Fantasmas Cinzas escrita por Mariana


Capítulo 4
Conversando Pela Noite a Dentro




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Eu nunca soube definir se a saudade é um sentimento digno. Certa vez me disseram que a saudade é um sentimento bom, que o ruim mesmo é a angústia. E me pergunto, agora, cinco anos depois, se há uma possível distinção da saudade e da angústia. 

Acredito que não.

Ambos nos deixam pálidos, sentindo uma dor seca de incompletude. É uma sensação de manter cacos de vidro nos bolsos de uma calça apertada. Nessas horas, a gente perde o rebolado.

Quando Ângelo me chamou essa semana para conversar na sala de TV, previ que qualquer resquício de bom sentimento estava por chegar ao fim. Tudo conspirava ao sad end: segunda-feira tediosa, céu nublado e uma chuva fina e melancólica, tal qual cena retirada de uma rua de Nebraska.

— Giovana, não sei nem como te dizer isso.

Claro que não. A gente nunca sabe dizer algo que a outra pessoa já sabe, justamente porque ela já sabe. Não queremos ser redundantes. E por tentar fazer tudo ser mais simples, nos confundimos e tornamos tudo mais complicado. “Casualidades”, diria minha mãe.

— Olha, Gi — todos os meus amigos me chamavam assim; Ângelo, não. Para ele, eu era só amor ou meu bem, e hoje já desconfio dessas pessoas que trocam nomes por sentimentos — nós mudamos muito. Você tinha razão quando disse que não acompanhamos um ao outro.

Claro que eu tinha razão, mas ele esqueceu de mencionar a parte em que eu insisti, durante uma das nossas últimas discussões de relacionamento, que deveríamos nos adaptar a essas mudanças. Eu nunca levei a sério quando me falavam sobre sentir o coração querendo sair pela boca... até então.

As pernas bambearam e senti vontade de ser consumida pelas almofadas daquele sofá que tantas noites nos aconchegou. Segurando uma caneca fervente de capuccino, percebi ali que estava sendo abandonada. 

Culpei meu cabelo preso de forma desgrenhada, meu moletom largo, minhas meias de motivos infantis, meus óculos de grau. Culpei minha calcinha secando no banheiro, meus cremes no meio das coisas dele, meus hábitos alimentares, minha mania de preliminares.

Travei.

Mal percebi que minha mão estava se queimando por segurar aquela caneca.

E daí?

Pensei, então, no sobrado que havia caído no final da minha rua. Em poucas semanas, as rachaduras germinaram pelas paredes. Abalaram as estruturas e não demorou muito para que a casa viesse ao chão.

É curiosa a idéia de que as pessoas simplesmente fechem os olhos para as evidências de destruições. E sempre acaba assim: num belo dia, a ruína aparece de uma só vez. Nessa hora, parece que o melhor é se fingir de surpreso, esquivando — se do desleixo e da preguiça de não solucionar contratempos que jamais se solucionarão por si só. Negligenciando o conserto dos buracos e comprando mais panelas para suprimir as goteiras.

Só vendo os escombros de perto é que a gente se lembra que a casa cai. E que, antes disso, ela nos mostra suas fraquezas. É mais fácil não nos preocupamos com isso porque preferimos ter a ilusão da segurança e do conforto a investir na consciência do risco e da possibilidade de perigo.

Por isso que, mesmo não querendo aceitar a decisão de Ângelo, eu sabia que também era culpada por aquela situação. Pois muitas vezes deixei de fazer um reparo nas velhas rachaduras. E quantas vezes tranquei as portas para não ouvir o barulho do mundo lá fora? Quantas vezes me entupi de aspirinas?

Nossa alvenaria é frágil e nossos alicerces nem sempre aguentam o peso dos nossos dilemas. Agora fico com essa sensação persistente de que todas as casas caem algum dia. Até mesmo aquelas que nunca estremeceram suas bases.


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