90 escrita por The Klown


Capítulo 2
Capítulo 1 - Joseph




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/23893/chapter/2

28 de Junho de 1987

 

            Johnny brincava com seu carrinho de brinquedo na sala de estar. Sua mãe havia comprado o brinquedo no dia anterior, o que fazia do tal uma novidade para o garoto de sete anos. A sala de estar era gigantesca. Uma televisão de tubo contrastava com o resto da sala, embora naquela época, a invenção não havia por demais evoluído. O tapete morno sobre o gelado chão de azulejos era onde a criança brincava, perto dos sofás. Aquela sala poderia assustar a primeira vista, mas não era nada comparada com o resto da casa, que era, de fato, uma mansão.

            O clima na casa era solitário, devido ao pequeno número de pessoas para tanto espaço. Eram apenas Johnny, seus pais, e os empregados. Johnny não tinha amigos. Na verdade, em seus sete anos de existência, o garoto não conhecia o mundo exterior a mansão. Ele era educado em casa, com professores particulares, e os empregados faziam as compras. Sua mãe, vez ou outra, saía para comprar um presente para Johnny. Ele estava sempre bem-vestido, com roupas de marca, chiques. Seus pais não o deixavam sair de casa, achavam que o mundo a fora poderia influenciar negativamente seu filho.

            Falando em seus pais, nenhum dos dois trabalhavam, sendo que tinham herdado uma enorme fortuna do avô de Johnny, um magnata. Seu pai vendera a empresa do avô, e somou mais uma considerável quantia a fortuna da família. A família Rain, por causa disso, era muito conhecida e respeitada estado a fora.

            Após de terminar de se divertir com seu brinquedo, Johnny levantou-se. Espreguiçou-se. Olhou para o relógio na parede. Ele era um garotinho inteligente, sabia ver as horas. Nove horas da noite. Ele costumava dormir cedo, estava com sono. Ele começou a subir um lance de escadas gigantesco, em direção ao seu quarto. Essas escadas deixaram suas pernas fortes, embora ele ainda se sinta mais exausto depois de subi-las, tornando o sono mais fácil de ser alcançado ao chegar na cama.

            Ao chegar em seu quarto, deitou-se na cama e cobriu-se com os cobertores. Logo pôs-se a sonhar.

 

            Carlos Rain estava cansado. Estava jantando com sua esposa, Kim, na sala de jantar. A sala era iluminada por velas postas sobre pequenos suportes de metal na mesa, causando um clima romântico. Carlos tinha cabelos castanhos e bem cuidados, usava óculos de aro quadrado, por causa de sua hipermetropia. Sempre estava trajando uma roupa social, terno ou smoking. Dessa vez era um terno preto, sobre uma camisa branca. Kim era loira, com cabelos lisos e longos, soltos sobre suas costas. Seus olhos azuis fitavam os de Carlos, e sua boca mastigava o bife bem passado que os chefes de cozinha haviam preparado para a noite.

            Carlos sabia que Johnny provavelmente havia ido para a cama. Ele sempre jantava antes dos pais, que ficavam acordados até mais tarde. Em consequência disso, a família jamais jantava toda junta.

            Ele calmamente colocava mais uma garfada de bife quando a porta se abriu com um leve rangido. De lá, entrou na cozinha um senhor. Ele tinha o topo da cabeça calva com ralos tufos grisalhos nas laterais. Usava um monóculo no olho esquerdo, que cobria e desfocava sua íris azul. Trajava um smoking clássico, e carregava uma bandeja na mão. Carlos, ao olhar, sabia que se tratava de um dos criados, porém não se lembrava desse em particular.

            Ao por a travessa na mesa, o criado a abriu. Havia lá mais um pedaço de bife, suculento.  Mas o Sr Rain não mirava o bife, e sim, o criado, tentando lembrar-se do tal. Carlos gostava de ter intimidade com todos os seus empregados, gostava de ser amigo deles, que não o encarassem como o “Chefão Mandão”. Mas ele não se recordava desse. Não agüentou.

            -Boa noite, senhor, eu não me recordo de seu rosto. Poderia me lembrar quem é você?

            O criado mirou a face de seu patrão, como se o estudasse por alguns segundos, e replicou num tom de voz educado e baixo.

            -Sou Joseph Clancy, meu senhor. Sou criado nessa residência há duas semanas.

