Fantasmas Cinzas escrita por Mariana


Capítulo 3
Invisível




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Cinco anos antes dessa tragédia, havia uma cama macia servindo de apoio para o corpo magro de Ângelo. Havia um quarto quente e uma casa nos esperando aos finais de semana. 

Sempre nos refugiávamos na chácara da Marcela, nossa amiga em comum. Ângelo e eu mal nos víamos durante a semana. Na quinta-feira, eu já estava selecionando meus CDs mais bacanas, escolhendo três peças de roupa e alguma porcaria que pudesse levar para comer. Destes momentos de conivência surgia um abraço apertado e os bons ouvidos.

Com Ângelo ali — e Marcela sempre se fingindo invisível no local — eu esquecia os percalços numa cama que me era conhecida apenas aos sábados e domingos, de quando fugíamos da cidade para inventarmos nosso mundinho naquela chácara pouco distante. Era nosso refúgio de amizade. E numa noite de sexta-feira juntamos nossas tralhas habitué no Corsa grená da Marcela e decidimos antecipar nossa fuga. 

A TV do quarto estava ligada. Passava um desses filmes de terror que nos faz enxergar demônios até em paredes brancas. Cinco anos antes dessa tragédia, havia uma cama macia servindo de apoio para o corpo magro de Ângelo. Havia um quarto quente e uma casa nos esperando aos finais de semana. Sempre nos refugiávamos na chácara da Marcela, nossa amiga em comum. Ângelo e eu mal nos víamos durante a semana. Na quinta-feira, eu já estava selecionando meus CDs mais bacanas, escolhendo três peças de roupa e alguma porcaria que pudesse levar para comer. Destes momentos de conivência surgia um abraço apertado e os bons ouvidos. Com Ângelo ali — e Marcela sempre se fingindo invisível no local — eu esquecia os percalços numa cama que me era conhecida apenas aos sábados e domingos, de quando fugíamos da cidade para inventarmos nosso mundinho naquela chácara pouco distante. Era nosso refúgio de amizade. E numa noite de sexta-feira juntamos nossas tralhas habitué no Corsa grená da Marcela e decidimos antecipar nossa fuga. A TV do quarto estava ligada. Passava um desses filmes de terror que nos faz enxergar demônios até em paredes brancas. Duas long-necks de cerveja, guardadas há quase um mês na geladeira da casa, agora repousavam no criado-mudo ao lado da cama de casal. Deitados lado a lado, exercitávamos nosso lado Forrest Gump, recontando episódios passados e desvendando histórias particulares. Era uma noite como tantas outras, dessas que passamos juntos quando se tem um melhor amigo. Mas em algum momento me senti perdida naquele lugar, como se o meu conforto precisasse ser procurado com mais dedicação do que um simples lançar de olhos pelos arredores.

Marcela estava na cozinha preparando uma de suas receitas especiais de brigadeiro. Sozinha com aquele meu amigo de sorriso encantador e olhos grandes emoldurados por cílios arrebitados, senti o ambiente ficar tenso. Ângelo me envolveu no abraço que eu tanto queria – ele, talvez, estivesse pensando que fosse o álcool deslizando pelas minhas veias.

O edredon que acompanhava seu corpo serviu de apoio para minha cabeça no seu colo. Acariciou meus cabelos, um emaranhado de fios castanhos e compridos esparramados pelo lençol, e me fez sentir que tudo terminaria bem, seja lá o que fosse.

Éramos amigos, afinal de contas. 

Quando olhei novamente para os olhos cor de tempestade de Ângelo, escondidos atrás dos óculos de grau, meus músculos não me obedeceram. Fiquei ali com os joelhos fracos, respirando rápido, sentindo minha pele branca se queimar numa espécie de combustão. Bastou uma olhada e nossas defesas se desmoronaram.

Não sei quem se moveu ou quem estendeu a mão primeiro. 

Mesmo nos últimos segundos, não houve qualquer tipo de malícia. Mas nos abraçamos com força e, no instante seguinte, estávamos nos beijando.

Queríamos apenas matar uma curiosidade, como se estivéssemos bebendo água salgada por estar morrendo de sede, sabendo que iríamos morrer no final, mas incapazes de controlar a vontade de tomá-la.


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