cheia sobre a mesa. Quando Sra. Complain se aproximou, ela jogou o chá no rosto deformado do monstro, que paralisou por um momento, enquanto Annie pegava a cadeira e arremessava desajeitadamente por cima da criatura mítica, que caiu no chão e fez com que as paredes da velha cabana tremessem e ameaçassem desabar em cima das duas.

Annabeth aproveitou a oportunidade e tentou roubar a adaga que era sua por direito, mas a monstra, mesmo com a cadeira pesada em cima de si, dificultou o quanto pode. A garota, experiente que era, manipulou com dificuldade as mãos cheias de garras de Sra. Complain até que a faca estivesse inclinada contra a lateral de seu abdômen. Fazendo força, Annie fez com que um instante depois sua lâmina estivesse soterrada por uma grande quantidade de areia dourada.

– Até que não foi tão difícil. – ela murmurou a si mesma.

Guardou de volta sua adaga no suporte que tinha preso à cintura, e sem perder tempo, arrombou a porta da cabana e se lançou floresta adentro. O frio estava de fazer bater o queixo, como ela havia imaginado, e sua blusa de magas compridas não a aquecia. Annabeth olhou o corte e viu que estava realmente muito feio, mas ela não tinha nem néctar e muito menos ambrosia consigo.

Sem saber pra onde ir, ela começou a correr montanha acima, esperando que Percy chegasse logo. Rápido o bastante para que Kurt não a encontrasse de novo.