Antes de nos embrenharmos pelos quartos da chácara de Marcela, Ângelo tinha uma pessoa. Ele me apresentou a Renata no dia da cerimônia de casamento.

Ela era baixinha — mais do que eu — magrela e mirradinha. Tinha cabelos encaracolados numa tinta vermelha de quinta categoria e usava aparelho nos dentes, mas estava bonita naquela roupa branca que poderia ser confundida com o bolo da festa.

— Minha prometida — ele disse, com uma expressão de novela requentada.

Sorriu um sorriso amargo. 

Naquele instante, concluí que Renata não era mulher para ele. Ângelo também sabia disso, e mesmo assim parecia conformado em assumir aquela relação.

Por que aceitar viver uma vida que não satisfaz?

Não havia filhos no caminho nem regras religiosas. A escolha era somente dele. E ele escolheu não ficar sozinho.

Nessa época, nossa amizade de alguns anos atrás estava congelada. Talvez pelos estudos ou pelos compromissos de novas responsabilidades para a vida adulta.

Eu corria atrás de oportunidades, mas Ângelo já tinha uma vida formada, ainda que não estivesse satisfeito com ela. Questão de escolha.

Nossos encontros diários da adolescência ficaram cada vez mais resumidos. Depois do casamento dele, só nos reencontramos novamente um ano e alguns meses depois, na festa de aniversário de um amigo.

Ângelo parecia mais velho, mais comedido e com a mesma expressão amarga nos lábios. Seus olhos pareciam pedir ar puro para respirar. E minha paixão secreta por aquele amigo de escola voltava a se manifestar.

Ângelo deve ter percebido porque me propôs um café no fim de semana seguinte.

Aceitei.

E ele apareceu sozinho. Depois, sugeriu uma cerveja. Depois outra, e mais outra, e mais outra. Dois meses de encontros semanais mais tarde, já tínhamos retomado nossa intimidade juvenil.

Ele me olhava e, por vezes, eu esquecia como agir na frente dele. Dissimulava olhando para todos os lados e registrando cada detalhe de onde estivéssemos. Mirava seus olhos, sua barba por fazer, suas mãos grandes e firmes. Tinha medo de colocar tudo a perder — e o tudo era tudo mesmo. 

Tive medo até perceber que não havia mais como fugir do que já estava dentro de mim.