            Ao aquele monóculo se virar na direção de Rain mais uma vez, ele teve uma vaga recordação da contratação do tal Sr. Clancy. Não era muito detalhada, de fato, mas o suficiente para aceitar a explicação como verdadeira.

            Após terminar o jantar, levantou-se de sua cadeira, e acompanhou sua esposa até o quarto, onde  desfrutaria de uma noite longa de sono.

 

            O sol raiou. Os primeiros raios da manhã atravessaram as cortinas do garoto, vindo de encontro a seu rosto. O excesso de luz em suas pálpebras o acordou. Johnny levantou-se devagar, vestiu suas roupas colocadas encima da estante. O quarto era enorme, com uma cama colocada ao lado da janela, com a cabeceira longe da porta, uma mesa-de-cabeceira feita de carvalho com um despertador clássico encima. O despertador quase não era usado, as luzes do sol acordavam Johnny tão bem quanto se tocassem uma corneta em seu ouvido.

            Fora isso, havia a estante ao lado da janela, onde os pertences de Johnny estavam organizados. O garoto Rain era organizado para sua idade, fora criado para ter classe. ´

            Vestiu suas roupas, calçou seu sapato e desceu a escada, seus passos ecoando pela mansão.  Toc, toc, toc, toc, toc, seus passos ecoavam enquanto ele descia escada abaixo. Chegou na sala de estar, e caminhou até a sala de jantar, onde faziam as refeições. Um prato de cereal estava colocado sobre a mesa, tampado por um pano para não perder o calor. Johnny retirou o pano e pôs-se a aproveitar a sua refeição. Seus pais chegaram pouco tempo depois, e se sentaram em outros lugares da mesa. As velas apagadas lhes lembravam da refeição do dia anterior.

            Não demorou muito para que terminassem o café-da-manhã. Johnny, como o habitual, tinha aulas logo após. Ele andou até a sala de estudos, onde um professor particular o esperava.

            Carlos, por outro lado, assim como Kim, tinha a manhã livre. O magnata decidiu ver como iam os criados. Na verdade, ele queria mesmo era conversar com Joseph. Sua mania de conhecer os detalhes da vida de seus empregados não o largava. Ele era carente por atenção. Ele procurou pela sala de estar, a sala de jantar, a cozinha, os quartos, corredores, sala de jogos, sala de estudo, mas ele não encontrava aquele criado. Onde havia se metido aquele mordomo?

            Ele não fazia idéia de onde mais procurar. Sentou-se para descansar em frente a televisão, sentado no sofá. Olhou para seu reflexo na TV. Joseph estava parado atas dele! Olhou para trás. Nada. Ele olhou outra vez para seu reflexo. O criado não estava mais lá. Estranho.

            Seu estômago deu uma cambalhota. Carlos não se sentia muito bem. Talvez aquele café-da-manhã não tenha lhe caído muito bem. Mas logo aquela ânsia o abandonou. Algo temporário, rápido.

            Onde estava aquele desgraçado de Joseph? Carlos já perdia a paciência. Sua carência estava falando mais alto. Onde?

            Estômago deu outra cambalhota. Sentiu uma pontada de dor. Arrgh.

            Agora decididamente não se sentia bem. Cambaleante, andou até o banheiro. Ficava perto da sala de jantar. Ou não? Ele se sentia confuso.

            Ele ouviu um gemido atrás dele. Era sua mulher, Kim. Ela estava sentindo a mesma dor-de-estômago que ele? Carlos não conseguia raciocinar direito. Uma fisgada particularmente dolorosa fez ele soltar um alto gemido. Cadê os empregados? Onde estão aqueles desgraçados? O homem caiu, perdera o equilíbrio por causa da dor. Ele rastejou até o banheiro. A dor era imensa, insuportável. O que era aquilo? Veneno? Ele não conseguia mais pensar...

 

            Johnny chegou ao intervalo. Fechou o livro. Estava com vontade de urinar. Caminhou educadamente até o banheiro. Que sono, estava sonolento. Coçou seus olhos enquanto entrava no banheiro. Ele sentiu algo debaixo de seus pés. Curioso, tirou a mão dos olhos que estava coçando. Seu pai estava estatelado no chão, de olhos abertos, que já não brilhavam mais.                

 

 

 

           


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!